Designium escrita por Caio Historinha


Capítulo 17
Lionel IV


Notas iniciais do capítulo

Capítulo escrito por Caio Tavares



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Ele abriu a porta e apagou a luz da suíte. Ainda estava cheia de fumaça depois do seu banho quente, então manteve a porta fechada. Vestido com seu robe lilás, Lionel foi até o criado mudo e pegou os óculos. O quarto era grande, e a cama ficava a uns sete passos do banheiro.

Emmet estava recostado ao espelho da cama, lendo uma revista científica em Latim. Ele era PhD e professor da Universidade de Cambridge, e sempre fazia questão de estar atualizado. Estava vestindo um moletom branco e coberto com o cobertor até a cintura. Já era a terceira noite seguida que ele passava no apartamento de Lionel, e faltava pouco para definitivamente morarem juntos.

– Não está com frio, Leo¿ - Emmet perguntou, sem tirar os olhos da revista.

– Um pouco. – Lionel respondeu. – Mas não importa, eu adoro o frio. Sabe que horas são¿

– Já passa das dez, mas não tenho como saber exatamente, agora que o Big Bem sumiu. – soltou um risinho.

– Ah, sim, o Big Bem. – Lionel bufou – Acredita que a o Belford me acusou de estar envolvido nessa porra¿

– Como assim¿ - Emmet franziu o cenho.

– Ele disse “Sem dúvida há mutantes envolvidos nisso. Os seus mutantes, senador Vegger.”

– Que gordo filho da puta! Mas não dá pra negar que isso parece obra de alguém sobre-humano.

– Mutante, Deus, quem quer que tenha sido, não tem nada a ver comigo. – Lionel se sentou na cama ao lado do namorado. – Conversei com o chefe a respeito ontem, e ele me jurou que não faz ideia do que aconteceu.

– Seu chefe, Angus Herrmann¿

– Isso. Foi com ele que conversei. – Lionel mentiu. Era de Salize que estava falando. Porra, seu estúpido! Pense antes de falar!

Emmet fechou a revista e a deixou sobre a cabeceira.

– Parece que essa carreira política está acabando com você.

– Por que diz isso¿ Quando nos conhecemos, eu já era vereador.

– Mas é diferente. Todos os dias você tem reclamações, e toda vez que te vejo na TV, você está terrivelmente insatisfeito com alguma coisa.

– Eu sei, eu sei. – Lionel disse cabisbaixo. – Mas isso vai mudar, eu prometo. Quando for eleito Primeiro-Ministro, vou varrer a sujeira daquele Parlamento, Emmet. Belford e sua corja de conservadores vão ter que engolir a verdade: o mundo mudou, e não há mais espaço para o seu elitismo.

– Mas que inspirador, senhor Primeiro-Ministro. – Emmet disse sorrindo. Chegou mais perto do seu rosto, tão perto que era possível sentir o calor do seu hálito. Tirou seus óculos e pôs sobre a cabeceira. – Sabe... Os seus discursos me excitam.

Lionel o agarrou pelos braços e rolou para cima dele. Agora estavam ambos deitados, e o homem negro sentia seu pênis endurecer. Abaixou a cabeça e beijou Emmet, começando com alguns selinhos e então enfiando a língua em sua boca. Sentia cócegas com aquela barba aparada, o que o deixava ainda mais excitado.

Emmet o empurrou para cima, já enrubescido e ofegante. Em um movimento rápido, tirou a camisa e o puxou para perto novamente. Lionel beijou seu pescoço vorazmente, deixando marcas roxas por onde passava. O professor desceu as mãos pela barriga dele e agarrou seu pau, o que o deixou mil vezes mais excitado. Deliciou-se pelo peito enquanto acariciava seu tronco, costas e cabeça, cada centímetro daquele corpo que pedia rola. Voltou a beijá-lo em meio a grunhidos de prazer, e enquanto o fazia, tentou puxar as calças de Emmet.

A campanhia tocou.

Lionel parou o beijo, mas sem se afastar. Queria que o som estridente tivesse sido ilusão, desejava isso mais que tudo nesse momento. Mas não era, e a campanhia tocou de novo.

– Que merda. – Emmet falou, saindo debaixo do enorme homem que o beijava. O som veio novamente.

– Ahhh! Que saco! – Lionel se sentou e amarrou o roupão novamente. - Quem será a essa hora¿

– Eu não tenho ideia.

Ele se levantou terrivelmente puto. Que quer que fosse, era bom que trouxesse uma notícia muito importante. Encaixou os óculos no rosto e prendeu a respiração, tentando conter a raiva. Olhou para trás, e Emmet estava de camisa novamente. Era novembro, estava realmente frio.

– Volto em um instante, amor. Pretendo despachar quem quer que seja o mais rápido possível.

Seguiu descalço pelo apartamento, passando pela sala do piano e então pela sala de TV. Era lá que ficava a porta da frente, onde o som da campanhia era ainda mais alto e mais irritante. Tocou pela quarta vez.

– JÁ VAI! – Ele gritou. Depois se arrependeu, pensando que não era educado fazer isso. Mas já havia feito.

Um homem de terno preto e gravata cinza o esperava do outro lado da porta. Era consideravelmente bonito, com cabelos pretos, olhos castanhos e uma boca sensual.

– O senhor é Lionel Vegger¿ - Ele enfiou a mão dentro do paletó.

– Sim, sou eu. O que quer de mim¿

– Nada de especial.

Foi mais rápido do que Lionel poderia imaginar. Sentiu o cano gelado de uma arma pressionado contra a sua pele, e então o tiro. A pele rasgando foi a menor das dores, se comparada ao calor lancinante do projétil atravessando seus órgãos. Não se lembrava de ter caído, mas agora estava de joelhos e com os olhos fechados. Seu abdome ardia de maneira incontrolável, e ele quase não conseguia respirar. Cada fôlego era um calvário.

Foi quando notou que o homem de terno estava estático à sua frente. Sua mão continuava erguida, e a arma em posição de ataque. Sangue jorrava por onde a bala havia penetrado, mas seu corpo era o único que não estava congelado. Havia conseguido parar o tempo.

Lionel agradeceu aos céus por isso, e se concentrou para não perder o controle. Seus olhos estavam cheios de lágrimas e a dor se espalhava pelo corpo como um câncer. Não estava conseguindo levantar sozinho, então se pendurou na maçaneta. Seus quase cem quilos fizeram a peça quebrar, mas ele finalmente estava de pé. Preciso de um médico, pensou. Não, um médico não. Preciso de Salize.

Mancou para fora do apartamento, deixando Emmet e o atirador de terno para trás. Queria fazer algo para se vingar, mas a dor era tanta que não conseguia pensar direito. Chegou em frente ao elevador e apertou o botão quinze vezes, até que se lembrou de que nada funcionava no tempo parado. Teria que descer nove andares de escada.

Ele pressionava o ferimento com o braço direito, tentando conter a torrente de sangue, mas isso produzia mais dor que qualquer outra coisa. Desceu praticamente pendurado no corrimão, e todas as vezes que tropeçou, achou que não conseguiria mais levantar. Mas conseguiu, e lá estava o térreo, mas com os óculos em cacos e a visão totalmente embaçada.

Por onde Lionel passava, deixava um rastro de sangue. Seus braços e tronco estavam ensopados, e agora seus pés também sangravam. Ele abriu o portão e saiu na noite, sentindo-se a ponto de vomitar de tanta dor.

Deu alguns passos e tombou de joelhos, fazendo ainda mais cortes com aquele chão áspero. Deveria ter calçado sapatos, ele pensou com dificuldade. Mas que merda, deveria ter saído de casaco.

Mas lamentar não resolveria nada. A noite estava fria como um lago congelado, e isso fazia suas feridas arderem como brasas. Havia muitas luzes, mas o mundo perdera sua nitidez. Tentou se levantar novamente, mas caiu logo em seguida. Talvez o melhor fosse se deitar e morrer, mas não. Precisava chegar até Salize.

Rastejou de quatro pelas ruas, tateando o chão como fazia quando era um bebê. Topou nos carros congelados no tempo e no meio-fio, até que encontrou uma tampa de metal.

É aqui, ele pensou. Tem que ser aqui. Havia uma centena de bueiros entre sua casa e o restaurante por onde poderia entrar, e aquele tinha de ser um deles. Fez um esforço monumental para tirar a tampa, e quando a largou de lado, não conseguia mais ver nada. O mundo estava escuro, e respirar era quase impossível. Todo o seu corpo estava banhado em sangue e dor, e tudo o que ele pôde fazer foi se jogar para dentro do buraco. Sentiu o tempo escorrer por entre os seus dedos, e o mundo voltou a girar.

Caiu estrondosamente em uma poça de água e merda, sentindo uma dor que não se pode descrever. Buscou forças para respirar, mas parecia estar se afogando.

– Quem está aí¿ - Uma voz perguntou de qualquer lugar. – QUEM ESTÁ AÍ¿

– Salize... – Lionel sussurrou, ou ao menos pensou ter sussurrado. – Preciso... Salize...

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A viatura da EEM era totalmente preta, por dentro e por fora. Ao contrário dos uniformes, não havia nenhum logotipo nela. Por ser um carro elétrico, também não emitia som algum. Era feita para não ser percebida.

Os seis voluntários estavam sentados em bancos um de frente para o outro. Darlla sabia quem estava em cada banco, mas naquela escuridão absurda, tudo o que conseguia ver eram os olhos dos gêmeos felinos. Tocou novamente a faca embainhada à sua cintura. Não era uma arma de fogo, como esperara, mas mesmo assim era um prazer tê-la consigo. Ela mal podia esperar de ansiedade para matar alguém.

Ajeitou-se em sua posição e deitou a cabeça sobre o ombro de Johannes, que estava imóvel ao seu lado. Ele acariciou sua cabeça e lhe deu um beijo de leve. Toma cuidado, Lebre, ela quase conseguia ouvi-lo dizer. Ele parecia estar nervoso, como todos ali, mas para ela era apenas uma aventura. Uma aventura por que esperara sua vida toda.

Quando a viatura parou, o motorista desceu e deslizou a porta para o lado. Todos desceram e entraram em formação do lado de fora, como haviam sido orientados a fazer. Vestiam o uniforme operacional preto e levavam um capacete atado à cintura, que deveriam usar durante a missão.

Haviam parado às margens do rio Tâmisa, na periferia da cidade. Um enorme cano de concreto despejava esgoto a alguns metros dali, deixando o ar com cheiro de merda. Segundo o motorista, que era um dos melhores farejadores da EEM, aquele cu de mundo era bem próximo do buraco de rato da Resistência. A viatura se foi, e, em menos de dez segundos, um anjo desceu dos céus.

Deveria ter um metro e oitenta ou um pouco mais. Usava boina preta, e seu cabelo curtíssimo era da mesma cor. Darlla não conseguiu enxergar a cor de seus olhos, mas mesmo na penumbra, viu que o rosto tinha algo de bonito. Mas nada se comparava às asas. Enormes asas de anjo, com mais de cinco metros de envergadura e de um branco tão puro que pareci emitir luz própria. Ele as encolheu e se aproximou deles, deixando visíveis duas insígnias de oficial.

– Boa noite, SDs. Podem sair de forma e ficar mais perto de mim. – Ele disse em voz baixa, e todos se aproximaram. – Eu sou o major Ronald Von-Hallen, seu comandante nesta missão. Como todos já sabem, seu dever aqui é resgatar o mutante capaz de manipular o gelo, para podermos levá-lo à nossa base. Marquei com o motorista de retornar em meia hora, então este é o tempo que temos.

“Há um informante dentre os SDs, e vocês devem encontrá-lo facilmente. É um garoto ruivo e magro, capaz de se multiplicar. Chegou à Resistência há algum tempo, e, graças aos esforços dos nossos telepatas em criar uma mente falsa, Salize não descobriu suas verdadeiras intenções. Pois bem, ele os levará até este mutante. Seu nome é Amanda, e é uma garotinha assustada. Não terão problemas em dominá-la, desde que não ative seus poderes.”

“Sua primeira barreira são as grades de ferro deste encanamento. Entrarão pela saída, e então precisarão lutar contra os sentinelas, e então com os demais mutantes que eventualmente acordarem. Alguns são realmente perigosos, mas a maioria luta tão bem quanto um porco gordo. Eu vou aguardar do lado de fora, e só entrarei se houver alguma emergência. Boa sorte, senhores.”

Ele se retirou e os seis se aproximaram do cano. Os felinos silvaram ao ver a água de perto, e logo pularam para cima encanamento. Havia uma grade de ferro enferrujado ali, provavelmente posta para evitar a entrada de invasores. Assim como um gato passa facilmente por grades, os irmãos entraram por cima e caíram de pé sobre as “calçadas” do esgoto.

– Vocês não vêm¿ - Um deles disse rindo. O outro gargalhou de maneira estridente.

– Esperem um instante. – Grupius falou com seu sotaque francês.

O homem negro pôs os pés na água barrenta do Tâmisa e andou lentamente até a saída do esgoto, lutando contra a torrente de água. O cano ficava na altura do seu pescoço, mas ele se pendurou na base da grade e conseguiu subir. Quando estava de pé dentro da estrutura de concreto, agarrou as grades com as duas mãos e as puxou com uma facilidade absurda. Todos observaram pasmos enquanto as barras de ferro se transformavam em uma grande prancha de madeira, tudo graças à sua magnífica habilidade de manipular matéria. Com aquilo fez uma ponte, e todos puderam atravessar a seco.

– Muito bem! – Disse o anjo, na margem. – A primeira coisa que vocês encontrarão será um sentinela armado. Quem se sentir mais seguro, tome a dianteira.

– Eu vou. – Johannes disse. Aproximou-se de Darlla e sussurrou ao seu ouvido: - Vê se não morre hoje, Lebre.

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Ele saiu antes que Darlla pudesse responder alguma coisa. Pegou o capacete, que estava atado à sua anca esquerda e prendeu à cabeça, observando enquanto todos os outros faziam o mesmo. Era uma peça levíssima, com proteção de alumínio sobre a cabeça e uma máscara de gás, que os distrairia do mau cheiro. Não havia proteção para os olhos, mas isso não era necessário. Além disso, alguns deles precisavam dos olhos para matar.

Johannes queria estar tão seguro quanto aparentava. Não era sua primeira missão, mas já fazia muitos anos desde a última vez que matara um homem. Caminhou o mais silenciosamente que pôde, mas o som de doze pés contra a água era inevitável. A luz fraca que vinha de fora do túnel acabou completamente quando viraram à esquerda, então todos tiveram de confiar na visão dos irmãos felinos. Até que uma luz apareceu.

Certamente vinha de alguma lanterna, e seu dono estava um tanto entediado. Estava desenhando padrões aleatórios na parede com o feixe de luz, o que o tornou facilmente identificável. Johannes se virou e fez sinal para que todos ficassem onde estavam, e então seguiu sozinho.

Desta vez não importava mais ser silencioso, então pisou com força na água a cada passo.

– Quem está aí¿ - Uma voz masculina perguntou. Johannes pensou ter ouvido o som de eletricidade estática, mas talvez fosse só ilusão. – Quem está aí¿- Voltou a perguntar.

– Calma, amigo! – Johannes gritou de longe, Quando ficou de frente com o sentinela, pôs a mão na frente dos olhos para bloquear a luz. – Pode abaixar essa lanterna, por favor¿ Não consigo enxergar nada!

A luz saiu do rosto e percorreu todo o seu corpo. O alemão sabia que estava sendo estudado, e a qualquer instante o inimigo perceberia que ele era da EEM. Não se fez de rogado e caminhou rapidamente na direção dele.

– Parado aí, seu merda! – O sentinela puxou um facão da cintura e apontou na direção.

– E isso é jeito de tratar um amigo¿

– Amigo é o caralho! Você é um deles! Não se aproxime!

Raios azuis se formavam na lâmina da faca, e ficou claro que o poder dele tinha ligação com a eletricidade, mas por alguma razão, ainda não tinha atacado.

– Acalme-se, por favor. – Levantou as mãos. – É verdade, eu sou um deles. Meu nome é Johannes. Qual é o seu¿

– Não importa, seu desgraçado!

E um relâmpago surgiu. A luz era tão forte que fez parecer um dia ensolarado, e a eletricidade poderia tê-lo matado se não estivesse perto o bastante. Mas estava. E viu a mente daquele sujeito ceder devagar ao seu controle. O raio sumiu do ar e voltou ao corpo dele, que fez uma expressão catatônica no rosto. Johannes se aproximou a passos lentos.

– Pode me dizer seu nome agora¿

– Elétron. Meu nome é Elétron.

– É um belo nome.

As mãos do sujeito se uniram em torno do cabo de faca a viraram para o coração. Ele observou pacientemente enquanto o tal Elétron se esfaqueava uma, duas, três vezes, até cair de joelhos e não conseguir mais se mover. Seu sangue correu pela água, e então o caminho estava livre. Seus parceiros chegaram antes que ele os chamasse.

– O que você fez¿ - Dhamma perguntou com sua voz aguda.

– O convenci de que sua vida não valia a pena. – sorriu.

Prosseguiram pelos corredores, até chegar a uma enorme sequência de barracas enfileiradas. Ficavam em um patamar mais elevado, e a água do esgoto passava por baixo deles. Todos estavam dormindo, então bastaria passar em silêncio e procurar o informante. Os felinos resolveram subir e correr sobre o teto de lona das barracas. Eram pequenos e magros, ninguém esperava que fossem cair, mas um deles caiu. O teto desabou sobre algum mutante adormecido, que soltou um berro estridente. O felino se transformou em uma estátua de pedra na mesma hora.

– INVASÃO! – Alguém gritou em algum lugar, e todos se levantaram.

O gêmeo que sobrevivera pulou no pescoço de uma mulher baixa e rasgou sua garganta. Ele tinha unhas grandes e fortes, e parecia ser bom em matar daquele jeito. Um homem barbudo correu na direção dos outros quatro invasores, berrando e empunhando uma espada longa. Todos se prepararam para fazer alguma coisa, mas foi Dhamma que agiu primeiro. Seus olhos se estreitaram e uma língua bipartida saiu de sua boca, silvando como uma serpente do deserto. O homem caiu e entrou em convulsão, com a boca espumando e os olhos se revirando.

– Muito bom, garota. – Johannes disse.

Os resistentes eram mais rápidos do que ele esperava. Em menos de um minuto, dezenas estavam armados com espadas, facas, lanças e flechas, – não se podia usar armas de fogo nos esgotos, pois o barulho de um tiro era tão alto que poderia deixar alguém surdo. – além de usarem seus poderes das mais diversas maneiras.

Darlla correu à frente deles, derrubando inimigos por onde passava. Eles certamente nem percebiam sua morte chegar. Grupius pegou duas estacas que sustentavam barracas e as transformou em cajados de batalha, com os quais era capaz de matar três gargantas por segundo.

O som de metal em metal ecoava pelos esgotos, interrompido apenas por grunhidos de dor e as convulsões dos envenenados por Dhamma. Johannes empunhou a espada que trazia às costas para enfrentar os que vinham na sua direção. Já havia matado doze, mas aquilo parecia não ter fim. Não era capaz de induzir o suicídio sem olhar nos olhos, então precisava apelar para a força e habilidade.

Uma flecha atingiu sua panturrilha. A dor foi mais pela surpresa do que pelo corte, mas ainda assim doía. Johannes se virou de costas à procura do arqueiro, mas era difícil ver alguém naquele banho de sangue. Girou em torno de si mesmo antes de ver o óbvio: uma adolescente flutuava sobre ele, com a flecha armada no arco e pronta para atirar. Estava tão próxima que foi fácil ver seus olhos, e então sua mente frágil. Ela desistiu repentinamente do que pretendia fazer, e usou aquela flecha para rasgar a própria garanta.

Johannes teu um pulo para trás, para não ser atingido pelo corpo que caía. Estava horrivelmente cansado e dolorido, mas não podia parar. Já haviam avançado muito além daquele dormitório, e a cada segundo estavam mais próximos do coração da Resistência. Mas onde estaria o maldito informante¿

Um garoto de cabelos longos com um boné surrado na cabeça avançou em sua direção. Usava uma espada idêntica à sua, mas parecia ser bem mais habilidoso. Para cada golpe que o alemão acertava, levava três cortes pelo corpo. Bateram as espadas de um lado, do outro, e então acima da cabeça de Johannes. O rapaz não parava um instante, e parecia não se cansar. Em um momento, ele sentiu sua pele se rasgando perto das costelas e o aço frio penetrar no seu corpo. Pensou que fosse morrer, mas Darlla surgiu.

Ela agarrou o pescoço do garoto por trás e puxou uma faca para cortá-lo de um lado ao outro, mas ele deslizou pelos braços dela e afundou no chão.

– Um materializador. – Johannes disse.

– Um covarde. – Darlla respondeu. – Se cuida, Morte. Não posso te salvar o tempo todo. – E saiu correndo como um raio.

A dor debilitava seus movimentos, mas ele fazia o possível para ignorá-la. Enquanto empalava um homem de pele vermelha com sua espada, ouviu alguém gritar seu nome.

– Aqui! Johannes! Estou aqui!

Ele não conseguiu identificar de onde o chamado vinha, mas de repente dez vozes passara a repeti-lo.

– Estou aqui! Vou levá-lo até ela!

Era o informante. A mensagem era clara, só faltava vê-lo. Foi quando um garoto ruivo e magricela surgiu ao seu lado.

– Então é você¿ - Johannes perguntou.

– Sim. Estou ali, trinta metros à sua esquerda.

Olhou para o longe e viu o mesmo garoto pulando com os braços para cima. Ele ainda estava ao seu lado, e agora começara a matar resistentes também. Usava uma adaga cumprida, e, junto com Johannes, deve ter matado uns dez antes de chegarem à outra cópia. Então ambos sumiram.

– Estou aqui. – A mesma voz disse, logo em seguida. Estava parado à sua direita. – Venha comigo.

Havia um corredor vazio naquela direção, que levava a um maior com duas barracas longas, uma de cada lado. A maioria dos mutantes já haviam saído de lá, mas os dois ainda precisaram matar uns vinte até chegar no ponto certo do corredor.

– Ela dorme aqui. – O ruivo disse. – Se ainda estamos vivos, é porque está dormindo, ou assustada demais.

O alemão olhou para o lado e a viu. Era realmente jovem, mas não era uma criança. Seus cabelos loiros cobriam parte do rosto empalidecido de medo. Estava acocorada sobre a cama, abraçando os joelhos e tremendo.

– Fique aqui e me dê cobertura. – Johannes disse ao ruivo.

Ela estava completamente sozinha. Seus olhos verdes mostravam o medo evidente, mas também uma dose de fúria. Ele retirou a máscara de gás e se agachou ao lado dela.

– Nada tema, minha pequena. Ninguém vai te machucar, eu prometo.

– Você... Você é um deles¿ - Ela balbuciou.

– Não sei do que está falando. Meu nome é Johannes, e eu estou aqui para salvá-la.

Ele estendeu a mão para tocar seu braço, mas ela o afastou. Era difícil ser agradável com tantos cortes pelo corpo, mas ele se esforçou naquele momento e ativou seu poder.

Darlla o chamava de Morte, e Jeff Belford o comprara porque vira vantagens naquele poder de induzir suicídios. Phillip Strauss sempre divulgava apenas isso: o garoto dos suicídios. Seu outro poder permanecia em segredo, embora fosse sem dúvida o mais forte. Matar pessoas era comum, então não havia problema em ser um assassino nato. O grande problema seria revelar que Johannes era um íncubo.

Ativou sua telepatia de uma forma diferente naquele momento. Não era capaz de ler mentes, mas podia controlá-las de certas formas. Quando seus olhos encontraram o a menina, percebeu que era sua. Sim, sem dúvida você não é uma criança, ele pensou. Depois que uma mulher florescia, ficava totalmente vulnerável aos encantos de um íncubo. Darlla era atingida levemente por este poder, afinal havia coisas que ele não podia controlar.

Mas agora era intencional: concentrava todas as suas energias naquele olhar assustado, que rapidamente se transformou em um olhar de desejo. Podia ouvir o coração da garota acelerar, o sangue correr mais rápido em suas veias e suas ancas de aquecerem em luxúria. Ele se aproximou lentamente de seu rosto, desta vez sem resistência, e a beijou. Apenas um toque nos lábios foi suficiente para deixá-la desacordada, tamanho o êxtase que ele havia provocado. Levantou-se com ela nos braços e saiu da tenda. Darlla e um dos felinos estavam lá, junto com o informante ruivo.

– Você a matou¿ - o informante perguntou.

– Não. – Johannes respondeu. – Está apenas desacordada. Onde estão os outros¿

– Nos dando cobertura. – Darlla respondeu. – Ou melhor, Dhamma e as cópias do ruivo estão. Grupius foi chamar o anjo para dar um fim nesta luta. Já matei uns trinta deles, mas nunca acabam.

– Pois bem. Não posso lutar com ela nos braços, então preciso que nos protejam.

– Eu sempre te protejo, Morte. – Ela sorriu.

Os ataques continuaram incessantes. Um velocista surgiu entre os resistentes para tentar matá-los, mas Darlla foi ainda mais rápida e arrancou sua cabeça. Um brutamontes de dois metros e meio de altura correu na direção deles, e estava claro que nenhuma lâmina seria capaz de detê-lo. O felino pulou em seu pescoço e tentou rasgar-lhe a pele, mas foi rasgado ao meio antes que pudesse ter alguma chance.

Doze cópias do informante tentaram atacá-lo, mas todas morreram esmagadas antes de chegar perto. Aquela máquina de matar só parou de avançar quando Dhamma se virou de costas envenenou seu sangue. Ainda assim ele conseguiu dar alguns passos, mas logo sua pele borbulhou e sua carne apodreceu por dentro.

– Depressa! Precisamos ir embora daqui! – A indiana gritou.

Correram o mais rápido possível, com Darlla avançando sobre os mutantes que usavam seus poderes de longe. Uma mulher inteiramente feita de fogo surgiu voando à frente deles, brilhante e ameaçadora. Ela jogou uma labareda sobre o peito do informante, que caiu no chão e rolou agonizantemente, enquanto mais chamas o atingiam. Johannes tentou controlar a mente dela, mas não havia como encontrar os olhos naquela estrutura. Preferiu correr.

Saíram do corredor de barracas e viraram à direita no local onde o corpo de Elétron jazia pálido e com uma faca enterrada no peito. O anjo entrou voando acima de suas cabeças, com uma poderosa clava nas mãos. Grupius seguiu logo atrás dele, armado com seus cajados de batalha.

– A viatura está lá fora. – O homem negro disse. – Vão logo, nós dois cobriremos vocês.

Seguiram o caminho sem titubear. Mesmo sabendo que os mutantes provavelmente não conseguiriam segui-os, foram correndo. Passaram pela ponte de Grupius e entraram no carro, exaustos, feridos e ofegantes. O motorista acelerou.

– Espere! – Johannes gritou. – Grupius e o major ainda estão lá dentro!

– Minha missão é levar o mutante de gelo para a sede, SD. – O motorista respondeu. – Os outros dois podem se virar sozinhos. Qualquer coisa, podem voltar voando.

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Quando abriu os olhos, teve dúvidas se estava na Resistência ou no inferno.

– Ele acordou! Salize, venha aqui! – Uma voz familiar chamou. Tyra. Sim, esta era Tyra.

– Seja bem vindo, Boobba. – O líder falou.

Lionel reconhecia todas as vozes, mas tudo o que enxergava eram borrões. Sentiu que ainda estava de roupão, mas o haviam coberto com cobertor de trapos da Resistência. Tentou se levantar, mas a dor o derrubou novamente.

– Acalme-se. – Salize disse em tom duro. – Ainda não terminei de te curar.

– Há quanto... Há quanto tempo... Por favor, me ponha sentado.

A russa o arrastou até uma parede, deixando-o em uma posição mais fácil de conversar.

– Obrigado, Tyra. Há quanto tempo estou aqui¿

– Dezesseis horas. – Salize respondeu. Rock estava de sentinela naquela área quando você caiu, e trouxe o seu corpo até mim. O que aconteceu¿

– Levei um tiro.

– Isso é óbvio. Encontrei marcas de sangue pelo seu quarteirão inteiro, e uma porra de projétil alojado no seu fígado. Quero saber o que aconteceu ontem à noite.

– Eu... – grunhiu. Seu abdome ainda doía, mesmo com os poderes de cura de Salize agindo no ferimento. – Eu estava com Emmet, mas alguém bateu na porta. Ele estava de terno e...

– MERDA! – Salize gritou. – Puta que o pariu! Não precisa dizer mais nada, Boobba, já encontrei a imagem do sujeito na sua mente.

– E por que a raiva¿

– Porque eu já sabia. Havia encontrado o filho da puta alguns dias antes, e ele disse que pretendia te matar.

– E por que não me contou¿ - Lionel perguntou com uma voz aguda de dor.

– Apaguei a ideia da mente dele. Já havia feito isso um milhão de vezes e sempre deu certo, mas parece que dessa vez a ideia voltou. Deve ter encontrado com o balofo de novo...

– O balofo¿

– Ele mesmo. – Salize respondeu, provavelmente lendo a mente de Lionel. – Robert Belford. Pagou uma grana preta para aquele Jack Hatcher te matar, mas eu pensei que estivesse tudo resolvido. Deveria ter matado aquele merdinha quando tive chance!

Lionel estava estupefato. Sabia que Belford não valia um penny, mas matar¿ Não esperava essa baixaria nem dele. Agora as coisas mudavam drasticamente. Não só um inimigo no Parlamento, o gordo agora era seu inimigo jurado. Mas havia algo mais importante a se lembrar.

– Emmet. Eu usei meus poderes lá, ele estava lá! Os farejadores...

– Não irão encontrá-lo. Fui atrás dele quando você chegou e construí uma barreira psíquica, como esta que você carrega. Tive de contar tudo para ele, entenda, se apagasse sua memória, seu namorado ficaria ainda mais confuso. Aliás, trouxe isso da sua casa.

Ele estendeu a mão e pegou, com satisfação. Era seu par de óculos reserva, e agora o mundo voltara a fazer sentido.

– Então ele sabe de tudo.

– Sim. Está mais furioso que impressionado, devo dizer.

– Preciso... Preciso encontrá-lo.

– Mas não pode. Fique longe dele por um tempo, até que todas as suspeitas dos farejadores sumam. Deve mudar de casa também. Aquele seu apartamento está com cheiro de temporizador, e você não quer que aquilo se repita.

Ele sabia muito bem o que “aquilo” queria dizer, e não queria conversar sobre o assunto.

– Sua cura vai levar mais tempo do que de costume, Boobba, mas o poder já está instalado. – Salize completou. - Agora preciso ir. Há mais gente precisando de mim.

– Quem¿ O que houve¿

– Sofremos um ataque enquanto você dormia. – Tyra respondeu.

– Um massacre, você quis dizer. – Salize a corrigiu. – Até agora, contei trezentos e oitenta mortos, mas pode haver mais. Quase um quinto de toda a Resistência.

– O que¿ Como¿ Quantos eram¿

– Eu contei quatro. – Tyra disse.

– Mas eram oito. Seis soldados, um oficial e um espião. Não sei se chegou a conhecê-lo, Boobba, um menino ruivo capaz de se multiplicar. Quando sondei a mente dele, não notei que estava sendo enganado. Algum truque baixo dos telepatas da EEM.

– Tentamos organizar uma defesa, mas nosso líder estava lá em cima, Alys está na França e nosso maior general estava desacordado. – Tyra continuou. – E esse buraco de rato é grande demais. A notícia do ataque só chegou ao Alto Escalão uns vinte minutos depois de a merda ter começado, e até lá os mutantes fracos tiveram que se defender sozinhos. Contra a elite da EEM.

– Eu... Eu sinto muito.

– A culpa não é sua, Boobba. Vamos nos vingar desses filhos da puta, e eu quero ser a primeira a entrar naquele quartel-general.

– Cautela, Tyra. – Salize ponderou. – Sei que está furiosa, mas ainda não é o momento. Se mal pudemos fazer alguma coisa aqui dentro, quem dirá no covil dos lobos¿

– Então esperaremos. – Ela respondeu rispidamente. – Esperaremos um bom tempo, deixando eles fazerem o que quiserem com a Amanda.

– Amanda é a menina do gelo, certo¿ - Lionel perguntou. – O que houve com ela¿

– Eles a levaram. – Salize respondeu. – Depois que tudo havia acabado, descobri que este era o único motivo da invasão. Mataram trezentos e oitenta dos nossos para levar uma garota.

– A garota mais poderosa da Terra. – Lionel ponderou, lembrando-se da menininha assustada que era capaz de dizimar exércitos inteiros. – Mas como você descobriu tudo isso¿

– Três deles conseguiram fugir. – Tyra respondeu. – Três morreram, mas os outros dois ficaram para trás tentando dar cobertura aos demais. Depois que aquele telepata macabro saiu, Salize paralisou os restantes com controle mental.

– O negro tinha um poder muito interessante. – Salize completou. – Conseguia transformar qualquer matéria em que tocasse, e jurou que pretendia se render e se juntar a nós. Fiquei horrivelmente triste quando detectei que era mentira, então desliguei sei cérebro de cortei sua cabeça. O outro ainda está preso. Acredito que você gostaria de vê-lo, Boobba.

A dor ainda era forte, mas ele conseguiu se levantar. Enrolou-se no cobertor, pois o frio ainda era forte.

– De quem está falando, Salize¿

– Venha aqui fora que eu vou lhe mostrar.

Depois de guiá-lo, o líder saiu e foi cuidar de seus afazeres. O prisioneiro estava do lado de fora da tenda, preso pelas mãos e pelos pés em grilhões de ferro enferrujados, semelhantes àqueles que ele vira em filmes medievais.

– Ele matou um Tannen. – Tyra disse, fazendo Lionel perceber a ausência dos irmãos super fortes. – E uma das invasoras matou o outro.

Lionel fitou o oficial da EEM com um prazer quase indescritível. Seus cabelos negros e olhos verdes, seu rosto belo e bem barbeado, sem dúvida que era ele. E o par de asas. Ah, sim. Que belas asas eram aquelas. Todas as lembranças vieram à tona em um segundo, e um turbilhão de emoções fez seus olhos lacrimejarem.

– Você... – O alado murmurou.

– Eu. – Lionel respondeu. – Há quanto tempo, senhor Anjo.

– Não ouse tocar em mim, Senador. Meus homens não deixarão barato.

– Não deixarão barato¿ - O temporizador esboçou um sorriso débil. – Sidney Vegger, lembra-se dele¿

– Um nome. Não faço ideia de quem seja.

– Tyra. – Lionel chamou, ainda sorrindo. Não conseguia parar de olhar para aquelas asas. – Tem uma faca aí¿


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Notas finais do capítulo

Por favor não deixem de comentar! Eu não sou Salize pra ler a mente de vcs xP



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