O Refúgio Online escrita por Nedhand


Capítulo 5
Capítulo 49




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A noite seguia lenta e fresca, sem pressa de terminar.



Ilha Victoria recebia o nascer do sol, enquanto em Edelstein o escuro tinha apenas começado. Todas as redondezas estavam agora silenciosas. A cidade havia sido bloqueada por um turbilhão de vento, mas ninguém queria se aproximar dela, de qualquer maneira.



Como não podiam entrar para ir ao aeroporto, os membros restantes dos clãs tinham de ficar ali até que descobrissem o que poderiam fazer. Gatts estava sozinho com Tábata, perto da praia, observando o mar calmo, um segundo céu negro a ondular, estendendo-se no horizonte.



Gatts estava sentado na areia, sem o elmo, mas ainda de armadura, muito bem desperto. A menina, ao contrário, dormia estatelada na areia. Cansara-se muito na luta, e perdera os sentidos uma vez.



O rapaz olhava o mar sem ver enquanto esperava. A derrota não o amargava; tinha dado o melhor de si e feito o que podia, e sentia a sensação de missão cumprida, apesar de não da forma que gostariam. Lembrou-se de Rockfield dizendo que seria ruim para todos se a Sunrise of Astoria conseguisse conquistar a cidade, e foi exatamente o que aconteceu.



Levantou-se quando ouviu um passo abafado na areia. Virou-se para ver. Alguém chegava, todo vestido de preto, com as armas embainhadas. Aproximou-se devagar, sem erguer as mãos, mas também sem pegar as armas. Gatts não sacou a espada, mas andou de forma a ficar entre o intruso e a menina que dormia. Quando chegou bem perto, reconheceu-o como um membro do clã Wingeder, o rapaz de máscara na boca e duas espadas.



—Você é o Gatts, não é?



—Sou. Precisa de alguma coisa?



—Essa pergunta é minha — devolveu o rapaz — [i]Você[/i] precisa de alguma coisa? Sei que muitos companheiros seus ainda estão lá dentro. Quando a cidade abrir, posso resgatá-los por menos do que tem no seu bolso.



Aquilo apanhou Gatts de surpresa.



—Você traz eles de volta se eu te pagar? O que está pensando em fazer?



O garoto deu de ombros. Caminhou até mais perto da água e sentou-se ali, de pernas cruzadas.



—Não quero ofender, mas não é da sua conta. Você paga e dá as ordens, e eu trago eles de volta.



—Não simpatizo com mercenários — Gatts exibiu um sorriso sem humor.



—E não simpatiza com seu clã? Se acha que seus amigos valem algum dinheiro, dê ele pra mim e eu salvo eles.



—Então você pode salvá-los, mas só faz isso se ganhar dinheiro?



—Não é que eu [i]posso[/i] salvá-los, eu não sei. Você promete que me paga, então eu tento entrar e tirar eles de lá. Se eu conseguir, você me dá o dinheiro, mas se eu ver que não dá, não ganho dinheiro. Mais simples que isso impossível. Eu sei o que estou fazendo, você não vai achar alguém melhor do que eu pra isso. É melhor decidir rápido. Vou voltar pra Ossyria logo.



—E o seu clã? Não vai resgatar os que ficaram lá?



—Aquele não era o meu clã — o rapaz respondeu com indiferença — Foram meus camaradas a pedido de Aegan. Agora que acabou a guerra, não sentem necessidade de mim.



Gatts deu de ombros e sentou-se também. O rapaz continuou por lá, pois Gatts não tinha exatamente recusado ou aceitado seus serviços. Não parecia com pressa de ir embora. Ficaram conversando, embora o rapaz não tivesse muito o que falar. Ouvia mais do que dizia, mas disse para chamá-lo apenas de "Mix".



—Então você é um Cavaleiro Branco — Mix dissera — Um conselho, e é de graça. Não coloca tudo na carga de fogo, porque a de raio vai compensar mais contra mob no futuro. Voc~e precisa saber usar ela, e é melhor ir treinando.



—Como é que você sabe disso? — Gatts quis saber.



—Um homem como eu sabe de muita coisa — disse, embora tivesse a voz de um garoto. Mesmo depois de sair, quase em silêncio, Gatts permaneceu ali até a garota acordar.



—Ahn... Oi, Gatts. Aqui é Edelstein? Aquela parede que a gente usou, foi muito boa, não foi? O Italo ficou bem do outro lado, que bem bolado! A gente ganhou?



—Não...



As sobrancelhas dela se curvaram, tristes, mas ela deu de ombros. Afinal, derrotas aconteciam. Quando perguntou onde estava a Giu e os outros, Gatts não soube responder.



—Eles não voltaram, a porta se fechou com eles lá dentro. Devem estar lá ainda, mas não sei o que vai acontecer.



As luzes da cidade acenderam-se minutos depois e os dois chegaram mais perto, cautelosos. Edelstein parecia mais organizada do que quando entraram, com traseiras de casas formando paredes para impedir a entrada e muros de pedra, e um portão principal por onde duas fileiras de homens saíram. Vestiam cota de malha e mantos escuros. Um deles, no centro, carregava uma bandeira branca e um megafone.



—A todos nas redondezas, Edelstein tem agora um novo senhor — a voz soou alta, amplificada e clara — Os prisioneiros de guerra serão mantidos nas celas durante um mês, e a entrada de agora em diante está restrita e será controlada. Os líderes de clãs que quiserem resgatar os seus devem vir sozinhos e ficar de pé, diante do portão.



Quando ele se voltou, Gatts foi o primeiro a chegar. Encontrou um grupo de soldados de Edelstein guarnecendo a cidade, mas foi Dark Corpse quem o recebeu. Aproximou-se, sorrindo daquele jeito perverso e não o deixou entrar.



—Ora ora, voc..



—Quanto você quer pra libertá-los? — Gatts disse sem rodeios.



—Que líder mais impaciente — Dark Corpse desdenhou — Quer tirar seus amigos daqui? Depois de eles terem lutado tanto pra entrar... Clãzinho estranho esse de vocês. Deixa eu fazer os preços... Tenho um Clérigo à venda, detesto eles, faço pra você por cem mil pra me livrar dele. Compre logo, antes que eu fique com o HP dele, se é que me entende. As meninas são mais caras, mas levar todas sairá a cento e cinquenta mil cada. Aquele seu guerreiro da lua vai sair mais caro. Meio milhão por ele, e aquele outro que não decide se a arma dele é um cajado ou uma espada, da luz roxa... Acho que vou leiloar ele. Que tal começarmos com um valor mínimo de seiscentos mil mesos?



Gatts apertou os lábios e lhe lançou um olhar perigoso, mas arrependeu-se de ter dado esse prazer a ele. Dark Corpse captou a raiva e riu, sorrindo abertamente, e disse que mudou de idéia e que queria mais cinquenta mil mesos por cada um. A quantia final chegou quase aos oito milhões de mesos, depois de bastante regateio. E depois de entregue o dinheiro, Dark Corpse disse que estava com preguiça e que os liberaria amanhã, talvez dali a dois ou três dias. Gatts perdeu quase metade do HP ao tentar passar pelos guardas e estrangulá-lo. Mas eles eram obriagdos a soltá-los de qualquer maneira depois de a quantia ser paga, e em breve a Solaris deixou a cidade.



—Tem um aeroporto aqui, sabem — Dark Corpse gritou enquanto iam embora — Não tem muita coisa aí fora, e eu tenho umas passagens sobrando... são só cem mil, cada, promoção imperdível!



Os risos de Dark Corpse os acompanharam enquanto seguiam para a escuridão - nenhum deles queria voltar e usar o aeroporto, nem que isso custasse passar o resto da semana ali. Mas nas horas que se seguiram, os pensamentos ficaram mais lógicos. Não tinham como sair nadando, e Edelstein ficava num continente separado, muito longe de Victoria e separado de Ossyria por uma faixa larga de mar - não sabiam se era possível atravessar nadando, e também não queriam tentar. Estavam ajeitados para dormir no chão de areia na praia ao sul quando um vulto negro apareceu sobre eles. Num momento não havia nada, no outro havia uma mancha negra mais escura que a noite, de pé no meio do triste acampamento.



—Eu realmente sinto muito — Rockfield desculpou-se — Só agora eu percebi que se eu tivesse sumido na noite e fingido que estava lutando, os outros nunca poderiam ter vencido, porque ia sempre faltar alguém pra entrar na prefeitura. Em vez disso eu desmaiei e fui carregado pra lá. Eu realmente... me desculpem.



—Não foi culpa sua, Ryo — Donnie o tranquilizou. Estava sentado numa perna, apoiado com o cotovelo no chão.



—Tem um serviço de navegação que leva pra Ossyria, seguindo essa praia por ali — ele apontou uma direção ao longo da costa —Só funciona de dia, é um pequeno píer com barcos pra quatro pessoas. Vou ter que ficar aqui até ver o que eles vão resolver, e talvez seja melhor eu evitar ver vocês de agora em diante. Italo tem a Ancient Tablet, um artefato de clã que permite que ele fale com qualquer membro do clã, não importa onde esteja. Funciona que nem uma videoconferência... só que é um tabuleiro de pedra grosso e muito pesado. Se for seguro, acho vocês.



Antes de sair, deu-lhes um conjunto de acampamento para quinze pessoas, mais do que suficiente para todos eles. Aphanyus recusou-se a dormir e disse que ia explorar. Kash, Giu e Noctolia ficaram com uma barraca, South, Anna e Zeru com a segunda. Donnie, Nick e Thugles ficaram na outra, e Tabs e Kiara dividiram a quarta. havia uma quinta barraca, que ficou vazia. Tinham uma fogueira, mas ninguém estava com ânimo para usar os kits de cozinha que o jogo possuía. Gatts, fazendo o papel de bom líder, ficou com o primeiro turno de vigia para si.



Ficou sentado em sua armadura negra, de costas para o mar e olhando as luzes da cidade bem longe. A armadura estava dessa cor desde que Italo usara aquela magia nele, e embora o efeito tivesse sumido, a cor permanecia. As proteções estavam da cor de um negro metálico, não tão preto quanto a capa negra ou como a noite fria, mas um preto cinzento, escuro, como o preto de um filme sem cores. Resolveu colocar o capacete para parecer mais assustador a um observador escondido. Sentado com a espada no colo, ele pareceu muito perigoso e ameaçador por uns vinte minutos, até cair no sono e tombar estatelado no chão.



Silencioso como uma sombra, Mix aproximou-se e examinou o pequeno acampamento com os olhos. Saiu momentos depois, sem interesse. As horas se passaram e eles dormiram até bem depois do sol nascer. Nick foi o primeiro a acordar, e acordou todos, e Gatts despertou com a culpa de sua vigília fraca pesando nos ombros. Encontrou Aphanyus dormindo na barraca restava, e quando acordou disse que achou alguns monstros mais pras redondezas da Mina Verne, e que a entrada era guardada por guardas coelhos. Os outros riram, e logo chegaram no píer onde Rockfield lhes indicara.



Havia mais barcos do que o suficiente para eles, embora não fossem mais do que canoas largas de madeira que se moviam sozinhas. O dono do serviço disse que havia uma estrada aquática mágica ali, e realmente não parecia haver outra coisa que impulsionasse os barcos. O barco levou-os até uma grande diamante que flutuava no alto-mar, que os teletransportava para Orbis.



Gatts foi o último a chegar, e foi um alívio quando finalmente pisaram em um chão que não fosse aquele onde caíram em derrota. Levou seu pessoal para uma pousada. Assim como a Sunrise of Astoria, eles tinham muito o que resolver.



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—No Norte, as chuvas estão desestabilizando alguns servidores, mas a falha foi só temporária. Não temos notícias de jogadores caindo por causa do clima.



Mateus assentiu para o comandante de patrulha. Não era exatamente uma notícia boa, mas estava mais próxima de ser uma do que de uma ruim. Já tinham más notícias o bastante. Se esta trouxe algum conforto, foi imediatamente retirado pelas palavras seguintes:



—No Sudeste, incluindo as cidades próximas daqui, as pessoas estão começando a se mobilizar. Saem às ruas e pedem que o governo faça alguma coisa. Saqueiam lojas e destroem casas e patrimônios públicos, e pior, alguns invadem as escolas. Todas as escolas que têm jogadores receberam reforços policiais, e ninguém pode entrar nos auditórios.



—Eu disse que não podem simplesmente retirar os alunos do aparelho — Mateus respondeu com desgosto — É como desligar um supercomputador direto na tomada. Pode dar curto, e a interrupção bruxa de energia pode causar problemas sérios.



No caso do MapleStory Online, isso sempre acontecia. Desde o dia em que tudo começara, os [i]hackers[/i] tinham proibido-o de interagir com o jogo de qualquer maneira, bloqueando seus acessos e eliminando seu comando. A única concessão que tinham feito foi deixá-lo trabalhar numa maneira de impedir que as mortes acontecessem - os hackers tinham impedido que se saísse do jogo e desabilitado todas as funções de saída, mas quando um jogador morria, ele era automaticamente desconectado do servidor. Isso entrava em conflito com o fato de que não podiam ser desconectados, e o resultado era um curto-circuito em todo o equipamento do jogador no mundo real. Era uma descarga elétrica de altíssima voltagem. Os invasores não tinham conseguido resolver esse conflito e acabaram forçados a deixar que Mateus trabalhasse nele, mas para fazer isso, precisava de comandos especiais, que os [i]hackers[/i] relutavam em conceder. E assim a situação seguia nesse pé, sem ser feita a correção e com jogadores morrendo quase todos os dias.



A única coisa que ele conseguira foi retardar o tempo de desconexão, ou seja, quando o HP chegava a zero, a pessoa ainda demoraria a ser desconectada. Isso era na verdade uma função pré-programada para que o jogador pudesse usar algum item ou habilidade de ressurreição, caso tivesse, mas Mateus conseguira aumentar o tmepo até o jogador ser efetivamente retirado do servidor. Não tinha havido uma queda significativa nos mortos, entretanto.



—Os [i]hackers[/i] que existam um pouco menos de oito mil lá dentro — Mateus dissera — Mas se entraram dez mil, não teria como ter isso tudo de jogador em quase sete meses de jogo. A não ser que "pouco" pra eles signifique umas 5.000 pessoas.



Viu uma centelha furiosa no olhar do homem. Falar sobre os mortos era desagradável, e enojava. Não podia culpá-lo.



—Eles já disseram o que querem?



—Alguns milhões, muitos dinheiros, interrupção total das buscas — Mateus respondeu imediatamente — Querem que paremos de rastreá-los por uma semana seguida. Se eles não tiverem notícia de um só órgão que os esteja procurando, vão saber que abandonamos e então liberam o servidor.



—Se pararmos de tentar procurá-los, nunca mais vamos achá-los.



—Sim — Mateus concordou — Iriam mudar todos os códigos de criptografia, e uma vez que largassem o servidor, jamais os encontraríamos de novo. Mas quem nos garante que eles iriam seguir o plano? E se pegarem o dinheiro e "[i]ah não, 100 milhões é muito pouco, queremos mais e aí sim libertamos o controle do server[/i]"...? Não tem como saber.



—É por isso que nunca vamos parar de procurá-los — o homem disse calmamente.



Estavam no escritório central, no andar mais alto de um prédio alto. Era o principal escritório do criador do MapleStory Online, mas pequeno, quase o tamanho de um gabinete comum de trabalho. Havia uma mesa de madeira com um computador na parede da direita e uma cadeira onde ele se sentava. Seus visitantes sentavam-se do outro lado da mesa, mais perto da porta. À direita da mesa, havia um armário de madeira, encostado na parede, e todas as paredes eram feitas de madeira, exceto aquela oposta à porta, que não era feita de nada. Praticamente - um grande retângulo que marcava a maior janela do prédio, com vista para as construções lá embaixo e a costa do mar logo adiante. Podia-se ver três ilhas no horizonte, e a visão conferia um toque especial em toda a sala.



Ele não olhava para a vista, contudo, em vez disso, analisava seu convidado. Era um homem forte, de cabelo típico militar e grossas sobrancelhas brancas, sem barba. Naqueles dias, não se podia confiar em muita gente, mas Mateus escolhera atentamente seus aliados. Aquele ali, ele tinha observado por vários dias e lido sobre ele. Era o chefe de um considerável exército, marcado pela honra, pela lealdade e pela firmeza e justiça com que tratava seus subordinados. Em seus olhos negros, havia inteligência e coragem, o tipo de olhar que Mateus procurava.



—Eu sei que estão reunindo tropas para uma busca por todo o país — disse o mais novo — Parece que a intenção é atacar furtivamente...?



O comandante não vacilou.



—Estamos deixando essa situação se prolongar por tempo demais. Estou selecionando meus melhores candidatos para uma operação.



—Uma operação bem-sucedida, espero — Mateus assentiu — E vocês acham que conseguem até novembro?



—Novembro... — o homem pensou um pouco — Estamos em abril? Até reunirmos agentes bons o suficiente... eu diria que não. Talvez em janeiro do ano que vem consigamos alguma coisa, ou talvez janeiro de [i]2015[/i], não sei dizer.



—Vocês podem achar uma pista agora, talvez já terem-na encontrado, ou então só daqui a dez meses — Mateus mostrou que compreendia — Sim, sei como é. Bom, eu tenho um plano. Quando eu aplicar, talvez consiga dar uma ajuda e toda essa invasão acabe sendo desnecessária.



—Depende. Que tipo de plano seria esse?



—Oh — e Mateus arregalou os olhos, apontando-lhe um dedo e fazendo um beicinho — Essa é a parte importante, não queria te contar agora, mas vou contar. Não espalhe. Vamos dizer que temos seis meses pra resgatar os jogadores presos, ou a Terra explode. E você é um dos únicos com poder pra impedir o mundo, mas pra isso precisa... [i]tchans![/i] Seguir com meu plano. Se ele for bom, acha que consegue salvar o mundo antes desse tempo?



Os lábios do homem curvaram-se num sorriso sem humor.



—Depende — repetiu — Se você me der o super-homem, com certeza eu poderia usá-lo e conseguir alguma coisa.



—O senhor tem humor, comandante, que ótimo! Seus soldados devem ser muito felizes. Eu odiaria ser comandado por uma carranca resmungona e rabugenta. Bom, meu plano é o seguinte: preciso de todos os seus homens, todos eles, aqui na frente do prédio. Fardados e armados, do jeito que se colocariam em batalha. O senhor pode conseguir isso?



—Não — o homem ergueu uma sobrancelha grossa e peluda — Se eu não souber por que motivo estou fazendo isso. Se sim, e se for um [i]bom[/i], sem dúvida que consigo.



—Salvar o mundo, impedir que a Terra exploda, libertar milhares de crianças. É um motivo [i]bom[/i], ou não?



—Não vou trazer um exército pra cá assim, rapaz. O que tem em mente? Se teme por sua vida, aqui não é o lugar pra ficar protegido.



—Eu não preciso de escolta — Mateus sorriu-lhe de sua cadeira, de seu escritório, em um prédio cuja segurança não havia sido sequer minimamente aumentada desde que tudo começara. Os guardas eram os mesmos, o sistema de alarme não mudara, a única diferença era o colchão no chão da parede oposta à mesa, onde ele agora dormia — Não tenho medo de ser atacado.



—Pois devia ter — o comandante lhe disse, não sem alguma preocupação.



Mas ele acabou por concordar. No dia seguinte, cem homens de farda azul aglomeravam-se do lado de fora do prédio, e eram apenas um décimo da tropa. Mateus pediu que cada um deles subisse. Como iam dois de cada vez, aquilo durou o dia inteiro, e naquele dia não houve visitas de promotores, advogados e outras pessoas importantes que viviam visitando-o naqueles dias. Decidiu que deveria fazer aquilo mais vezes. Gostava mais da companhia dos soldados do que da dos políticos.



Dois dias depois, um intendente do comandante chegou no gabinete sem marcar visita, assim que um par de homens de terno saiu.



—Venho em nome do comandante Garos — ele disse — Para transmitir-lhe minhas sinceras desculpas. A tropa dele foi requisitada para segurar um ataque terrorista no exterior, e não deverá voltar pelo menos nos próximos três meses.



O homem retirou-se, e instantaneamente veio o visitante seguinte. Este encontrou Mateus sentado, com os cotovelos apoiados na mesa e o rosto desgostoso enterrado nas mãos.



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Era manhã enquanto os monstros gritavam.



Ossyria era uma grande massa de terra que tinha todo o tipo de terreno em um único continente. Dominando a ponta no oeste ficavam a sgeleiras de El Nath, que no sul davam lugar aos vales férteis e exuberantes de Mu Lung, com Vila das Ervas e suas ilhotas. O jardim estendia-se fazendo uma curva para o oeste, e depois dele tudo o que havia era uma imensa extensão de areia e sol quente.



No jogo o calor e a luz eram apenas uma fraca lembrança de como seriam num deserto de verdade. Para compensar, havia monstros. Uma pequena vila de muros altos e grossos ficava bem no meio de um habitát de coisas brancas estranhas com pernas e braços, peles lisas como vidro, bocas com dentes longos e mãos com longas garras afiadas. Vagavam pelo deserto e atacavam juntos à menor provocação.



Um rapaz vestido de preto os enfrentava, sozinho em meio a vários. Quase meio metro mais baixo que as criaturas, todo coberto de preto e cabelos tão negros que pareciam parte da vestimenta, e boca coberta. As espadas eram cinzentas, sombrias com entalhes e linhas de um roxo escuro. Elas dançavam à sua frente e acertavam dois inimigos de cada vez. De vez em quando dava um giro enquanto ia para frente, abrindo os braços e juntando as mãos no fim do giro. As lâminas acertavam inimigos ao redor, depois se encontravam num único, que morria.



Mãos longas vinham por trás dele. Mix girava o corpo e passava a espada naquele braço. Descia na cabeça dele com a outra, estocava com a primeira. Daí virava-se para um lado e as lâminas dançavam em um outro. Chegou a ser atingido duas vezes, recuperando-se facilmente. As garras dos monstros que derrotava iam para seu inventário. Quando juntou cinquenta, ignorou os monstros e afastou-se. Guardou as espadas na bainha. Elas sumiram instantaneamete, e quando entrou na cidade, foi como se estivesse desarmado.



Foi encontrar o garoto que procurava num bar.



—Aqui — chamou-o baixinho, e ambos abriram os menus. Transferiria as garras, enquanto o menino pagaria alguns milhares em mesos.



—Valeu mesmo — o menino comentou alegre — Estou há um tempão tentando juntar, e só consegui três!



Mix assentiu, indiferente. Então hesitou.



—Dropei um cajado nível 70 — ele olhou a arma do garoto, um simples bastão de metal com uma pedra azul na ponta — Quando conseguir nível pra usar, upe neles. Sem custo extra — disse ao acrescentar o cajado na troca com as garras, e fecharem a troca.



—Puxa, valeu! Você é dez!



Mix observou-o sair. Analisando os equipamentos, não estava em nível maior que 60, e menos ainda em condições de lutar contra os monstros das redondezas. Ele morreria se tentasse enfrentá-los sozinho, e fora por isso que pedira ajuda. Certamente iria pegar o serviço de caravanas que o levaria para Ariant, mais seguro e com monstros menos perigosos.



Mas Mix permaneceu no bar, e resolveu beber uma caneca. Pediu um suco de uva, pois ainda não o tinha experimentado. A bebida era quente, como tudo mais no deserto, mas tinha um gosto tão real que impressionava. Poucas coisas do cotidiano, naquele jogo, sugeriam que tudo fosse um jogo.



Enquanto bebericava o suco, sentia-se consciente dos olhares que recebia. Até que um rapaz veio com passos marcados por uma pesada bota, sentando-se no banco ao lado dele.



—Então você pega itens de Quest para os outros — a voz do recém-sentado era rouca e pronunciada.



—Se me pagar por eles, sim — respondeu Mix.



—Você não parece nenhum noob — implicou — Faz outros serviços além de coleta de itens?



—Tudo o que puder ser pago.



—Conheço um cara que tem um item, um capacete do qual gostei muito, e reservei muito dinheiro para comprá-lo — ele continuou — Mas o dono não parece querer me vender de jeito nenhum, e eu quero aquele capacete. Se eu pagar a você, há alguma maneira de eu obtê-lo?



—Várias — Mix respondeu — A efetividade delas depende de quanto dinheiro você juntou.



O rapaz assentiu.



—Posso lhe dar um 1.200.000. O capacete vale um milhão.



—Então por que você não compra um? — Mix perguntou.



—Um milhão e quinhentos, que tal?



—Quem é o dono do capacete? Sabe o nível dele, ou as armas? Como posso saber que é ele quando eu encontrar?



—Ele é certamente um Guerreiro — o homem contou — O nível acho que é 80, vi ele usando uma Presas de Soldado. Sei que ele está em Victoria, acho que em Kerning. Chama-se Welgar, é branco, a armadura dele é marrom com uma listra amarela.



—Então você vai querer que eu pegue rápido, antes que ele mude de armadura. E rapidez sai mais caro.



Ele encarava-o com calma, seus olhos castanhos não dando nenhuma mostra do que sentia. Era como se, para Mix, tanto fizesse ele aceitar ou não. Por fim, o homem deu uma última encolhida de ombros.



—Três milhões de mesos pelo capacete.



Mix levantou-se.



—Você vai estar aqui?



—Vou vir aqui todos os dias duas horas antes do pôr do sol. E se me conseguir um relógio que funcione, te dou mais cem milhões sem questionar, mesmo que eu tenha que vender meus equipamentos pra isso.



Mix terminou sua bebida antes de sair. Pegou a caravana para Ariant e de lá iria para Orbis, que o levaria a Ellinia na Ilha Victoria, onde poderia pegar um táxi para Kerning.



Sentou-se contra as paredes de uma das carroças da caravana, que pôs-se em movimento logo em seguida. O teto era coberto e a luz só era vista através da fenda entre duas cortinas de pele que fechavam a traseira. Mix sentiu-se satisfeito, pois a escuridão o acalmava e trazia uma sensação de quietude.



Teria que roubar o capacete, embora não tivesse a habilidade de Furto, dos Arruaceiros. Talvez ele pudesse treinar a habilidade com o Dark Lord em Kerning, mas não gostava da idéia. Mas se não o roubasse, como iria conseguir?



Manteve os olhos abertos, vigilante enquanto a carroça percorria o deserto. Não ficou pensando muito em como faria para conseguir o item. Se sua cabeça não encontrasse uma maneira, suas espadas encontrariam. E elas nunca tinham lhe falhado.
















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