Dentro do Espelho escrita por Banshee


Capítulo 2
Deja Vu


Notas iniciais do capítulo

Hey humanos, olha eu aqui de novo. Espero que tenham curtido o primeiro capitulo, bem, digam-me o que acharam. Tchau.



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Ter pesadelos no primeiro dia de aula não poderia ser um bom presságio. Peguei o despertador e o lancei contra a parede, e por mais que tenha me livrado de ser degolada por um demônio, ainda odiava seu escândalo de manhã.
Abri meus olhos e pisquei freneticamente para espantar o cansaço de uma noite mal dormida. Seria a primeira das minhas últimas sessões de tortura.
Ora, o primeiro dia do seu ultimo ano escolar deveria ser um festa, não é mesmo? Reencontrar amigas, rever gatinhos, zoar professores e no final ainda tem o baile de Inverno, onde todas as garotas do colégio aparecem lindas com seus vestidos do tamanho do mundo e seus saltos de quinze centímetros importados de qualquer loja no exterior. Maravilhoso isso, certo? Não mesmo. Principalmente se você for eu.
Escovei meus dentes, fiz um rabo de cavalo e peguei a primeira coisa que vi dentro do armário. Você não se vestiria bem para voltar ao seu Inferno pessoal, não é mesmo? Fui ao espelho para constar se era a mesma pessoa com pele translucida como de um cadáver, cabelos loiros aplacados, um olho azul e outro verde. Eu ainda era eu, mas por que não parecia ser eu? Peguei minhas lentes de contato verde, não que eu não gostasse dos meus olhos, mas mamãe dissera que heterocrômica* é o selo que Lúcifer colocou para que as bruxas fossem identificadas e obriga-me a mudar a cor dos olhos até que o “demônio” seja expulso.
Ridículo sim, eu sei.
–– Skye Marie Delevingne, o café está pronto. Desça agora, não permitirei se atrasar no primeiro dia de aula! –– Gritava a megera no primeiro andar.
A sala de jantar sempre fora amplamente arejada, paredes brancas com um teto azul com iluminuras de anjos e nuvens de ouro. Numa das pares estava pregada uma versão em miniatura de J.C com as escritas “Eu e minha casa serviremos ao Senhor (Js 24:15)”.
–– Preparada para o primeiro dia do último ano escolar? –– Perguntou.
––
Você acha que um homem no corredor da morte fica ansioso por sentar na cadeira elétrica? –– Respondo limpando uma maçã.
Minha mãe, Teresa Delevingne, fora uma mulher relativamente diferente das várias outras. Possuía uma pele bronzeada, cabelos negros, olhos azuis e baixa estatura. Uma bela mulher, porém fanática religiosa. “Heterocrômica é a marca das bruxas.”; “Ruivos são filhos do Diabo.”, “Deus é destro, por isso canhotos vão pro Inferno.”. E nossa “Crentessa Delevingne” nunca fora uma pessoa feliz, muito menos normal.
–– Dará tudo certo. Só fique longe das devassas, com suas saias que só podem ser vistas com o auxílio de uma lupa e...
–– Sem devassas, jogadores sem camisa e principalmente professores de biologia. –– Interrompo –– A senhora faz o mesmo discurso desde a quinta série.
Ela aproximou-se do meu rosto, fitando-me com enormes olhos azuis. O mesmo olhar de aflição e refluxo de ter colocado no mundo alguém como eu. O mesmo olhar que me fez odiá-la com todas as forças.
–– Skye, sabe que tudo o que faço ou digo é para o seu bem, não sabe? –– Disse-me, beijando minha testa. O mesmo ato de Judas antes de entregar Cristo aos romanos.
–– Sei sim, mamãe. –– Respondi, acariciando os joelhos que ardiam devido à purificação do dia anterior.
–– Que bom. Agora é melhor ir ou vai se atrasar.
Peguei minha mochila e uma maçã verde, abri a porta e sai sem olhar para trás, rumo ao colégio Nifred Thade. Mas antes disso, tinha que ir a um lugar.



Nasci e fui criada em Nerfoni, próxima a Amsterdã, uma cidade com 2.000 habitantes que nem ao menos existe no Google Maps. Cidade pequena, onde todos sabem de todos, inclusive da vida da família Delevingne. Uma história linda, digna de Shakespeare.
Era uma vez Tessa e Robert, se casaram e geraram dois filhos Bs: A bruxa e o bicha. Tessa, sendo uma excelente serva de Deus expulsou seu filho homossexual de casa após ter tentado um exorcismo que resultou na perda do braço do garoto. Robert foi devorado por cães há cinco anos e só restou a ela a guarda de uma garota com o Diabo até nas entranhas. E todos viveram infelizes para sempre. Fim.
Ah, a minha vida toda, as pessoas olhavam-me com ar de pena ou repugnância por ser filha de quem eu era. Sempre as mesmas palavras de “Ah, olhem, não é a garota que teve seu pai devorado por cães?”, “Pobre criança, não merecia ser filha dessa vadia”, “Mãe, olha, não é a bruxa da Rua Mode?”. E quer saber? A opressão é um inferno.
Cheguei ao cruzamento da Rua Truth que se ramificava em três direções: Esquerda levava ao Colégio Nifred Thade, onde eu seria psicologicamente torturada pelo resto do ano letivo. Se fosse reto iria ao centro da cidade, no qual não tinha absolutamente nada pra fazer. O caminho da direita levava aos restos do Circo de Azazel, que fora misteriosamente incinerado há 12 anos, onde a população acredita que habitam os espíritos das pessoas que morreram carbonizadas no que chamam de Tragédia de Azazel, fazendo suas brincadeiras macabras com qualquer um que ouse entrar nos restos de sua sepultura. Todos sabem para qual direção uma bruxa iria.



Os restos do mausoléu carregavam em si uma atmosfera tenebrosa de um lugar onde vidas foram tragadas. Quase era possível ouvir o choro das crianças sendo carbonizadas e as risadas dos demônios que presenciavam a cena.
Na época da Tragédia de Azazel era muito comum que circos usassem grades pesadíssimas nas entradas para manter os penetras distantes. Quando o fogo começou o cadeado havia emperrado e as grades não poderiam ser removidas a força. Todos queimaram e agonizaram até a morte.
Graças aos esforços dos bombeiros, o fogo não se alastrou muito e o resto do circo continua em pé. Porém vazio, lúgubre e solitário.
Caminhei um pouco mais, passei pela placa que indicava seu nome e parei na frente dos trailers dos artistas.
Sempre me perguntei quem eram e o que gostavam de fazer, seus hábitos diários, medos e anseios. Eles se reconheciam nos espelhos?
Respirei fundo e ajoelhei-me na terra negra, colocando minha mão esquerda no chão e fechando os olhos.
Pude sentir a felicidade das criancinhas ao se depararem com toda aquela cor, aquela mágica. Os pais felizes com suas esposas enquanto davam gargalhadas da idiotice do palhaço. O mágico fazendo suas ilusões que fascinavam os olhos desatentos e sua assistente com pernas longas e torneadas, que cativavam os solteiros da plateia. Vi os cuspidores de fogo com toda sua glória e as acrobatas fazendo sua dança esplêndida no meio do ar... Vi as chamas começarem e o choro dos bebês ficando cada vez mais alto. Senti o desespero de uma mãe enquanto procurava sua filha e os gritos de uma acrobata enquanto despencava. As chamas cresciam e uma criança não conseguia respirar, seu pulmão ficava mais pesado enquanto seu corpo inteiro implorava por oxigênio, se debatia no chão e a temperatura subia. Ela nunca mais veria os olhos azuis da sua mãe ou ouviria a risada do seu pai, mas mesmo assim tentou se arrastar, contudo tinha a sensação de que enfiavam agulhas em seu peito... Deitou de barriga pra cima e estendeu o braço pedindo por um milagre dos céus... E sua visão escureceu pra sempre.


Saltei, tirando a mão do chão, sentindo o oxigênio preencher meus pulmões novamente. Meu rosto estava úmido devido às lagrimas.
Só precisamos aumentar o volume quando nosso mundo é devorado pelas chamas.
Uma forte ventania surgiu e senti meus cabelos balançarem. Corvos se aproximavam, com seus olhos completamente negros e unhas fendidas, se multiplicavam, vindo do vazio e pousando nas árvores ao derredor.
A marca da minha mão estava perpetua na terra agora.
Havia sido mais intenso do que da ultima vez.


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