Uma Nova Chance escrita por Elvish Song


Capítulo 10
À Espreita




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Arya desceu primeiro a encosta da montanha; debruçando-se à beira do precipício, oculta por entre os arbustos, obsevou o acampamento inimigo: fora armado em uma clareira circular, tendo a floresta como proteção atrás de si, e o paredão de pedras da montanha à sua frente. Era uma posição excelente, pois não havia por onde atacá-lo – um ataque de dragão faria com que os soldados fugissem para a floresta, onde seria impossível caçá-los. Algumas fogueiras ardiam entre as tendas, e cada sentinela portava uma tocha. Voltando-se para o lugar onde Eragon e Murtagh aguardavam, ela acenou discretamente para que viessem atrás de si.

Os dois homens se debruçaram ao lado da rainha, que perguntou:

– O que acham? São tendas surdanas, está óbvio. – o padrão de desenhos era inconfundível – Mas quem os comanda? E por que os surdanos se associariam a Urgals e Kulls?

– Seria muito óbvio sugerir que Orrin poderia estar por trás disso? – perguntou Murtagh – Ele não era exatamente um santo, na guerra contra Galbatorix: correspondia-se com muitos nobres que apoiavam o tirano.

– Óbvio até demais – sussurrou Eragon – improvável, mas não impossível. O acampamento Urgal é do outro lado – o semi-elfo apontou outro grupo de tendas, em meio às árvores – vou descer até lá, e talvez descubra algo.

– Certo – murmurou Arya, olhando para a montanha que se assomava às suas costas – Já que vamos nos separar, então cada um pode ir para um lugar. Murtagh, consegue entrar no acampamento surdano sem ser visto?

– Perfeitamente. Faço um prisioneiro, ou apenas procuro pistas?

– Procure pistas, mas não desperdice a chance de trazer um prisioneiro, se puder: alguém de alta patente. Soldados não terão as informações de que precisamos. E Eragon... Faça o que sabe fazer melhor.

– Encontrar encrenca? – perguntou o guerreiro, divertindo-se.

– Não, seu tolo: passar despercebido em meio aos seus inimigos. Tente saber o que são as marcas vermelhas na testa do urgals: creio que tal informação nós será útil.

– E você? O que vai fazer?

– Bem, se o clã traidor foi banido, seu acampamento deve estar perto; vou procurar sua sede, e tentar descobrir o que provocou sua adesão aos separatistas. Anões têm seu próprio reino: por que se envolveriam nas guerras dos humanos? Irei atrás deles para compreender.

– Tome cuidado, por favor. – pediu o Cavaleiro.

– Tomarei – a elfa ia se levantando, quando o humano tomou seu rosto entre as mãos e a beijou. Não foi um beijo apaixonado, nem demorado, mas carregado de carinho e preocupação. Constrangido, Murtagh voltou o rosto para o outro lado e, pigarreando, disse:

– Bem, eu vou descer primeiro. – O casal se afastou (Arya tinha um estranho rubor nas bochechas, fuzilando Eragon com o olhar) e ouviu o que dizia – Eragon, espere alguns minutos, e então desça: contorne a base pela orla da floresta, onde poderá usar as sombras para se esconder. Arya, Thorn me falou, em pensamento, que há uma grande atividade de anões entrando e saindo dos contrafortes sul, um pouco acima de onde estamos. O setor está parcialmente destruído, pois foi o primeiro lugar atacado. Talvez seja o que procura.

– obrigada, Murtagh. – agradeceu a rainha – Contornarei a montanha para ir. – e com essas palavras, começou a deslizar pelas sombras até desaparecer, poucos metros à frente.

– Que mulher, não, irmão? – perguntou Murtagh, provocando o outro Cavaleiro – Uma hora ela parece amá-lo, e no instante seguinte dá a impressão de que vai cortar sua cabeça.

O Cavaleiro mais jovem apenas sorriu: aquela era a Arya a quem conhecia e amava. Era bom ver que as coisas não haviam mudado tanto, afinal. Sentando-se entre os arbustos, imóvel, esperou que seu meio-irmão descesse a encosta, contando o tempo mentalmente. Quando chegou a cinco minutos, levantou-se lentamente e iniciou a descida, sempre se abaixando entre moitas e árvores jovens, confundindo-se com as sombras da noite. Enquanto o Cavaleiro Vermelho seguia direto para as tendas surdanas, o semi-elfo encontrou seu caminho fazendo o perímetro do acampamento de humanos.

A fim de escapar das sentinelas, o guerreiro escalou uma árvore alta e passou a se mover pelos galhos, indo de tronco a tronco, de ramo a ramo como uma sombra, leve e ligeiro como um elfo. Ninguém o viu dar à volta ao acampamento – pelas contas do homem, devia haver ali bem uns dois mil surdanos, entre soldados e serviçais – e seguir para a base Urgal.

*

Murtagh se abaixou entre dois barris, imobilizando-se: os dois guardas que faziam a ronda naquela rua do organizado acampamento passaram direto por ele, sem sequer suspeitar da presença indevida. Ele já fora cego assim, antes de se tornar um Cavaleiro? Achava que não, mas era impossível dizer.

O humano se ergueu cuidadosamente, voltando a se esgueirar pelas sombras. Tudo o que vira até agora fora um par de guardas bêbados, vários sentinelas fazendo sua ronda e dois ou três homens indo até as latrinas. Isso sem falar no mar de tendas organizadas, todas guardando seu próprio intrincado padrão de bordados. Mas nada que fosse útil ao Cavaleiro. Continuou seu caminho pela rua vazia, até que algo lhe chamou a atenção: uma tenda, dentro da qual havia luz acesa, delineando duas sombras contra o tecido. Com um sorriso triunfante, ele se espremeu entre duas caixas de mantimentos para ouvir:

– Aqueles anões estão ferrados – disse uma voz de homem – O General não vai gostar nada, quando souber que não houve progressos.

– Como é possível não terem conseguido encontrar sequer uma passagem? Eles vivam dentro daquelas montanhas?! – exclamou uma segunda voz, feminina – Não pode ser má vontade, nem incompetência... Mas jogo duplo é sempre uma idéia.

– Jogo duplo, Duas-Caras? – perguntou o homem – Como fariam jogo duplo, se foram expulsos do reino?

– Talvez tenha sido uma encenação. Uma encenação bem sucedida. – respondeu uma segunda voz feminina. Espere! Só havia duas pessoas na tenda! Como podia haver três vozes?!

– Talvez. De um modo ou de outro, Ganthor está encrencado: o General irá descontar a raiva sobre ele. Eu quase poderia sentir pena do anão, ante o que vai acontecer com ele, se continuarem sem progressos. – Algum tempo se passou em silêncio – de um modo ou de outro, não estamos aqui para discutir o que os anões fazem, fizeram ou deixarão de fazer. Tem uma mensagem do General para mim, Duas-Caras?

– É claro – as duas vozes femininas soaram juntas, arrepiando os pelos da nuca de Murtagh – por que mais eu desceria até essa latrina que vocês chamam de acampamento? Pela excelente companhia? – a voz pareceu irritada – o General adorará saber que você estava bêbado, Capitão!

– Isso não é da sua conta, bruxa! – a voz masculina se encheu de fúria – Diga logo o que tem a dizer, e deixe que eu cuido de minhas tarefas!

– Muito bem – ciciou a mulher – Vocês viram os dragões que sobrevoaram as montanhas, mais cedo. Não conseguiram derrubá-los, lamentavelmente, mas os viram.

– E daí?!

– Dois dos dragões são desconhecidos, mas os outros três... São os três primeiros dragões que nasceram, após a Queda dos Cavaleiros: Saphira, Thorn e Fírnen.

– Isso significa que...

– Isso mesmo, seu imbecil! O Primeiro Shur’tugal, a rainha Arya e o renegado Murtagh estão aqui! O General quer toda a vigilância redobrada: sendo quem são, logo tentarão descobrir mais a nosso respeito, e nessa hora, vocês os capturarão, e os trarão à Sede.

– Diga ao General que faremos como ele ordena. – Falou o capitão, afinal.

– É claro que farão, se prezam suas carcaças. – rosnou a mulher. Uma das sombras se dirigiu para a saída da tenda, o que fez o humano se encolher tanto quanto pôde, usando um pequeno encantamento para se disfarçar. E quando a mulher deixou a barraca, foi preciso muito esforço para não deixar escapar uma exclamação de horror: seu corpo era o de uma pessoa normal, mas, no lugar do que devia ser a cabeça, havia dois rostos justapostos lateralmente! O nome Duas-Caras caía-lhe perfeitamente bem, afinal.

Parecendo desconfiada de algo, a monstruosidade virou os dois rostos para um lado e para outro, farejando. Afinal, voltou-se para seu interlocutor, e disse:

– Isto aqui fede como um chiqueiro. É melhor mandar que seus soldados limpem tudo antes que o General venha fiscalizar as tropas. Isso é, se quiser agradá-lo, é claro. – e com um riso irritante, desapareceu em meio às barracas, enquanto o capitão voltava para a barraca.

Minha chance” pensou Murtagh. Sem se levantar, arrastou-se para bem junto da tenda; como uma cobra traiçoeira, passou por baixo da lona e se levantou em silêncio. Bêbado, o capitão se debruçava à beira do catre, visivelmente sofrendo os efeitos de uma ressaca. Era um homem alto, por volta dos quarenta anos, com cabelos castanhos que começavam a se agrisalhar, barba curta e rala, olhos fundos de quem não tem dormido o bastante. Trajava uma armadura de couro e bronze, e trazia os cabelos presos em dezenas de tranças adornadas com contas coloridas. Não era uma figura desprovida de autoridade, mas certamente já tivera dias melhores.

O tempo que o bêbado levou para perceber o intruso em sua barraca foi tudo o que o Cavaleiro precisou para atacar sua vítima: batendo na cabeça do outro homem, deixou-o semiconsciente enquanto vencia-lhe as defesas da mente. Sem qualquer sutileza, adentrou os pensamentos de seu inimigo, apossando-se deles, mas estes estavam enevoados demais por álcool, e Murtagh não obteve qualquer informação precisa. Dando de ombros, impôs sua vontade à de sua presa, que se viu totalmente sob o comando do Cavaleiro Vermelho. Ótimo: o tal capitão não oporia qualquer resistência a acompanhá-lo até Farthen Dûr.

*

Eragon xingou: por que os ursos Beorn tinham de estar justamento no acampamento Urgal?! Amarrados por cabrestos de aço, os animais dormiam um sono agitado, rosnando e se movendo, vigiados por uma dúzia de Kulls armados com clavas maiores do que um ser humano. Nenhuma chance de passar por ali sem ser visto!

Dando a volta, o guerreiro conseguiu contornar os estábulos de ursos, penetrando no meio do acampamento. Utilizando-se do mesmo encantamento que Ângela fizera, mais cedo, ele se mesclou às sombras da noite, espreitando em meio às barracas como um lince.

O acampamento Urgal era bem mais agitado do que o surdano, com certeza: alguns machos jovens disputavam jogos de força, incentivados por outros – os quais tinham grandes canecas de cerveja à sua frente. Pelo que Eragon se lembrava, era preciso muito álcool para deixar um Urgal bêbado, e aqueles estavam ainda totalmente sóbrios. Outros machos, mais velhos, poliam o armamento, se alimentavam ou, simplesmente, esfregavam óleo em seus duros chifres de carneiro. Todos ali tinham entre os chifres, bem no meio da testa, a estranha marca vermelha: pareciam duas espadas cruzadas, sobrepostas a um círculo flamejante. Mas o que significaria aquilo?

Silencioso, o Cavaleiro se lembrou do que aprendera sobre os Urgals: cada cabana de família tinha uma tapeçaria à sua entrada, com as cores e os padrões a contar não apenas os feitos de seus membros, mas indicar sua posição social. Não podia ter certeza de que as barracas seguiriam a mesma regra, mas, se o fizessem, parecia-lhe ter encontrado a tenda certa! Havia ali uma tapeçaria em vermelho e negro – as cores da liderança – com os mais intrincados padrões que o guerreiro já vira, fora das terras élficas. Era uma barraca grande, fechada à frente por cordões de couro de réptil... Se não fosse o alojamento de um líder, então nenhuma outra poderia ser!

Mesmo um Urgal pequeno seria impossível de ser levado sem levantar suspeitas; fazer um adulto de refém seria o mesmo que assinar a própria sentença de morte. Assim sendo, Eragon não pretendia sequestrar quem dormia naquela tenda, mas procurar por documentos, cartas, diários... Qualquer coisa que pudesse explicar, ao menos em parte, tudo o que vinha acontecendo. Com cuidado, sentiu o ar da barraca, certificando-se de estar vazia: ela estava.

Foi com o coração aos saltos que o Primeiro Shur’tugal afastou a porta de tecido e entrou na ambiente escuro: havia ali uma cama de peles – muitas peles, de animais diversos – uma mesa alta, com uma cadeira igualmente grande, um baú e só. Sobre a mesa, uma vela apagada, consumida pela metade, e um único rolo de pergaminho. Couro de Feldûnost, se o semi-elfo não estava enganado. Cuidadosamente, ele desenrolou o pergaminho, dando graças aos deuses – quaisquer que fossem – pela bênção que o tornara quase um elfo: graças a isso podia ler no escuro.

Seus olhos percorreram atentamente as letras da mensagem – runas anãs. Não era uma mensagem grande, mas o pouco que continha foi o bastante para apertar o coração do Cavaleiro. Ele precisava retornar para Farthen Dûr, e depressa, ou um massacre aconteceria!

*

Arya apertou o punho da adaga em sua mão: esperava não ter de usá-la, mas estava em pleno território inimigo. Oculta sob uma rocha grande, só se permitia mover os olhos, enquanto os anões passavam para lá e para cá. Traidores miseráveis! E como ela acabara naquela situação, mesmo? Ah, sim! Tivera a brilhante idéia de descer até as ruínas do velho portal e entrar num salão destruído que parecia vazio. Quase não tivera tempo de se esconder, ao ouvir os passos! Idéia estúpida!

Por outro lado, ela já ouvira coisas interessantes, de seu esconderijo: nomes, datas, planos antigos e novos. Só com o que ouvira, já poderia voltar a Farthen Dûr – precisava voltar logo, pois ouvira coisas terríveis! Entretanto, até que o aposento em ruínas se esvaziasse novamente, estaria presa ali.

Já fazia mais de duas horas que estava em seu esconderijo, espremida entre a pedra e o chão, esperando que a rocha não deslizasse sobre ela, quando as coisas se tornaram ainda mais interessantes: a poucos centímetros da elfa, um par de botas surgiu. Não botas anãs – ela já vira muitas daquelas – mas botas diferentes. Aquilo era couro de dragão?! De um modo ou de outro, eram pés grandes demais para pertencerem a um anão. A rainha não podia ver o resto do homem à sua frente, mas podia ouvir-lhe a voz:

– Então, vocês levam oito preciosas horas para descobrir que os dragões estão SEM SEUS CAVALEIROS? Algum de vocês já pensou que isso pode significar um engodo? Que pode significar uma distração?! Imprestáveis! Como não viram isso! Como me passaram informações ERRADAS?!

Uma voz trêmula falou, tímida:

– Mas senhor... O Mestre disse que os dragões eram o mais importante para...

– O Mestre não está aqui, anão – cortou a primeira voz – Acha que tem motivos para temê-lo? Tem muito mais motivos para temer a MIM, criatura miserável! – um ruído estranho se seguiu, acompanhado de gritos histéricos. Em poucos segundos, o anão caiu ao chão, seu rosto horrivelmente deformado, os olhos arrancados, sangue escorrendo das têmporas perfuradas.

Aquelas órbitas vazias, que pareciam encará-la da morte, reviraram o estômago e o coração da guerreira: que criatura era aquela à sua frente?! Que tipo de monstro poderia fazer tal estrago, com tamanha facilidade? Pela primeira vez naquela viagem, sentia seu coração bater descompassado, a adrenalina enregelando suas mãos e pés e acelerando sua respiração – que ela se esforçava para manter regular, controlada e silenciosa. Todo o seu auto controle desapareceu, entretanto, quando a voz do homem com botas de dragão rosnou:

– Seja bem vinda, Arya Dröttning! Mas não deveria ouvir em segredo, escondida sob as rochas: as pessoas podem duvidar de sua boa educação!


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Notas finais do capítulo

Nossa! Vou torturar vocês! Descubram no próximo capítulo o que vai acontecer!
Será que Arya vai se salvar? O que Eragon descobriu na tenda do Urgal? Divirtam-se especulando até o próximo capítulo!
HAHAHAHA (risada malvada)



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