Ignored escrita por The Corsarian


Capítulo 2
Despedidas




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Assim que saí da fila me dirigi ao cercado onde as crianças da minha idade ficavam.Normalmente tantos adolescentes juntos desse modo, resultaria em conversas, risos e piadas.Mas hoje todos estavam em silêncio.Era um silêncio tenso e repleto nervosismo.Mas também havia, a um canto, um grupinho de jovens conversando, rindo e falando alto, como se não houvesse nada com que se preocupar.

Todos eram enormes, fortes, e pareciam não ser nada amigáveis.Os Carreiristas.

Dentre eles havia um que se destacava.Ele era enorme, um brutamontes, e somente de olhá-lo eu sabia que ele conseguiria acabar com a minha raça em uma daquelas brigas escolares.E ele estava me olhando.Engoli em seco e me virei para o palco.Lá o prefeito já estava fazendo seu habitual discurso, do qual eu não escutava uma palavra sequer.

Ninguém importante.

Respirei fundo, tentando ignorar aquela maldita frase que rodopiava e rodopiava em minha mente.Apertei os lábios numa falha tentativa de ignorar a raiva e o ódio que subia pela minha garganta.Fechei os olhos, mas a única coisa que vinha na minha mente era o pensamento que insistia em avaliar quem eu era.

Affinie já tinha subido ao pódio, e falava da honra de estar ali, falava do modo como generosamente a minha família havia acolhido-a.

Quem eu era...

Quem é você, Annelise?

Eu queria socar meu cérebro, mas eu sabia que aquilo não o impediria de me fazer lembrar quem eu era.

Affinie estava se dirigindo até grande bola de vidro que estava repleta de papéis, em que haviam os nomes de várias garotas escritos numa caligrafia cuidadosa.

Quem é você?

Vamos, quem você é?

Quem sou eu...

Eu, sempre ignorada.Eternizada, como a "ninguém importante" pela própria família.Destinada para sempre a me esconder na sombra da fama da minha família.Para sempre ignorada, desconhecida.Para sempre a filha do vitorioso e da grande médica.Eternamente a irmã do outro vitorioso e da maior artista de toda Panem.Para sempre a 'ninguém importante', sempre a última.Sempre a fraca, sempre a afastada e ridícula.A que está sempre errada.

Uma enorme e borbulhante raiva tomou conta de meu ser.Uma raiva que eu nunca havia sentido antes, que dominava meus sentidos, que bloqueava meus pensamentos, que me impedia de agir com razão.Meus punhos se cerraram, e eu tremia.

Glória, e riqueza.Eram o que os Jogos Vorazes prometiam.Era tudo o que eu precisava.Sem nem pensar, eu já estava gritando.

–Eu me ofereço como tributo!

Meu grito ecoou, antes mesmo da voz anasalada e com aquele forte sotaque da Capital, de Affinie reverberasse pelo local com o nome escrito no papel.

Andei com passos firmes até o pequeno palco improvisado em frente ao Edifício de Justiça.Todas as pessoas me olhavam impressionadas.Principalmente os Carreiristas.Afinal, o que uma magra, baixa e fraca como eu queria num jogo desse?

Eu ainda tremia com a raiva.Affinie parecia pasma e sem palavras.Parei ao lado dela, com a cabeça erguida e ainda com os punhos cerrados.Affinie se recuperou e perguntou com a voz ligeiramente trêmula:

–Qual é o seu nome, querida?

–Annelise Banks.-Respondi dura.O veneno em minha voz era tanto que poderia ter derretido o microfone.

Affinie sorriu hesitante mas depois exclamou:

–Magnífico!Agora, vamos ao garotos!

Ela caminhou até a bola de vidro com os nomes dos garotos.Voltou ao pódio e quando abriu sua boca para proclamar o nome do infeliz garoto, mas antes mesmo de som qualquer sair de sua boca uma voz berrou da multidão:

–Eu me ofereço como tributo!

Um garoto saiu da aglomeração de pessoas, e para meu terror era aquele brutamontes de antes.Ele andou até o palco e se posicionou do outro lado de Affinie.Eu até ficaria apavorada, mas a raiva não deixava espaço para outra coisa.Um gosto amargo subiu pela minha garganta, invadindo minha boca.

–E qual é o seu nome?-Ouvi a voz de Affinie.

–Mallon Gott.-Respondeu o garoto, com uma voz áspera.

Depois de mais enrolação,o prefeito voltou ao pódio, falando mais coisas que ninguém vai escutar.Lancei um olhar para o céu, mas nem isso acalmou minha raiva.Masquei minha língua como um chiclete, lançando-a de um lado para o outro na minha boca.Nem percebi o tempo passar, e o prefeito já estava fazendo o gesto que indicava que eu e o outro garoto apertássemos as mãos.Nos viramos de frente um para o outro e esticamos o braço, unindo nossas mãos.

A mão de Mallon era quente e ele apertou a minha com um pouco mais de força do que o necessário.Enquanto apertávamos as mãos ele me olhava diretamente nos olhos.Os meus olhos deveriam estar repletos de raiva.Os dele continham um tipo de raiva diferente, era como um ódio, um rancor, que falavam por Mallon, e indicavam claramente suas intenções: Ele iria me matar caso nos encontrássemos na arena.

Soltamos as mãos e olhamos para a multidão, com o hino de Panem tocando ao fundo.

Assim que o hino acaba, os Pacificadores nos conduzem por um corredor, onde depois sou deixada em uma sala, sozinha.A sala parecia um pouco com a minha casa, com um tapete branco e felpudo, paredes pintadas de um verde claríssimo, um sofá de veludo verde-escuro, uma cortina azul com detalhes em dourado e uma escrivaninha de uma madeira reluzente.

A calma do ambiente ajudou a diminuir a minha raiva.

Mas logo a porta foi aberta, e por ela entraram meu pai e meu irmão.A raiva voltou com toda força assim que vi que meu pai parecia irritado.Que motivos ele tinha para ficar irritado?A minha provável morte?

–Onde você estava com a cabeça?-Gritou meu pai.

–Olá, eu estou muito bem e você?-Falei irônica para ele.Meu pai mexeu a boca em um claro sinal de irritação.

–Você sabe que nunca teve talento para isso!-Ele disse irritado.

Foi aí que minha raiva atingiu um nível muito alto.Ele estava mesmo ali para me dizer isso?Dizer que eu sou uma estúpida e que não tenho chances de vencer?Que vou morrer naquela arena?Essa era a ideia de despedida?

–Obrigada pelo apoio.-Falei ácida.Meu pai me olhou mais irritado ainda.

–A senhorita parece achar muita graça nisso, não?-Ele berrou bravo.-Pois saiba, que isso não é uma brincadeira!

–Talvez eu não estivesse aqui, se você tivesse me tratado como gente!-Gritei na cara dele.Meu pai se calou.Bufei e me joguei no sofá.

Os Pacificadores chegaram e meu pai se retirou sem mais nenhuma palavra.Já meu irmão, o único da minha família pelo qual eu havia criado apreço, andou até mim, e beijou minha testa.Então ele saiu, sem mais palavras.Eu sabia o porque daquilo.Ele seria meu mentor, não precisava se despedir agora, poderia se despedir depois.

A porta foi aberta alguns minutos depois.Por ela entraram minha mãe e minha irmã.As duas se despediram adequadamente de mim, mas eu sentia que suas palavras eram vazias, sem sentido, pareciam terem sido decoradas e ensaiadas por horas, sem sentimento algum.

Logos elas se foram, me deixando somente com mais raiva.A porta foi aberta novamente, e por ela entrou Dicent.Assim que o olhei toda minha raiva se esvaiu de meu corpo, sendo substituída pelo medo.

Dicent simplesmente andou até o sofá, e sem dizer nada, ele me abraçou.E aquele abraço me fez perceber a besteira que eu havia feito.Mas era tarde demais para voltar atrás.

Dicent se afastou e me olhou nos olhos.Nos olhos dele pude ver seu medo, medo por mim, mas também havia confiança e certeza.

–Você consegue vencer isso.-Ele falou.Neguei com a cabeça.

–Não, eu não sirvo para nada.-Apontei amedrontada.-Não consigo manusear facas, arcos, lanças, nem nada do tipo.Eu sou patética.

Dicent negou com a cabeça e segurou meu rosto entre suas mãos.

–Não fala isso, ok.-Ele pediu.-Você estava tão confiante quando gritou que queria se voluntariar.Continue assim.Confiante.

Apertei os lábios, e abri a boca para discordar, mas Dicent colocou o seu dedo indicador sobre meus lábios, pedindo silêncio.Uma lágrima solitária escorreu pelo meu rosto.Rapidamente ele a enxugou.Então Dicent sorriu, confiante.

–Até mais, patricinha.-Beijou minha testa, assim como meu irmão e saiu da sala, me deixando sozinha.

Assim que ele saiu as lágrimas começaram a escorrer desesperadas por meu rosto.Onde eu estava com a cabeça quando disse aquilo?

Engraçado o quanto uma frase tão simples poderia ter sido a diferença entre a minha vida e a minha morte.

A morte que provavelmente ocorreria em menos de uma semana.

A perspectiva de que eu poderia estar morta em questão de dias me aterrorizou.Mais lágrimas rolaram por meu rosto, soluços tomaram conta de meu corpo, e logo eu já estava encolhida no sofá, chorando como um bebê.Os Pacificadores tiveram praticamente me arrastar até o carro que me levaria para a estação de trem, assim que me enfiaram no carro enterrei o rosto nas mãos, evitando olhar para qualquer pessoa que estivesse dentro do carro comigo.

Eu conseguia ouvir a voz de Affinie falando sobre o trem, mas meus soluços constantemente a atrapalhavam, então ela desistiu de tentar falar alguma coisa.Logo eu estava na estação de trem, sendo transmitida para o país inteiro com um rosto vermelho e inchado, enquanto ao meu lado, Mallon parecia até estar se divertindo com a situação.Nossa entrada no trem foi permitida, e desse modo, particamente corri pelos vagões, até o quarto que seria meu durante a viagem até a Capital.

Imediatamente entrei debaixo do chuveiro, e um jato de água quente escorreu sobre meu corpo.Ali embai fui tirando cada peça de roupa encharcada, até finalmente ficar completamente nua e poder tomar meu banho normalmente.

O Distrito 4 era um dos distritos mais próximos da Capital, ficando logo após os Distritos 1, 2 e 3.Com aquele trem de alta velocidade, chegaríamos na Capital em poucas horas, no máximo 5.Eu poderia ficar um bom tempo no banho, comer e talvez cochilar, e logo já teríamos chegado.E eu precisava de tudo aquilo para me acalmar.

Saí do banho sem nem ao menos me secar, e me joguei nua por cima da cama, na esperança de que meu corpo de secasse sozinho.

Aquele trem me deixava claustrofóbica.Sim, ele era realmente grande, mas era muito fechado e fazia eu me sentir mal, como se nunca mais fosse escapar daquela armadilha.Eu queria um lugar onde pudesse ver o mar, o céu e as típicas árvores finas do Distrito 4.Eu queria estar em casa, lugar onde eu provavelmente estaria se não fosse tão estúpida.

Assim que eu estava quase seca, me vesti com um das roupas que o trem disponibilizava, uma blusa grande e larga de seda preta, com uma calça folgada e verde.Fui descalça até o vagão-restaurante e me sentei a mesa, colocando todos os doces possíveis em meu prato.Mallon estava me olhando, e parecia bastante divertido com o meu ato.

Ignorei-o e comecei a enfiar o máximo de comida que eu conseguia em minha boca.

–A princesa não tem medo de engordar?-Mallon indagou divertido.Lancei-lhe um olhar gélido, e terminei de engolir antes de dizer.

–O trator não tem medo de emagrecer?-Retruquei indicando o prato vazio com a cabeça.

–Veja, a princesa sabe xingar!-Ele exclamou, fingindo surpresa.

–Haha, que engraçado.-Falei irônica colocando mais doces em minha boca.

–Sabe onde se meteu, Aank?-Indagou Mallon.Aank era meu irmão e mentor nesses Jogos, consequentemente, mentor de Mallon também.

–Não.-Respondi rapidamente, colocando mais doces na minha boca.

–Falando de mim?-Perguntou uma voz.

Olhei na direção da voz e vi meu irmão, entrando pela porta, com um sorriso estampado no rosto, e uma garrafa de bebida na mão.Não, ele não estava bêbado, mas provavelmente irá ficar.

–E aí, quem está pronto para os Jogos?


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