Elos de Fogo - Profecia da Bruxa escrita por Kuro_Hana


Capítulo 9
08




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Poucos minutos após o sol nascer alguém bateu e Dináh prontamente foi atender a porta, mesmo tendo acabado de acordar:

–Senhora, Lorde Fagin humildemente pede para falar com Lady Gretel.

–Ora, mas tão cedo?!

Dináh foi acordar a filha, que com alguma dificuldade convenceu a ir atender a porta. Sem pressa ela pediu para chamá-lo para entrar enquanto se arrumava singelamente. Ele e um escudeiro entraram, o rosto dele estava tenso e levemente pálido. Lady Gretel não demorou e ao entrar na sala ele se levantou para cumprimentá-la:

–Receio ter que quebrar uma antiga tradição...

A voz era calma, mas o rosto dele mostrava que algo muito sério estava por vir:

–Diga – ela o estimulou – temos uma manhã toda pela frente.

–Ao longo de anos de batalha tenho visto coisas que enlouqueceriam muitos homens de bem – Ele aspirou lentamente o ar pelas narinas antes de continuar – vamos parar em quanto há tempo com o Festival do Sangue...

–É uma coisa maior que nós, que já dura mais que séculos, não podemos deixar de lado essa tradição.

Ele pegou uma das xícaras de chá que Dináh oferecia e tentou argumentar:

–Você acha que a Grande Mãe ¹ tem sede?

–Sede?! A Grande Mãe Deusa?

–Sim – com um sorriso irônico ele voltou a fazer a pergunta – você acha que ela tem sede?

–É obvio que não.

–E por que você insiste em fazê-la beber sangue? Não basta o derramado na batalha, quer dar mais à Ela?

Com severidade ela o encarou, suas mãos se fecharam com raiva:

–O sangue Sonsoc que ela bebe poupa o dos Ossis.

–Estou disposto a comprar seus escravos, pagarei muito ouro ou até pólvora se necessário.

–Não estão à venda fora do festival.

Os olhares deles se sustentaram por alguns instantes:

–Eu a desafio a não aceitar minha proposta.

–Se continuar a falar dessa maneira vai estar me ofendendo!

Gretel começou a ficar exaltada, mas ele continuou:

–Você não sabe usar a razão para resolver problemas. Gretel você só está presa ao passado!

–Eu o convido a se retirar de minha casa!

Os dois ficaram em pé, ameaçadores se enfrentando:

–Farei com que se arrependa de não ter salvado esses homens!

Ela abriu a boca para responder, mas uma idéia passou por sua mente e fez com que um sorriso mau aparecesse em seu rosto:

–Já que quer tanto acabar com o festival, ele começará hoje!

O rosto dele empalideceu e tremulas três palavras deixaram seus lábios:

–Não se atreva...

Ela passou rapidamente pela porta antes que Fagin tivesse tempo de impedi-la e dizendo aos poucos moradores acordados àquela hora declarou:

–O Festival do Sangue está aberto!!!

Como se uma fagulha se espalhasse pelo povo todos soltaram vivas de admiração e correram para espalhar a boa nova.

O festival era sinônimo de banquete, música e diversão com um toque de morbidez.

Lorde Fagin de queixo caído exclamou:

–Não acredito que pôde fazer isso!!!

–Pois pude e fiz – com um sorriso ela acrescentou – eles ainda tem uma pequena chance de se salvarem.

Havia uma lei tão antiga quanto a tradição, de que se o prisioneiro não chorasse e enfrentasse a morte com coragem devia ao invés de ser morto ser leiloado. Qualquer um podia comprar ou vender um escravo de guerra, e eram considerados artigos preciosos.

–Não espere meu apoio no futuro.

Fagin sentiu nojo da mulher á quem pedirá em casamento na noite anterior, ela com o mesmo tom irônico dele, disse:

–Naturalmente você e os outros lordes estão convidados, está tarde será inesquecível!

A pequena comitiva de Foxburg deixou a cidade, os moradores estavam surpresos e excitados pelo adiantamento da comemoração mesmo sem saber dos motivos.

Os preparativos começaram a ser feitos antes do horário de almoço e terminaram pouco depois das cinco da tarde, os prisioneiros foram alimentados com a melhor comida que podiam oferecer em Punyburg.

Todos eles estavam quietos, como se já soubessem do fim próximo. E sabiam.

Gretel era boa em estratégias, mas Fagin também o era, e mandou que um de seus criados fosse e contasse a eles sobre a antiga lei do leilão garantindo que seriam comprados e libertados pelo Lorde, mas que para que tudo desse certo não poderiam dizer nada sobre aquilo.

O horário da visita era proposital, vindo cedo seu criado corria menos risco de ser pego. Ele sabia que Gretel não aprovaria o fim do festival, mas o importante era salvar quantos pudesse.

Os outros lordes foram avisados do festival e do plano de Fagin, de modo que deveriam dar os primeiros lances e deixar que ele os cobrisse no final.

Os quatro lordes juntos podiam determinar o banimento do festival macabro, mas nenhum deles queria ter Lady Gretel como inimiga.

O banquete estava terminando de ser feito quando o primeiro dos lordes chegou, Lorde Irálem, ele era o sucessor de Salem e estava abatido pela morte do sobrinho, suas roupas eram completamente negras.

Tinha por volta de trinta e dois anos, seu rosto era marcado por sardas como o do sobrinho, seu cabelo possuía uma ou outra mecha grisalha sendo curto e de um ruivo indefinido e seus olhos tristes eram verdes. Não se sabia muito sobre ele, mas tinha se mostrado valoroso na batalha contra os Sonsocs.

Um grande palco estava montado, lá seriam degolados e içados os presos para a admiração do povo. Duas grosas toras de madeira sustentavam uma terceira mais longa onde ganchos já esperavam os calcanhares dos Sonsocs recém mortos e em frente três longas mesas de banquete estavam dispostas de forma panorâmica.

A mesa do centro era destinada aos lordes e aos melhores dos guerreiros, tinha quase vinte metros e mesmo assim era a menor das mesas, as outras duas ultrapassavam os cinqüenta metros e colocá-las ali era um esforço tremendo que demandava varias pessoas.

Os outros lordes chegaram e tomaram seus lugares, Daring se sentou ao lado direito de Gretel e Lewis ao esquerdo. Irálem ao lado de Daring e Fagin ao lado de Lewis.

A comida foi servida e uma banda da cidade tocava uma animada polca, muitos se levantaram para arriscar alguns passos ao som da música contagiante.

Houve uma parada rápida na música para que um sacerdote (que era o ferreiro da cidade ¹) agradecesse aos deuses da sabedoria e da matança com um emocionado discurso, a festa prosseguiu, e quando a noite caiu se deu o início ao evento principal.

Tochas foram acesas e com um sinal da mão de Lady Gretel os prisioneiros foram trazidos, os que se mostraram firmes eram deixados por ultimo para que se desesperassem com a morte dos seus companheiros.

O primeiro deles, um jovem que pedia piedade foi posto de joelhos no cento do palco, o carrasco o forçou a ficar a frente do aparador ². Impaciente o povo ouviu as palavras da Lady:

–É uma pena que esse ano nossos campos não serão regados por suor do inimigo, mas valerá a pena ver o espetáculo adiantado.

Mal terminando de ouvi-lo, o carrasco baixou a cabeça do jovem de uma vez sobre a lâmina, a multidão delirou, Daring tapou o rosto, Lorde Fagin deu uma golada em seu copo de cerveja, o ritual seria muito longo.

Quinze corpos pingavam sangue para a vala abaixo do palco quando os que resistiam começaram a serem leiloados um a um, a lady não deu atenção nenhuma a qualquer um deles e ouviu sem interesse os lances serem dados e cobertos.

E só levantou o olhar quando um nome particular foi anunciando:

–De São Tito, Lanios! Começando com 200 moedas por essa raridade, de formas robustas, com bela cor negra e brilhantes olhos castanhos.

Gretel ergueu pela primeira vez sua mão:

–250!

Os lordes se espantaram e tentaram dar seus lances, o preço começou a ficar perigosamente alto, pois ninguém desistia de aumentar suas ofertas:

–560!

Disse Fagin, ele ofegava e suava frio, pois desconfiava que com Lanios ela faria algo terrível, mais uma vez ela ergueu sua voz:

–600 moedas!

–600, dou-lhe uma! – o leiloeiro estava eufórico, em cada venda ganhava dez por cento do valor que vencia – dou-lhe duas!

–650!

Fagin persistiu, e quase vinte minutos depois os lances continuaram aumentando:

–1850!

–1900!

–2000!

Se Fagin continuasse não teria como pagar os que já havia comprado, e irritada com a demora Lady Gretel decidiu terminar com aquilo de vez:

–O triplo ou nada!!!

Seis mil moedas era um preço alto demais para qualquer venda de escravo:

–Dou-lhe uma, duas e três! Vendido para Lady Gretel Ruína dos Tolos!

“Ruína dos Tolos” era um título que ela ganhará de seu irmão.

Ficando de pé Fagin propôs:

–Gretel! Um duelo pelo escravo!

Todos os presentes na mesa exclamaram de surpresa, prevendo um embate sangrento. Mas pela primeira vez a Lady recusou um duelo:

–A compra foi justa, de modo que ele agora me pertence.

Ela se levantou, não longe dali estava uma mareta que havia sido usada na construção do palco. Ela foi até lá e a agarrou:

–Esse escravo tem-se mostrado forte, mas essa coragem não durará muito tempo!

O povo se agitou ao vê-la subir as escadas do palco, o cheiro de sangue era penetrante, o carrasco limpava nervosamente a lâmina do aparador num gesto de ansiedade:

–Reze!

Gretel dirigia essa ordem à Lanios, que sem saber exatamente o porquê obedeceu:

–Deus único, meu Senhor cheio de graça... Protetor, sereno guia para a salvação...

Ameaçadora ela se aproximou arrastando a mareta pelo amadeirado, puxou a corda que o prendia e o empurrou de frente com o aparador:

–Se for rezar ajoelhe-se! Faça direito!!!

Com rudez ela o ajoelhou, o aparador se cobria de sangue, baixinho e continuamente ele continuava sua prece:

–... Segura meu espírito em suas mãos, guarda-o. Eu o obedecerei, Tu me salvarás,Tu levará pão aos meus Irmãos que dele precisarem, encherá de contento o peito do enfermo...

Irritada ela sussurrou para que só Lanios a ouvisse:

–Tem feito um bom papel até aqui... Mas você foi covarde comigo, morrerá covarde...

A mareta se ergueu e todos que assistiam soltaram gritos de assombro. O escravo tinha escapado da morte para mais uma vez voltar aos seus braços, a lei estava cumprida, ele tinha enfrentado o medo que todo homem tinha da morte e agora se juntaria à pilha de mortos.

O som do metal se espalhou pelo pátio, Daring de olhos fechados teve vontade de chorar de horror, mas quando abriu os olhos se deparou com o escravo ainda vivo murmurando sua prece.

No ultimo segundo Gretel desviou a trajetória de sua arma que se chocou com o aparador.

Sem dizer nada ela acenou positivamente com a cabeça, a platéia se levantou para aplaudir e soltar vivas em honra da misericórdia de sua líder.

Jessy, e dois guardas buscaram Lanios para que ele esperasse por sua dona buscá-lo no estábulo.

Lady Gretel se sentou e não saiu de seu lugar até o ritual acabar, vários outros escravos foram arrematados, houve mais um louvor aos deuses, dessa vez mais fervoroso e aclamado, quando o evento principal (a morte dos Sonsocs) terminou houve dança e lentamente o movimento foi minguando.

Eram quase quatro da manhã e só restavam ali os voluntários limpando e os lordes, para que se despedissem formalmente.

Lorde Daring não se importava com formalidades e abraçou Gretel, carinhosamente ele disse:

–Um dia gostaria de ser tão sábio quanto você para tomar decisões.

Os outros lordes se calaram sem saber o que ele queria dizer:

–Você já o é!

Ela o apertou entre os braços.

Aproveitando que Fagin havia se afastado da vista dos lordes que partiam, ela se aproximou:

–Tome – Gretel estendeu para ele um saco com o dinheiro que ele tinha gasto no leilão – não se preocupe, o leiloeiro foi pago por mim, esse dinheiro é seu...

–Como você soube que eu não iria ficar com os escravos?

–Simples, eu conheço o seu coração mole.


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Notas finais do capítulo

¹ Deusa da fertilidade, do amor, protetora das crianças e matrona nas guerras. Diz-se que ela empresta sua força aos humanos para um dia recebê-la de volta quando estes morrem.
¹ Ferreiros eram considerados mestres e protetores da magia e porta-vozes da vontade dos deuses, pois usavam os cinco elementos da natureza para criar peças (Terra: minérios; Ar: o fole; Água: para resfriar os metais; Fogo para aquecê-los e Espírito: para moldá-los).
² Dispositivo que possuí um corpo de metal ou madeira pesada e tem uma concavidade onde fica uma lâmina afiadíssima de modo que o carrasco empurrando o pescoço da vítima de encontro com ela se faça um corte preciso cortando apenas a região da garganta sem ultrapassar a coluna evitando decepar a cabeça. Ao lado dessa cavidade duas faces planas servem como apoio para que se necessário o carrasco use um cabo de madeira como auxilio para degolar o prisioneiro.



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