Uma Nova Chance escrita por Elvish Song


Capítulo 11
Problemas




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Pega totalmente de surpresa, Arya se lançou para fora de seu esconderijo com a velocidade de um raio; não foi rápida o bastante, porém, para fugir à mão enorme que se fechou em sua nuca, arrancando-a do chão. A rainha tentou lutar, mas todo o seu corpo parecia insensível, amortecido pelo aperto incrivelmente forte e – ela suspeitou – por magia. Em pânico, nada pôde fazer enquanto seu captor – o que quer que ele fosse – a voltava para si.

O coração da elfa se enregelou quando seus olhos pousaram na... Coisa à sua frente: cabelos avermelhados, rosto mortalmente branco, corpo magro, boca manchada de sangue – o sangue do anão que matara – olhos cor de fogo com pupilas estreitas... Um Espectro! Movida puramente pelo terror – sim, ela ainda tinha pesadelos com Durza e os tormentos a que ele a submetera – conseguiu, por um breve segundo, fugir à imobilização. Tempo o bastante para cravar sua adaga no coração da criatura. O homem, entretanto, apenas olhou para o objeto brilhante e, tirando-o da própria carne, falou:

– Eu não sou um Espectro. Não há em meu peito um coração a ser perfurado. – a criatura colocou a rainha no chão, mas esta ainda se via impossibilitada de se mover – você é forte, devo reconhecer... Estou gastando toda a minha força para mantê-la imóvel. Claro que existem outros meios. – ele bradou uma série de ordens na língua do anões, o que fez com que os guardas que vigiavam o local mirassem seus arcos na rainha.

Vendo-se sem saída, a Dröttning sentiu a magia que a restringia afrouxar, até que podia se mover; não livremente, é verdade – seus movimentos estavam lentos e fracos – mas podia caminhar e mover os braços. Ah, droga! Estava totalmente à mercê daquele monstro, que a fitava com uma horrível expressão – mistura de interesse, crueldade e diversão.

– Por que não me mata de uma vez? – perguntou a mulher, sabendo que não tinha chances de lutar, enquanto não recuperasse o controle do próprio corpo.

– Não tão depressa, majestade – a mão de unhas longas e afiadas empalmou o rosto de Arya, numa carícia ameaçadora – Estava esperando ansiosamente por sua vinda; você tem coisas que eu desejo.

– Poupe-se do fracasso e da frustração – retrucou a guerreira, afiada – não vai arrancar nada de mim. Eu não vou falar nada que lhe seja útil.

– Ah, não vai precisar! – disse o homem parecido com um Espectro – De fato, não quero mesmo que diga coisa alguma. – e com uma reverência zombeteira – Ah, perdoe-me a grosseria, majestade: meu nome é Arnor, e a senhora é minha ilustre convidada. Queira fazer o favor de me acompanhar.

– Parece que não tenho muita escolha, não é? – perguntou a rainha. Sua única chance de fugir seria distrair seu captor o suficiente para lutar contra o feitiço que a prendia. O pânico de se ver diante do que pensara ser um Espectro a fizera baixar a guarda, sendo dominada... Agora, só um plano muito bom a faria recuperar o controle. Arnor começou a andar rumo ao interior das ruínas; escoltada por bem uns doze guardas anões munidos de arcos e bestas, e com os movimentos restritos devido à magia de seu oponente, ela não teve outra escolha além de segui-lo através do amplo pórtico despedaçado, entrando numa escuridão profunda.

Embora sua mente se mantivesse protegida pelos fortes escudos mentais – desenvolvidos com anos de concentração e prática – Arya não podai controlar totalmente seus sentimentos: a última vez em que estivera de tal modo sozinha e à mercê de um inimigo tão poderoso... Bem... Fora há muito tempo, mas ainda sentia na pele a dor das lembranças. Não tinha ideia do que aquela criatura pretendia fazer, mas sabia que não seria agradável.

*

Eragon chegou ofegante aos aposentos de Orik – ele não parara de correr desde o acampamento Urgal – e bateu, ou melhor, esmurrou a porta. Seu irmão de clã veio abri-la com um ar preocupado, seguido perto por sua esposa, Aifa: os dois vestiam armadura e tinham os cabelos presos sob o elmo.

– O que aconteceu, Eragon?! – perguntou o monarca, surpreso – onde estão Arya e Murtagh?

– Ainda não voltaram, mas não podemos esperar por eles! É urgente! Descobri algo no acampamento Urgal que precisa ser passado imediatamente aos comandantes!

– Vamos lá. – declarou o anão, seguido de perto por sua mulher. Com o Cavaleiro em seu encalço, correu para a Sala de Armas, e voltou-se para o Chefe das Armas de Farthen Dûr - responsável pela organização do exército, na ausência do rei – com urgência na voz:

– Reúna todos os chefes de clã e comandantes de tropa aqui; tem vinte minutos para isso.

– Sim, meu rei – respondeu o guerreiro, saindo do aposento como um rojão.

Eragon ainda recuperava o fôlego, mal podendo falar após subir a montanha em tal carreira, quando Murtagh apareceu, tão resfolegante quanto o irmão, arrastando pelo braço um humano que estava claramente enfeitiçado. Obrigando-se a recuperar a compostura, o Cavaleiro Vermelho declarou:

– Ele sabe bastante. Seus escudos não são muito fortes: poderei penetrá-los sem dificuldades.

– Isso terá de esperar, irmão – murmurou Eragon, aliviado ao ver Roran entrar logo atrás de Murtagh – Estamos sob a iminência de um ataque. Ordene que prendam este homem em lugar seguro, até que tenhamos resolvido o problema mais urgente.

De imediato, o humano entregou seu prisioneiro a um grupo de soldados, dizendo-lhes que o mantivessem sob vigilância; ante o assentimento de Orik, eles obedeceram. Observando tudo aquilo, Roran perguntou:

– E Arya? Onde está ela?

Como se em resposta à sua pergunta, a Dröttning adentrou a Sala das Armas; sua aparência era horrível: tinha o rosto pálido e os lábios brancos, suas mãos e braços estavam cheios de esfolados e arranhões. Estava sem seu casaco, e sua camisa havia sido cortada na frente – com uma tesoura ou faca, algo afiado – sendo mantida fechada por um nó dado pela rainha. No pescoço e ombros, marcas vermelhas e roxas na forma de dedos eram pontilhadas por bolhas. Seus passos eram firmes, mas lentos, como se ela lutasse contra uma profunda exaustão, e a respiração estava pesada e difícil. Os quatro homens a fitaram, surpresos, mas foi Eragon quem correu a ampará-la, ficando ainda mais preocupado quando Arya não o afastou.

Apoiando-se contra a parede, a elfa tentou falar algo, mas foi acometida por um acesso de tosse. Quando descobriu a boca, retomando a respiração, havia sangue em sua mão; sem se preocupar com o que a dama pensaria, o Cavaleiro tocou-lhe a garganta ferida e pronunciou:

– Waíse Hëil – alguns segundos se passaram, durante os quais a moça melhorou visivelmente. Com um olhar agradecido para Eragon, ela se recompôs e falou:

– Estamos em sério perigo: o clã Undamn, que se aliou aos separatistas, conseguiu abrir uma passagem até nós. Irão nos atacar em breve... Talvez ainda mais depressa, por terem descoberto minha presença.

– Arya, o que aconteceu? – perguntou Roran, exasperado ante o estado da mulher a quem aprendera a amar como uma irmã – Você está com uma aparência péssima! Precisa de tratamento!

– Não há tempo: isso não se trata de uma simples guerra separatista, Roran. Não é o que pensávamos! – os olhos dela estavam toldados de medo – O homem a quem chamam General, que lidera as tropas atacantes, é um monstro diferente de tudo o que já vi! Assemelha-se a um Espectro, mas não há em seu peito um coração para ser perfurado. É magia das mais malignas... Tão ruim quanto as experiências loucas de Galbatorix!

– Foi ele quem lhe fez... Bem... Isso?! – Murtagh se preocupou: algo que podia ferir e assustar Arya era, com certeza, um bom motivo para pânico, e a menção ao nome de seu antigo algoz o fez estremecer.

– A magia desta coisa é muito forte. – Disse a Dröttning; Eragon percebia que só o orgulho a impedia de desfalecer por exaustão – Não é um soldado comum! Poderia matar um dragão, sem grandes dificuldades: foi quem feriu Marroghr Argetlam e seu dragão.

– Como sabe disso? – perguntou Orik.

– Eu o vi matar um anão... Arrancou-lhe os olhos e perfurou-lhe as têmporas. As feridas de Marroghr são muito similares às do cadáver que vi. Não perdeu os olhos, mas passou perto disso, não foi? – ela recusou a cadeira que Orik lhe oferecia – precisamos montar uma defesa eficaz. Ele virá, e logo. As tropas serão guiadas até a fossa, abaixo do salão de Isidar Mithrim: há um túnel que passa pelos rios de fogo, nas profundezas do vulcão... Utilizar-se-ão disso para chegar até nós.

A soberana tentou dar um passo largo em direção à mesa de pedra, mas suas pernas falharam; ela só não caiu porque o Cavaleiro mais jovem a segurou.

– Agora, escute-me – começou o guerreiro de cabelos ruivos – você não vai nos ajudar assim: está fraca, ferida, exausta. Precisa de cuidados! Eu sei o que nossos inimigos farão, pois vi seus planos de batalha, no acampamento Urgal, e posso cuidar de tudo; mas você precisa de cuidados.

– Eu cuidarei dela – a voz de Ângela ressoou no ambiente, enquanto a herbolária se aproximava, saída do nada; passando um braço ao redor da elfa, continuou – tratem de proteger esta cidade, e não se preocupem com nossa amiga: Arya estará bem, dentro de algumas horas. Apenas façam o seu trabalho, o melhor que puderem.

– Onde você estava?

– Com Marroghr Argetlam: pude entrar em sua mente e ver através de seus olhos. Se a criatura que o feriu tomar parte no ataque, então é melhor que nossos melhores guerreiros estejam preparados para tudo. – e para a amiga, que ainda lutava para se manter dignamente erguida sobre os próprios pés – Vamos, criança, venha comigo.

A rainha dos elfos não teria forças para impedir Ângela de arrastá-la consigo, mesmo que quisesse. As queimaduras ardiam horrivelmente, e seu coração ainda batia irregular, após quase ter sido arrancado do peito. Fora aquilo, somado à energia que gastara no encantamento que lhe permitira fugir, o responsável por sua fraqueza.

Com a vista turva, ela percebeu vagamente quando a herbolária a conduziu para o aposento que lhe fora destinado, obrigando-a a se sentar numa cadeira. Enquanto suas feridas eram examinadas, começou a repassar em sua mente o que lhe acontecera, tentando organizar os pensamentos e compreender que tipo de criatura seria o monstruoso Arnor.

*

Flashback:

Sem qualquer chance de fugir – aqueles soldados a alvejariam com uma dúzia de setas, antes que houvesse dado dez passos – a rainha seguiu o estranho homem. Seu coração batia acelerado, e sua mente trabalhava velozmente, avaliando as possibilidades: inútil se lançar a um confronto, enquanto estivesse cercada pelos anões... Mas talvez pudesse fugir, se enfrentasse o General sozinho. Teria apenas de esperar.

Ah, Fírnen, onde está você?! Por favor, não faça nenhuma bobagem. – pensou consigo mesma, sabendo que seu dragão não poderia descer até ali sem ser morto.

Viu-se, afinal, no que um dia fora um silo de Farthen Dûr. Agora, era apenas um monte de escombros; o que levaria os anões a destruírem de tal modo a cidade onde haviam nascido e crescido? As perguntas da mulher só se multiplicaram, ao ver sua “escolta” sair a uma ordem de Arnor. Quem, ou melhor, o que era aquele homem? Agora reparava que era musculoso demais para ser um Espectro. Tinha orelhas pontudas como as de um elfo, e os lábios manchados de sangue tinham o sorriso zombeteiro de algum demônio. Talvez ele fosse um.

– O que é você? – perguntou a guerreira, ocultando o medo que sentia – O que quer comigo?

– O que eu sou, não adiantaria explicar. Não existem outros como eu, majestade. Eu não sou algo que sua mente possa compreender, tão depressa.

– Por que não me mata, simplesmente? Eu não posso me defender, sabe disso.

– Não, não pode. Mas mata-la não me serviria de nada. – Disse a criatura, aproximando-se com um sorriso maldoso, intensificando a magia que restringia os movimentos da mulher – Você tem algo de que eu preciso – ele estendeu um dedo e tocou o queixo de sua presa. Assustada, mas perfeitamente lúcida, a jovem compreendeu o que precisava fazer: distraí-lo, para que o encantamento se afrouxasse, e ela tivesse a chance de ferir seu adversário.

– Sem chance. Eu não vou colaborar. Sou Arya Dröttning, filha de Islanzadí e Evandar, Shur’tugal e Guardiã do Norte. Pode ter derrotado meu corpo, mas não terá minha mente.

– Não preciso de sua mente, querida – aquela monstruosidade se colocou atrás da moça que, a esta altura, já não podia se mover, novamente. As gélidas mãos com garras deslizaram por seus braços e ombros, e escorregaram por seu colo até a cintura. Com o estômago revirando de asco, ela se obrigou a manter a voz firme:

– Não pense que está me assustando ao me tocar desse modo: você não tem um coração, não há sangue em suas veias... Você não é um homem; não tem esse tipo de calor, ou de necessidade. – Era óbvio que Arnor não queria seu corpo, embora fingisse que sim, mas então, o que ele desejava? Seu conhecimento? Não era o que parecia.

As mãos animalescas abriram seu casaco e o tiraram. Com um sorriso cruel, ele virou sua “indefesa” presa de frente para si e, deslizando a unha afiada pelo tecido da camisa, rasgou-o completamente, abrindo a peça de alto a baixo.

– Garota esperta: quando eu ainda estava vivo, uma bela mulher como você teria inflamado em mim a maior das paixões. Para sua sorte, eu já não sou exatamente o que se pode chamar de vivo. – o rosto de Arnor quase tocava o da guerreira – O que eu quero está dentro de você, Arya Dröttning: algo muito mais precioso do que sua colaboração, ou seus pensamentos. Eu lhe tomarei seu coração. Você se tornará igual a mim: fria, insensível, vazia. Com uma pequena diferença... Estará totalmente sob o meu comando. O que acha da ideia?

– Você é louco. É uma ideia ridícula e impraticável. – respondeu a guerreira, aparentando indiferença – E para que precisaria de meu coração, afinal?

– Eu não possuo um. O seu é forte. Forte o bastante para me alimentar por um século ou mais. Forte o bastante para aumentar meus poderes a um nível nunca visto; forte o bastante para que eu possa dar ao Mestre toda a Alagaësia, e receber a minha recompensa.

A pedra de gelo que se havia formado com o medo no coração de Arya se derreteu: o poder de seu oponente sobre seu corpo reduzia. Se pudesse distraí-lo um pouco mais...

– Boa tentativa, majestade. Distrair-me... Acha que outros não tentaram? Não será tão fácil assim. Eu quero o seu coração, e eu terei o seu coração. – O General a agarrou pelas costas, uma das mãos apertando-lhe a garganta com força, o outro braço envolvendo-a pela cintura. – Devo dizer que dominá-la será um prazer à parte, elfa. Ver sua mente se revoltar contra meu comando, mas sabendo que já não tem um coração que a possa impelir à luta... Eu me divertirei com isso.

A mão que a agarrava pela cintura subiu para seu peito. Reunindo toda a sua força, a elfa conseguiu romper as cadeias invisíveis que a prendiam, lançando-se a uma luta feroz. Pego de surpresa, seu inimigo intensificou o aperto em sua garganta, os dedos finos enterrando-se em sua pele e se tornando flamejantes.

Arya conseguiu se soltar do aperto mortal, mas graves queimaduras ardiam em sua carne; devido à pressão que sofrera, sua garganta parecia se fechar, dificultando a entrada de ar. Se ela quisesse sobreviver, teria de terminar logo com aquilo!

Os dois inimigos se enfrentaram numa luta corpo a corpo; de repente, a rainha sentiu uma terrível dor no lado esquerdo do peito: a mão de seu oponente penetrara-lhe o peito profundamente, e se fechara ao redor de seu coração. Por instinto, ela levou a palma sobre os olhos de General – não sabia por que o fizera – e bradou aos céus uma palavra que, até então, lhe era desconhecida:

– Aluirah! – Fogo gelado brotou dos dedos da moça, arrancando um grito de Arnor. Em fúria, ele se voltou para ela, a face se tornando algo inumano: o nariz e a boca se fundiram num bico cheio de dentes, os olhos se tornaram totalmente vermelhos, a pele se repuxou até exibir os ossos através de si! De repente, o General parecia o híbrido entre um Ra’zac e um Espectro, saído das profundezas de um pesadelo.

Guiada por seus instintos, desembainhou Támerlein e a cravou até o punho na cabeça do monstro, que urrou em agonia. Libertando sua espada, ela procurou pela rota de fuga que havia apenas vislumbrado: um pequeno e estreito túnel que, ela sabia, conduziria diretamente para o coração da montanha... Para os rios de fogo que corriam nas profundezas do vulcão. Seria difícil voltara Farthen Dûr, daquele lugar, mas era sua melhor chance.

Enfiando-se pela abertura do túnel, deixou-se cair pelo acentuado declive. Anão algum caberia na estreita passagem, e o General levaria algumas horas para se recuperar. Esse era o tempo que tinha para retornar até Orik e lhe contar tudo o que descobrira!


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