Um mundo além do mundo escrita por Lobo Alado


Capítulo 29
O que se tem, o que se pode ter e nada mais


Notas iniciais do capítulo

Olá, amigos!
Trago a vocês este aqui. Ele é muito especial, por isso cuidem bem dele, não o deixem cair nem quebrar... Foi muito difícil ter de entregar-lhes, eu poderia ter guardado para mim e não expor a vocês essas tolices tão especiais para mim.
Hahahahah, brincadeiras à parte, no final, entenderão o por quê desse discurso.
Aí está o capítulo, espero que gostem!



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Eragon sentiu o sol pelas pálpebras vermelhas abscindindo sua visão. Escutava o vento varrendo-se por algum motivo. Ainda dormitava de olhos fechados em sua cama.

Abriu os olhos e sentou-se. A primeira coisa que viu foi Undbitr repousando em cima da lareira. Era estranho imaginar as aventuras pelas quais aquela espada já havia passado, e agora ela estava ali em seu quarto de pedra, a espada que, nas mãos de seu pai, acompanhara uma história. Sempre pensara algo parecido sobre Zar’roc, só que era bem mais sombrio com a espada vermelha.

Levantou-se e seguiu pelo túnel da escada que dava na sala de sua caverna, lembrando-se dos dias anteriores. A Rainha Arya conhecera Venora, e conhecera e reconhecera cavaleiros já treinados e aprendizes cujos alguns ela mesma enviara para a ilha.

Mas Eragon não conhecera a Rainha Arya. A imagem de orelhas pontudas e olhos verdes era a mesma, mas ele não conseguira associá-la àquela companheira de batalha e treinos, ou àquela que acompanhara de longe seu treinamento com Oromis, com toda aquela cautela de observação...

Quem ele via era alguém ponderando felicidade por conhecer a cidade dos cavaleiros, mas não da forma que faria a de antes.

Ele compreendia que ela era uma rainha, e sua postura e comportamento eram o esperado, mas não compreendia como ele não podia ter imaginado que seria desta forma no inicio.

Ainda assim Eragon sentia-se confortável em saber que compreendia agora, e que era capaz de controlar seus sentimentos perante ela, mas, acima de tudo, sentia-se confortável em saber que ainda sentia o mesmo por ela, e que um sentimento dilacerador voltara ao seu coração, e ele gostava.

Eragon chegou à sala com um sorriso inesperado.

Na grande mesa redonda estava sentada Niarël, com os cotovelos apoiados nela e o queixo sob as mãos. A meia-elfa parecia sonolenta. Sua espada azul esverdeada estava justaposta, desembainhada em cima da mesa.

– Bom dia, Niarël. – Eragon sentou-se na mesa, perto dela.

– Ebrithil... – Ela sorriu-lhe um pouco desanimada.

Niarël era a mais jovem do navio quando Eragon partiu da Alagaësia, e, fora Blödhgarm, era com quem mais ele convivia. A mãe da jovem que na época era apenas uma criança de onze anos, dissera para o Cavaleiro tomar cuidado com sua filha, e até o ameaçara para que ele tomasse o devido cuidado.

Desde esse dia, Eragon viu-se com uma responsabilidade que nunca imaginara ter desde que se tornara Cavaleiro... cuidar de uma criança.

Niarël era inteligente, e era mais humana que elfa de acordo com sua personalidade, e isso era compreensível, ela passara seus onze anos inteiros de vida em Ceunon, uma cidade do império, com o pai.

Os anos passaram, Eragon construía um lar para os Dragões, e Niarël era como uma filha para ele. A jovem o procurava para tudo, não só para aprendizagem como Cavaleira, mas para conselhos amorosos, compartilhar frustrações... ele era o seu refúgio quando estava triste, e espelhava-se totalmente nele.

Quando o ovo de Lïnus rachou para ela, a convivência entre os dois tornara-se mais forte.

No dia em que Niarël tornou-se uma Cavaleira de fato e recebeu sua espada, contou à Eragon sobre seu sonho de ser a embaixadora da Ordem na Alagaësia. Eragon ficara orgulhoso, mas um pouco abalado em saber que ela iria se distanciar tanto. A jovem havia se tornado alguém tão especial quanto Roran, Nasuada ou Arya em sua vida. Foram muitos anos, e ele a vira crescer.

– Niarël, está tudo bem? – Ele olhou para a espada e para os olhos sonolentos dela. – Você passou a noite acordada. – Ele concluiu pouco contente. Niarël vivera e crescera com Eragon depois de sua partida para a ilha, e era frequente ele encontrá-la acordada no meio da madrugada, sentada na mesa redonda.

– Não se preocupe com isso, Ebrithil... – Disse ela olhando para a entrada da caverna.

Eragon franziu o cenho.

– Apenas me responda, está tudo bem?

Ela comprimiu os lábios e seu queixo tremeu.

– Não... não me sinto bem. – Ela disse, e ele soube que se dissesse mais, choraria.

– Onde está Lïnus? – Perguntou ele com a voz baixa.

– Eu pedi que ele me deixasse sozinha. – Uma lágrima derramou-se dos olhos cor de mel, que estavam vermelhos.

– Sente vontade de falar? – Aproximou-se dela.

A garota estava com os cabelos presos em uma trança já desarrumada pelo vento.

– Ebrithil... antes dos Eldunarí me trazerem de volta, eu estava em Ceunon. – Ela jogou-se para os braços de Eragon apertando-o com força. – Meu pai morreu, Ebrithil, ele morreu sozinho, sem ninguém que o pudesse ver partir, e eu nem ao menos soube. Minha mãe continua em Ellesméra, provavelmente sem saber de nada... – Ela apertou Eragon mais forte. Chorava alto. – Minha linhagem acabou, Ebrithil... Minha mãe nunca encontrou e nem encontrará alguém que não for meu pai. E eu... eu sou um erro, um híbrido... não pude dar a meu pai a alegria de ter netos, e nunca poderei dar a ninguém, nem a mim mesma, a alegria de ter filhos.

Eragon desfez a trança da mais nova enquanto ela falava. O estomago dele se revirava ouvindo a história dela.

– Chore... – Eragon disse enquanto penteava os cabelos loiros dela. Ele não queria perturbá-la com lamentos ou motivações, aquele não era o momento. Apenas penteou os seus cabelos e a consolou até que ela adormecesse em seus braços.

Ele segurou-a delicadamente nos braços e a levou para o quarto. Ela grunhiu quando ele deitou-a na cama.

– Descanse... – Ele sussurrou e beijou a testa da aluna.

Sentou-se em uma cadeira ao lado da cama e observou-a dormir, entristecido pela situação dela. Um nó se formou em sua garganta enquanto ele lembrava. A garota sempre fora tristonha e não foram poucas as vezes que ele a levara para a cama depois de ela dormir aos choros em seus braços, na madrugada.

Saber que o pai da garota estava morto fazia Eragon pensar em como a união entre um elfo e um humano terminava de forma triste. Ele permaneceu do lado da cama até que Niarël acordasse.

Ela revirou-se de um lado para o outro, suada, e então levantou abruptamente. Esfregou o rosto e tirou os cabelos do rosto. Só então percebeu Eragon ao seu lado.

– Como se sente? – Perguntou o Mestre.

– Minha cabeça dói. – Ela sentou-se na cama, de frente para ele. – Ebrithil, por quanto tempo ficou aqui? Não quero que atrapalhe seus afazeres por minha causa...

– Não estou atrapalhando meus afazeres. – Disse num tom asseverado. – Você não me atrapalha. – Ele sorriu tentando transmitir o mínimo de paz para a garota perturbada. – Você me concederia um passeio? – Ele estendeu a mão.

Niarël assentiu fracamente.

Eragon guiou-os pelo ar, levitado suavemente sustentando o próprio peso e o da meia-elfa até alcançar o chão. Eles mergulharam nas por entre as arvores da floresta branca, sentindo as grandes folhas brancas raspar na pele. Por um instante Eragon viu a mais jovem sorrir.

Pousaram no solo verde escuro e sombreado. Eragon respirou o ar da floresta, era pesado e vivo, com cheiro de tudo o que o vento carregava encoberto pelas arvores.

– Lembra-se da primeira vez que vimos este lugar? – Perguntou ele. – Você correu por aqui e sumiu de minha vista.

– Você me alertava que era perigoso e não conhecíamos o lugar. – Ela sorriu. – Eu era tão pequena, e tudo parecia uma brincadeira para mim... a partida da Alagaësia, encontrar este lugar... Para mim era tudo tão natural como uma brincadeira. – Ela deambulava pela floresta olhando para os troncos cinzentos e retorcidos. – Eu tinha onze anos e deixava meu pai para trás.

Eragon suspirou silenciosamente.

– Seu pai viveu por você, sei que você sabe.

– Eu teria vivido por ele, já que não posso viver por um filho. – Ela abraçou um tronco de arvore cinzento, como fazia quando era criança.

– Niarël, não lamente por algo que não pode ter. Você é o que é... uma híbrida. Caso não fosse, não seria você mesma, e de que isso valeria? – Perguntou ele esperando a resposta dela, não era uma pergunta retórica. – De que isso valeria, Niarël?

– Não sei, Ebrithil, eu não posso saber. – Ela respondeu com os olhos cansados, ainda abraçando a arvore.

– Não valeria, Niarël, não para o que você é. Ouça-me, você tem coisas ao seu redor, você tem pessoas em sua vida. Pessoas que se importam com você são como pais, são como filhos, são como irmãos... são o que temos, é o que você tem... o que poderia ter não importa neste caso, pequena. – Ele se aproximou dela. – Olhe para mim, olhe... – A garota olhou-o hesitante. Ele sorriu. – Não acha que também sou um meio-elfo de uma certa forma?

Ela franziu as sobrancelhas, observando-o.

– Talvez...

Eragon assentiu.

– Eu não tenho filhos, Niarël, mas você é como uma para mim.

A mais nova deixou a arvore e foi até Eragon. O abraçou, e ele pode sentir a fraternidade que ela transmitia.

– Você sempre será meu pai, Ebrithil. – Ela chorou. – Eu agradeço a você por eu ser quem sou. Devo-lhe tudo.

Eles caminharam pela floresta lembrando-se dos anos passados e contando suas respectivas novidades. Nisso, alcançaram o rio transparente e o final da floresta. O sol da manhã brilhava nos rostos dos dois.

– Ebrithil... – Niarël chamou, escondendo o rosto do sol.

– Diga. – Eragon caminhava com os braços cerrados às costas. Ele estava ansioso, sua presença era importante na cidade, principalmente com a Rainha do Elfos estando na ilha, mas Niarël precisava daquele momento, e ele não podia ir.

– Sei que você já disse, mas... – Ela franziu o cenho, perturbada. – Aquele Ariän, você não sabe mesmo o que ele é?

Eragon suspirou.

– Bem, não de verdade, mas que ele é muito poderoso é evidente. – Respondeu o Cavaleiro. – Eu tenho certo tipo de respeito por ele, e ele me respeita de uma maneira... peculiar. – Ele sorriu. – Ele diz que saberei tudo sobre ele, mas me pede paciência, e é o que tento ter.

Niarël franziu as sobrancelhas.

– Isso não é estranho?

– Pode-se dizer que paciência é o mínimo que tenho que ter... mas é cada vez mais difícil. Como você sabe, Baöh, o dragão dele, cuspiu fogo pela primeira vez há pouco tempo, e ele tem pouco mais de dois meses de vida, mas... o que posso fazer? – Ele abriu os braços. – Bem, eu gostaria de ter mais tempo, Niarël, mas temo que seja exigido em Venora...

– Sim, Ebrithil. – Ela o interrompeu. – Não se preocupe, vá... e obrigado, mais uma vez.

Ele assentiu e sorriu. Saphira surgiu quase que imediatamente, tão veloz quanto grande, sombreando o campo onde os dois meio-elfos estavam. Ela pousou reverberante.

Eragon escalou a perna do dragão e acenou para a aluna, que devolveu o aceno. Saphira saltou o mais suavemente que podia e voou ao nível das arvores brancas.

Com o passar das batidas, Saphira estava no alto, e Eragon aguardava a cidade com as mãos na cela. Niarël não saia de sua cabeça... ele lhe dissera tudo aquilo, mas não podia negar que o destino havia sido cruel com a jovem...

...Mas segundo Ariän, o destino não existe. Saphira interferiu.

E o que você acha? Você concorda com ele? Perguntou Eragon.

Eu faço meu caminho o quanto posso... algo maior que possa interferir não está ao em meu alcance de controle ou compreensão. É uma grande arrogância achar que se pode saber de tudo, então, posso concordar com Ariän.

Eragon via alguma verdade nos dois lados, mas deixou de pensar sobre isso no momento.

Eles estavam chegando à cidade quando avistaram um dragão verde no céu. Era Fírnen. O dragão vinha veloz, passou por Saphira com um rugido e Arya acenou para Eragon com um rosto feliz. Eragon acompanhou o Dragão verde com o olhar, e Saphira virou-se imediatamente para segui-lo.

Os dois dragões circundavam-se. Então Saphira disparou para frente, em direção à floresta branca. Eragon olhou para trás para ver Fírnen os seguir.

Saphira pousou entre duas das arvores gigantes, logo no inicio da floresta, às margens do rio transparente, em um ponto onde ele era especialmente largo. A grama verde era mais clara que dentro da floresta.

Eragon desceu da perna do dragão e retirou Brisingr da bainha. Enterrou a espada azul no chão até a metade da lâmina, sentou-se e esperou pelo dragão verde, com o coração aos saltos.

O verde Fírnen mergulhou e abriu as asas já perto do chão. O sol trespassava as membranas de suas asas, ganhando o brilho esverdeado delas. Arya saltou da cela e caiu agachada, quase no mesmo momento que ele pousou.

Saphira deu algumas passadas rápidas, de asas batendo, até o dragão verde e colou o focinho no dele. Assim que libertos, os dois começaram a saltear, de frente um para o outro. Logo depois levantaram vôo.

Arya sorria observando os dois se distanciarem.

Matador de Reis estava sentado de pernas cruzadas, de frente para Brisingr. Arya virou-se, e ele lhe sorriu simplesmente, aquecido pela presença dela.

A elfa vestia calças de couro negro e botas também negras, usava uma camisa verde cinza sem mangas, com cordões pretos na parte da frente.

– Eragon... – Ela o cumprimentou.

– Arya Dröttningu. – Ele cumprimentou-a de volta, então percebeu seu erro. – Arya Dröttnig! Perdoe-me, é que está... Jovial nestas roupas. – Disse ele com cautela.

– Isto foi um elogio? – Disse ela divertida.

– Uma observação. – Disse ele levantando uma sobrancelha. – Creio que já viu a floresta branca...

– É tudo o que eu podia imaginar. – Disse ela olhando para as arvores à sua frente. – Você encontrou um ótimo lugar, Matador de Espectros. – Ela sorriu para ele.

– Quando encontrei esta floresta, senti algo muito forte, uma sensação tão boa...

– Eu posso imaginar. – Fechou os olhos e ergueu a cabeça. Os cabelos dela nadavam no vento. – Gosto do som que elas fazem. – As folhas raspavam uma na outra fazendo o tilintar cristalino peculiar das arvores brancas. Era um som divino.

Arya ainda estava de olhos fechados. Támerlein pendia em sua cintura. A elfa abraçava os próprios braços ouvindo o som das árvores.

Eragon observava-a enquanto ela estava de olhos fechados. Então lembrou-se de quando viu Arya pela primeira vez desde que ela havia se tornado Cavaleira. Lembrou-se da fairth que fizera e teve uma idéia.

Olhou a Cavaleira, ali em pé, e murmurou algumas palavras na língua antiga, sem que ela ouvisse. As águas do rio transparente tremularam, e uma bola cristalina de água ergueu-se no ar e foi até ele.

Eragon prosseguiu satisfeito. Lembrou-se das adormecidas aventuras pelas quais passara na Alagaësia, desde quando encontrara Arya em Gil’ead até a sua partida, quando sussurrou o seu verdadeiro nome. Ele focou-se nas lembranças, e sussurrou as palavras. Por fim, o mais baixo possível, como o mais secreto dos segredos poderia merecer, ele sussurrou o verdadeiro nome da elfa.

A água transparente e brilhante ao sol foi ganhando cores. Os pigmentos passeavam felizes pelo líquido até ganhar a forma...

...Mas não a forma que ele queria.

Lá estava a elfa, mas ela não trazia a intensidade verdadeira dela, não trazia o que ela era de verdade. Eragon franziu o cenho e seu estomago embrulhou-se com a decepção. Então percebeu, chocado, que o nome verdadeiro dela havia mudado. Eragon desfez imediatamente a fairth, antes que ela abrisse os olhos, e levou a bola de água de volta para o rio, com um nó na garganta.

Olhou novamente para Arya, procurando saber o que havia mudado nela, mas não haviam convivido pelos últimos quinze anos, e só a convivência contínua poderia lhe dar esta resposta. Aterrorizou-se com a perspectiva da partida dela, de volta para Ellesméra.

Como não pude pensar nisto? Questionou-se. Meu próprio nome mudou, como não pensei nesta possibilidade?

Então percebeu que ambos não tinham mais o verdadeiro nome um do outro. Ele segurou o cabo de Brisingr, fincada no chão e pôs-se a pensar.

– Eragon... – Disse Arya já de olhos abertos. Seu rosto estava sério. – Algum problema?

Eragon olhou-a nos olhos por algum tempo, sem se preocupar com a intensidade. Ela também o olhava, mas ele não conseguia ver as sutilezas da mudança que lhe ocorreram.

– Não. – Respondeu ele levantando. – Arya, você me concederia um duelo? Eu gostaria de ver como terminaria. – Arrancou Brisingr do solo.

Arya olhou para a espada azul e depois para Eragon, com o rosto como uma máscara.

– Você já está de espada em mãos... – Ela respondeu depois de retirar Támerlein da bainha.

Os dois circundaram-se. Eragon olhava para os olhos dela, tentando arrancar algo de seu rosto. Na verdade, o duelo era uma desculpa para tentar ganhar alguma proximidade do ser dela. Tentar recuperar a afinidade que tinham.

Eles andavam em círculos, sem desgrudar o olhar um do outro. Passos e passos foram dados, mas nenhum dos dois avançava, como que em concordância de que aquele não era o momento.

Os olhos dos dois estavam cravados um no outro numa intensidade que os colocava em uma frequência única. Eragon podia não saber mais o verdadeiro nome de Arya, mas ainda a conhecia bem o suficiente.

Ele finalmente atacou, tendo a convicção de que era o momento. Ele sabia que ela apararia o golpe, mas foi isso que o deixou feliz, quando os dois aços encontraram-se foi como se merecessem um ao outro, e o barulho foi um acordar para Eragon.

As sequências de golpe seguiram-se como uma curta dança antes de os dois separar-se novamente. Circundaram-se, agora mais agitados, o coração de Eragon batia forte enquanto ele observava o rosto corado da elfa.

Ela avançou quase que imediatamente, depois que se separaram, surpreendendo-o. Ele defendeu os golpes com dificuldade, mas conseguiu libertar-se e afastar-se. Teve mais cautela depois disso. Pôs-se a observar tudo, ter a atenção de tudo o que acontecia em sua volta. Os sons, os cheiros, as cores os movimentos, a grama que afundava-se quando pisava, a água que corria pelo rio, os braços tensos de Arya, a respiração dela, e com o passar das circundadas, o bater do coração dela. Eragon estava conectado com o ambiente, ele via o que estava olhando.

Olhava nos olhos de Arya, mas tudo era perceptível. A elfa sorriu de olhos cerrados, os olhos estreitaram-se e o sol atingiu-os. Eragon não abalou-se com o sorriso quente dela, continuou caminhando em círculos, esperando o momento certo.

Quando avançou, tinha a certeza. Fez Brisingr enganar o ar com uma grande velocidade, ultrapassou a guarda de Arya e atingiu-a no quadril. Ela deixou a espada cair com um grito, mas enquanto caia atingiu Eragon atrás do joelho com um chute. Ele caiu sem sustento, com as costas no chão, viu-se com a espada de Arya no pescoço, e a elfa por cima de si.

...Mas Brisingr também encostava o belo pescoço da elfa. Ela olhou surpreendida para espada, então sorriu. Saiu de cima de Eragon e deitou-se ao seu lado.

– Morremos. – Disse Eragon.

– Sim... quer continuar até provar que é bom o suficiente para me derrotar? – Perguntou ela arfando.

– Se você estiver disposta... – Ele sentou-se. Olhou para ela. O corte no quadril que ele havia lhe feito com Brisingr sangrava. – Mas primeiro, deixe-me curar isto. – Ele levou as mãos ao quadril dela.

– Eu mesma faço isto.

– Deixe-me fazer. – Pediu Eragon olhando-a nos olhos entre os cabelos negros dela.

– Vá em frente. – Ela assentiu.

Ele cobriu o ferimento com as mãos, levemente, e sussurrou as palavras. Ela estremeceu quando a pele começou a reorganizar-se e regenerar-se de dentro para fora. Limpou o sangue também com magia e segurou as mãos dela.

– Vamos. – Ele puxou-a pondo-a de pé.

Levantou Brisingr à altura do peito, como ela fez com a espada verde. E eles voltaram aos círculos, naquela dança peculiar que criaram.

*

Eragon abaixou a espada de repente, arfando.

– Não importa mais... – Disse ele. – É o suficiente. – Disse rindo de seu cansaço.

Arya abaixou a espada, parecendo aliviar-se. Nenhum dos dois conseguiu levar vantagem no duelo, apenas esgotaram-se a troco de nada.

Eragon deitou-se na grama olhando para o céu entre as folhas brancas da arvore atrás de si. O sol estava no topo, e Eragon nem sequer havia pisado em Venora, mas ele não podia deixar aquele momento passar.

Arya deitou ao seu lado. Os dois respiravam intensamente.

– Parece que você não relaxou nos últimos quinze anos... – Disse Eragon. – E Ellesméra? O que aconteceu por lá? Esta sua decisão de vir para Kormodra, existe algum motivo específico?

– Na verdade, não... – Ela sentou-se com as mãos apoiadas nas pernas esticadas. – A floresta dos elfos sempre foi um lugar mais monótono do que as outras partes da Alagaësia, e quando os novos cavaleiros finalmente surgiram, não vi o porquê de não visitar a ilha... Sempre ouvi por Cavaleiros como as coisas seguiam por aqui, e nada realmente me impedia. – Ela olhou para ele e sorriu. Mas desta vez foi diferente, ela nunca olhara para ele daquela forma, nunca lhe presenteara com um sorriso como aquele. – E vejo agora que nada era exagero, Eragon, o que você fez aqui é fascinante. É um consolo para aqueles que sofreram durante a queda dos Cavaleiros. A ordem está reconstruída, olho para o céu e vejo asas batendo, Eragon, graça a você. – Ela pousou a mão na sua, acariciando-o. – Obrigada.

– Era o que eu deveria fazer como Cavaleiro de Dragão. –Respondeu ele, tocado pelas palavras dela. Significavam muito para ele.

Ele olhava insistentemente para ela, mais uma vez. Não conseguia parar de fazê-lo, não conseguia parar de decifrá-la.

Levantou-se e foi molhar o rosto nas águas do rio. Olhou para o próprio reflexo e lembrou-se do longo duelo que teve com a elfa... E voltou ao ciclo de relembrar e juntar tudo o que sabia sobre ela. Insistentemente ele falou as palavras na língua antiga, fazendo os pigmentos transformarem a superfície na imagem de Arya...

Lá estava aquela com quem duelara. Aquela que conhecera, aprisionada em uma cela em Gil’ead. Aquela que matara o dragão negro com uma Dauthdaert, e aquela que voltara para um mundo com Cavaleiros de Dragões. Ele ficou satisfeito pela fairth ter saído bem mais fiel que a primeira.

Hum... talvez eu possa melhorar ainda mais. Refletiu ele.

Então sentiu os passos na grama, atrás de si. Olhou para trás. Arya fitava a própria imagem, com o cenho franzido, um pouco perturbada. Ela recuou em resposta.

– Arya... – Ele chamou-a, mas não sabia ao certo o que dizer.

A Rainha aproximou-se e deitou de bruços, olhando para a fairth com intensidade em uma expressão de fascínio. Um ligeiro sorriso surgiu em seus lábios.

– Arya, eu... – Ele suspirou. – Eu não sei se ainda a conheço... não da forma de antes. Eu... nós passamos tanto tempo longe. – Ele formou um nó na garganta. Não poderia deixá-la partir sem a segurança de saber que não apagaria ela totalmente da memória. Ele nunca mais voltaria para a Alagaësia, e talvez nunca mais a veria.

Arya olhou para ele com os olhos tão fincados que ele sentiu vontade de esconder-se.

– Você sabe quem eu sou. – Ela levantou-se. – Diga quem eu sou.

Eragon franziu o cenho.

– O que...

– Diga-me, Eragon. – Ela segurou suas mãos com suavidade e o ergueu. – Quero ouvir de você...

Eragon, sem nenhum estorvo ou embaraço, mas com o coração fervendo, olhou-a uma ultima vez antes de arriscar. Colou os lábios em sua orelha pontuda, e no menor sussurro que conseguiu entregou-lhe suas conclusões.

Desgrudou-se dela e observou-a abalar-se com a citação da extensa frase. Ela arrepiou-se e abraçou a si mesma, esfregando os braços.

Eragon sorriu com a resposta da elfa ao verdadeiro nome. Ela havia lhe permitido desvendar quem era. Ele estava extremamente feliz naquele momento, e orgulhoso por decifrar as sutis entrelinhas das mudanças dela.

– Obrigado. – Ele disse. Obrigado por não partir sem este alívio. Completou para si mesmo.

Ele ficou calado por um tempo, olhando para a grama verde. Então finalmente levantou os olhos.

– Eu estou orgulhoso de você, Arya Dröttning. – Ele disse na língua antiga. – Você mudou, e ter conhecimento disto é uma honra para mim. Seu nome é algo de que você deve se orgulhar, e minha admiração por você não poderia ser menos intensa. – Ele a deixou a par daquilo.

Eragon deu um passo à frente aproximando-se dela.

– Agora, Arya – Ele continuou na língua antiga. – Você me reconhece?

Arya aproximou-se e também colou os lábios na orelha de Eragon. Ele aguardava o seu nome verdadeiro. Quando ele saiu dos lábios de Arya e todo seu ser tremeu, o alívio foi escaldante.

Arya retirou os lábios de sua orelha.

– Eragon, seu nome não é nada menos do que eu podia esperar. – Ela disse na língua antiga. – Suas mudanças são não só o melhor para si, mas para a infinidade de pessoas que precisam de você. Também me sinto orgulhosa de quem é, e também o admiro. Agradeço-lhe, acima de tudo, por tudo o que fez. – Ela pareceu hesitante, mas ainda assim continuou. – Sinto-me feliz em saber que sua admiração por mim não mudou, e quero que tenha a certeza de o quão importante você é em minha vida.

Eragon assentiu.

– Eu tenho.

Ele aproximou-se mais ainda dela, querendo que não houvesse mais distancias nenhuma. Não havia mais nenhuma barreira entre o que ele via e o que ela era.

Eragon envolveu o rosto de Arya com uma mão, acariciando-a. Passou os dedos por sua orelha pontuda e aproximou o rosto, sem tirar os olhos dos dela, tendo a certeza de que não havia relutância ou resguardo por parte da elfa. Fechou os olhos e deitou os lábios nos dela.

A carne macia respondeu ao toque, os lábios dançavam em harmonia, em concordância de que queriam um ao outro. Eragon beijou-lhe o pescoço e voltou a olhar para ela. Sorriu.

– Arya Dröttning. – Ele disse segurando ambas as mãos da elfa e sentou-se na grama, puxando-a para seu abraço.

De repente, Arya ficou tensa.

– Não devíamos... – Ela disse, olhando-o com o rosto sério. – Eragon, o que será agora? Temos mundos distanciados, responsabilidades opostas... não podemos sustentar isto, é impossível.

– Arya, o que será, será. – Disse ele segurando em sua cintura, com o rosto enterrado nos cabelos negros e cheirosos. – Vivemos em mundos diferentes, mas este momento é igual para nós dois. Estamos aqui agora. – Ele segurou-lhe o queixo e provou mais uma vez da boca morna que tinha ela. – Há uma luz no céu, Arya, e nada sabemos sobre ela. – Ele falou com a testa colada na dela. Lembrou-se das palavras de Ariän. – O amanhã será, com toda certeza... Mas só amanhã.


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Notas finais do capítulo

É...
Eu tenho que dizer, novamente, que esta passagem, novamente, me deixou muito inseguro e, novamente, não acredito que a fiz... Espero, novamente, não ter decepcionado.
Ao menos tenho certeza de algo, cumpri uma meta fundamental: O capítulo agradou-me imensamente - Talvez até um pouco mais do que os outros capítulos... este foi muito especial para mim - , e estou super feliz por continuar escrevendo.
Espero que tenham gostado, e aguardem o próximo!
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23/08/15



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