O Refúgio Online escrita por Nedhand


Capítulo 11
Capítulo 55




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O sol surgia para colorir os montes duros e recortados de Perion com uma cor laranja, estendendo longas sombras uns sobre os outros que afinavam e encolhiam à medida que o sol ia subindo. Era um céu sem nuvens, de modo que a alvorada os atingia com todo o seu brilho. Perion era quente, um calor que começava às primeiras horas da manhã.



A pequena aldeia ficava mais completa a cada hora, com mais edifícios surgindo a toda volta. Os portões e a muralha ainda eram de madeira, mas o edifício principal era sólido, dois andares feitos de pedra pura com telhado pesado de carvalho. Dez torres de proteção espalhavam-se entre as casas, o ferreiro e as lojas, embora ninguém soubesse exatamente de que precisariam ser protegidos. Dark Corpse certamente precisava ser protegido do sono.



Não estava brincando na tarde passada quando alegara estar cansado. Ainda estava, e também Leslie e Rakyaat, mais ainda por terem se levantado às cinco e meia da manhã. Somente Vile Slayer parecia animado, mas ele sempre estava animado. Italo também não parecia cansado, tampouco animado, mas ele raramente ficava animado.



—Todos praisem o sol — declarou enquanto o sol nascia do horizonte.



Ele e os quatro membros da Sunrise of Astoria ergueram os braços para cima, apontando para diagonais opostas enquanto as cabeças olhavam o céu. A luz inundou-os e se refletiu na armadura de Leslie, bem na cara de Dark Corpse. Tentou bloqueá-la com o ombro, mas a menina teve que dar um passo para trás bem na hora que ele arranjou uma posição confortável.



—Praise the suuuuuuun! — Italo anunciou de braços erguidos.



Quando baixaram os braços, o sol continuava a se erguer, e um silêncio se prolongou sobre a aldeia. Dark Corpse coçou as costas, e Rakyaat bocejou.



—Hm — Italo pensou alto — É, foi uma coisa bem idiota. Nah, esquece. Podem voltar a dormir.



—Tchau, sol! — Vile Slayer se despediu e voltou ao quarto aos saltos, ao passo que os outros três meio que se arrastaram.



Italo ficou parado, pensativo. Tinha planejado aquela saudação para fazerem todas as manhãs, mas tinha saído mais imponente na sua cabeça do que na realidade. Não voltou a dormir, pois já não sentia sono. Estava acostumado a acordar cedo para lutar todas as manhãs, e assim foi dar mais ordens aos construtores da aldeia.



Planejavam deixar o lugar dali a dois dias, ou talvez três. Queria transformar a muralha numa muralha de pedra, e para isso precisava esperar seus mercadores juntarem o material necessário. O velho Conselheiro cuidaria da aldeia para ele, e renderia uma pequena fortuna que ele poderia coletar todas as semanas. Queria só deixar a cidade bem defendida antes de ir embora, afinal, não iria perder tudo o que investira ali por um bando de jogadores.



E por falar em jogadores, o primeiro visitante chegou naquela mesma manhã, pouco depois de Italo ter terminado de despachar as ordens. Dois guardas vieram avisá-lo de uma mulher, e Italo foi até o portão leste para vê-la. Não a deixou entrar; saiu pelos portões e foi recebê-la do lado de fora.



Os cabelos dela eram curtos e chegavam em pontas meio enroladas até os ombros. Vestia um sobretudo marrom aberto na frente, era alta e magra e trajava botas de campo. Italo olhou-a sem muito interesse.



—E aí.



—E aí — ela disse em tom de zombaria — E aí, Italo, como vai você?



As entranhas dele se reviraram em seu corpo. Não a tinha reconhecido naquelas roupas sutis e discretas, e o cabelo estava um pouco diferente do que se lembrava. Mas o sorriso desdenhoso era inconfundível, bem como o tom risonho e superior que ela usava quando falava com ele.



—Marilia — a voz dele era tudo o que a dela não era: masculina, séria e com uma pontada de ressentimento — Não sabia que você tinha entrado no jogo.



—Eu te ensinei a jogar, não foi? Não pensou que ia testar a realidade virtual antes de mim, não é?



—Não pensei nada — Italo disse — Imaginei que você estivesse em casa.



—Então pensou alguma coisa, seu mentiroso — ela bufou uma risada, fechou a boca e analisou as muralhas de madeira — Ademais, nada mal essa cidadezinha que você tem aí.



—É uma ótima cidadezinha que eu tenho aqui, segundo porque tem eu, primeiro porque tem um poço de coca.



—É grande, isso eu vejo. O que anda guardando de valor aí, hein?



—...nada — Italo franziu as sobrancelhas.



—Tem de ter alguma coisa. Esses muros de madeira são bem altos, estão aí pra esconder um pedaço de terra deserta? Soube que seu clã ganhou Edelstein, meus parabéns. E que coisas interessantes estaria o senhor de Edelstein escondendo num lugar tão longe, aqui onde seria pouco provável de irem procurá-lo?



—Nada — Italo repetiu com fervor.

Ela falava como quem pouco se importa, rindo sarcasticamente para ele. Olhava de cima para ele, alta como era, e Italo se sentia pouco mais que uma criança, embora ignorasse furiosamente o fato.



—"Nada", não é? Então não tem nenhum tesouro que você guarda aí dentro, o que é uma pena. Você vai querer dispor de um quando vierem guardar os impostos.



—Impostos — ele disse em tom zangado, como se a palavra estrangulasse sua garganta.



Marilia dardejou-lhe um olhar zombeteiro.



—Quando um clã dominar Perion na batalha, vai controlar tudo o que tem nos arredores. Você controla Edelstein, então sabe bem disso. Vão poder ver tudo o que há, e vão querer melhorar os níveis das coisas em Perion. Pra isso vão precisar de dinheiro — ela sorriu — E vai ter uma aldeia nova dando sopa pra eles cobrarem taxas.



Italo tinha pensado nisso. Controlando a cidade de Edelstein, ele tinha poder sobre tudo no continente, exceto dentro da Mina Verne. Imaginou que talvez pudesse ter problemas com o clã que ganhasse Perion, mas talvez, por ele ter fundado a aldeia antes da guerra... Mas Marilia não parecia encorajar essa segurança.



De repente, ficou zangado.



—Você veio aqui pra me dizer isso? — Italo fechou o punho — Eu sei dos malditos impostos, sei dos puto que vão vir guerreando e querendo a minha aldeia. Se só está aqui pra isso, perdeu seu tempo.



—Vim te rever — mas ela disse isso rindo tanto que Italo sentiu-se bobo — Ai ai, você continua o mesmo. Melhor que continue assim. Eu aprendi um ditado quando virei Pirata: homens mortos não contam histórias. Logo você vai aprender que, no caso, há pouca diferença entre histórias e impostos.



E com uma reverência zombeteira, ela saiu.



Italo pensou naquelas palavras, com várias respostas surgindo em sua mente. "Maldita", foi uma delas. Voltou para a relativa paz de dentro da sua aldeia.



Dark Corpse já estava acordado, franzindo a testa pensativo para alguns construtores que falavam com ele. Próximo aos dormitórios, Vile Slayer analisava um berrante de chifre para Evil Corpse, apontando o bocal e explicando o melhor jeito de soprar.



—Você encosta os lábios bem de leve, uma mão vai perto da boca e a outra apóia lá em cima — levou o berrante lá dentro da boca do cavalo — aeeeeeeeAAAAAAAAAAAAAAAUUUEEEEEEEEEEEEEueeeeaweeeeEEEEEEEEEEEEEEEEEEeeaaaaaweeeeeeeeeeaaaauueeeeeee... Quando soprar, tem que ir variando o tom da terça pra quinta, depois pra tônica e de volta à terça. Tenta você — estendeu o chifre ao espadachim.



—aeHOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO... Não consigo — Rakyaat baixou o berrante, confuso — Vile, acho que é muito difícil — havia tristeza em seus olhos azuis — Acho que não sou bom com isso — baixou a cabeça.



Vile Slayer encarou-o bem por baixo da máscara, pensando, então disse:



—Não, quê isso — ele deitou a cabeça de cavalo, como as corujas faziam — Ficou ótimo! Gostei desse som, sabe de uma coisa... A partir de agora nosso grito principal vai ser esse. O que você acha?



O rosto do espadachim se iluminou quando ergueu a cabeça.



—Sério? Você achou mesmo?



—Ora, só um idiota não veria a catilogência desse belíssimo sopro! — virou-se e viu Italo — Yuhu, Italo! Você é idiota?



—Nah.



—Aí, então você concorda com o novo sopro do Raky. Ops, desculpe, o novo sopro do clã. Vamos tratar de ensinar pra todo mundo — passou um braço no ombro do espadachim que parecia extremamente acanhado, mas muito satisfeito.



Naquela tarde, Italo convocou a todos para uma breve reunião no edifício principal. O aposento do governador ocupava a maior parte do andar de cima e tinha uma longa mesa com cadeiras, onde se sentaram. Italo pôs as mãos na mesa e comunicou-lhes os planos.



—Vamos voltar a upar depois de amanhã, quando conseguirmos as muralhas de pedra. Depois o Conselheiro vai se encarregar de manter a aldeia produzindo, Poke pode vir pegar o dinheiro uma vez por semana. Essa vai ser nossa base secreta por enquanto. Não contem pro resto do clã, deixem que eu conto, e também não vão ficar espalhando.



—A guerra de clãs de Perion está por vir — Rakyaat objetou com hesitação. Ao ouvir isso, Dark Corpse franziu a testa.



—É mesmo, e como Perion vai ser deles, vão saber da nossa aldeia aqui. Ela vai passar pra eles também?



Nisso Vile Slayer soltou um pigarro do fundo da garganta.



—O hue empazina-se com tamanha ignorância demonstrada aqui hoje. Aldeias são propriedades particulares do jogador que a fundou, e somente ele ou Mestres jr. do clã podem fazer alterações nela. O único jeito de conquistar uma aldeia é com armas de cerco, mas nunca vimos nenhuma.



—Então a gente pode manter uma cidade dentro da cidade de outras pessoas, é isso? — Dark Corpse se zangou.



—Impostos — Italo respondeu de má vontade.



—Então o clã de Perion vai poder cobrar tributo da gente — Dark Corpse não parecia feliz com a ideia — Ah, que se dane, a gente tem muito dinheiro mesmo.



—Você não viu o que eu vi na criação de clãs — Italo retrucou — Perion é toda do clã que domina Perion, então mesmo que não possam ter nossa cidade, vão poder entrar nela e nos expulsar se quiserem. É só colocar dez bilhões de mesos por dia como imposto, por exemplo. É que nem morar de aluguel e a gente vai ter que refundá-la em outro lugar.



—Que vai ser conquistado por outras pessoas — Dark Corpse assentiu pensativo — É mesmo. Vamos precisar pensar em alguma coisa.



—Podemos cobrir a aldeia com um cobertor mágico — Vile Slayer sugeriu. Dark Corpse ergueu os olhos.



—Mas, Italo, tem certeza de que eles vão ter autoridade pra mandar a gente pagar? Se ficarmos aqui sem ligar pra eles, o que eles vão poder fazer?



—Bem, não sei. Mas certamente não é algo bom. "ah, vocês têm uma aldeia na minha cidade mas podem ficar tranquilos, não podemos entrar nela porque não somos sócios". Talvez possam mandar guardas da cidade ou pedir pro chefe Balrog tirar a gente daqui, não sei, mas se não nos quiserem aqui, vai ser má notícia.



—Então o problema é um clã conquistar Perion — Dark Corpse observou. Evil Corpse levantou a mão.



—Se pagarmos os impostos, o clã de Perion vai nos deixar manter a aldeia, então? Não tem problema se for só isso, a gente pode vender alguns equipamentos pra conseguir pagar se pedirem muito.



Italo lançpu-lhe um olhar.



—Rakyaat, você dá o cu? Claro que a gente não vai pagar nenhum imposto.



O rosto do espadachim ficou vermelho sob o olhar do líder e pôs-se a balbuciar desordenadamente. Dark Corpse pôs a mão no queixo, suspeitando do que Italo tinha em mente.



—Se não juntou a gente aqui e não é pra pagar, o que vamos fazer?



—Uma coisa que minha ir - amiga me falou — Italo respondeu-lhe voltando o olhar para o pistoleiro — Um velho ditado pirata, Poke, você deve conhecer.



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O céu era de um azul de poucas nuvens, com a Ilha do Torneio no meio delas.



Porto Lith nunca tinha estado tão cheio desde o começo, e Kash nunca tinha tido tanta razão quando dissera que a cidade poderia conter novidades. Ela agora se encontrava longe, com Giu e Noctolia em um navio, mas Thugles falaria da notícia quando respondesse a mensagem que a garota lhe enviara.



Ele e Nick aproximaram-se do mar pelos ladrilhos brancos. Os jogadores aglomeravam-se às centenas, muito embora o torneio só fosse começar dali a dois dias. Abrindo caminho por entre a multidão, descobriram que havia dez barcos que faziam a viagem até o lugar, mas estavam sempre tão lotados que tiveram que esperar vários minutos até conseguirem vez e lugar.



E diante deles assomava a Ilha. Tinha formato de gota apontando para baixo, com um enorme e único edifício circular construído no centro largo e plano. Tinha seis andares e era cheio de buracos, e Thugles logo pensou no Coliseu de Roma. Aquele estava completo, porém, e era branco-cinza e reluzia de tão novo.



A entrada em arco era ladeada por dois gigantes de armadura azul e dourada, segurando lanças longas e escudos do tamanho de elefantes. Entraram, mas o caminho terminava antes de alcançar o meio da arena, em vez disso virava-se para os dois lados na direção das arquibancadas. Uma porta colocada no lado esquerdo do corredor esquerdo levava a algum lugar muito querido, pois a massa de jogadores convergia para lá.



—Não tem como entrar agora — Thugles puxou Nick pela manga — Vamos dar uma volta.



Seguiram o caminho da direita, que contornava a arena por dentro. Havia menos jogadores ali, e também havia escadas que levavam para cima, e subiram pelos andares. Do último andar se podia ver todo o centro lá embaixo: um enorme círculo provavelmente de areia, à vista de todos os lugares das arquibancadas. Nick e Thugles caminharam pelo anel que circulava o sexto andar; três fileiras de arquibancadas divididas em quatro seções, o mesmo acontecendo nos andares inferiores.



Curiosamente, dali não se podia ver Porto Lith, só um céu azul e limpo. Não encontraram nada secreto lá em cima, só mais jogadores que perambulavam pelos assentos vazios.



O térreo ficaria lotado o dia inteiro. Thugles e Nick aproveitaram para treinar suas habilidades em um duelo, que disputaram num dos espaços entre uma seção e outra das arquibancadas. Thugles tinha magia de Cura e várias habilidades de fortalecimento, ao passo que Nick contava com um arsenal de gelo e eletricidade. Também era três níveis mais alto que o amigo. Podia criar um raio que segurava na mão e o jogava em Thugles, e também teletransportar-se e fazer aparecer flocos de gelo que dificultavam os movimentos. Mas Nick era agitado e impaciente, ao passo que Thugles pesava mais os movimentos e agia com maior cautela.



Combinavam que deixar o outro com 40% do HP significava vitória. Nick ganhou seis vezes de um total de oito, embora Thugles tivesse chegado perto. Pararam para descansar e comer, e só quando estava prestes a escurecer é que a Ilha ficou menos cheia. A passagem tinha sido fechada, então ninguém poderia mais entrar, exceto quem já estivesse lá. Desceram as escadas e foram na direção da porta ao lado do corredor onde tantos outros tinham lutado para alcançar.



A porta levava a um corredor longo que guiava para fora do coliseu, na direção de um jardim simples de grama e flores. Um ornamentado edifício fora construído anexo ao maior, ladeado por asas e coroado por um anel com dez pontas horizontais dentro de um mastro grosso que formava a ponta de uma lança. Um arco com a corda puxada estava esculpido em diagonal atirando para cima, mas a flecha era uma espada. Dois cajados formavam pequenas torres enfeitando o telhado, e havia duas pistolas cruzadas acima da elegante porta de mármore.



O interior era ainda mais elaborado que a parte de fora. O piso era de mármore branco, negro onde tocava as paredes. O interior dos cantos era arredondado e continha listras que corriam em harmonia com as curvas. Uma enorme lareira dominava o centro do fundo da sala, e à direita desta havia um balcão de pedra, atrás do qual ficava um trio de homens. Jogadores conversavam nos bancos de pedra nas paredes e nos sofás vermelhos espalhados pelo aposento, mas nenhum falava com os três no balcão.



—Vieram se inscrever para o torneio? — um homem barbudo perguntou quando os dois se aproximaram do balcão.



—Sim — Nick respondeu excitado.



—Ainda não sabemos exatamente o que é esse torneio. Poderia nos instruir melhor? — Thugles empurrou-o delicadamente para o lado. O homem mais velho da direita acenou com a cabeça.



—Certamente. Pois este será um torneio que definirá os melhores lutadores de cada classe e modalidade. Os jogadores serão divididos em grupos de Guerreiro, Bruxo, Pirata, Gatuno e Arqueiro, onde se enfrentarão em combate de cinco entre si. Esta será a primeira etapa.



—A segunda etapa será quando restarem poucos vitoriosos, e então passaremos para o combate entre classes específicas — o homem à esquerda, alto e narigudo, continuou — Soldados contra Soldados, Caçadores contra Caçadores, Pistoleiros contra Pistoleiros e as demais classes.



—E por fim, o combate singular — o homem barbudo concluiu — Quando restarem poucos da segunda etapa, cada jogador enfrentará um outro jogador de sua classe específica. Haverão eliminatórias, quartas-de-final, semifinais e a grande final para cada classe, que decidirá o campeão.



Os prêmios eram mesos, naturalmente, e também equipamentos cuja raridade ia desde equipamentos comuns das oitavas de final até itens lendários dos finalistas. O grande vencedor de cada classe também ganharia habilidades novas, e uma das classes iria receber um prêmio especial, mas nem a classe nem o prêmio foram citados. Os jogadores derrotados seriam transportados automaticamente para uma sala de recuperação, onde ganhariam os prêmios que obtiveram e poderiam decidir se iam embora ou assistiam o resto do torneio.



—O que você acha? — Thugles perguntou ao amigo quando voltavam para Porto Lith — Vai querer participar?



—O Gatts provavelmente não vai deixar — bufou. Havia uma nota a respeito de clãs no torneio, que dois membros do mesmo clã não poderiam participar. Thugles pensou a respeito.



—É verdade. Ele deve querer participar, e além disso ele é o melhor, eu acho. Talvez ele ou o Apha...



—Ele é o líder. Vai querer ficar com a glória — Nick resmungou.



A Ilha do Torneio logo ficou bem para trás – não tinham nada a fazer nela se não fossem se inscrever para as disputas. Responderam à mensagem de Kash e as meninas, e deram por si perguntando o que fazer em seguida.



—Combinamos de nos encontrar, aí elas acham um navio e vão embora — Thugles comentou.



—Estamos melhor sem elas. Vamos já pros lugares mais perigosos!



—A floresta dos zumbis operários parece uma boa idéia, faz tempo que não vamos lá. O que você acha?



—Qualquer lugar com monstros fortes está bom — Nick deu de ombros — Estou cansado de ser carregado pelo Gatts e pelos outros. É hora de a gente voltar a upar como fazíamos antes.



—Até que não era tão ruim — comentou Thugles — Ganhávamos nível muito mais rápido, quando o Donnie e o Apha estavam conosco, e todos os outros. Agora somos só a gente de novo.



—Quanto mais demorar, mais tempo a gente passa treinando — Nick esfregou as mãos — Treinar te torna mais forte. Por mim, a gente demora meses pra chegar a cada nível!



—Certo — Thugles sorriu-lhe, mas era um sorriso fraco que logo se apagou. Desde a Casa Assombrada, tinha que se lembrar que Nick não parecia o mesmo. Aquela determinação não combinava com os modos gentis e amigáveis que o amigo adotava antes daquele dia, e vê-lo desse jeito ainda mandava uma mão gelada apertando seu coração.



—Nick — chamou, mordendo o lábio — Naquele dia lá na Casa Assombrada...



Nick virou-se como um raio.



—Quê que tem?



Algo estranho brilhava nos olhos dele, um azul maligno como o mar denso de uma tempestade. Não serviu para encorajá-lo, mas Thugles sustentou-lhe o olhar com calma.



—Você está diferente. Desde aquele dia não é mais o mesmo. Parece querer mostrar que é corajoso, como se precisasse provar que tem força pra ganhar nesse jogo. Você nunca foi assim, e o que me preocupa...



—Se você se preocupasse — Nick cortou-lhe gelidamente — Eu não teria ficado sozinho com aqueles fantasmas. Não preciso provar que sou corajoso. O medroso é você — cutucou-o no peito com um dedo, com tanta força que machucou.



Depois disso seguiram em silêncio. Thugles caminhava de expressão carregada, pensando no que ouvira. Finalmente tinha desabafado e descoberto que Nick o culpava, mas ele não sentia culpa. Sentia-se vazio. Era como se tivesse finalmente sido poupado de um fardo que vinha carregando havia meses, mas agora que chegava ao destino e o peso lhe fora retirado, não sabia o que mais fazer.



Estavam já em Orbis quando um grupo de jogadores passou correndo por eles, gritando e incentivando-se uns aos outros.



—Espero que suas magias de cura estejam melhores — Nick sorriu para o amigo — Vamos fazer uma boa experiência lá, hein?



Thugles virou o rosto, sem emoção. O sorriso era feroz, cheio de determinação com os olhos brilhantes. Quando demorou a responder, o mago ergueu as sobrancelhas.



—O que foi? Alguma coisa errada?



—Aparentemente, não — Thugles respirou fundo e continuaram a seguir o caminho.



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O céu era uma vastidão azul cheia de nuvens acima deles, e abaixo, o mar era mais escuro e cheio de segredos. Falésias de rocha apareciam por cima do manto marítimo vez ou outra, com água esguichando sobre eles, pequenos demais para atracarem.



O Voyager galopava pelos mares num trote firmado, balançando, subindo e descendo ao sabor das ondas. Seus remos batiam na água com uma cadência ritmada, enquanto as velas enchiam-se com o vento e impulsionavam o barco para a frente. Victarion comandava o leme ao lado de sua cabine de capitão, no palco elevado na popa do navio. Dali podia ver todo o navio e seus NPCs marinheiros.



Estabeleceu o curso e deixou o leme, para poder andar pelo convés. Kash pescava sobre uma amurada, usando uma vara de pescar de madeira e sentada ao lado de um balde, já com um peixe. No outro lado, Noctolia praticava tiro com o arco no mar, sem mudar o ângulo de tiro, tentando fazer com que os lugares em que as flechas caíam formassem uma linha com o mesmo espaço entre os pontos.



Depois ela foi ajudar uns marujos a consertar cordames, e Kash foi aprender alguns nós para aprimorar as velas quando conseguiu pegar quatro peixes. Victarion franziu o cenho para uma rede cinza pendurada entre dois mastros, e andou até lá a passos largos.



—Que folga, hein?



—Nhé — Giu respondeu-lhe abrindo um olho, com os braços atrás da cabeça.



—Suas amigas estão trabalhando no navio agora. O que você vai fazer pra ajudar?



—Sei lá — ela respondeu — Acho que vou descansar mais. Quando tiver uma batalha, tenho que estar bem forte, e não tô muito a fim de ficar pescando.



—Não precisa pescar. A Kash já pescou. É só fazer alguma coisa além de... nada.



Ela fez; virou-se para o outro lado, aninhando mais o corpo na rede. O capitão grunhiu e estalou a língua.



—Edward — berrou — Ice a bandeira azul.



O contramestre enrizou a vela e hasteou outra, um fundo verde com uma espada e uma pistola cruzadas.



O navio deu um solavanco e a rede balançou ruidosamente, desequilibrando Giu de seu descanso enquanto se segurava com força nas bordas. Satisfeito, Victarion deu-lhe as costas e voltou ao leme.



—Pra quê isso? — Kash lhe perguntou ao lado dele.



—A bandeira de busca. Vamos atrás de ilhas marotas com espólios ou acampamentos. Quando encontrarmos, hasteamos a bandeira verde e ganhamos velocidade extra até chegarmos nela. Descemos então e saqueamos tudo o que tiver para levar.



—Não tem problema roubar assim?



—Nenhum — Victarion lhe assegurou — Somos piratas, o navio é feito pra isso. Não me acontece nada se eu roubar no mar, e também, as vítimas são todas NPCs. Nunca encontrei um jogador no mar, além de dois navios que ainda estavam no porto.



Na meia hora seguinte, Giu já tinha se mudado para o topo do mastro mais alto e encontrara uma ilha arborizada e selvagem, com uma praia de areia em um trecho. Ruínas de cabanas e abrigos impovisados de madeira podiam ser vistos mais além da praia, mas não viam ninguém. Victarion mandou içar a bandeira verde, estacionaram e desceram.



Não havia sinal de habitação, mas Kash encontrou um pequeno baú de mão com alguma quantia em mesos, e entre rochas submarinas na costa achou um anel de esmeralda. O capitão ficou com tudo; pagaria a tripulação, venderia o que tivesse de valor e dividiriam o que obtivessem depois.



Velejaram de volta sob a bandeira azul, à procura de mais ilhotas com prêmios para coletar. A próxima veio sem que Giu precisasse ver(mesmo porque ela estava de volta à rede) e não ficava no meio do mar, mas do céu.



—Aposto que seu navio não alcança aquilo — gracejou Noctolia ao lado dele. Victarion tinha olhos de águia postos na ilha. Era enorme, uma ilha de terra com habitações bem lá em cima.



—Veremos. Estamos perto de Porto Lith, pode ser que consigamos alguma informação lá.



O porto estava cheio de pessoas embarcando em navios que levavam para a ilha lá em cima. Antes que tivessem tempo de perguntar do que se tratava, um pedaço da multidão se destacou e amontoou-se em frente ao casco do navio. Jogadores discutiam entre si sobre quem tinha chegado primeiro, até que Victarion ergueu-se da amurada e falou:



—Saiam daqui, vocês! Este é um navio pessoal, não de transporte.



—Disse o cara que leva gente por dinheiro — Giu respondeu atrás dele. Victarion a ignorou e os jogadores abaixo deles insistiram.



—Pô cara, leva a gente aí né...



—Eu vi vocês chegando da ilha. Não tentem nos enganar — insistiu outro —Podemos pagar pelo transporte.



Os jogadores insistiram tanto que Victarion deixou dez deles entrarem, e virou o navio em direção à ilha. Um barco de passageiros seguiu perto deles e inclinou-se, para voar e ganhar altura em direção à ilha que flutuava. Um rapaz de roupas de couro amarelo aproximou-se do capitão.



—Qual é! Não vão começar a voar?



—Seu nível de Honra é amarelo — observou Victarion. O de todos eles era ruim; laranja claro ou amarelo, nenhum verde — E por me encherem o saco são mais alguns pontos perdidos. Talvez um mergulho salgado lhes ensine a lição — deu-lhes as costas.



Os marujos do Voyager surgiram dos bancos dos remadores, dos porões e dos galpões secretos, brandindo armas e empurrando os infelizes jogadores pela amurada afora. Eles resistiram, mas caíram sob o número de marinheiros e o desequilíbrio do casco do navio. Por alguns instantes o navio foi preenchido com o som dos corpos caindo na água, debatendo-se enquanto praguejavam e lutavam para flutuar.



—Acabo de decidir que é cedo para irmos até lá — Victarion anunciou — Edward, ice a bandeira azul.


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