Ignored escrita por The Corsarian


Capítulo 22
A Presença de Um Morto


Notas iniciais do capítulo

Oiii!!
Sei que estou demorando, mas meu PC quebrou e eu estou no PC da minha família, então fica meio difícil escrever com todo mundo usando ( e olhando).
A fanfic está acabando gente!!
Lembrem de se despedir!!
Enjoy ;)



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O trem começou a reduzir a velocidade, ao passo que meu estômago congelava. Agarrei-me às minhas lembranças, tentando achar qualquer resquício de como era minha vida antes. Tudo está diferente agora. Tão diferente.

Se eu fosse pensar, não havia passado nem três semanas direito, e mesmo nesse pequenino espaço de tempo, parece que nada está igual, e que nada nunca mais vai ser como era. Olhei pela janela, reconhecendo as árvores finas, o mar, e a areia branca e pálida das praias do Distrito 4.

Dentro de mim algo se agitou. Ficar naquele inferno de pedras me fizera esquecer do paraíso que é minha casa. Sorri, feliz ao perceber que ainda consigo reconhecer cada pedra, cada grão de areia. Feliz ao constatar como me parece familiar as ondas batendo de leve na areia. Fechei os olhos, e por um segundo, quase consegui sentir a brisa fresca do mar.

Mas então essa calmaria toda acabou. O trem parou na estação, e novamente meu estômago congelou. Muita, muita, gente estava na estação de trem. Todos eufóricos, gritando, com cartazes onde se lia “Annelise Banks é a melhor” ou “A melhor serei do Distrito 4 está de volta”. Senti-me estranha. Ninguém nunca me reconheceu daquele modo. E eu não me senti feliz com aquilo.

Passeei os olhos pela multidão, e facilmente encontrei quem eu procurava.

Reconheci os cabelos cor de mel na hora. Ele me olhava de longe, apenas com um pequeno sorriso no rosto. Tinha uma nova cicatriz abaixo do olho esquerdo, e parecia dizer “Eu não disse que voltaria, patricinha?”. Sorri, e na hora ele soube que o sorriso era para ele. Alargou seu pequeno sorriso e acenou discretamente. Os olhos verdes, quase irreconhecíveis àquela distância, faiscavam numa felicidade contida.

Meu coração chacoalhou. Finalmente alguém que me fazia esquecer tudo. Olhar para aquele rosto me fez esquecer todos os meus problemas. E eu soube no mesmo segundo que ele não me julgava. Sim, eu matei pessoas, e me tornei irreconhecível na Arena, mas ali, olhando para ele, eu soube que ele me via do mesmo modo de sempre. Ele me fez voltar ao normal. Senti minha “casca” cair, e o oco do meu ser se preencher.

Tudo que eu queria agora era afundar em seu conforto.

Foda-se a minha família, ou o que ela pensava de mim agora. Eu queria mais era que todos fossem para o inferno, como eu fui. Foda-se tudo. Eu só queria uma coisa.

Eu só quero uma coisa.

Dicent Morff.

Senti alguém tocar meu ombro de leve.

— Está na hora, querida.

Virei-me para encarar Andrea. Ela apertou suavemente meu ombro, e eu respirei fundo.

Andei até a porta, preparei meu sorriso enorme de vitoriosa. A porta se abriu e todos ficaram em silêncio por um segundo. Então todos gritaram a plenos pulmões. Tive vontade de tapar os ouvidos, mas me contive. Desci os degraus da estação, cumprimentei todos que me estendiam a mão como se eu fosse um cachorrinho manhoso que pede carinho.

Consegui andar até o carro que me prepararam, e fui até a Aldeia dos Vitoriosos. Me encontraria com qualquer pessoa que quisesse conversar depois.

Primeiro eu tinha que dizer “oi” a alguém.

Cheguei a minha nova casa, esperei as câmeras irem embora, e corri até a casa de Dicent. Chegando na Aldeia, todas as criancinhas que nunca me deram bola antes, saíram do lago e pararam de brincar para me cumprimentar. Consegui me livrar delicadamente delas, e então andei pelas casas, até achar a que eu procurava: uma pequena casa de madeira debaixo de uma palmeira, pertinho da praia.

Andei até lá e parei em frente a porta. Bati suavemente, e segundos depois ela foi aberta, e eu fui abraçada com força.

Inalei o cheiro de maresia que vinha de meu melhor amigo. Fechei os olhos e senti o amor que ele estava me passando. Fiquei aliviada ao perceber que era tanto amor, que era quase palpável. Nada fingido como o “amor” que experimentei na arena.

Retribuí o abraço, afundando meu rosto no peito de Dicent. Agarrei-me com força a sua blusa, e sorri, sentindo as lágrimas sinceras de felicidade escorrerem pelo meu rosto. Ouvi então o sussurro insistente dele em meu ouvido:

— Ainda bem que voltou. Ainda bem que está viva. Ainda bem que está bem. Senti tantas saudades.

Ele sussurrava sem parar para mim, enquanto eu apenas assentia e molhava sua camisa com minhas lágrimas. Ele apertou meu cabelo, meus braços, minha cintura, meu rosto. Era como se tentasse saber se eu era mesmo real.

Demorou muito para nos afastarmos. E quando o fizemos, ficamos parados, um na frente do outro, nos encarando, percebendo as mudanças, mas sentindo a nossa presença familiar. Depois de um tempo Dicent me convidou para entrar na casa.

Ao entrar imediatamente percebi uma mudança drástica.

A casa tinha apenas dois cômodos, sendo um deles o banheiro, e outro uma mistura de tudo. Era uma cozinha, com duas camas encostadas num canto, um colchonete no chão e uma minúscula televisão sobre o balcão da cozinha.

As camas ocupavam os adoecidos pais de Dicent, que eram velhos, doentes e fracos demais para saírem de suas camas.

Mas as camas estavam vazias.

Olhei para Dicent.

— Dicent, onde estão o Sr. e a Sra. Morff? — Indaguei, temendo muito a resposta.

Dicent engoliu em seco e foi se sentar em uma das camas. Por um longo tempo ele não disse nada, o que me fez temer mais ainda a resposta. Ele respirou fundo e agarrou o cobertor da cama em que estava sentado, com muita força.

— Assim que você foi embora, a doença... — Ele fez uma pausa, como se recuperasse o fôlego. — A doença piorou. Mamãe se foi. Papai se foi logo em seguida.

Olhei para ele. Percebi que chorava. Só tinha visto Dicent chorar uma vez na vida, quando um garotinho de sete anos foi chicoteado em praça pública por roubar. Ele chorou de raiva naquele dia. Mas agora chorava de tristeza. Senti-me mal, muito mal, como se a culpa da morte do Sr. e da Sra. Morff fosse minha.

Andei até Dicent, e o abracei. Foi então que me senti na obrigação de dizer uma coisa.

— Dicent — Chamei. Ele levantou o olhar, limpando as lágrimas.

— Sim, patricinha.

O sorriso forçado em seu rosto partiu meu coração. Respirei fundo e encarei-o.

— Agora eu tenho minha própria casa. Mando na minha própria vida. E você não vai ficar aqui, não enquanto eu for sua amiga. Quero que venha morar comigo.

Imediatamente Dicent se preparou para negar. Antes que ele dissesse algo, eu balancei a cabeça e me levantei.

— Não estou perguntando. Estou dizendo. Você vai morar lá em casa, não vou te deixar ficar aqui quando eu tenho uma casa enorme só pra mim e dinheiro de sobra. Você não vai passar fome e correr perigos enquanto eu fico no luxo.

Dicent sorriu.

— Eu não ia negar. Eu ia dizer que essa foi a melhor sugestão que você já me propôs.

Sorri de volta.

Mas de repente um flash de memória me assolou.

É tão confortável andar nessa roupa, não?”

Fiquei tonta. Foi forte demais. Eu quase pude ver Mallon na minha frente, com aquelas roupas ridículas e coladas do desfile. Dicent não percebeu isso, e sorriu para mim.

— Que negócio todo foi aquele de romance na Arena, hein, princesa? — Ele zombou.

Como foi sua apresentação, princesa?”

Dei alguns passos para trás. Eu quase podia ouvir sua voz, quase podia sentir os beijinhos dele em meu pescoço. Quase pude sentir o cheiro de seu sangue quando eu o matei.

Engoli em seco, tremendo um pouco. Dicent não percebeu nada diferente, e me olhava na expectativa, como se eu fosse zombar de volta.

Veremos por quanto tempo esse seu sorriso vai durar.”

Você não verá mai nada depois de hoje.”

Veremos.”

Dei mais alguns passos para trás, e bati na cama, caindo para trás. Só nesse momento Dicent notou que algo estava errado. Ele andou até mim, e disse algo.

Eu comecei a compreender suas palavras, mas de repente seu rosto se modificou. Ele estava ali.

Um sorriso de escárnio se abriu em seu rosto bonito.

É tão fácil enganar princesas como você.”

Ele então encarou-me preocupado, segurando meu corpo. Comecei a acreditar nele novamente, mas as palavras ecoaram em minha mente de novo, como uma maldição.

...Você, Annelise Banks, é muito bobinha, ingênua. Vai ser tão fácil te matar.”

Eu podia me ouvir gritar, mas ao mesmo tempo não podia. Era como se eu estivesse em um sonho. Eu quis correr, mas minhas pernas não compreenderam. Senti meu corpo ser içado, enquanto eu revia aquela cena a minha frente, como um filme.

Nossos olhares não se desviavam, nunca. Sempre um olho no outro, analisando o ódio e a raiva, que pareciam equilibrados no momento. No momento, porque em algum tempo, um de nós ficará com mais raiva e vencerá a luta, e isso era algo óbvio, fácil de prever.[...]

Eu me voluntariei por um motivo: vencer — Ele disse, olhando em meus olhos, a espada se chocando repetidamente com meu chicote.

Eu me voluntariei por vários motivos, e um deles, é esfregar na cara de metidos como você, que todos podem ser alguém! Exclamei com raiva, investindo mais rápido com o chicote.

Mallon riu, jogando a cabeça para trás, sem deixar de participar da luta.

Querida, uma vez princesa, sempre princesa. Não fuja de seu destino, apenas aceite Ele disse divertido, a espada chocando-se cada vez com mais força contra meus chicotes. Aceite que morrerá aqui e agora, ignorada, porque sua vida foi, é e sempre será assim, pelo resto de sua eternidade.[...]

Mallon inclinou seu rosto, posicionando a boca perto de minha orelha. Sua proximidade já não me causava arrepios.

Você vai morrer, seu corpo vai ser enviado para o Distrito 4, e sabe como você vai ser lembrada? — Ele sussurrou, os lábios roçando em meu lóbulo. — Como a filha mais nova de uma família bem-sucedida, a filha que não teve sucesso, que morreu como uma perdedora. Você será mais ignorada que todos no planeta, você tinha tudo para vencer, e mesmo assim, perdeu feio para um cara desconhecido. Seu pai ficaria decepcionado. Últimas palavras, princesa?

Sorri. Eu estava em uma posição favorável ali, em que ele mesmo tinha me colocado. Pensei em como o humano as vezes era tão orgulhoso, que esquecia que também comete erros.

Sim. Da próxima vez que tentar matar alguém, evite a proximidade — Afirmo, e antes que ele entenda, dou-lhe uma joelhada forte em seu baixo-ventre, fazendo-o, num momento de dor, se afastar e soltar a espada.

Antes que ele se recuperasse de seu erro, chuto-lhe a barriga, jogando-o no chão, ele caiu facilmente, por estar despreparado. Com toda a força que eu tenho, deixo-o preso entre minha bota e o chão de terra. O olhar de Mallon parecia assustado, perplexo. Ele não estava acreditando.

Você esqueceu que é um humano, e por isso, esqueceu de seus defeitos — Rosno, com raiva, agarrando a espada dele com as duas mãos. — Os humanos têm defeitos, e o que eles devem fazer é aceitá-los. Você, por pura ignorância, esqueceu de seus defeitos, e esse foi seu maior erro de sua vida, e esse erro vai te levar a morte. Você diz que eu sou ignorada, diz que eu tenho tudo para vencer e que perdi, diz que serei lembrada como um fracasso, mas, na verdade, você não tem o direito de dizer nada — Ele tentou se mover e escapar, mas pisei com mais força em seu peito, imprensando-o no chão. — Você morrerá aqui, e quem te controla nesse momento sou eu. Eu decidirei suas últimas palavras, eu decidirei sua última visão, sua última audição. Mas direi somente isso: a raiva faz coisas que você não pode controlar, não deixe se levar por ela.

Abri um sorriso de escárnio, garantindo que aquela seria sua última visão, e enterrei a espada do lado esquerdo de seu peito. Mallon soltou um grito dolorido, que foi abafado pelo tiro do canhão. Tirei rapidamente a espada de seu peito, e a limpei em suas roupas.”

Eu podia sentir a presença das pessoas a minha volta. Podia sentir meu corpo balançando com os soluços. Podia ver os vultos de meu sonho me assombrando ali. Mas não podia realmente ver ou sentir alguma coisa.

Eu sabia que estava acordada, mas não tinha controle sobre mim. Fechei os olhos e deixei aquela escuridão que se aproximava me levar.

Essa é a última coisa de que me lembro.


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