Elos de Fogo - Profecia da Bruxa escrita por Kuro_Hana


Capítulo 18
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Quando ela o alcançou, do lado de fora do curral, uma discussão foi inevitável:

–Que pensa que está fazendo?! Fugindo assim no meio de todos, parece um criminoso!!!

–Se é isso que você quer saber não sou nenhum ladrão!

Ele estava ofegando, obviamente a corrida até lá não tinha sido muito programada.

Gretel não conseguia achar palavras para expressar sua irritação:

–Eu pedi para que ficasse lá. O que você veio fazer aqui fora?!

–Só precisava de um pouco de ar!

Sem perceber os dois alteraram seus tons de voz:

–Tenho certeza que não é isso, diga logo o que aconteceu!

–Eu não quis ver o ritual de vocês só isso! Não precisa fazer uma tempestade por causa disso.

–Precisa sim! Todo tempo em minha casa tenho permitido que reze, que carregue seu colar e que seja Monocrença como bem entende, e agora diante da mais importante demonstração da minha fé você foge, que tipo de gratidão é essa?

–Gratidão?! Eu sou seu escravo! Você me comprou como se eu fosse gado, que tipo de gratidão eu devo à você?

–A de estar vivo e bem alimentado hoje, porque eu deixei que vivesse!

Os olhos dela se nublaram com as lágrimas, mas nenhuma rolou seu rosto e sua expressão se manteve firme. Lanios continuou:

–Talvez eu estivesse melhor morto! – era obvio que ele não havia pensado antes de dizer aquilo e ele próprio se surpreendeu com o que tinha dito – eu poderia ter ido embora! Varias vezes eu poderia ter escapado, mas eu fiquei...!

Nesse ponto ele se deteve, se tivesse completado sua frase como desejava, com “Eu fiquei por você, o desfecho daquele dia seria outro completamente diferente, mas não foi. E a moça irritada o desafiou:

–Pode ir agora, não tem nada o prendendo aqui... – ele hesitou, porém não podia só ouvi-la dizer aquilo – vá e não volte!!! Esqueça de mim e de tudo que fizemos! Vá logo!

–Era só o que eu queria ouvir! Adeus!

Ele se virou indo na direção da floresta e um tranco o fez parar. A mão de Gretel com as unhas voltadas para baixo lambeu sua nuca e se brecaram presas em seu colar, que no instante seguinte se espalhou pelo chão coberto de folhas, como que assustadas as continhas de madeira rolaram entre as folhas, fugindo para longe.

Com outro puxão ela arrancou a pulseira de ouro que o identificava como escravo:

–Vá! Você agora é um homem livre!!!

Eles não se agüentaram e as lágrimas desceram, ele se embrenhou sem rumo na mata e ela esperou sua lágrimas secarem junto à parede do armazém, ouvindo a música tocar como se estivesse distante.

Lentamente Lanios ganhou distancia correndo entre as árvores, seu coração batia descompassado. Ele nunca havia pensado que recuperar a liberdade doeria tanto. A velocidade de seus passos diminuiu e seus pensamentos começaram a se ordenar. Ele olhou em volta e não reconheceu nenhuma das árvores ao seu redor, nada que pudesse indicar uma direção.

Em nenhum outro dia de sua vida ele desejou tanto ter seu colar nas mãos, o vento uivou entre os galhos levando folhas e terra, a escuridão só não era total graças ao luar, uma crescente quase cheia se projetava entre as falhas na cobertura verde da floresta.

Os uivos do vento eram assustadores e lembravam hora gritos saídos de cavernas hora apitos estrondosos. Todas as histórias de fantasmas que havia ouvido dos moradores de Punyburg vieram, fazendo-o recear cada passo e o único consolo que achou foi recitar uma oração em voz baixa.

Quando entrou, Gretel percebeu que o clima ali não era o mesmo, os lordes estavam divididos e davam ordens aos guardas e os convidados pareciam inquietos, ela já estava indo até Fagin quando ele veio afobado falar com ela:

–Onde está o escravo?!

–Está livre, fugiu.

Os olhos dele faiscaram:

–Maldito!!! Temos que pegá-lo Gretel, nos leve por onde ele foi!

–Calma... O que aconteceu?!

Daring e Lewis se aproximaram e tentaram explicar à ela, mas Fagin se adiantou e soltou uma rajada de palavras:

–O almanaque de química sumiu, um guarda foi morto e a porta da minha biblioteca está arrombada! Ladrão, Lanios nos trai...

O lorde não teve tempo de terminar o que ia dizer, pois ela o interrompeu:

–Ele não faria isso, não foi Lanios!

Sem saberem o que dizer os lordes a fitaram, Fagin colocou a mão no ombro de Gretel e grave, acusou:

–Lanios deve ter pegado o almanaque, só ele teria motivo e oportunidade para tal.

– É obvio que não! Ele dançou comigo, ele estava com Lewis antes! Nós o observamos a noite toda ele não teve chance de entrar em sua biblioteca.

–Faz mais de uma hora que você e ele saíram do salão, e o roubo foi a poucos minutos, ele pode ter dado a volta e entrado em minha casa facilmente depois de ter assassinado o guarda que vigiava a porta usando uma pedra.

Decidida ela o encarou, disposta a defender Lanios:

–Nós discutimos lá fora por um bom tempo, ele não pode ter ido tão rápido até sua casa no centro da cidade.

–Você tem certeza do tempo que essa discussão levou? Tem alguma prova de que discutiram por tanto tempo?

Os três lordes esperaram em silencio que ela respondesse:

–Não, somente minha palavra e a certeza de que ele não faria isso.

–Então vamos ser obrigados a pegá-lo antes que possa chegar a alguma cidade Sonsoc.

Uma pesada sensação de culpa pesou nas costas da Lady:

–Não foi ele! – ela sabia que sem a pulseira de ouro poderiam matá-lo sem qualquer explicação e ela sabia em seu intimo que o medo de Fagin de que as fórmulas de explosivos caíssem em mãos inimigas o faria matar antes e perguntar depois – Lanios desconhecia a existência de tal livro e mesmo que soubesse dele, não saberia onde estava.

–Lembra-se do vulto? Ele estava nos espionando durante a noite. Ou será que ele não tinha oportunidade de fugir de madrugada e voltar rapidamente sem que o vissem. Você alguma vez trancou as portas antes de dormir em todo esse tempo que ele estava contigo?

Ela relutou, pois sabia que a resposta só os excitaria a caçá-lo:

–Nunca nem pensei em fazê-lo.

–Gretel fique aqui, sei que é doloroso para você – disse lorde Fagin e se virando para os outros lordes - nós três vamos pegá-lo...

Com um passo a frente ela viu se confirmar o aviso que os Deuses deram-na:

–Eu fico, mas você ficará também – ela puxou a espada surpreendendo a todos – eu o desafio! ¹ Pela verdade de Lanios, se ele for inocente os Deuses permitirão que eu o vença Lorde Fagin!

Obrigado pela lei o Lorde aceitou o desafio:

–Eu lutarei pela mentira de Lanios, se ele for culpado os deuses permitirão que eu a vença Lady Gretel.

Daring se colocou entre os dois e assustado se virou para Gretel:

–Por favor, retire o desafio! Não vale a pena, vocês irão se matar, retire o desafio!

Lutando contra Fagin ela evitaria que saíssem para a busca de Lanios, mas também impediria a busca pelo verdadeiro culpado, o que colocava sua nação em risco e que estranhamente parecia o certo a fazer.

Simultaneamente a isso Lanios caminhou até seus pés doerem, sem poder prosseguir acabou se sentando no chão. Os sons da noite eram ameaçadores: os pássaros agourentos piando ao longe, o vento assoviando e o ocasional uivo dos animais da floresta.

A atmosfera era pesada e ele tentou de todas as maneiras dormir, mas os pingos de uma chuva fina começaram a incomodá-lo e mesmo abaixo da copa das árvores eles o atingiam.

O som de passos na terra molhada o despertou, mas seu susto logo se transformou em alegria quando distinguiu em meio a escuridão um Sonsoc, que reconheceu rapidamente pelo estilo de suas roupas.

...

Fagin sem pressa buscou sua espada, ele já desconfiava do plano da Lady e mandou que o comandante de seus soldados procurasse o fugitivo tão logo o desafio começasse.

A platéia abriu espaço no salão para que os dois lordes se enfrentassem e todos pudessem assistir ao raro espetáculo.

Gretel não subestimava o Lorde por sua idade e o temia respeitosamente, já havia o visto em batalha muitas vezes e era um ótimo espadachim, não poderia por nem um segundo baixar sua guarda frente a ele.

Fagin ergueu sua arma e com um toque das espadas a luta começou, os dois estavam sem as partes pesadas de suas fantasias. Fagin preferiu lutar sem camisa deixando seus movimentos mais livres.

A disputa estava claramente equilibrada, e como numa dança de morte um dava um passo adiante e o outro recuava, os dois sempre estudando calmamente os movimentos antes de executá-los.

Com um movimento ousado Fagin provocou-a mirando a coxa da jovem lateralmente e ela prontamente se defendeu afastando a espada dele com um golpe da sua. E novamente ele a provocou insinuando atacar-lhe o peito com uma estocada, quando ela se moveu para se defender ele desviou a rota de sua arma ferindo-lhe o braço esquerdo.

Sem pensar duas vezes ela o atacou se lançando de encontro ao próximo golpe que ele tentou. Aquela tática incomum o surpreendeu e com um salto para trás salvou sua garganta de ser degolada.

Era claro que nenhum dos dois queria a morte do adversário, somente queriam que a verdade fosse revelada, mas o sangue fervia nas veias excitando-os a lutar com cada vez mais furor.

...

Levantando-se Lanios se aproximou para observar o estranho, era um homem de meia idade e aparentava estar preocupado:

–Senhor não se assuste! Sou um Sonsoc também, só quero voltar a São Tito.

O homem se sobressaltou deixando uma pesada sacola cair ao chão:

–São Tito?! Pensa que eu não tenho mais o que fazer?! – claramente irritado ele recolheu a sacola – meus problemas são bem maiores que essa pocilga que chamam de São Tito!

–Ora! Só estou pedindo uma indicação de caminho, o senhor me indicar uma direção não o fará perder um braço, fará?!

A grosseria do homem irritou seus nervos já sofridos por demais naquele dia.

Retrucando o homem caçoou:

–Perder um braço?! Estou falando de perder a cabeça na mão daqueles bárbaros sujos.

–Só idiotas respondem perguntas com outras perguntas!

–Que má educação moço! Não vou perder tempo com babaquices, se quiser pode ficar perdido a vontade!

Lanios o segurou pelo braço:

–Por favor, diga só a direção do território Sonsoc!

–Bem... – o homem abriu sua sacola, lá se achavam um cantil, um livro com uma capa maltratada e um grosso mapa de couro, que pegou para verificar o caminho – é simples... Siga em frente e se deparará com uma trilha estreita que deve levar ao rio... Se seguir rio acima acabará por ver as luzes da cidade ao longe.

–Não custava nada ter dito isso antes.

O homem se irritou e continuou seu caminho resmungando maledicências.

Lanios mesmo cansado se forçou a ir em frente, não tinha um minuto a perder quanto antes saísse da floresta melhor.

...

A luta rendera ferimentos leves aos dois, mas ainda faltava muito para que chegasse ao auge.

Com um ataque direto Gretel quase transpassou o Lorde... Quase porque escapando o corpo para o lado sofreu apenas um arranhão da lâmina afiada.

Ela gingou a arma no ar e descreveu um semicírculo até ser brecada pela espada de Fagin, com uma estocada brusca ela sangrou-lhe o antebraço.

O Lorde com um movimento giratório do pulso desarmou-a fazendo com que sua espada caísse alguns metros longe.

Rápida como uma pantera, Gretel rolou pelo chão e alcançou sua arma a tempo, podendo se defender de uma chuva de outros golpes.

Esforçando-se ao Maximo ela se defendeu de todos, mas não escapou de levar um furo no bíceps, e segurando gemidos de dor ela atacou Fagin.

Como que possuídos por forças maiores eles se enfrentaram redobrando a força e a velocidade das investidas, com o encontro dos ferros faíscas rebrilharam pelo ambiente.

O cabo das espadas se aqueceu tamanha a ferocidade das batidas, nem um hábil ferreiro malharia as espadas como eles o fizeram.

Gretel escapou por um triz de perder uma de suas mãos vítima da refinada arte do combatente que enfrentava. Já estava tarde e um galo cocoricou em um galinheiro próximo quando as portas do salão se abriram:

–Mi Lordes! O pegamos, o pegamos!


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Notas finais do capítulo

¹ Esse tipo de desafio era feito quando seria necessário que divindades comprovassem a verdade. Esse desafio nunca pode ser recusado.



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