Rede de Mentiras escrita por Gaby Molina


Capítulo 7
Capítulo 7 - . . . – – – . . .


Notas iniciais do capítulo

Para quem não entendeu o nome do capítulo, é assim que se representa SOS em código morse.



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I don't need no arms around me

And I don't need no drugs to calm me.

I have seen the writing on the wall.

Don't think I need anything at all.

— Another Brick In The Wall (Part III) — Pink Floyd

Ethan

Eu acordei com o grito mais agudo do mundo.

— FLETCHEEEEEEEEEEEEEEEEEER!

Elena estava oficialmente de volta. E, como Clarissa havia chutado Fletcher para longe há mais ou menos duas horas, eu teria de lidar com ela. Por isso tirei minha bunda quadrada do chão e abri a porta da psiquiatria.

— Na verdade, só tem eu — murmurei.

E então percebi que os olhos azuis dela estavam muito inchados.

— Eu... Eu me sinto tão sozinha.

— Eu estou aqui — retorqui, abraçando-a antes que ela pudesse me xingar. — Shhhh. Não chora. Está tudo bem.

— Por que você está aqui?

— Porque eu não queria que estivesse sozinha quando acordasse — disse, soltando-a.

Notei que Teresa nos observava.

— Hum, talvez seja bom fazer alguns testes... — a psiquiatra sugeriu em voz baixa.

— Não precisa — balancei a cabeça. — É ela. Eu tenho certeza.

* * *

Fletcher estava puto. E estava bem macho e assustador, mesmo que tivesse que olhar para cima para falar comigo.

— Eu já passei por isso mais vezes do que posso contar — repetiu ele, cerrando os dentes. — E então você chega como alguma espécie de Príncipe Encantado e acha que pode cuidar dela melhor do que eu? — ele me empurrou, mas não tinha muita força. — Você não a conhece! Você não pode simplesmente "ter certeza" e encher as pessoas de esperança.

— É aí que você se engana, eu conheço a Elena — estava me esforçando demais para manter o tom de voz calmo. Meus dedos tremiam, e eu não sabia se estava viciado no remédio de ansiedade, como uma bateria de celular viciada, que não dura nada sem um carregador, ou se a situação era simplesmente estressante. — Eu a observo, tentando compensar o fato de que ela não me contaria nada sobre si mesma. Quer saber, Kingston? Você gosta de pensar que presta atenção nela, mas não presta. Senão saberia que ela é canhota, enquanto Jessie come como destra. O que faz sentido, psicologicamente, pois todo canhoto é ambidestro, então é interessante que cada personalidade dela desenvolva um lado. Saberia seu tom de voz, seu vocabulário, suas manias. Mas não, tudo o que você sabe sobre Elena é o que ela contou a você, e isso não é o suficiente. Nossa personalidade está nas coisas que não sabemos sobre nós mesmos, ou nas coisas que ignoramos, que são tão banais que fazem parte de nós muito mais profundamente do que o gosto musical ou a cor favorita.

— Você é um porra de um perseguidor sociopata! Você não a ama!

— Você beijou a Jessie achando que fosse ela! Só está irritado porque talvez não a entenda tão bem assim!

E então ele me deu um soco na cara.

Clarissa

Eu estava sentada com Elena, tentando agir normalmente, como se não estivesse acontecendo a Terceira Guerra Mundial na sala ao lado.

— Por que eles estão brigando? — Elena me perguntou.

Abri a boca, mas logo fechei quando percebi que não sabia responder àquilo sem ser incrivelmente rude. Eu não dormia há dias e aquela era uma pergunta absurdamente idiota.

— Vou ver se já se mataram — murmurei e fui até a sala do lado, sabendo que Fletcher gritaria comigo porque eu deveria tomar conta de Elena e eu gritaria com ele mandando que não gritasse comigo e ele faria aquela expressão assustadora e eu fingiria que não queria sair correndo.

Você é um porra de um perseguidor sociopata! Você não a ama!

— Você beijou a Jessie achando que fosse ela! Só está irritado porque talvez não a entenda tão bem assim!

Meu queixo caiu, mas não tanto quanto quando Fletcher socou a cara de Ethan. O que talvez ele não devesse ter feito.

Eu observei o semblante de Ethan ficar completamente vermelho, suas pupilas dilatarem e seus olhos perderem o foco. E então ele partiu para cima de Fletcher, jogando-o no chão e socando-o. Uma, duas, três...

— AJUDA! POR FAVOR! ALGUÉM! EU... EU... — gritei, desesperada. — Ethan! Ethan!

Eu era covarde. Eu não me enfiaria ali no meio, não com Ethan naquele estado. Eu estava paralisada, como sempre ficava em situações difíceis. Eu não conseguia lidar com nada, e aquele não era o tipo de situação que uma mentirinha resolveria.

Elena veio correndo e, diferentemente de mim, ela tinha uma porcentagem respeitável de coragem e impulsividade dentro de si.

— BLACKERY! — ela gritou, correndo até os dois, e puxou Ethan para trás com mais força do que imaginei que ela teria. — CLARISSA, TIRE FLETCHER DAQUI!

Eu corri para fazer isso.

— Ethan — ela segurava uma das mãos de Ethan com a sua própria e mantinha a outra mão dele presa como presunto entre o seu corpo e o dele. A outra mão de Elena segurava o queixo de Ethan, forçando-o a olhar para ela. — Ethan! Olhe para mim. Você passou dos limites. Tá? Acalme-se. Ouça a minha respiração. Vamos, respire toda vez que me ouvir respirar. Pelo nariz. Isso. Isso.

Fletcher me empurrou, recusando minha ajuda, e se levantou sozinho, cambaleando. Seu lábio sangrava e ele mantinha uma mão perto do estômago, mas fora isso parecia bem.

— Vou pegar gelo — falei.

— Eu posso pegar meu próprio gelo, Clarissa — seu tom era tão frio que parecia fazer mais efeito que o gelo.

— Está bem, que seja, pegue seu próprio gelo, cuide da sua própria colega de quarto, faça a porra que você quiser, eu cansei — estreitei os olhos, olhando para cima para encará-lo. — Só não venha mais pedir minha ajuda de madrugada, porque eu vou mandar você se foder.

Para minha surpresa, ele riu.

— Clarissa, tem um buraco na minha alma. Eu posso senti-lo, mas não posso preenchê-lo. Tente viver assim. Se não cortar os próprios pulsos, vai perceber que você não é capaz de me fazer sentir pior.

E então ele saiu andando.

— Não, quer saber?! — gritei de volta. — Você não pode só virar as costas! Ok, sua vida é um porre, mas adivinha só?! A vida de todo mundo aqui é! Ninguém está feliz consigo mesmo, ninguém está confortável. E o pior de tudo — eu me aproximara dele, ficando na ponta dos pés para olhar bem fundo em seus olhos escuros surpresos. — é que eu admirava você por sua capacidade de lidar com as coisas. Achava que era destemido, talvez porque não tivesse nada a perder, mas nada disso é verdade. Você foge das coisas e dá desculpas idiotas. E sabe o que isso quer dizer? — agora o sorriso entretido estava no meu rosto, pela primeira vez. — Quer dizer que você não é nem um pouco melhor do que eu, Fletcher Kingston. E agora eu vou virar as costas.

Mas é claro que ele tinha que atrapalhar minha saída dramática quando eu já estava quase na porta:

— Tá, pega o gelo.

A raiva subiu ainda mais, e eu não olhei para trás.

— Pegue a sua própria porra de gelo, Fletcher!

E bati a porta da cozinha.

Fletcher

— Esse é o meu telhado.

— Tem seu nome nele? — o tom dela era frio.

Não retruquei nem insisti, apenas sentei-me ao lado dela. De alguma forma, gostava mais dela quando estava cansada demais ou irritada demais, porque não pensava direito antes de falar, o que quer dizer que não mentia tanto.

— Já passou da meia-noite.

— Eu sei.

— Quer me dizer alguma coisa?

— Por que eu iria querer te dizer alguma coisa?

— Bem, você está aqui de madrugada, sabia que eu ia aparecer.

— Na verdade, eu vim assistir ao pôr-do-sol — murmurou ela.

— E?

— E foi o pôr-do-sol mais deprimente da minha vida. Nem tudo é sobre você, Fletcher.

— Desde quando alguma coisa é sobre mim?

Clarissa baixou a cabeça, afastando o cabelo do rosto. Ela sabia que eu não estava sendo irônico.

— Eu não disse antes, mas acho legal que você cuide da Elena — comentou ela. — A única ajuda que consegui foi dos meus pais, quando me colocaram aqui. Mas às vezes me pergunto se não é o contrário. Se não sou eu quem os está ajudando.

— Meus pais nunca ligaram para cá — dei de ombros. — Tenho certeza de que estão sentindo muito a minha falta.

— Eu ouvi sua conversa com Ethan — ela soltou rapidamente, como um cabo de guerra que não conseguia mais segurar. — Sobre Jessie. Sem querer.

Achei que fosse ficar bravo com ela, ou pelo menos envergonhado, mas não. Por alguma razão, ela estava certa mais cedo. Eu me identificava com ela num nível estranho, quase subconsciente, como se algo na mente problemática dela entendesse algo na minha mente problemática. Como se nada que eu disesse fosse capaz de criar aquele olhar idiota de pena que as pessoas geralmente têm. Como se ela entendesse que eu não precisava da ajuda de ninguém, eu só precisava resolver minhas próprias merdas internas. Algumas pessoas simplesmente têm coisas pesadas demais na cabeça, enquanto outras só conseguem se preocupar com a roupa que vão usar ou uma pessoa que acham bonita. E não me leve a mal, eu tenho inveja dessas pessoas. Muita inveja, na verdade.

Eu não precisava de ninguém, mas ao mesmo tempo era tão bom simplesmente saber que ela estava ali, simplesmente saber que, mesmo que não se desse conta disso, ela entendia.

— Eu quero que você saiba — admiti. —, mas eu não quero te contar.

Seus olhos castanho-médios me fitaram.

— Bem, isso pode dificultar um pouco as coisas.

Esbocei um sorriso sem muita vontade, e ficamos em silêncio por um minuto. Por fim, ela disse:

—... Você está apaixonado por ela?

— Achei que estivesse — murmurei. Nunca dissera aquilo a ninguém. — Mas acho que simplesmente precisava sentir alguma coisa. Quero dizer, ela é provavelmente a pessoa mais importante da minha vida, mas acho que eu não a via realmente daquele jeito. Eu achava que ela me via daquele jeito, o que ajudou.

— Mas na verdade era Jessie, e não ela.

Algo começou a se revirar dentro de mim. Eu achava que, se dissesse uma coisa secreta, todas as outras pulariam para fora naturamente, mas é claro que não era assim. Minha introversão não era uma válvula que eu desrosqueava e fazia os segredos jorrarem.

— Eu vivi com a Jessie por uma semana seguida e não percebi. Qualquer um teria percebido, mas eu, a pessoa que tinha que perceber, nem me toquei. Mas isso já faz tempo. E... Eu não quero mais falar disso, está bem?

Aquela conversa de dois minutos tomara tanto de mim que eu sentia que havia desenvolvido uma úlcera.

— Está bem — disse ela, deitando no telhado. — Está nublado demais. Odeio quando não tem estrelas. Você deveria checar a Elena.

A cabeça dela realmente era uma caixinha curiosa.

— Deveria mesmo — concordei. — Mas acho que estou tirando alguns minutos para mim mesmo pela primeira vez em muito tempo.

— Quer que eu vá lá?

— Peça à Clarke, ela vai ficar feliz em ajudar.

— Por quê? Quero dizer, Clarke não é muito do tipo que ajuda.

— Ela é, quando se trata da irmã.

Clarissa estreitou os olhos, e era como se algo tivesse se conectado dentro de seu cérebro.

— Isso... Isso até que faz sentido. Elena é mais velha?

— Sim. Quase quatro anos.

— Então... Elena tem dezenove?

— É. Vai fazer vinte daqui a alguns meses.

— Bem, isso é uma reviravolta impressionante.

Dessa vez, o sorriso saiu de mim mais facilmente. Clarissa desceu do telhado. Eu não sabia se ela voltaria, e tentei dizer a mim mesmo que não fazia diferença.

Clarissa

Ele estava jogado no telhado, com um filete de baba escorrendo pela bochecha direita. Comprimi um riso. Ele parecia bem menos... tudo quando dormia.

Sem pensar, deitei-me também e adormeci.

* * *

Acordei com o sol na cara e minha cabeça no peito dele.

— Ah, oi — ele murmurou, a voz tão rouca que quase não emitia som.

Rolei para o lado, corada.

— Oi. Eu... Eu só estava...

— Não — o canto direito de sua boca se curvou para cima. — Sem mentir de manhã. Guarde para o almoço.

— Tem baba no seu queixo.

— Não achei que você fosse voltar.

— Para onde mais iria?

O cabelo dele parecia um ninho de rato, levantado em todos os pontos onde não deveria levantar, e o resto caindo em seu rosto. A visão me era reconfortante, pois eu sabia que o meu cabelo não estava nem um pouco melhor.

E por que diabos eu estava falando sobre cabelo?!

Ah, é.

— Eu não me apoiei em você de propósito — falei enquanto ele se espreguiçava como uma protagonista de série da CW.

— Ah, claro, você só fica meio tarada e carente enquanto dorme — ele zombou, sem olhar para mim. — Compreendo.

Suspirei.

— Podemos fingir que não aconteceu?

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Só para você saber, sua pequena hipócrita, você babou na minha camisa.

— E você poderia ter me tirado de cima de você quando acordou.

— Bem, parece que nenhum dos dois está fazendo as coisas que deveria fazer hoje — ele replicou, e então desceu do telhado.

* * *

Não consegui evitar, logo estava batendo na porta dele.

— Você... tem problemas em controlar a raiva? — perguntei, cuidadosa.

Ethan ergueu uma sobrancelha.

— Érrr... Às vezes, é. Mas isso não é exatamente o problema.

— O problema também pode ser o fato de que você socou o estômago de Fletcher, e... AH, MERDA, O ESTÔMAGO DO FLETCHER!

Porra! Ele não estava se espreguiçando! Fletcher Kingston não se espreguiça, eu... Eu deitara no estômago machucado dele.

Saí correndo, mas acabei encontrando Elena antes.

— Clarissa, graças a Deus! — ela sorriu. — Você sumiu ontem à noite, eu fiquei preocupada.

— Fui dar uma volta, estava sem sono — a resposta saiu tão rápido que minha cabeça sequer cogitou contar a verdade. — Você viu o Fletcher?

— Não desde o café-da-manhã.

Fletcher

A porta do dormitório se escancarou.

— Eu trouxe gelo — Clarissa anunciou, meio sem fôlego, erguendo o saco de gelo. — Para o seu estômago. Que eu fiz pressão. A noite toda. — E então seus olhos desceram para o violão em minhas mãos. — Você toca?

— Não, só estou fazendo pose com ele, mesmo — zombei, mas peguei o gelo e o coloquei na ferida. — E é roubado, se estiver se perguntando. Do cara que costumava ser meu melhor amigo antes de eu vir para cá, porque parece que eu sou esse tipo de pessoa.

— Eu não estava me perguntando. Além do mais... Você tem um transtorno — ela murmurou, sentando-se ao meu lado. — Não é a mesma coisa.

— É isso que você diz a si mesma para se sentir melhor? — indaguei.

Ela não respondeu.


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