Ignored escrita por The Corsarian


Capítulo 8
Pedras Molhadas


Notas iniciais do capítulo

Oee o/
Sei que prometi que não ia demorar, mas tive uns probleminhas e voltei um pouquinho tarde de novo. Mas eu prometi que o Cap. ia ser enorme, e aí está :D
Não sei se já fiz isso, mas mesmo assim, obrigada Girl of the blue eyes (Me diz se eu errei o nome :P )
Enjoy ;)



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Fiquei um tanto confusa ao observar a Arena. A única coisa que eu conseguia ver era uma área redonda de pedra, com um raio de 40 metros. O chão era de pedra, assim como as paredes, onde havia várias entradas diferentes, que pareciam levar a corredores também de pedra.

No centro da área redonda, estava a cornucópia, o chifre dourado e alto, com a parte de cima ligeiramente chata, e as paredes irregulares. Dentro do chifre havia várias armas mortíferas, e em volta dele, dispostas num raio de dez metros longe do chifre e uma da outra, haviam as plataformas, onde estavam os tributos, todos com a mesma roupa que eu, alguns com o capuz levantado, outros com colares grossos, os símbolos de seus respectivos Distritos.

Respirei fundo, organizando meus pensamentos, e para isso olhei para o alto.

O céu estava escuro e enfumaçado, como se estivesse chovendo, o que creio que logo iria acontecer. Mas não foi isso que me chamou a atenção.

O que me chamou a atenção foi uma grande parte do céu, era na verdade, o topo de copas de árvores. Ou seja, provavelmente havia uma floresta em algum local por ali.

Mas logo eu não tinha muito tempo para pensar, pois só nos restava dez segundos. Respirei fundo e me foquei na imagem do belo par de chicotes, na boca da cornucópia.

Então o gongo soou e corri o mais rápido que minhas pernas permitiam até lá. Peguei o chicote, e a primeira coisa que recebi foi um belo soco no lado esquerdo da face. Mas mal tive tempo para ver o agressor, Mallon meteu-lhe a espada no peito.

–Pegue o que precisamos e vamos embora daqui!- Ele berrou, socando um ser qualquer. Gritei um sonoro "Ok!" e virei-me, para pegar uma mochila com suprimentos que tinha visto, mas alguém já tinha pegado-a.

Respirei fundo, e estalei o chicote em suas pernas, sentindo o sangue das pessoas que Mallon golpeava, espirrando em minha bochecha. A garota caiu, e rapidamente agarrei a mochila, jogando-a sobre um ombro. Agarrei com agilidade alguns sacos que eu nem sabia o que tinha dentro e um estojo de facas.

–Mallon!- Gritei correndo para uma das entradas que davam para um corredor. Ele se demorou um pouco tentando sair do meio das pessoas, e começou a correr na minha direção, mas alguém lançou uma faca, que passou zunindo por sua orelha, fazendo um corte superficial em seu ombro direito.

Tentei focar-me na pessoa que havia lançado a faca, mas logo outra passou por baixo do braço esquerdo de Mallon, que estava chegando perto de mim, então entrei no corredor e corri em linha reta, sem entrar em nenhuma das outras entradas que haviam no corredor.

Aquilo era um labirinto.

Ouvi os passos de Mallon atrás de mim, e olhei para trás para confirmar se era ele mesmo. E era, mas ele não estava sozinho. Resmunguei um palavrão, e abri o estojo de facas. Estava certo que eu nunca havia acertado uma faca sequer no alvo em toda a minha vida, mas eu precisava tentar, Mallon seria minha proteção nos Jogos, pelo menos até o momento em que teríamos que nos virar um contra o outro. Eu não poderia deixá-lo morrer logo no começo.

Peguei a menor faca, e a que tinha mais cópias no estojo. Segurei-a com o tanto de firmeza que eu conseguia, mirei no alvo em movimento, que corria furiosamente atrás de Mallon. Lancei-a, e por mais incrível que pareça, ela atingiu-o no ombro esquerdo, fazendo-o parar por um segundo por causa da dor, dando a Mallon o tempo de chegar perto de mim.

Assim que ele se aproximou, embrenhei-me pelo labirinto de corredores, segura ao ouvir os passos de Mallon atrás de mim, e somente os dele, o que significava que havíamos despistado o outro cara.

Corri com Mallon atrás de mim, e não demorou muito para a chuva começar a cair, fazendo meus cabelos ficarem escorridos e lisos, colando em meu rosto e bloqueando minha visão de um modo torturante.

Depois de muito tempo correndo, resolvi diminuir o passo e me sentar no chão de pedra, apoiada na parede também de pedra. Certifiquei-me várias vezes de não estar ouvindo nenhum passo próximo a nós.

Mallon se sentou ao meu lado, ofegante, segurando com firmeza a espada ensanguentada.

–Matou quantos? -Perguntei, curiosa e ansiosa. Mal eu tinha entrado ali e já queria que aquilo acabasse.

–Dois. - Ele respondeu entre um ofego e outro. Assenti. Menos dois.

Depois de um tempo, acima do som da chuva, ouvi os barulhos do canhão. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito.

Então tudo ficou em silêncio, a não ser pelo estrondoso barulho da chuva, que me deixava com frio, tremendo, e molhada, muito mais molhada do que eu já tinha ficado em toda a minha vida.

–Só oito? - Resmungou Mallon. Dei de ombros.

– A maioria fugiu pelo labirinto o mais rápido que pode. - Murmuro, batendo os dentes de frio. Ele assentiu.

– Sei. Covardes. - Ele disse enquanto limpava o sangue da espada na calça escura. O que me fez lembrar que devíamos ver o que tínhamos como suprimento.

–Deveríamos conferir o suprimento. -Comentei. Mallon assentiu, então joguei-lhe dois dos sacos que peguei aleatoriamente, e fiquei com outro e a mochila.

Abri a mochila, encontrando uma pomada, um saco de dormir, uma capa de chuva, um casaco extra, uma garrafa cheia d'água, barras vitaminadas, tiras de carne seca e alguns biscoitinhos nutritivos.

No saco encontrei uma pequena maleta de primeiros socorros, uma garrafinha de iodo para purificar a água, um pequeno toldo que poderia ser pendurado em uma árvore qualquer e ser usado como telhado, uma pequena caixinha cheia de pílulas que reconheci ser as pílulas anti-sono que meu pai normalmente tomava e um tubinho com fósforos.

– Aqui tem comida, um quite de primeiros socorros, luvas de couro resistente, meias extras, óculos de visão noturna e garrafa d'água. Tudo em dobro, por que os dois sacos tem a mesma coisa. - Relatou Mallon, calçando as luvas.

Relatei o que tinha comigo também e vesti as luvas também, meus dedos estavam congelando.

– E o que fazemos agora? - Indaguei, com um suspiro.

– Vamos achar um lugar onde poderemos nos esconder e iremos dormir. - Disse Mallon, decidido. Assenti e me levantei.

Estava claro quem era o chefe aqui.

Andamos por um bom tempo, até acharmos a entrada para a floresta que eu tinha visto antes. Era meio estranho sair daquele labirinto apertado de pedras, e entrar naquele jardim lindo de árvores verdejantes, com uma grama mais verde ainda.

A chuva já caía muito forte agora, mas nada de raios, o que era bom, porque árvores atraiam raios. Ali armamos o toldo e ajeitamos as coisas, deixando cada um com um saco, e jogando fora os outros sacos e a mochila.

Depois de termos armado o acampamento, Mallon foi checar a redondeza, para ter certeza de que não havia mais ninguém na floresta. Fiquei ali, tremendo de frio, mesmo com o capuz sobre a cabeça, o casaco extra, as luvas e as meias extras. Eu ainda estava encharcada, e como o chão também estava molhado, de nada adiantava ficar sentada para secar.

Resmunguei alguns palavrões que ouvia Andrea murmurar, e fiquei ali, me sentindo uma inútil.

Depois de mais ou menos meia hora depois, Mallon voltou, dizendo que a área estava limpa e que ele estava morrendo de cansaço, então eu teria que ficar com o primeiro turno. Tomei uma pílula, enquanto via Mallon ajeitar o saco de dormir, com uma pequena inveja, eu também estava morrendo de cansaço. Mas logo isso passou e as pílulas fizeram efeito, deixando-me mais agitada que nunca.

Agarrei meu chicote, e saí de debaixo do toldo, sentindo uma quentura repentina, e uma energia que eu não sabia que tinha. Eu sentia que poderia correr à mil quilômetros por hora, que poderia dar a volta na Arena, que era capaz de fazer tudo.

Dei alguns pulinhos e retirei o casaco extra, colocando-o por cima de Mallon, que tremia muito. Voltei ao meu posto, e então começou a escurecer. Peguei um dos óculos, e continuei observando a área, toda a canseira de antes se esvaindo até acabar por completo.

Logo depois que escureceu, o hino da Capital soou estrondoso por toda a Arena. Do local onde eu estava, as árvores cobriam os rostos, mas eu podia ver os Distritos. Os dois do três. Um do cinco. Os dois do sete. Um do oito. Um do nove e um do onze. Suspirei com desânimo, percebendo que ainda faltava muito para aquele inferno acabar.

Mesmo assim, eu que tinha causado tudo aquilo, meu irmão e meu melhor amigo me esperavam fora dali. Eu não podia perder, não podia hesitar, não podia chorar. Eu teria que aguentar, sofrer as consequências de meus atos.

Fiquei ali a noite inteira, agitada, sem sono, observando atentamente o mundo ao meu redor, atenta a cada barulho, a cada movimento, a cada sopro da chuva.

Somente quando amanheceu novamente a chuva cessou, e minha energia começou a se esvair, mas não totalmente. Acordei Mallon, comemos um biscoito cada, e tomamos um gole d'água, pois até agora não tínhamos visto nenhuma fonte de água. Desmontamos o acampamento e começamos a andar pela floresta, tentando procurar a entrada para o labirinto novamente.

Finalmente achamos, e voltamos a nos embrenhar pelos corredores de pedra molhada.

Enquanto andávamos calmamente, ouvimos um grito estridente, vindo do corredor ao lado. Imediatamente corremos na direção do som e ao finalmente encontrarmos sua origem, a imagem foi aterrorizante.

No chão, havia os restos do que um dia deveria ter sido um ser humano, mas agora só restava membros soltos, um tronco estraçalhado e sangue, muito sangue. Ao lado dos destroços do corpo, havia um enorme lobo branco, molhado e manchado de sangue vermelho escuro. Em sua boca, com os cabelos entre seus dentes afiados, estava a cabeça sem corpo do garoto.

No mesmo momento eu senti vontade de vomitar, mas não tinha tempo para isso. Assim que o lobo nos viu, ele arreganhou os dentes, ainda agarrando a cabeça, produzindo um som do fundo da garganta. Mais sons como aquele responderam ao rosnado. Foi então que eu percebi que não havia um único lobo branco. Haviam três. Três enormes lobos brancos, com os dentes arreganhados, os pelos eriçados e prontos para estraçalhar nossos corpos.

Imediatamente corremos na direção oposta, ouvindo os rosnados furiosos dos lobos atrás de nós. Olhei para trás, e assustei-me quando vi que eles estavam perigosamente perto. Corri o mais rápido que pude, escorregando no chão molhado inúmeras vezes que eu teria ralado a mão profundamente se não estivesse de luva.

Eu seguia Mallon desesperadamente, mas logo ficamos encurralados, e logo estava claro que precisaríamos lutar. Agarrei o chicote e estalei no rosto de um lobo, cegando-lhe o olho direito, e repeti o mesmo com o outro. Mallon enfiava a espada nas patas do outro, mas não conseguia chegar muito mais perto. Depois de várias tentativas de matá-los, várias patadas em nossos rostos que sangravam violentamente, eu achei que iríamos perder, que logo teríamos o mesmo destino daquele pobre garoto.

Mas quando eu pensei que iríamos morrer, finalmente consegui enrolar o chicote no pescoço de um, então puxei com toda a força que eu possuía em meus músculos, enforcando-o. O lobo logo estava morto. Então dirigi a atenção para o lobo que lutava com Mallon. Agradeci pelo terceiro lobo não estar ali.

Facilmente enrolei suas patas na corda de cobre do chicote, abrindo uma brecha para Mallon enfiar-lhe a espada. Assim que tínhamos a nossa frente dois lobos mortos, a adrenalina do momento passou, e a dor a substituiu.

Lembrei-me da pomada e do quite de primeiros socorros. Rapidamente eu e Mallon cuidamos dos nossos ferimentos, e só rezávamos para não haver nada de venenoso nas unhas daqueles lobos.

Olhei para os cádaveres.

–O que faremos com eles? - Verbalizei minhas dúvidas. Ele sorriu.

– O que temos aqui, Annelise, são dois casacos de pele brancos e carne, muita carne. - Mallon disse com um sorriso.

Ele me ensinou como tirar o couro do lobo, e qual parte da carne poderíamos aproveitar. Logo tínhamos duas grandes carcaças de pele de lobo, que estavam fedidas e ensanguentadas, mas eram muito quentes e muita carne. Ali nos permitimos comer toda a carne que aguentávamos, crua mesmo, não tínhamos lenha e mesmo que tivéssemos ela estaria molhada. No final das contas, carne crua de lobo não era tão ruim assim.

Depois de guardarmos os restos de carne em um pedaço de plástico que encontramos perdido dentro dos sacos, saímos dali, cobertos pela pele de lobo, e deixando uma grande bagunça para trás, como ossos e sangue.

Andamos por um bom tempo, um longo tempo, e quando achamos uma fonte de água, o sol já estava alto no céu. Ali lavamos nossas roupas, lavamos as carcaças dos lobos e ficamos só de roupas íntimas, esperando o sol secar nossos pertences. Fiquei impressionada com o rabo de cavalo, que permanecia firme no topo de minha cabeça, mesmo com a chuva forte e tudo que eu tinha passado até agora.

Delicadamente tirei o prendedor que firmava meu cabelo no rabo, e passei meus dedos pelos fios molhados e enegrecidos.

–Você fica mais bonita de cabelos soltos. E lisos. - Comentou Mallon, pegando uma mecha de meu cabelo entre os dedos.

Por um momento ele me lembrou Dicent, que normalmente fazia esse tipo de comentário quando saíamos do mar depois de um nado. Fechei os olhos, e quase me senti em casa, com o cheiro de chuva, a umidade, Dicent acariciando meus cabelos. Mas logo espantei aqueles pensamentos de minha cabeça.

Eu teria que lutar com Mallon, uma hora ou outra. Ele não poderia sair vivo dali, e quando ele morresse, seria provavelmente por minhas mãos. Eu não podia me apegar, não podia pensar nele como um amigo. Ele era apenas meu aliado, por ora. Meu amigo estava em casa, olhando-me ali, provavelmente lendo meus pensamentos como sempre fazia.

Abri os olhos e não encontrei os olhos verdes que tanto queria ver. Ao invés deles, um belo par de olhos castanho-avermelhados, duros e sem nenhum traço de carinho, me fitavam.

– E você fica mais bonito molhado. -Digo divertida. Ele solta uma risada leve, espontânea. Era estranho, porque sempre imaginei Mallon como aquele cara que sempre ri forçadamente, ou ironicamente, não espontaneamente.

– Admita, eu sou bonito de qualquer jeito, princesa. - Diz num tom de brincadeira. Sorrio.

–Tratores não são bonitos, nunca. - Replico, entrando na brincadeira.

Então voltamos a ficar em silêncio, mas as mãos de Mallon ainda acariciavam meus cabelos, fazendo-me ficar sonolenta. Então toda a minha energia se esvaiu, e acabei dormindo com a cabeça encostada no ombro de Mallon.

Acordei com a chuva passando seus dedos gelados em meu corpo seminu. Mallon já estava se vestindo, e me mandou ficar vestida também. Rapidamente estávamos prontos, jogando nossas peles de urso sobre os ombros e colocando os óculos de visão noturna sobre os olhos.

Então novamente nos enfiamos nos corredores molhados pela chuva que caía impiedosamente sobre nós.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :D