Designium escrita por Caio Historinha


Capítulo 18
Sorte II


Notas iniciais do capítulo

Capítulo escrito por Claudio Nigro e Edielson Enzo Torrieli



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Arcady encontrou dados ao lado da cama junto com o desjejum. Tinha tido pesadelos horríveis, mas acordou cheia de energia e eles logo se perderam nas brumas da memória. Comeu muito bebendo uma caneca de café forte e pensando qual era o motivo para os dados estarem ali. Desse pensamento foi para o Dr. Demian. Percebia que não conseguia sentir raiva dele e isso era mais estranho que todo o resto... Olhou em volta como alguém que é encontrado devaneando, porém o quarto e o silêncio continuavam iguais. Não vira Sarene mais desde o jantar e tinha certeza de a ter ofendido de alguma forma mesmo que não soubesse qual.

Voltando do banheiro pensou o quão perfeito seria um cigarro, os seus ainda deveriam estar na varanda. Naquele dia (-ontem!) os esquecera sonhando que o mundo finalmente estava do seu lado... A batida na porta quebrou as imagens antes que estivessem formadas. Abriu e se encontrou diante de um ser no mínimo curioso. Não exatamente "diante", pois a criatura tinha um metro de altura,o rosto de um ewok e fumava um cigarro com piteira embaixo de um boné muito grande de um hotel famoso.Vestia o que com certeza era um jaleco tingido de preto,cortado e amarrado no corpo por várias voltas de uma corda grossa.Procurou algo para dizer a fim de justificar a boca aberta:

–Você tem um cigarro para me arranjar?

A criaturinha que parecia aborrecida com a sua expressão de espanto deu mais uma tragada e sacou um maço fechado do bolso externo. Colocou-o sobre uma pequena bandeja que trazia na mão esquerda e, com uma voz idêntica a do velho mordomo inglês dos filmes, disse:

–Carta do Dr. Demian para a Srta. Glass.

A boca dela terminou de se escancarar, mas pelo menos teve presença de espírito suficiente para pegar a carta e o maço. Quando olhou novamente a criaturinha já marchava pelo corredor. Tentou falar um "obrigado", contudo isso não era o bastante, a conversa que tivera no jantar não saia da sua cabeça, respirou fundo e deixou as primeiras palavras que lhe vieram saírem:

–Você é bonito, não devia ter que se esconder.

O pequeno mordomo congelou no meio do passo, porém não se virou e no instante seguinte sumia no túnel de pedra. Voltou para o quarto se sentindo especialmente estúpida. Esse tipo de coisa era o que dizia para os seus alunos.
“Querida Arcady, tenho certeza de que um dia de descanso lhe fará bem depois dos lamentáveis infortúnios pelos quais passou. Espero que possa me honrar com sua companhia no jantar. Demian.”.

Leu a carta acendendo um cigarro e olhando para os muitos dados. Nunca havia visto um dado de vinte lados antes e alguns ostentavam desenhos no lugar dos números.Passou as próximas horas fumando um cigarro atrás do outro junto com o café cada vez mais frio e sentindo uma agitação crescente. Sua margem de acerto passava dos 80% e não precisava fazer contas para saber que isso não era normal. Algo foi acontecendo conforme percebia que estava controlando as probabilidades: a principio pensou que era o café exigindo que se movimentasse, depois passou a ter menos certeza. Levantou da cama e foi até a porta sentindo a adrenalina percorrendo seu corpo. Fechou-a nas suas costas e seguiu pelo corredor sem hesitar nas bifurcações. Teve um momento de apreensão quando se deu conta de estar descendo, então respirou fundo, apertou os dados ainda na sua mão e foi em frente.

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Tinham se reunido no monte mais alto na fronteira entre a Bélgica e a França. O Vauban corria muitos metros abaixo dos seus pés. Lille estava recuada no horizonte, mas já bem próxima. Arcano se ajoelhou no chão e puxou a mochila. Retirou uma travessa fina de prata, abriu o cantil e o verteu até que uma fina lâmina de água se formasse. Conseguia sentir as ondas que vinham de Espiral. Dessa vez era raiva a frequência, impaciência talvez, mas aí seria uma diferença sutil demais para notar. Não era o bastante para atravessar sua vontade, nem perto, Espiral não era Pesadelo, contudo tinha suas utilidades. Os outros pareciam bastante afetados.

O "músculo" dessa missão, Krondur, estava mais inclinado para pular do monte do que para descê-lo. A criatura com certeza aguentaria o impacto. Miragem caminhava apressada, a burka tremulando em mil cores. Arcano voltou sua atenção para a água, a cidade era visível, então foi fácil.

–Portões. - sua mente cheia de padrões medievais converteu a vontade em imagem. Sentiu uma das chamas de um dos seus círculos de poder se esvaindo. Já gastara algumas durante o dia e só as recuperaria após dormir oito horas ininterruptas.

–Filhos da puta! - o que antes pareciam universitários bebendo na frente de uma loja fechada tremeluziu e se tornou uma emboscada dos malditos farejadores. Pessoas na rua teriam sido enganadas. Depois do primeiro grupo foi fácil achar outros. Mesmo sem vê-los, apostaria uma moeda que eram centenas.

–Merda! -dessa vez a equipe não tinha ninguém para ele descarregar. Olhou uma vez para o Yakuza e deixou pra lá.

Sentou cruzando as pernas e fechou os olhos. Esperou até que a mente se adaptasse ao escuro e buscou mais uma chama, essa de um circulo mais elevado.Com o movimento de levantar as mãos fez com que a terra se erguesse formando uma pequena e tosca maquete de Lille. Espiral já havia visto aquilo e se aproximou trazendo o velho junto. Ambos encostaram-se a Espiral e a maquete se acendeu com múltiplas luzes.Teria ganhado a moeda. A sorte é que o velho tinha marcado a energia do alvo. Fez um gesto com a mão e todas as luzes se apagaram, menos uma. Adrian Salinger. Em movimento.

–Merda! -fez um gesto de puxar em direção à luz e a jogou na água. Surgiu a imagem de muitas galinhas agitadas num ambiente escuro. -Merda!

–O que houve? - perguntou o velho.

–Vamos - exclamou. - O alvo está se movendo.

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Conforme foi descendo, vários sinais deixaram claro que o abrigo de partisans já fora uma mina de carvão. Caçambas de transporte juntamente com restos de trilhos enferrujados jaziam abandonados em espaços abertos no túnel largo e, a cada poucos metros, lampiões a querosene ocupavam altos nichos nas paredes irregulares.Vinha caminhando a no mínimo uma hora quando ouviu um tropel de cascos vindo em sua direção.

Atirou-se em direção a um dos vãos e mal teve tempo de se abaixar atrás de um carrinho quebrado antes que numerosas criaturas quadrúpedes passassem velozmente vindas de baixo. Seu eu normal teria preferido continuar ali escondida e trêmula, entretanto os fios invisíveis que a arrancaram do quarto agora a conduziam com urgência. Acelerou o passo cruzando aberturas largas no túnel sem se deter, sua intuição a conduzindo para cada vez mais fundo.

Por fim, chegou a uma câmara circular de teto tão elevado que se perdia nas sombras. A primeira coisa que notou foi uma fraca luz difusa, proveniente do que parecia chaminé natural diretamente sobre um longo estrado de madeira. No extremo oposto, três portas velhas e apodrecidas estavam fechadas. Não estava consciente quando fora trazida, mas agora tinha certeza de que fora por essa entrada que ali chegara. Foi olhar mais de perto e encontrou um motor conectado a um conjunto de cordas e polias que se estendiam na direção do estrado. Imediatamente começou a procurar uma forma de ligá-lo até se dar conta que faltava uma peça, alguma alavanca responsável pela ignição do motor.

–Ok, não pode ser só isso. - olhou em volta mais atentamente, certa de que encontraria a alavanca jogada no chão, porém era óbvio que não havia mais nada ali...

Exceto as portas. Sua intuição parecia ter parado de funcionar e nenhuma delas dava qualquer pista. Escolheu três dados de vinte lados e se concentrou, o menor número seria a porta certa. Jogou-os um ao lado do outro. 20, 20, 1. Antes que tivesse tempo de pensar a respeito empurrou a terceira porta e entrou. Três criaturas imensas voltaram os rostos surpresos esquecendo o sanguinolento banquete de carne crua.

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Chegaram a Lille pela manhã. Agora o dia dava lugar ao cair da noite. Aedan ainda sentia-se desconfortável, no início do trajeto sentira um pequeno abalo em seu poder sensorial. Alguma coisa estava acontecendo em Londres, mas as ordens que recebera de Salize eram claras e Aedan sabia que algo grande também estava acontecendo em Lille. Logo Loued traria algumas respostas. Ted ainda não retornara com Alys. Black estava rondando vilarejos com Rachell. Assim, ficaram Aedan e Goorg, aguardando por relatórios da equipe.

– Estão demorando. - Se queixou.

Goorg deu de ombros.

– Relaxa, Aed. Devem estar embasbacados, com tanto verde, e belezas francesas.

Aed suspirou. Eles não sentiam, não da maneira que um farejador era capaz de sentir. Não eram os únicos SDs em Lille. Aedan sentia e estavam se aproximando com uma ira interna, algo sobre-humano que lhe causava calafrios. Inesperadamente, a porta da cafeteria se abriu, o "clang" provocado pelo sininho o denunciou. Loued tinha o semblante sombrio por de trás das lentes escuras de seus óculos. Ele era a melhor opção para transitar dentro de toda aquela tensão, não seria farejado por nenhuma ameaça iminente, no entanto estava carrancudo como nunca.

– E então, o que conseguiu?

Loued ajustou os óculos e se sentou.

– Seu nome é Alec Demian. Aparentemente, anda sequestrando SDs pelo mundo à fora. Aed, não vou mentir... Esse é um SD perigoso, essa missão é sem sentido, temos de reunir a equipe e sair daqui o quanto antes.

Aedan já gostaria de ter partido muito antes, ouvir isso apenas reforçava a ideia inicial.

– Temos de aguardar os restantes. - Loued assentiu - mais alguma coisa sobre esse Alec?

– Não. Nada específico. Sequestrou uma garota ontem. Uma tal de Arcady. A responsabilidade da guerra de ontem é dele também. De resto, nada que nos interesse. Se Belford pretende exterminar toda espécie, que comece por aqui.

–O que quer dizer com isso?

–Esses não são SD com os quais estamos habituados, Aed. Esses caras lhe matariam somente por matar, existe algo de insano nestes mutantes. Temos de dar o fora daqui.

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O maior de todos a agarrou com pinças de caranguejo e a jogou num monte de palha fétida. Os outros dois eram bastante humanos mesmo com seus imensos músculos grotescamente deformados mas esse parecia um urso com chifres de bode e garras vermelhas sem articulações no lugar dos braços. Deu um rugido e fez alguns sinais para um dos Brutamontes que saiu correndo. (E agora?... Agora? Eles vão te fazer em pedaços e comê-la como sobremesa! Aquilo não parece uma bota militar?).

Encolheu-se no canto e tentou pensar como Adrian. Ele era sempre capaz de tirar uma lição de tudo o que ocorria... Adrian! Tinha certeza de que queria estar com ele e imaginara que a Sorte a conduzira até ali para isso. Sim! Devia haver algo que ela pudesse fazer, só faltava a iniciativa...Então a intuição voltou.

–Ei, seu urso estúpido! – e jogou um fêmur com a bota ainda presa no nariz inchado e nojento dele.

Acertou em cheio e em meio segundo ele se aproximava rosnando e fazendo estalos sugestivos com a pinça. (por Sorte Beorn estava de péssimo humor, sua parceira havia sido atingida pelo disparo de um tanque e os corpos que trouxeram estavam em sua maioria excessivamente cozidos para o seu gosto). Não tinha lhe ocorrido qual seria a segunda parte do plano quando o Brutamontes acertou um murro no urso, lançando-o contra uma porta de metal que Arcady não reparara. Por algum motivo o som que lhe pareceu mais alto foi o de um cadeado quebrando.

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O mundo de Aburusamyn era definido em três tons: tudo era vermelho, a população não infectada surgindo em seu campo de visão como sombras negras. Esses ele ignorava por completo. Quase nunca eram alvos. "Quase", pensou com um sorriso de satisfação. O terceiro padrão eram os alvos, aparecendo em um tom verde fluorescente sempre que utilizavam seus poderes.

Há três anos vinha sendo preparado para a liderança. Testes e experimentos atrás de experimentos. No entanto, toda a dor e sofrimento lhe presentearam com poder. Sentia esse companheiro constante pulsando em sua corrente sanguínea e no cérebro, conectado a tubos que processavam e armazenavam informações lhe dando a capacidade de utilização de todos os poderes SDs que tivesse contato. (Agora. Sinto o cheiro dos infectados se aglomerando na mesma região. Isso vai ser divertido).

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Um chiado veio do outro lado, seguido de um impacto que fez com que a pesada porta de ferro se abrisse alguns milímetros. Correu de volta para a câmara com o Brutamontes no seu encalço e ficou surpresa quando não foi agarrada.Se voltou e o viu gritando para a primeira e segunda portas,a madeira arrancada do batente e em seus braços. Uma torrente de criaturinhas das mais diversas surgiu em debandada, muitas indo pelo túnel ascendente e outras se aglomerando ao seu redor, próximas ao elevador. O Brutamontes,ainda gritando para que todos fugissem, apoiou as duas pranchas de madeira na porta fechada e escorou-as com seu enorme ombro.

Arcady sentiu as lágrimas quentes escorrendo pelo rosto, não tinha mais certeza de quem eram os monstros. Por sua culpa algo com certeza terrível estava solto e as pequenas criaturas a sua volta por mais deformadas que fossem estavam elas próprias apavoradas demais para inspirar medo. Ouviu um ronco seguido por uma voz velha com um exagerado sotaque britânico dizer de forma forte, porém tranquila:

– Senhoras e senhores, por favor, subam a bordo.

Levada pela confusão ao seu redor, Arcady se viu sobre o elevador sem paredes repleto daqueles pequenos e chorosos seres. Ajudou alguns a subir e tentou se encolher o máximo possível para ocupar menos espaço. O elevador sacudiu com um tranco e ela olhou para baixo a tempo de ver o pequeno mordomo ao lado do motor e o Brutamontes mantendo a porta fechada com evidente dificuldade, então só havia a pedra repleta de saliências e o ranger de cordas.

Subiram mais rápido do que parecia seguro, às vezes batendo contra as paredes o que provocava um coro de gritos, latidos, miados e um surpreendente som que lembrava o balir de um elefante. Mesmo na penumbra ela conseguiu identificar uma criatura ainda menor que as outras com imensas orelhas e uma longa tromba. Faltavam muitos metros ainda quando com um tranco forte pararam. Sentiu o pânico se avolumando dentro de si, a Sorte não a ajudaria aqui e quem poderia dizer o que havia libertado ou quanto tempo mais Demian precisaria para encontrá-la. Os pequenos, que agora se agitavam, não causavam-lhe mais repulsa, talvez fosse uma solidariedade causada pela situação mas os via como mais um grupo de crianças sob seu encargo. Levantou-se e,esforçando-se para soar tranquila e autoritária, disse:

–Temos que continuar subindo.

Ouve um momento de cacofonia, mas quando o "garoto"-elefante e uma família de ratos bípedes começaram a escalar os outros pouco a pouco os seguiram. Ajudou alguns com mais dificuldade e agarrou-se as saliências, incerta de ter forças para alcançar o alto. Abandonou esse pensamento porque nada viria dele e lentamente se ergueu de apoio em apoio.

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A noite avançara e ganhara espaço. Ted retornara juntamente com Alys. Aguardavam impacientes por Black e Rachell.

– Eles podem se virar sozinhos Aed. - Disse Loued, quebrando a tensão. - Londres não é do outro lado do mundo.

–Vamos aguardar.

–Você quem sabe. - Devolveu Loued.

Aedan já vinha sentindo alguns poderes se aproximando. Um se movia rápido com outros em sua cola. Um caminhão de frangos surgiu na rua estreita, quando estacionou Aedan pode ver um homem saltar da carroceria. (O poder vem dele)
Mas não houve tempo de abordagem. Os perseguidores surgiram em suas costas. Era um grupo de quatro, com um rapaz pálido vestido em uma espécie de toga,vindo a frente.

Foi ele quem falou.

– Adrian. - Disse o rapaz.

Aedan sentiu as emoções emanadas por todos a sua volta: Raiva, ódio, desespero e tudo o mais despencando juntos numa correnteza poderosa. Percebendo o perigo, Aedan correu em socorro ao homem.

– Afastem-se dele! - Gritou Aedan já com sua pistola empunhada.

O rapaz de branco fez um gesto com as mãos e uma bola de fogo se manifestou, então a lançou para cima de Aedan, que viu a morte em seus olhos quando as chamas rugiram em sua direção.

– Alys! - Gritou.

A garota telecinética o agarrou e o lançou nos ares. Ted veio em auxílio. Agarrou com seu magnetismo um dos carros estacionados na calçada e lançou-o para cima do grupo rival. Um grandalhão quase do tamanho de Goorg parou o carro com uma das mãos.

– Eita porra! - Ted gritou e recuou um pouco – Goorg, esse é seu. Eu cuido do esquisito ali. Alys, proteja o Chefe e o careca!

– Fiquem onde estão. - Disse o rapaz. Viemos buscar o senhor Adrian, não temos nada com vocês.

O tal Adrian parecia atônito no meio do espetáculo de poderes.

– Eu procuro minha noiva, vocês há viram? Ela se chama Arcady.

– Espiral, pegue-o!

Uma aberração saiu das sombras e se dirigiu em direção do homem.

– Não deixem que o levem! - Gritou,e então congelou.

– MUTANTES. - Uma voz trovejou. - Rendam-se. É o fim par a vocês. Não ofereçam resistência e terão uma morte limpa.

– Essa não! Eles chegaram aqui. - disse o rapaz de toga.

Quando Aedan olhou para cima, constatou o que já sabia: vários farejadores da EEM. Seus olhos metálicos brilhando na escuridão e, dentre eles, um poder demoníaco e esmagador, uma força opressiva que ele jamais sentira na vida.

– ESPIRAL! - Rugiu o garoto.

O ronco possante de uma moto ecoou pelas ruas estreitas de Lille. Aedan viu Rachell e com ela... Black, a única salvação.

Os farejadores se lançaram no ar Rachell acelerou e o rapaz de toga gritou:

–Pegue ele, Espiral!

Quando a criatura inumana tocou em Adrian, Aedan sentiu uma confusão de poderes.

– Black. Teleporte. Agora.

A moto se lançou na luta, Black teleportou e sumiu, com ele indo Rachell e os farejadores. Adrian havia desaparecido. Restaram apenas a equipe de Aedan e o rapaz de toga, cercado.

– Não se aproximem do Arcano. - Disse em ameaça.

Mas era tarde. Ele era apenas um contra os cinco que o cercavam. Aedan decidiu que o levaria para a resistência e rezou para que Black e sua pequena Rachell estivessem a salvo.

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Chegou à superfície com as mãos sangrando e os músculos ardendo. Uma criatura com asas atrofiadas de mariposa e um rosto preto coberto de pelos sedosos lhe entregou um cantil do qual ela bebeu um longo gole e devolveu a olhando no rosto e sorrindo.

– Obrigado. - então elevando a voz para que todos pudessem ouvi-la - Vocês não me conhecem e eu não os conheço, mas isso não importa agora. Sei que não quero ser usada por aqueles lá embaixo e duvido que vocês queiram. Devemos correr para o mais longe que pudermos. Ficou surpresa quando mais da metade deles se afastou com expressões hostis. Uma das criaturas, corcunda e listrada como uma zebra,falou num tom raivoso:

– Lá fora os Limpos nos matam sem motivo algum. Não se importam em falar. O Chefe nos dá trabalho, o Chefe nos protege e garante que ninguém morra de fome!

Alguns até exibiram punho minúsculos e dentes minúsculos, embora afiados, e Arcady teve o pressentimento de que as coisas estavam prestes a sair do controle.
Um par, depois outro e mais outro de orelhas tremelicou. Arcady não foi a única a notar e o silêncio se espalhou entre os presentes, quebrado apenas pelo barulho de ondas num mar oculto à visão. Então todos ouviram o som de madeira explodindo em lascas e a Lua e as estrelas enfraqueceram no céu. O ar se tornou denso como se uma tempestade estivesse prestes a cair e, na velocidade de um pesadelo, um horror saltou do poço e pairou no ar sobre todos.

Formado por escuridão e medo, faixas rubras faiscando do seu corpo imenso ele exalava tal pavor que Arcady desabou no chão, tomada por tremores convulsos. Viu as pequenas criaturas tombando, os rostos disformes congelados num esgar de pânico. Morriam em bandos, incapazes de emitir qualquer som além de gemidos roucos e estalos de dentes partidos. O pesadelo se expandia no ar como um retalho de trevas pulsando sangue... E a compreensão a atingiu como um relâmpago num mundo sem cor: aquilo estava se alimentando, enlouquecendo as mentes e sugando o medo até que a vida fugisse dos pequenos corpos.

Levantou-se do chão. Por toda a sua vida sentira que suas emoções estavam distantes e envoltas em névoa, captava vislumbres para a sua arte e depois restava apenas o vazio e uma saudade sem nome. Não mais. Agora um sol furioso gritava com mil vozes em seu peito e ela gritou junto com elas desejando com tudo o que era o fim daquele pesadelo. Algo muito rápido e brilhante passou por sobre a sua cabeça. A luz brotou de dentro da escuridão e Arcady voou carregada pelo ar quente.

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Rachell tinha certeza de que quando morresse iria para o Inferno, e estava determinada a não chegar lá de olhos fechados. Por isso, quando a moto em que estava com Black decolou na última rampa e voou entre farejadores, o furgão preto, os homens armados e a criatura gigante ela arregalou os olhos e se preparou para rasgar suas ultimas gargantas. O nevoeiro tornava tudo indistinto, mas pôde sentir Black acelerando e viu todas as armas apontando para si.

– Eu avisei Aed. Só arrumo problemas. - Sorriu para a morte de olhos abertos.

Viu os farejadores sumirem, depois Black. A moto ainda estava lá. E a morte. Imensa pairando no céu. Sentiu seu braço se reconfigurado num padrão novo, mais rápido e melhor que tudo que já usara. Apontou e disparou um míssil contra a morte que explodiu e se consumiu em luz. A moto derrapou por vários metros e finalmente parou ao lado de uma garota vagamente parecida consigo.

–Sobe aí, irmãzinha. -disse sem parar para recuperar o fôlego.

–Você não quer saber quem eu sou?

– Se você não for acanhada, sobe aí. Podemos deixar o romance para o caso de chegarmos vivas num bar.


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Notas finais do capítulo

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