O Refúgio Online escrita por Nedhand


Capítulo 6
Capítulo 50




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Do lado de fora de Edelstein e perto de uma de suas muitas entradas, um grupo observava a cidade como seria vista de fora, e gostavam do resultado. Eram quatro ao total, olhando sonhadoramente para cima, na direção de uma imensa flâmula que ondulava num alto mastro acima da prefeitura. De formato triangular, retratava um sol nascente em um fundo laranja, com nuvens vermelhas em segundo plano que pareciam vivas quando a bandeira tremulava, visível de qualquer ponto da cidade e mesmo a uma certa distância fora dela.



—Pizza fez um bom trabalho — comentou um dos rapazes, satisfeito. Ele vestia um capacete azul sem viseira e trazia a espada presa às costas. Ao lado dele, Dark Corpse estalou a língua.



—É, ele é bom desenhista, sem dúvida. Mas não sei por que o Italo foi colocar ele pra ser o [i]designer[/i] oficial do nosso clã.



—Bom, talvez por ele ser o melhor desenhista — outro rapaz, de pele escura e espada na cintura, fez uma careta óbvia — Estou sentindo uma inveja?



—Não, eu não queria que o Italo tivesse dado o cargo pra mim! Mas qualquer outra pessoa seria melhor no lugar dele...



—Não sei por quê — o negro franziu a testa — Desenha bem, é criativo, e tem aquela cabeça de cavalo que só os deuses sabem como conseguiu.



—Criativo demais pro meu gosto — Dark Corpse resmungou. Os outros não entenderam.



—Quem é aquele lá? — o negro apontou para alguém que se aproximava. Vindo na direção da cidade, chegava um homem, com nível de Honra e tudo, segurando um cajado. Quando parou, os quatro tinham se colocado num semicírculo entre ele e a cidade.



—Bom dia, querendo visitar Edelstein? — Dark Corpse perguntou, esperando que fosse isso mesmo. Até uma semana depois de terminada a guerra, quem quisesse entrar teria que pagar um pedágio, e dinheiro era sempre bem-vindo.



—Vim falar com o líder da Sunrise of Astoria — ele respondeu em tom grave.



Os outros três e Dark Corpse deram um passo para analisá-lo melhor. Vestia um robe totalmente negro, com faixa apertando na cintura e capuz na cabeça que sombreava os olhos escuros. Seu cajado era uma vara longa com metade dela enrolada de serpentes - as caudas se juntavam na extremidade, compactavam-se e clareavam até assumir a forma de um crânio humano liso e branco. A pessoa em si era um pouco mais baixa que a média, e sua boca tinha finos lábios vermelhos num rosto meio queimado de sol.



Dark Corpse ergueu uma sobrancelha, evidentemente pouco impressionado.



—Eu sou o comandante na falta dele — disse em tom inflexível — Pode falar comigo. Se é pra entrar na cidade, precisa pagar uma pequena taxa. Para manutenção dos serviços e melhoria das condições para os jogadores.



—É dinheiro o que vocês querem? — o outro respondeu — Posso arranjar. Pensei que já tivessem bastante com o tanto que roubam das outras pessoas.



Os três que estavam com Dark Corpse riram; o pistoleiro apenas sorriu, pondo uma mão nas armas como quem não quer nada.



—Se você é algum caçador de recompensas, engraçadinho, acho que veio pro lugar errado...



Mas ele disse a frase em tom de brincadeira. O nível de Honra do mago era tão vermelho quanto o de Dark Corpse tinha sido, antes de Thugles perdoá-lo. De fato, o mago respondeu firme:



—Não, é aqui mesmo. Soube que acabaram de ganhar esta cidade, e já faz algum tempo que procuro um clã forte. Vim aqui pra me juntar a vocês.



—Veio mesmo? — Dark Corpse franziu a testa, interessado — Já que veio atrás de um clã forte, deve saber que não aceitamos qualquer um. Nível e classe?



O homem sorriu e fez um “ah”, como se essa fosse a pergunta pela qual estava esperando.



—Vamos dizer que eu fiz o avanço de Clérigo, há muito tempo atrás. Já o nível, heh, é o suficiente.



Dark Corpse fez cara de deboche.



—“{i]O suficiente, bleeeergh[/i]”... Suficiente pra quê? Pra matar o Zakum com duas cajadadas, pra estar a um nível de pegar o 200 e sair do jogo? Ou o suficiente pra eu te enxotar daqui gritando pela mamãe? Não gostamos de joguinhos, se quiser entrar, não é assim que vai conseguir. Qual seu nível, e qual sua classe? — ele quase chegou a gritar as últimas palavras — Pra ser um de nós você precisa: ser forte, e saber como conseguir dinheiro. Não vou aceitar você só porque você [i]pode[/i] ser bom.



—Faz parte da minha personalidade, sou um cara misterioso. Sou forte o bastante, e quanto ao dinheiro, esses equipamentos que eu uso não são equipamentos de pobre. Se duvida, lute comigo. Que melhor forma de explicar minhas habilidades do que usando em combate?



Os três espectadores olharam de um para o outro e depois para Dark Corpse, esperando que aceitasse. Os olhos do pistoleiro brilharam.



—Gostei da coragem — disse em tom de aprovação e sorrindo — Tudo bem então, vamos ver do que é capaz. Quando o HP de um cair, hum, uns dez por cento, mais ou menos... O outro interrompe a luta e ganha.



—Pode ser — o mago concordou. Os outros três assobiaram e assentiram, aprovando, interessados em ver a batalha.



Foram um pouco mais para longe da cidade, num lugar onde as árvores de ambos os lados formavam um teto sobre gramado lá embaixo. Teriam bastante espaço para se mover e para lutar. O rapaz de capacete azul, Cherion, foi incubido de ser o juiz.



—[i]Já![/i] — ele gritou, mas nenhum deles se moveu.



Pouco antes da luta começar, enquanto o mago de preto se afastava para tomar posição, o Pirata sussurrou ao ouvido do pistoleiro:



—Cara, toma cuidado. Ele disse que é um Clérigo, mas não se deixa enganar não. A Flecha Divina deles te machuca mais do que imagina, não deixa ele acertar. E pode parecer que Clérigos não tem muito dano, mas a sua Honra ainda é laranja e isso vai ser melhor pra ele. Tudo que ele usar em você vai ser muito ruim, toma cuidado.



—Já enfrentei Clérigos antes — devolveu o pistoleiro — Não sabia dessa da Honra, mas não sou idiota. Sei como podem ser chatos — seu rosto se enrugou.



E ele viu que o mago segurou o cajado no centro, apontando para o chão e para o céu, exatamente como se segurava para fazer uma Flecha Divina. Quando a luta começou, Dark Corpse esperou. Sabia que, numa luta, cedo ou tarde o inimigo atacava, bastava prolongar por alguns segundos. Ele atirou a flecha e Dark Corpse se esquivou. Quase no mesmo instante, o mago cortou o ar e Dark Corpse sentiu vento passar ao lado dele quando se esquivou, quase com desprexo.



—Garras Arcanas? — o pistoleiro sorria tristemente — É com isso que quer entrar no meu clã?



—Eu pensei que você aguentasse uma dessas... Mas parece que tem medo — o mago desafiou — Tenho aqui uma Flecha Divina, mas acho que é forte demais pra ti, hein?



Dark Corpse riu alto.



—Flecha Divina, forte? Tá bem, eu deixo você me acertar — e abriu os braços, ainda sem pegar as pistolas.



Ele não viu o leve sorriso que torceu o canto da boca do homem quando ele segurou o cajado com a mão esquerda, como um arco, e puxou dele uma corda invisível. Corda e flecha se formaram de energia luminosa enquanto ele puxava, apontando para Dark Corpse. O pistoleiro esperava, sorrindo casualmente como se o mago tivesse dito que ia lhe atirar uma bolinha de papel. A mão bronzeada soltou a corda, que desapareceu e a flecha voou num rastro branco de luz.



A menos de dez centímetros de atingí-lo, Dark Corpse esquivou-se com agilidade ao mesmo tempo que sacava as duas armas. Atirou para cima e seu polvo veio do chão armado com pistolas, uma metralhadora e um lança-chamas. Dark Corpse mirou seus tiros para o mago.



—Ops, muito lento — Dark Corpse girou as pistolas nos pulsos. O mago escapara dos tiros com teleporte — Achou mesmo que eu ia deixar você acertar?



O mago tinha teleporte, mas Dark Corpse tinha duas pistolas. Uma mirou o lugar onde ele desapareceu, e a outra foi para onde ele [i]apareceu[/i], tiros precisos acertando-o no peito e nos braços. Teleportou-se para trás, ficando fora do alcance das balas.



Mas foi uma ilusão, ele na verdade tinha se teletransportado para [i]frente[/i], e o que Dark Corpse viu foi uma imagem de espelho indo na direção oposta. Quando o mago, lá longe, desapareceu, o verdadeiro surgiu quase bem na frente dele, surpreendendo-o. De reflexos rápidos, Dark Corpse atirou nele, tão perto que os tiros lhe atravessavam. Antes disso, o mago tinha começado a usar a Cura, embora os tiros o atingissem.



Só que ele não usou a Cura em si mesmo, e sim no polvo de Dark Corpse. Quando este se virou, sua visão ficou laranja ao ser coberto pelas chamas. O polvo o cobriu com balas de metralhadora e de pistola, e cada uma era uma ferroada que doía ainda mais por saber [i]quem[/i] estava atirando. Quando o lança-chamas do polvo ficou sem carga, viu que nele havia uma argola negra sobrevoando a cabeça.



O polvo, felizmente, sumiu antes do que deveria, mas então a Flecha Divina o acertou... ou foi o que Dark Corpse pensou. A flecha não era branca, mas negra, e quando o acertou ele sentiu-se marcado. O mago teleportou-se para trás dele, depois para a frente e ficou fazendo reparecendo várias vezes entre dois pontos, com Dark Corpse no meio. Cada vez que o mago aparecia, Dark Corpse sentia algo atravessar seu corpo. Sempre que tentava se mexer, o mago teleportava e penetração vinha pelo outro lado.



Parou com os teleportes e ficou novamente na frnete de Dark Corpse. Baixou o cajado, levantou e se lançou no ar, ficando acima da cabeça do pistoleiro. Braços magros de energia negra vieram do chão e o agarraram pelas pernas e pelas mãos enquanto o mago flutuava, segurando o cajado. Sentia HP e MP drenados enquanto a habilidade era usada. Quando parou, o mago caiu espalmou a mão esquerda em seu peito, marcando-o com alguma habilidade, teleportou para trás e lançou outra flecha. Algo explodiu em Dark Corpse e fez seus ouvidos chiarem enquanto o chão vinha ao seu encontro.



Dark Corpse tentou se levantar, mas sentia-se fraco. O HP estava certamente [i]menor[/i] que os 10% combinados, não havia dúvida - enquanto o do mago estava completo, como se tivesse recuperado o HP que os tiros haviam tirado. O mago deu alguns passos, abriu o menu e deu algo ao pistoleiro.



—Ainda quero ser seu amigo, lembra? — ele sorriu em sinal de paz. Baixou o capuz. Seu cabelo era negro, e o rosto moreno, quadrado e esboçando um largo sorriso conciliador.



Dark Corpse pegou a poção do inventário e bebeu. Não respondeu; no jogo, nunca se sentia exatamente dor [i]de verdade[/i], mas apenas desconforto, e sua cabeça latejava. A poção recarregou certo HP, talvez uns 500, mas então ele tossiu e curvou o rosto. A barra vermelha começou a diminuir lentamente, chegando cada vez mais perto de zerar.



Os três expectadores pegaram as armas e avançaram. O mago agarrou Dark Corpse pelo colarinho e o ergueu, de joelhos. Os três pararam onde estava.



—Você acreditou que era uma poção de cura? — ele riu — Duzentos mil de cada um, ou ele morre agora.



Dark Corpse nada podia fazer além de ouvir, impotente. Os três relutaram, mas enviaram a quantia ao mago. Ele deu um tapa no pescoço de Dark Corpse e afastou-se. O rapaz levantou com a mão no peito, hesitante. Puxou a própria poção de HP.



—E é assim que Xongo, o Necromante, ganha as lutas e consegue seu dinheiro — o mago comemorou e abriu os braços — Seiscentos mil mesos e só me custou uma poção boba. E quem sabe o que eu teria ganho se entregasse você pras autoridades, hein?



Mas ele não o fez, e Dark Corpse pôde recuperar sua vida enquanto o olhava. Seus outros colegas de clã tinham as armas na mão e o olhavam com desconfiança. Cherion cochichou algo para um companheiro, que assentiu e largou a arma.



—Clérigos — Dark Corpse cuspiu a palavra — Sempre dando um jeito de me atazanar. Mas dessa vez vai ser bom ter um do nosso lado.



Xongo fez uma profunda reverência, sorrindo e agitando seu robe. O orgulho de Dark Corpse estava ferido, mas ele conseguiu sorrir. Finalmente, ele pensou, havia encontrado um Clérigo que poderia gostar.



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Era a manhã seguinte depois da guerra. Edelstein havia se normalizado e estava voltando a ser como antes. Os edifícios convergiram para dentro, as ruas ficaram organizadas até a cidade parecer ficar um pouco menor, mas muito mais limpa e organizada.



A prefeitura disfarçada de loja também voltara ao seu esplendor, um largo edifício retangular de pedras brancas atrás de uma grande praça, com um jardim nos fundos e uma varanda cercando tudo. Tinha apenas um andar e era dividida por dentro - o maior dos aposentos era o central, onde ficava o prefeito. Ele manteria o cargo, porém sob a autoridade do novo líder.



Italo instruía-o sobre que mudanças queria fazer. Ao conquistar uma cidade, era possível melhorar construções e benefícios como farmácias, lojas de armas e armaduras, ferreiros, templos, muros e proteções. Ele podia até recrutar NPCs para patrulhar e garantir a ordem da cidade. Tudo isso custava dinheiro, mas a cidade também produzia suas riquezas com as vendas e com os demais jogadores que usavam seus serviços. Os mesos iam para o cofre da cidade, e o clã poderia usá-lo quando quisesse. Em contrapartida, se pegassem todos os mesos para si, não haveria crescimento da cidade e os moradores poderiam rebelar-se.



Como ainda não sabia muito bem como tudo aquilo funcionava, Italo deixou a taxa de imposto baixa e melhorou somente o ferreiro e os centros de alquimia, sem aumentar os preços das coisas. Assim teria um crescimento lento, porém próspero, devagar o bastante para que pudesse acompanhar e aprender melhor como lidar com tudo aquilo.



Em dez minutos, arranjou tudo, e depois disso um dos [i]hackers[/i] foi visitá-lo na prefeitura.



—Bom trabalho ganhando a cidade — o homem disse com uma alegria mordaz. Era magro, tinha cabelos castanhos revoltos e um dos primeiros adultos reais que Italo via há meses — Estamos generosos hoje. Como foi a primeira guerra, você vai poder escolher uma recompensa.



—Parece legal. Que tipo de recompensa?



—Uma recompensa que você queira — o homem deu de ombros — Claro, nada extravagante, como um laser que causa morte instantânea, ou uma armadura que te deixa imortal. Pode pensar em alguma habilidade nova ou um equipamento, desde que seja razoável. Uma espada que deixe tudo ao redor escuro, por exemplo. Uma habilidade para todo o seu clã, que diminui a hostilidade dos monstros, ou uma que dê um ponto de atributo extra a cada cinco níveis. Algo razoável, útil, mas que não seja muito...



—Hm... Já sei. Quero coka.



O homem fez uma careta; seu rosto mesclava surpresa, e uma certa expressão repulsiva.



—Olha... Isso não seria lá algo que te desse uma vantagem [i]injusta[/i], mas "coca"...



—Não tem motivos pra eu não ter, tem? Algumas garrafas cheias e geladas, só isso.



—Garrafas? — ele parecia confuso — Mas... [i]ah[/i], você quer dizer a [i]bebida[/i]? Coca-Cola? Ah sim, sim, entendi. Coca, sim. Coca — grunhiu — Tem certeza?



—Sim, por favor — Italo respondeu.



—Vai ser meio difícil, não pode ser Pepsi?



—Se pudesse ser Pepsi, eu teria pedido Pepsi, né cara? Por que não a coka? Tu disse que eu podia escolher... vocês são afiliados da Pepsi por acaso?



—Tá tá, tudo bem, Coca — o homem respondeu de má vontade, derrotado — Daqui a dois dias, mas só aqui na cidade.



—Bom... Vou ter tipo, coka infinita?



—Vai ser uma nova poção que vai vender nas lojas. Ela vai vir gelada e com o gosto da normal, e custará o preço base de uma Poção Vermelha.



—oho, se só eu vou ter coka em todo MapleStory, é claro que não vou vender a preço de banana, não? "Compre três potions de 50 HP e ganhe uma coka". Senão eu teria pedido um lago de coka, ou talvez que o mar virasse coka, mas não. Não pode aumentar esse preço?



—Aumente o quanto quiser — o homem retorquiu com impaciência — Já escolheu a sua recompensa. Não vai puder mudar de agora em diante.



O homem o deixou e Italo saiu da prefeitura muito animado. Foi para o jardim dos fundos onde haviam bonecos de treino com espadas, lanças e até varinhas, e se mexiam e atacavam. Uma menina coberta de armadura ganhava deles.



—Leslie, adivinha? Vamos ter coka!



Leslie o encarou de testa franzida.



—Adivinhar como, se você já me disse? Essa não valeu. Você sabia que eu ia descobrir, mas não quis que eu ganhasse o crédito e me contou antes!



—Não importa, consegui coka!



—Podia conseguir Dark Souls IV também, sinto falta de jogar. Ei, tive uma grande idéia! E se MapleStory Online fosse DarkSouls Online? E com todas as armas, souls e a halberd, e os [i]Covenants[/i] pra gente entrar! Aí a gente até poderia convocar um ao outro com pedras! O que você acha?



—...uma idiotice, já que o objetivo principal nesse jogo é não morrer?



—Você não está [i]enjoyando[/i] a cooperação jolly — Leslie bateu nele com a maça, zangada. Italo deixou-a ali e foi se encontrar com Dark Corpse, que sorriu ao vê-lo quando cruzou uma rua.



—Ei, Italo! — o rapaz vinha acompanhado de quatro outros — Estava mesmo te procurando!



—E aí, Poke.



—Convidei um novo membro — Dark Corpse ergueu o queixo — Nosso primeiro Clérigo... ou quase isso. Xongo, que diz que é necromante.



—Ei, Xongo.



—Pelo seu jeito de falar — Xongo sorriu para ele — Você vem do Sul também? — e quando Italo confirmou, disse: — Meu pai lutou na Guerra da Fronteira. Foi ferido no braço mas ficou na batalha principal até quase o fim, com um canhão.



—O meu também, só que foi com um facão.



—Mas não se feriu, pela sua cara — Xongo riu — Já mostrei minhas habilidades ao sublíder. Tenho que mostrá-las pra você também?



—Não faz sentido aqui — Italo deu de ombros — Se o Poke aceitou você, eu acredito. Poke, falando nisso eu descobri que eles têm um jogo legal aqui na cidade, seria tipo um [i]paintball[/i] com armas de verdade, e quem morre não morre pra sempre. Chama TTT e parece que se tiver oito pessoas, tem Detetive. Cadê o Pizza?



—Pizzando por aí — Dark Corpse deu de ombros.



—Vai chamar ele, aí a gente joga. Enquanto isso eu vou mostrar as coisas pro Xongo. Pensando bem eu quero saber que tipo de Clérigo é você, e que skills você pode ter que vão ajudar o grupo.



—Tenho várias — Xongo garantiu sorrindo — Ganhei do teu amigo, ele não te contou?



—Ganhou porque eu deixei — Dark Corpse retrucou de cara feia, mas ninguém se deixou enganar — Conheçam-se vocês dois então, eu vou lá procurar o Pizza.



Seus três companheiros riram atrás dele e o seguiram. Dark Corpse não entendeu. Virando uma rua, passaram pelo ferreiro cuja ferraria se chamava "Ferroadas do Poke". Ele franziu a testa. Ao lado dele, ficava a loja de poções "Corpse's drugs LTDA". Era obra do [i]designer[/i] oficial do clã, e por isso ele não gostara muito da decisão de Italo... Quando chegaram na esquina da "Dark & Corpsy Associados", ele não e aguentou e virou.



—Qual é a graça, Nick? — vociferou para o mais perto dos homens, um grandalhão com rosto de bebê e uma longa lâmina curva azul em formato de dente.



—Não tem ninguém rindo — Nick, que era quem mais estava rindo, respondeu às ofegadas. O rosto de Dark Corpse se inflamou, e ficou vermelho quando viu [i]aquele[/i] rapaz saindo de uma das casas. Ele usava uma cabeça de cavalo que ficava o tempo todo de boca aberta.



—Bom dia, pokes e pakas! Estão curtindo a nova cidade? O que acharam da bandeira? Fui eu que fiz.



—Ficou ótima — Cherion riu com sinceridade.



—Que história é essa? — Dark Corpse perguntou sem rodeios — Você bagunçou o nome de [i]todas[/i] as lojas!



—Italo disse pra eu escolher nomes, e eu escolhi — Vile Slayer se defendeu — Eu estava vindo chamar vocês. Venham, olha só o que eu consegui.



Guiou-os para além de Edelstein, para a costa do oeste. Era um ponto onde não havia praia, a costa seguia gramada até rebentar no mar. Um pequeno edifício de tijolos brancos guardava um píer de madeira. Vile Slayer se aproximou e abriu o menu. Uma fileira de barcos e navios apareceu flutuando ao longo da beirada do mar, todos de tamanho natural e semitransparentes. Um barco estava perto do píer, maior que os outros e girando lentamente, com uma tabela gigante de características do barco.



—Italo melhorou o porto, e deixou eu escolher um barco. Olhem esse, que legal — escolheu outro barco e o que estava à direita tomou o lugar do que girava, passando este a girar e a ficar maior. Dark Corpse quase não o escutava. Olhava as embarcações à medida que Pizza ia selecionando, vendo o que continham e reparando nos números que apareciam na tabela.



Havia um navio de casco largo, com cinquenta remos de cada lado e dez canhões ao todo. O seguinte era uma trireme mais estreita, com velas e um espigão de madeira com ponta de aço na proa, guardada por dois canhões e também com cerca de quinze de cada lado do navio, e um maior atrás. Havia vários outros, de todos os tipos de tamanho, de duas a dez velas, com canhões e balistas, disparadores de dardos, óleo envenenado e outros.



Dark Corpse chegou a gemer quando Pizza selecionou uma enorme galé de guerra, de madeira alta como muralha e uma cabine de capitão do tamanho de uma casa. Os canhões ficavam na parte de dentro do navio e apareciam por janelas nas laterais do casco, três fileiras de vinte no lado esquerdo e o mesmo número do direito, como as janelas de um grande condomínio. A amurada era intercalada de balistas e disparadores de fogo; as velas, um elaborado conjunto que estendia-se acima, tão impressionantes como o navio, formando um labirinto de pano, cordas e mastros que fazia sombra em todo o casco.



—Olha esse — não conseguiu se conter, excitado — Cinquenta milhões — leu — Pizza, guarde esse. Vou conversar com o Italo, a gente pode comprar. O que será que deve dar pra fazer com um navio? Se der pra saquear, a gente recupera o dinheiro fácil, fácil!



Ele estava convencido de que Italo lhe daria o comando do navio, se pedisse. Várias vezes haviam brincado que, para Dark Corpse se tornar um pirata completo, era só um navio que faltava. De repente, todas as outras embarcações pareciam pequenas.



—Vou querer ser da sua tripulação — Nick assobiou baixinho, olhos no navio, quase tão impressionado quanto ele.



—Quando virem a bandeira negra tremulando no céu, ela terá o rosto do Poke. E nem vai ter que esperar pelo dinheiro do Italo. Eu já escolhi nosso barco, um maior, melhor e mais legal do que qualquer um! — Pizza abriu os braços e tornou a baixá-los, para mexer no menu — Amigos, cumprimentem nossa nova embarcação!



Todos os navios sumiram. No lugar dos transparentes veio um mais real, de madeira marrom e velas brancas, e canhões negros, e Dark Corpse ficou tão sem palavras quanto tinha ficado com a enorme galé. A embarcação era circular no formato de uma tigela rasa, com uma cruz de madeira que fechava-se sobre a parte externa do casco como uma mão de quatro dedos, dando a impressão de reforço. Os canhões estavam dispostos em intervalos ao longo da amurada circular e o mastro ficava no meio, com quatro velas triangulares que saíam dele em ângulos de 90º entre si.



—Pizza — Dark Corpse inquiriu boquiaberto — Que droga é essa?



—É o seu novo navio, Dark Corpse, ou melhor... Capitão Poke, temido pirata, o comandante do [i]Pão de Batata[/i]!



—[i]Pão de Batata[/i]! — Dark Corpse gemeu desesperado. Demorou pra perceber que as gargalhadas voltaram. Um peso invisível lhe empurrava os ombros, e ele quase sentiu vontade de chorar. Ficou durante um bom tempo olhando com tristeza para os companheiros que tentavam em vão segurar o riso, com a cabeça de cavalo de Vile Slayer olhando bobamente para ele e o [i]Pão de Batata[/i] balançando com inocência ao sabor das ondas. Depois ficou muito irritado.



—Não tem graça nenhuma! — vociferou ele aos três, o que só conferiu mais graça a tudo — Pizza, sinceramente, você é o [i]pior[/i] pra escolher as coisas, você é um idiota, só estraga tudo, TUDO!



Vile Slayer pôs a mão no coração.



—Quantas palavras fortes, meu grande amigo. Sabe o que é bom pra isso? Navegar! Sentir o leme nas mãos, o balanço do casco nos pés! Ou sexo. Sei que você não quis dizer isso de verdade, por isso vou falar com o sacerdote e pedir que ele ore por você. Na Igreja do Poke Feliz! Se precisarem, de mim, estarei lá.



Dark Corpse saiu tão irritado que nem deu o aviso que seu líder pediu para dar. Estava farto de tudo aquilo, de tanta bobeira que encontrava por aí, e de ser escarnecido como idiota duas vezes, primeiro por aquele Xongo, e agora pelo... Pizza! Caminhou a passos largos, resmungando para si mesmo em direção à saída. No caminho, passou pelos telhados exuberantes da Igreja do Poke Feliz, o que não foi muito bom para seu humor.



—Parece que o Poke não está feliz hoje — riu alguém que estava na igreja, e foi respondido com um palavrão tão sonoro que o sacerdote saiu e pôs-se a gritar maldições.


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