Estavam a caminho de Kame Town quando Fagin com cuidado se levantou e se sentou ao lado dela no banco da carruagem e com voz séria confidenciou-lhe:

–Faz um bom tempo que tenho visto a Mi Lady como uma grande aliada, porém teria agora a oportunidade de sanar os problemas de nossas duas cidades.

Ela sabia onde ele queria chegar, mas mesmo assim perguntou:

–E como eu faria isso?

–Case-se comigo. Será tratada como a rainha que deveria ser, e dará para nós um herdeiro de duas cidades. Com a união de nossas cidades seriamos ainda mais fortes...

Não era em tom de pedido, mas em tom de negociação que ele disse essas palavras, e continuou:

–Lembro-me de quando eu era de sua idade e seu irmão me apresentou a você ainda menina...

–Se me lembro bem, sua cicatriz sempre me fascinou.

Surpreso ele segurou delicadamente a mão dela:

–Não conhecia esse seu fascínio por marcas...

–É algo que tem raízes fundas em mim... Deixaria que eu a tocasse?

Ele sorriu e respondeu:

–Mas é claro, toque-a.

Com ele ainda segurando sua mão, ela passou a ponta dos dedos pela cicatriz e terminou acariciando o queixo dele:

–Mi Lady poderia casar-se comigo?

–Não posso... Minha vida é para a guerra e para meu povo – ela lentamente levou cada uma das mãos de Fagin aos lábios e nelas depositou suaves beijos – Fagin... Você é um homem quase irresistível...

Ela inesperadamente se aproximou dele e cheirou-lhe o pescoço, causando um arrepio no lorde:

–Entenda que o meu existir é dedicado às artes de matar... Casa-se com outra e aproveita essa noite comigo...

Com essa recusa educada o resto da noite pareceu extremamente calmo.

Lorde Salem foi cremado em uma bela cerimônia, houveram belos discursos em sua memória e um grande banquete foi servido.

A dança se estendeu até a alta madrugada, os lordes dançaram juntos de toda a Kame Town e de visitantes das outras cidades.

Em uma das varias trocas de par, Daring e Gretel tentaram dançar uma música menos agitada, mas o casal parecia não ter ritmo algum:

–Se Salem estivesse aqui diria que só temos pés esquerdos.

–É...

O jovem Lorde concordou sem entusiasmo e completou:

–Foi ele quem me ensinou a valsar e a dançar a polca e o forró, mas sem ele conduzindo parece que já não sei dançar...

Gretel sabia que o garoto sentiria muita falta do lorde, com delicadeza ela enlaçou a cintura do jovem líder:

–Posso conduzir os passos, são será como se estivesse com Salem, mas considere como um tributo ao seu antigo professor.

Ela o puxou junto a si e apertou os dedos dele em sua mão. Magicamente eles conseguiram seguir o compasso e rodopiando deram uma volta completa no salão:

–Vamos tentar algo diferente...

Lady Gretel acenou para o maestro para que ele acelerasse a música, o par rodopiou aumentando a velocidade, o maestro em seu esforço máximo tentou fazer com que a banda acompanhasse aquela dança.

E novamente eles voltearam o salão com velocidade vertiginosa, Daring sem se impedir tombou a cabeça para trás e soltou uma risada cristalina, a Lady parecia estar no auge da beleza com o cabelo esvoaçando ao redor de seu rosto radiante, suas bochechas coradas e com o coração agitado dentro do peito.

Quando completaram a sexta volta o maestro teve que parar, pois já não agüentava mover os braços, o par se separou com uma reverência:

–Lorde Daring, eu nunca tive um parceiro de salão como o senhor...

Ele sorriu, era a primeira vez que alguém alem de sua ama de leite o chamava de senhor:

–A senhorita é uma ótima dançarina – ela já se virava para ir tomar alguma bebida quando ele a interrompeu – Obrigado, sem você acho que essa noite seria um desastre, obrigado por vir...

–Não fiz nada demais, e entendo o que está sentindo em seu interior... Perder gente querida nunca é fácil...

–Dói muito...

– E vai doer pra sempre, ainda mais por saber que seu pai também não está mais aqui.

–Tem sido difícil organizar as coisas, ele estava me preparando como herdeiro, mas ele se foi cedo demais e depois Lorde Salem, em combate e... E na minha frente...

Ela pôs a mão no ombro dele:

–Se sente incompleto não é?

–É...

–Perder alguém que se ama faz parte de nós morrer também.

Daring engoliu seco, aquelas palavras o haviam pego desprevenido e encabulado ele baixou o rosto:

–Não se preocupe... – com delicadeza ela segurou o queixo do garoto e fez com que ele a olhasse nos olhos – não precisa se envergonhar.

– Mas se minha mãe souber...

A frase dele se interrompeu com um gesto que o tranqüilizou, ela colocou o dedo indicador em riste em frente aos lábios, o sinal de silêncio e segredo, deu as costas para ele e pegou uma taça de vinho.

A noite seria longa e o clímax dela ainda estava distante...