O Refúgio Online escrita por Nedhand


Capítulo 10
Capítulo 54




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/509250/chapter/10

Estava prestes a entrar na trilha para a Selva do Sono quando seus sentidos captaram algo.



Daquela distância, o mar era um ruído de fundo baixo e persistente, indo e vindo conforme as ondas iam e vinham. Mas havia um barulho estranho, também. [i]Tchap,tchap[/i], como água batendo na madeira, como se algo grande estivesse flutuando na água.



Rápida, ela correu de volta pelo caminho até a praia, desejando que já fosse noite para que pudesse se esconder melhor na escuridão. Giu era desconfiada de barulhos estranhos, mas curiosa o bastante para ir verificá-los, e não tola o bastante para cair em armadilhas.



O navio chegava no litoral, em algum ponto entre Ellinia e Porto Nautilus, mais perto de Porto Nautilus. A galé de madeira marrom vinha remando enquanto as três grandes velas eram baixadas. Não tinha figura de proa; a ponta do navio era levemente curvada para cima. Duas meninas esperavam na costa, uma vestida de branco, a outra com uma camisa vermelha e um short, e ambas tinham arcos...



—Kash! Noctolia! Aqui — e apareceu atrás delas quando ambas se viraram — Rá! Se eu fosse um monstro, já teriam morrido.



—Oi, Giu — Kash a cumprimentou alegremente — Você estava esperando esse navio? Vimos ele de longe e viemos ver. Sabe o que é?



—Não... Imaginei que vocês soubessem.



O navio girou de lado. Um pedaço da ornamentada amurada se abriu e desceram uma rampa de madeira. Viram de relance alguns rostos da tripulação; NPCs, com cinco jogadores entre eles. Quatro dos jogadores desceram juntos e acenaram para as garotas, apressados demais para responder perguntas.



O capitão do navio veio por último, descendo lenta e elegantemente. Magro e reto como uma faca, vestia uma jaqueta de couro seco marrom sobre uma camisa cheia de bolsos, calças de um marrom mais escuro e botas altas e pesadas. O cinto de couro prendia a presilha com pistola e também um sabre, médio e só um tantinho mais largo na ponta curva. Ele parou quando viu as três e dirigiu-lhes um olhar confuso.



—Ahn... Olá, vocês também queriam carona?



—Carona? — Giu lembrou-se dos quatro homens que tinham saído — Você é algum tipo de táxi?



O capitão não pareceu muito lisonjeado.



—Não — respondeu com uma careta — Sou Victarion, e este é o [i]Voyager[/i]. Aqueles ali me pediram pra trazê-los pra cá por uma taxa.



—Victarion? A Alegria Cinza? — Noctolia se animou, e Giu olhou-a com assombro.



—Você conhece ele?



—Não, é de um livro. Victarion, a Alegria-Cinza, um dos mais [i]badasses[/i] de todos. Você lê?



—Acho que não — Victarion respondeu — Este é meu nome, uso em todos os jogos. Usava, né. Bom — ele mordeu o lábio — Com licença — voltou a descer.



—Deve estar indo pra cidade — Kash notou — Mas será que é uma boa ideia deixar o navio aberto assim?



—Deve ser protegido — Giu falou — Vamos lá ver?



Subiram pela prancha e entraram no amplo convés. O navio era espaçoso mesmo com os três grossos mastros para velas, mais do que o suficiente para comportar os vinte marujos que o tripulavam. Eram todos homens, vestidos de forma simples e com gorros listrados ou sem camisa. A cabine do capitão ficava na parte de trás, dois metros acima do convés principal, subia-se lá por degraus à esquerda. Lá, logo em frente à porta da cabine, encontrava-se o leme. Havia um alçapão num canto que levava aos conveses inferiores, rolos de corda e bóias salva-vidas em alguns pontos do navio.



O leme estava bloqueado, e Giu não conseguiu abrir a porta da cabine. Os tripulantes sequer prestaram atenção nelas; depois de alguns gracejos, voltaram ao seu trabalho. Mas a escalada até o mastro mais alto valeu a pena, lá onde ficava o cesto de observação. Podiam ver Porto Nautilus de lá de cima e os campos de porcos selvagens nos limites do porto. Viram quando Victarion chegou e tentaram ficar escondidas para quando o navio zarpasse, mas o capitão as viu e tiveram que descer.



—Você tentou entrar na minha sala secreta — disse em tom acusador — Você é a...?



—Sou a Giu, estas são Kash e Noctolia. Só queria ver o que tinha lá dentro, já que o navio ficou aberto, então você esperava que as pessoas entrassem.



—Tem minha cama, e uns itens que guardo quando o inventário fica cheio. Sabe... Estou precisando de tripulação — ele disse de repente — Jogadores, não NPCs, pra dividir o comando. Se vocês quiserem, poderiam ficar aqui.



—Não somos Piratas — Giu retrucou.



—Eu também não — Victarion ergueu a sobrancelha — Da classe, sim, um Pirata, mas não um [i]pirata[/i]. Nunca vi outro navio nos mares, e por isso consigo ficar com a maior parte dos segredos. Já achei duas ilhas com tesouro e uma outra com ruínas com monstros fortes demais, aí precisei abandonar. Tem uma porção de lugares que só são acessíveis pelo mar. Dá pra alugar barcos, mas é muito melhor com um navio próprio.



Giu pensou na proposta. Conhecia pouco do mundo de MapleStory, e um navio que liberava lugares secretos era uma proposta atrativa. Noctolia foi a primeira a concordar. Kash relutou, sem saber o que dizer. Acabou que ambas aceitaram.



Victarion assentiu brevemente, o rosto impecavelmente sério. Sem mais delongas, falou:



—Sejam bem-vindas à tripulação. Edward — gritou para um dos tripulantes — Ice a bandeira vermelha.



–---------------------------------------------------------------------------------------------------------



O corredor arfava enquanto corria, respirando ruidosamente enquanto pisoteava a grama com força sob seus pés. Ofegava e movia ansiosamente os braços, as pernas movendo-se a todo vapor. Não parava de lançar relances apressados para trás, embora nenhum deles captasse alguma coisa além do caminho pelo qual vinha percorrendo.



Os seis companheiros não estavam a mais de cem metros à sua frente, mas essa distância parecia mil vezes maior. Cada passo que dava parecia aproximá-lo muito lentamente, a uma velocidade que zombava dele. “[i]Ele vai me pegar[/i]”, pensou desesperado.



Já não olhava mais para trás, pois achava que isso o fazia correr mais devagar. Fixava os olhos no círculo vermelho, um aro de luz no meio da escuridão da noite, a salvação, a segurança. Todos os outros seis estavam lá dentro, gesticulando para que se apressasse. Gritavam palavras de encorajamento, dizendo que ele ia conseguir, embora ele não tivesse tanta certeza. “[i]Não estou sendo rápido o bastante. Se ao menos meu buff não tivesse um cooldown tão grande...[/i]”



Cinco minutos e ele poderia atirar-se a toda velocidade para frente – em dois minutos a corrida teria terminado, de um jeito ou de outro. Fechou os olhos, rezando. Faltava agora uns cinquenta metros, ele tinha que conseguir. O coração palpitava no peito. Os amigos gritavam, e ele não os via, mas ouvia seus gritos cada vez mais altos. Estava se aproximando... “[i]Não vai dar... tempo[/i]” estava sem fôlego até para pensar.



Um dos seis arriscou tirar um pé para fora do círculo, estendendo a mão vigorosamente para o rapaz que corria. Ele estava mais perto agora, a luz fraca do círculo já batia tenuemente no tecido de sua roupa. Pensou, desesperado, que não iria conseguir. Mas forçou-se a correr ainda mais depressa, ignorando a dor nos pulmões, a lateral dolorida do corpo pelo esforço. Resolveu que iria contar seus passos. Um dois três, quatro, cinco, seis, sete oito, nove dez, onze doze, treze, catorze, quinze, quando perdeu a conta ao soltar uma exclamação profunda de cansaço.



Mix caiu em cima dele, enterrando as pontas de ambas as espadas na parte de trás da nuca desprotegida. Derrubou o rapaz de barriga no chão, esfarelando-se em fagulhas brilhantes enquanto o matador esticava as pernas e levantava. O arqueiro que tinha saído do círculo rapidamente voltou, quase caindo por cima de um outro na pressa de entrar.



Por um instante, o rapaz tinha desaparecido. E então lá estava ele, roupas escuras e espadas nas mãos, de aço cinzento e sem brilho. Os olhos eram apenas vagamente visíveis por cima da boca coberta por tecido. Ele começou a avançar, um passo à frente do outro, aproximando-se...



Os seis dentro do círculo quase se abraçavam de tão juntos, tentando ficar o mais no meio que podiam. Mix parou a um passo do círculo protetor e olhou de relance para a luz vermelha. Ergueu a mão e ela bateu em uma proteção invisível. Deu um passo para trás e ergueu-a de novo, a palma virada para um rapazinho que tremia de medo. Os níveis de Honra de todos eles pairavam sobre suas cabeças, amarelo-escuro ou laranja. Mix escolheu aquele, que estava a meio tom do vermelho.



O diamante de Honra se partiu e dele saiu um líquido avermelhado, viscoso como tinta, e derramou-se sobre a cabeça do menino. Ele gritou de susto e tentou correr, mas o diamante de Honra o acompanhava e o líquido escorria, implacável. Seu HP ia baixando enquanto ele era coberto, agora os ombros inteiros com faixas vermelhas escorrendo pelo peito e pela barriga. O vermelho do diamante ia clareando à medida que mais líquido escorria, e quando finalmente pareceu ficar vazio, o líquido parou e a Honra ficou verde, deixando o rapaz debatendo-se na prisão de líquido. A maior parte do HP tinha se perdido.



O círculo vermelho ainda estava no chão. Sendo um paladino, Mix escolheu um rapaz de Honra laranja, e dessa vez o diamante se quebrou como se fosse feito de vidro, arrancando um bom pedaço do HP de uma vez.



O círculo se desfez sob seus pés. Esquivou-se de uma flecha e aparou um golpe de machado no mesmo movimento, pondo a espada esquerda à frente. Passou a direita pelo pescoço do inimigo e empurrou-o, furando o peito com ambas as espadas. Ele tinha agora metade da vida, e estava caído de joelhos.



—P-por favor — implorou um rapaz usando uma túnica branca — Só queremos ir embora.



—Vamos para a cidade — ele avisou — Andem em linha reta, cotovelos nas orelhas, sem armas nas mãos. Se um sair da formação ou olhar pra trás, morre.



Os rapazes deixaram-se pastorear pela escuridão negra, um atrás do outro como fora mandado. Um enorme templo assomava de algum lugar, com árvores e plantas ao redor; quando saíram de sua proteção puderam ver um céu estrelado e iluminado, um mar negro pontilhado de milhões de luzes brancas. O céu noturno era diferente dependendo de onde se estivesse em Maple; nos arredores de Mu Lung ele era escuro, um preto tão vivo que era quase brilhante. As estrelas pintalgavam-no de branco, as pequenas como cabeças de alfinete e as grandes como bolas de golfe. Algumas tinham uma luz especial em forma de cruz, outras pareciam ter anéis e algumas formavam nebulosas, como uma nuvem de poeira feita de estrelas. Foi sob aquele céu misterioso e brilhante que os seis caminharam em fila única, de cabeças baixas e corações nervosos.



A maneira como Mix tinha matado aquele tinha sido um tremendo choque. Pior, não podiam vê-lo enquanto caminhavam, o que os tornava mais apreensivos. Houve um rapaz que chegou mesmo a olhar para trás, não aguentando mais a tensão, mas tudo o que viu foi o vazio. O espadachim de duas espadas não estava em lugar nenhum, mas nem ele nem os outros ousaram interromper a marcha.



E com razão, pois quando chegaram a Mu Lung, viram-no de novo à frente, conduzindo-os como um pastor conduz as ovelhas. As espadas tinham desaparecido; nem sequer estavam em bainhas. Parecia simplesmente um rapaz magro, caminhando.



Entregou todos os seis a uma casa de colhedores de raízes de Ginseng perto da cidade principal. Não havia masmorras nos jardins; os prisioneiros cumpriam a pena trabalhando com as raízes, e no fim ganhavam um bônus de raízes que coletaram. A idéia era o jogador ter que desconectar e não jogar durante a pena, mas como isso não era possível, precisavam passar por cada um dos processos de trabalho que a personagem teria que passar. Por ser uma pena mais branda, era também maior. Aquele grupo não voltaria a cometer outras infrações por uma boas semana.



O captor foi pago com uma boa bolsa de mesos e algumas poções feitas com Ginseng e ervas tiradas dos jardins. Seu próximo compromisso era longe, em Magatia, mas deixou-se ficar um pouco mais. Afastou-se da cidade, tendo somente troncos velhos e retorcidos e suas flores como companheiras na grama fresca e curta. Aquele céu era realmente muito bonito, uma maravilha tão surreal que parecia real.



Estava divagando quando ouviu os passos e se virou. Mais alguém caminhava ali perto, e vinha em sua direção. Ele esperou. O guerreiro vestia armadura branca, visivelmente polida mesmo na noite. A espada longa e grossa vinha pendurada nas costas. Quando chegou perto, viu que a boca também estava coberta, mas por um protetor de metal do capacete. Os olhos eram pequenos e delicados, inclinados de forma peculiar.



—Mix? É você? — a voz era de uma garota, assim como os olhos.



—Sou eu. Procura algum serviço?



—Não — os olhos baixaram hesitantemente, como se ela mordesse o lábio — Eu... Você não me conhece. Me chamo Clara. Você não deve saber quem eu sou, não é?



Quando Mix negou, ela sustentou seu olhar.



—Então... Me conhece agora. Sempre me perguntei como você seria... Seus olhos são bem como nosso pai me disse. Eu sou sua irmã.



—Minha irmã — Mix repetiu no mesmo tom inflexível.



—É verdade. Você passou a morar com o pai, enquanto eu fui morar com minha mãe. Eu era muito nova quando eles brigaram, mas só fui perceber vários anos depois. O pai vinha me visitar às vezes quando viajava. Todo segundo Domingo do mês. E nos finais de semana em que saía a trabalho.



—Então é você — a voz não se alterou, mas os olhos se arregalaram no rosto. Seu pai tinha lhe contado da irmã mais velha, da esposa anterior à sua mãe. Quando ouviu o nome Clara, não percebeu de imediato que era ela, mas seu pai viajava naqueles Domingos, e tinha havido aqueles finais de semana...



—Eu soube que a sua escola foi escolhida pro jogo — Clara contou — A minha também foi. Desde que entramos eu sabia que você estava aqui.



—E por que não me procurou? Por que não veio antes?



—Eu estava ocupada. Fui selecionada para testar a nova classe, os Cygnus, e não pude explorar muito. Eu tinha pedido uma foto sua ao pai, e sabia como você era. Ontem terminaram os testes, e pude sair de Ereve. É uma cidade flutuante, como Orbis.



—Ereve... Peraí, você achou aquele lugar também? Eu vi uma vez num navio, mas nunca consegui chegar lá.



—Eu te mostro — Clara disse — É um lugar secreto, acessível por uma seção de galhos no porto de Ellinia. Só dá pra achar depois de ter visto a cidade no céu, ou se alguém te levar para lá.



—Você sabe bastante sobre tudo isso — Mix percebeu — Sabe de prêmios? Dinheiro, equipamentos daora, skills novas?



—Há bem mais do que isso em Ereve, Mix. Você [i]precisa[/i] vir comigo. Pode ser que todos nós estejamos pra morrer muito em breve... Se o que eu ouvi lá for verdade. Você ainda não fez as Quests de lá então poderei prestar mais atenção no que elas dizem. Não sei se as interpretei corretamente, acho que não, mas você precisa vir.



Ela falava sério, Mix percebeu, e pôde ver a preocupação nos olhos dela. [i]Ela quer me proteger[/i], percebeu com certa surpresa.



—Eu vou — consentiu, e deu por si perguntando se teria negado de qualquer forma.



–--------------------------------------------------------------------------------------------------------



Mateus tinha a lateral da cabeça apoiada na palma de uma mão, suspirando impacientemente.



Naqueles dias seu humor andava mais perdido do que seu controle no jogo. Como sempre, sorria e gracejava, mas naquele dia parecia ter acordado do lado errado da cama. Seu rosto estava frio e seco como o de um velho ranzinza, e não havia calor nos olhos cinzentos. Mesmo assim, tinha que ouvir o que o homem tinha a dizer.



Ele se recompôs, endireitando os ombros e erguendo o queixo, franzindo os lábios.



—Desculpe. Estava treinando minha careta de deprimido, pensei: "e se algum dia minha vida depender de como eu pareça deprimido?". Acho que vou me sair bem. Continue.



—Achamos um Foco hacker lá no Norte — disse o homem — Prendemos todos, mas nenhum deles sabe onde fica a base central, se é que há alguma. Não que eu esperava que soubessem, é claro.



—Estou começando a achar que perdemos nosso tempo com essas buscas todas.



O homem mais velho encolheu os ombros.



—De qualquer jeito, não cabe a nós julgar isso ou não. [i]Vão[/i] continuar as buscas, não importa o que pensemos. Parece que os hackers andaram meio ocupados, mas voltaram às ameaças. Se não pararmos as buscas até semana que vem, eles desligam tudo e matam todos.



Mateus sorriu.



—Oh, pra essas notícias eu sou beneficiado. Chegaram algumas mensagens bem doces vindas deles, dizendo isso. Bom, eu respondi que não se rouba um banco de diamantes para entregá-los aos porcos. Eles não fizeram essa trama toda só pra matar todo mundo.



—Isso elimina ato terrorista — concordou o homem.



—Sabemos que nunca foi ato terrorista. Eles querem dinheiro, é só. Eu me pergunto, não seria mais fácil pagar logo aos hackers? O tanto que vocês gastam com armamentos, buscas e missões, já teríamos pago o que eles exigiram.



—Penso que não, infelizmente. Tente dizer aos oficiais que simplesmente dêem ao hackers o que eles exigem, e eles enlouquecem. E não é uma quantia [i]razoável[/i], atesto. Seu jogo é uma coisa grande, pra hackeá-lo é necessária uma equipe igualmente grande. Maior, na verdade. E equipamentos, e pessoas com conhecimento e fora os esconderijos que tiveram que proporcionar. Em suma, os hackers gastaram muito, e precisam de muito dinheiro em troca. Financiar missões para tentar acabar com os hackers à força é dar trocados a mendigos, comparado ao tanto que eles querem.



Mateus bufou.



—Ao tanto que eles não vão ter, pelo que estou vendo — o sorriso era um esgar carregado de sarcasmo. Tenente Victor, o homem que se sentava diante dele, fez um aceno.



—As tropas que você pediu estão prontas. Você as viu, mil homens, treinados e preparados. Mas o que você pode querer com mil homens? Só consigo pensar que você vai atacar.



"[i]Só consegue pensar nisso...[/i]", Mateus pensou, ouvindo o que queria ouvir. Seu sorriso alargou-se um pouco mais.



—Muito bom. Você sabe que não tenho como saber que você não é um espião deles, não é? Com isso em mente, vou te contar meus planos, preste atenção, são os planos super secretos e confidenciais, aqueles que não podem cair em mãos erradas senão tudo estarão perdido: Aqueles mil homens estão ali pra vender doces. Se cada um vender dez reais, teremos cem mil reais por dia. Isso porque eu sou meio mongo e não sei a tabuada do dez, então os inimigos vão pensar que sou burro. Assim, vão me subestimar, e isso vai ser a ruína deles.



O tenente se levantou da cadeira abruptamente.



—Não é você quem está perdendo seu tempo — ele disse com repugnância — Milhares de pessoas, crianças, mortas por sua causa, e você fica de piadinha. Não sei como consegue, e também não quero saber — deu as costas e saiu pela porta de madeira, fechando-a com brusquidão.



—Quem diria, uma boa brincadeira longa demais expulsa os chatos! — Mateus gritou para a porta, sorrindo para si mesmo.



Sabia que o Tenente Victor tinha boas intenções e que talvez devesse ter sido mais sério, mas aquilo era de dar nos nervos. Recebia visitas, todos os dias, todas as horas, exceto nas abençoadas madrugadas em que podia dormir. A todos recebia com educação, mas naquele dia em especial estava ali há mais de oito horas, recebendo visitas intermináveis, nacionais e de países estrangeiros com seus tradutores. Tinha ouvido tantos idiomas quanto o número de homens do Tenente Victor; surpreendeu-se por haver tantos, mas lembrava-se de uma professora ter dito que haviam mais de dez mil deles.



—Se alguém chegar falando latim, eu pulo da janela — ele disse baixinho quando a porta bateu.



O visitante não falava latim, e sim algo que ele não reconheceu e ninguém se ocupou em informá-lo. A tradutora era hábil e Mateus não perdia nada da conversa, não que isso fosse de todo uma boa notícia.



—Já se passaram meses e a situação não se resolve. Temos nossos programadores e experts em computador dispostos a consertar isso — o homem disse por meio da tradutora — Solicito permissão total dos servidores que você possui, e informações acerca da codificação original e do planejamento do game. Vou ter que me instalar neste escritório, e você será movido para instalações que providenciaremos. Será vigiado e protegido, não haverá o que temer. Já falei com o presidente e ele me autorizou. Se me der a permissão agora mesmo, podemos começar os preparativos nessa mesma noite.



—Se eu não for obrigado, não a terá.



—Então a terei — a tradutora disse, mas não precisou traduzir o bufar nem o olhar divertido que o estrangeiro lhe lançou. Aquela visita foi rápida, e Mateus logo viu-se sozinho.



O próximo visitante veio sozinho quase no instante em que a porta foi fechada pelo anterior. Era magro e de cabelos castanhos, vestido com um casaco preto. Para seu crédito, ele e Mateus falavam o mesmo idioma.



—Então tivemos a sorte de termos nascido no mesmo país. Que ótimo — Mateus declarou — Estou ouvindo. Gostaria de uma bebida? Escolha uma e eu provavelmente a terei aqui.



—Não, obrigado — o homem recusou, mas educadamente — Senhor, faço parte do grupo que invadiu MapleStory Online.



—Senhor, eu criei MapleStory Online. Mas que encontro formidável! Quando o herói encontra o capanga do grande vilão. Eu sou o herói. Você, o capanga obediente e feio.



A responta desconcertou o visitante – sem dúvida esperava tê-lo impressionado, ou deixá-lo irritado. Vendo que sua posição não oferecia nenhum tipo de status especial, pestanejou e disse:



—Eu vim lhe trazer um aviso. Seus administradores ainda estão tentando tomar o controle, e mandamos vocês não fazerem isso. Então... vocês têm que parar.



—Por quê?



—Nós temos o controle do servidor, se recusar, podemos desconectar todos os jogadores.



—Desconectem, ora.



—Estou avisando — o homem irritou-se, como se Mateus não estivesse entendendo o que ele dizia — Vamos desconectar todo mundo, e eles vão morrer.



—Sim... eu sei o que acontece, então, vá em frente.



—A culpa vai cair em você, e vão te prender. Todo mundo vai te odiar, e podem até te matar. A menos que faça o que mandamos, ou desconectamos.



—Beleza... Desconecta aí, cara.



O homem moveu nervosamente os lábios. As mãos se mexiam por baixo da mesa, e fez-se um longo silêncio em que Mateus encarou-o sem piscar, a cabeça inclinada, esperando. O negociante afrouxou os ombros, por fim, derrotado.



—Olha... Podemos chegar a um acordo. Você tem muito dinheiro, e se não puder pagar, nós vamos liberando aos poucos. Você paga uma taxa e nós liberamos uma região.



—Vou pensar no assunto — Mateus respondeu.



O homem tinha uma expressão estranha, como se desejasse ardentemente não estar ali. Devem ter lhe dito para fazer a ameaça e deixar o outro com medo, mas não esperava aquela reação. Esperava dar as ordens e obter o acordo ou não, mas Mateus sorriu diante da ameaça aos jogadores, diante da ameaça da própria vida. Percebeu que não instigava nenhum respeito, e que o outro não tinha medo dele. Era inexperiente naquilo, eles deviam ter mandado outra pessoa. "[i]O 65 devia ter vindo. Ele saberia o que fazer[/i]", pensou.



—Olha, não precisa disso — Mateus inclinou-se brandamente — Eu sei que vocês nunca vão fazer isso que vocês falam. Assim que todos os jogadores morrerem, o único poder que vocês tem vai acabar, e o mundo inteiro vai caçar vocês até acabar com todos. Tem câmeras aqui, você não sabe? Agora eu sei o seu rosto. E os vídeos também, eles têm uma imagem bem clara de você. Ainda duvida? — sacou um celular do bolso e bateu uma foto dele antes que o homem pudesse reagir — Pronto. Eu tenho muito dinheiro, como você disse, então esse celular tem uma boa resolução. Quando vocês matarem todos, vou publicar esta foto. Saberão onde você mora, e também sua família. Existem pessoas que matariam por dinheiro, e adivinha só, eu tenho um dinheiro sobrando.



—Isso... Não é isso — o medo parecia uma mão agarrando a garganta do homem. Era jovem, não muito mais velho que Mateus. Sua boca se abria e fechava, mas os sons eram incompreensíveis — É mentira — conseguiu deixar escapar.



—Vamos fazer uma aposta então. Você vai embora, e eu mando te caçarem. Se você durar mais que cinco dias, pode vir aqui que eu te dou todo o dinheiro que eu tenho. Você pode ficar com a minha sala, as bebidas e tudo o mais que preferir.



—Não faça isso — suplicou o jovem — Não é necessário. Eu não sou um hacker, não fiz nada. Eu... Tenho uma mulher, e um filho pra...



—Eu tinha amigos — Mateus lhe disse — Todos eles adoravam jogos. Pra onde você acha que eles foram quando lancei o jogo? Os alunos também têm parentes, sabe, pais e irmãos preocupados com eles. O que acha que eles iriam pensar se capturássemos um hacker?



—Não — o jovem se levantou, o peito subindo e descendo — Não sou nenhum hacker... Se qualquer coisa acontecer comigo, eles vão acabar com você — ele pareceu se lembrar disso naquele momento.



—Acabando comigo, vocês acabam com vocês mesmos. Sou a única coisa que impede que o mundo se vire numa busca inútil contra vocês todos, acredite em mim. Seria uma coissa terrível, crianças morreriam, é claro, mas vocês também. Além disso, ninguém precisaria saber que eu fiz alguma coisa. Sabe, este é um prédio bem alto. E tem uma vista linda, vê a janela? Há outras pelo prédio, maiores e com beiral menor. Não seria muito difícil acreditar que alguém se aproximou dela e escorregou sem querer lá embaixo, não é? Hum... Acho que você duvida — Mateus se levantou — Sou forte e, hã, um tanto gordo, certamente mais forte que você. Nossa audiência acabou, acho. Pode sair pela porta ou pela janela, se sair pela porta, começamos aquela aposta da caçada.



O homem talvez pensasse que ele estava blefando. Mas a ameaça agora era à vida [i]dele[/i], e isso tinha bastante valor para o jovem.



—Cara, eu sou só um mensageiro — as palavras se atropelaram umas às outras — Não sei hackear, não sei atirar, só vim aqui fazer a proposta. Se me matar, não vai adiantar nada!



—Se não te matar, não vai adiantar nada também. Na dúvida, posso escolher um... Já sei, que tal cara ou coroa?



—Por favor — o homem viu que não tinha saída. Mesmo se fosse um blefe, estava assustado demais, e passaria o tempo todo com medo de ser atacado ou algo parecido quando saísse dali pela porta — Olha, eu... Não faz isso, por favor. Sou só um mensageiro.



—Alguns assassinos de mensageiro ficariam felizes por receber algum dinheiro. Até rimou, hein? — Mateus esperou um pouco antes de lhe dizer — Eu ficaria feliz em ajudá-los. Mas também ficaria feliz em receber informações. Se eu tivesse alguém lá na sede dos hackers que me dissesse tudo o que preciso saber, então eu não pagaria pra matarem esse cara, não é? Nah, eu iria querer ele bem vivo. E com a carteira bem gorda, pra ele ficar encorajado a me ajudar.



—Sim, sim — o jovem agarrou aquilo como um naufragado agarra uma bóia — Informações cara, eu sei tudo lá, posso te passar tudo. Por favor — repetiu. O soluço que antecedia o choro veio naquele momento — Por favor.



—É você quem me faz o favor — Mateus disse, sentando-se novamente, com calma — Vamos, senta aí, eu faço questão de que você aceite aquela bebida.




Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Refúgio Online" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.