Um mundo além do mundo escrita por Lobo Alado


Capítulo 10
A Chama do Inverno


Notas iniciais do capítulo

Bem, ai está o capítulo, espero que gostem...
Sinto-me feliz por voltar a escrever, e as idéias não param de surgir, mas vou primeiro desenvolver as idéias que já tenho, não quero sobrecarregar a história e acabar estragando-a, bem, sem mais, leiam e esperem pelo capítulo do próximo mês.
Se acharem o prazo longo demais, podemos conversar.



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A água que rodeava a pequena jangada era fria, escura, revolta e misteriosa. Estendia-se muito à frente e ainda não havia sinal de terra firme.

Atrás de Serje estavam as montanhas da espinha, e penetrando mais ainda entre elas estava Carvahall. A cidadela que relutou em deixar... Sentia-se horrível por fazê-lo, mas não havia mais escolha. Tudo estava uma confusão, os próprios soldados que defendiam a cidadela voltaram-se contra ela e começaram a massacrar as pessoas nas ruas e outros soldados. O próprio Serje foi alvo de flechas diversas vezes, e não havia mais nada que pudesse fazer, Albriech havia sumido, a multidão corria desordenadamente... O que um homem só poderia fazer? E um exército que não sabia exatamente quem deveria atacar?

O que perturbava Serje era quem teria elaborado o ataque, e como soldados infiltraram-se entre os de Carvahall, deixando a fortaleza totalmente vulnerável. Torcia para que a notícia chegasse até a rainha ou a Martelo forte. Albriech tem de estar vivo... tem de levar a Noticia à Rainha, Raios! Pensava enquanto trabalhava com o remo de um lado para o outro.

Estava sem esperanças quanto à isso, Carvahall estava derrubada e talvez... talvez ninguém tenha resistido. Viu vários de seus amigos perecidos no chão. Não havia sinal de Ismira nem de Hope... Aquilo o abalou muito, mas não permitiu-se chorar. Nada ele podia fazer à respeito, ali, entre as ruínas da cidade.

O ovo que os elfos haviam levado para o festival havia sumido, ele ainda lembrava-se dele: Cor de mel, translúcido e magnífico demais para ele. Com certeza os cavaleiros viriam ajudar, mas até que viessem... Não, o que deveria ser feito era avisar a Rainha. E ele faria isso.

Tudo estava um caos quando Serje decidiu o que fazer, Iria sair dali e avisar ele mesmo à Rainha o que estava acontecendo. O portão sul estava bloqueado e infestado de soldados que ele não poderia reconhecer como amigos ou inimigos. Não lhe restou escolha a não ser o portão norte da cidade, para seu desgosto também estava sendo vigiado.

Serje então escalou a muralha esverdeada, livrando-se das pedras que eram atiradas do alto em sua cabeça. A parte mais difícil foi a descida, a parte externa da muralha estava completamente coberta de lodo, e ficava difícil apoiar os pés enquanto segurava a corda. Ao final da descida, com os braços ardendo, decidiu ir para a cidade mais próxima, a única opção que lhe restou foi Ceunon. Então construiu uma Jangada com cascas grossas de arvores da encosta das montanhas... e lá estava ele, atravessando a baía de Fundor, em direção a Ceunon.

Seus braços ainda ardiam e o sol já nascia a leste, e Ceunon ainda recusava-se a aparecer no horizonte. Não havia tempo para descansar quando chegasse à cidade, imediatamente iria procurar o governante e pedir ajuda. Ceunon era muito indiferente com relação aos problemas do resto do império, mas Serje sabia que não negariam ajuda, no mínimo mandariam uma mensagem à Rainha.

Serje já estava exausto e o sol já havia se erguido muito no céu coberto de nuvens de inverno quando a terra firme apareceu, e a media que Serje aproximava-se as primeiras construções da cidade também apareciam no horizonte.

Abandonou a jangada quando chegou às águas rasas, e lavou-se nelas que eram congelantes, até chegar à margem. A pele de Serje ficou fria como gelo quando o vento deslizou por ela ao sair da água.

O inverno estava menos intenso ali do que em Carvahall, seus pés afundavam na neve, mas não havia mais que trezentos metros até acabar em campos verdes e frios.

À sua frente erguia-se a muralha de Ceunon, feita toda de madeira. Não lhe parecia segura, caso houvesse um ataque, mas lhe era muito bem-vinda depois de todo caos de Carvahall.

Aproximou-se com a espada escondida pela capa e com rosto coberto pelo capuz. Dois soldados estavam sentados em barris ao lado do portão de madeira, que estava completamente erguido. Serje passou por eles hesitante, mas para sua sorte nenhum deles fez sequer um movimento para barrá-lo. Se tivessem atacado Ceunon ao invés de Carvahall! Pensou ele, mais perplexo do que aliviado.

As construções da cidade eram, em sua maioria, de madeira. Grandes casas de madeira vermelha com varandas espaçosas, em meio à pequenas casas de telhados de palha baixos e à construções de andares grandiosas preenchiam os espaços entre as ruas de terra que estendiam-se muito à frente em direção os muros.

Serje gostou do que viu, era calmo bonito e simples, sentiu vontade de viver ali. Não, tenho que procurar o responsável pela cidade! Pensou lembrando-se de seus afazeres.

Havia poucas pessoas na rua, apenas alguns vendedores ambulantes e algumas carroças transitando entre as edificações, uma das edificações em especial, uma grande construção com porta dupla bem escura, era protegida por quatro soldados postados ao lado da entrada. Serje imaginou ser a propriedade do senhor de Ceunon.

Subiu as escadas que dava à porta de entrada e parou na frente dos soldados e tirou o capuz, lançando um olhar de duvida aos quatro.

– Hei garoto, vai ficar ai parado na nossa frente? – Disse um deles quando Serje não disse nada.

Serje tirou uma gota de suor da testa.

– Quero falar com seu superior... – Foi o que Serje conseguiu dizer antes de ser interrompido por uma pancada na sua cabeça.

Estava pronto para puxar a espada da bainha e defender-se, quando virou e viu o que lhe atingira: Uma senhora muito velha, de rosto enrugado, magra, de cabelos brancos que caiam pelas costas até a altura da cintura, lhe atingira com um cajado de madeira.

– O que faz aqui à esta hora, travesso? – Ela disse com os olhos desfocados mirando-o parcialmente por baixo de pálpebras que pareciam derretidas e derramando-se sobre os olhos. – Vamos para casa, e espero que não venha a incomodar mais ninguém. – Continuou dando mais três pancadas na cabeça de Serje. – Prometo-lhes que ele não voltará mais aqui, desculpem o incomodo. – Disse virando-se, arrastando Serje pelo braço.

Serje estava doente de raiva. Quem é esta velha louca?!

– Solte-me! – Disse ele livrando-se grosseiramente da mão da velha. – Está me confundindo com alguém.

– Não, não, não, rapaz. – Ela voltou a segurar seu braço e a guiá-lo. – É exatamente você. Você é que está se confundindo com alguém.

– Você pode ser mais clara? – Disse, perturbado, parando mais uma vez. – Não posso simplesmente segui-la sem ao menos saber quem é.

Ela bateu novamente com o cajado em sua cabeça.

– Não tenho mais idade para discussões. – Continuou andando em frente. – Você precisa de ajuda e eu posso ajudar, a escolha é sua.

O que ele tinha a perder? A velha lhe deu um ultimato. Mas não via como aquela senhora poderia ajudar mais do que o senhor de Ceunon, e também não entendia por que a velha supôs que ele precisava de ajuda, e nem por que ela queria ajudá-lo.

– Como pode me ajudar? – Disse ele relutante em se submeter a segui-la.

– Posso abrir essa sua cabeça grande e oca e por um pouco de inteligência nela. – Disse ela fechando a cara. – Grande como ela é, posso entupi-la.

Serje cerrou o punho. Por que ele não admitia que ela era apenas uma velha louca?

– Eu vou embora. – Disse ele explodindo. – Não vou aceitar ser insultado em troca de ajuda alguma!

A velha virou-se furiosa e lhe acertou mais três vezes na cabeça com seu cajado.

– Pode me dizer quantos anos tem? – Ela disse com sua voz rasgada. – Preciso dizer que parece mais uma criança repreendida? Se pudesse ver sua cara juvenil agora... Eu não o culpo, é jovem e ainda tem muito o que aprender, mas deveria saber tratar uma oportunidade com mais respeito, menino arrogante. Agora não me questione mais! E siga-me! Oh céus, já estamos atrasados!

Serje coçou a cabeça no local em que a anciã o acertou.

– Atrasados para que exatamente? – Perguntou ele ainda coçando a cabeça.

– Não é nada que o interesse muito. – Ela andou pelas ruas o mais rápido que suas pernas fracas e velhas lhe permitiam. – Coisas de velhos.

O que estou fazendo... Pensou odiando a si mesmo por sua falta de coragem. Deveria apenas deixar esta velha aqui e ir tratar de salvar Carvahall.

De todo modo, não conseguia simplesmente deixar a pobre velha ali.

Depois de percorrerem um caminho longo até o final da muralha da cidade, e de saírem dela – Serje não gostou nada disso. – percorrendo campos verdes novamente, chegaram a uma simples e pequena casa de madeira e telhado de palha no topo de uma pequena colina.

– Está em minha confortável casa, rapaz. – Disse abrindo a porta de madeira podre com um puxão violento. A casa tinha um cheiro de terra molhada pela chuva. Era bom.

– Até que enfim, velha. – Disse uma voz vinda de dentro da casa. – Você sempre atrasa!

Serje entrou logo depois da velha, abaixando a cabeça para poder passar pela entrada.

O aspecto interior da casa era rudimentar, com móveis localizados aleatoriamente pela casa. Panelas estavam jogadas no chão, roupas jogadas ao redor dos cabides – Não sobre eles, mas no chão, ao redor deles. –, diversos frascos dispostos em prateleiras mal fixadas. Uma bagunça geral.

Nas paredes, algumas tochas com chamas laranja dançavam emitindo uma luz bruxuleante.

Uma senhora que parecia ser ainda mais velha que a que lhe oferecera ajuda, estava sentada em uma cadeira de frente para uma mesa redonda que era na verdade o toco de uma grande arvore, no centro da casa. A mulher corcunda usava vestes pretas que cobriam todo o corpo e um chapéu pontudo e, também, preto. Segurava um cajado semelhante ao da outra, enquanto observava extremamente concentrada a superfície da mesa, marcada por desenhos feitos de sulcos de adagas.

– O sol ainda não está no topo, O jogo ainda continua! – Disse ela dando uma batida tão forte na cabeça da velha, que Serje temeu pelo seu crânio, mas ela nem pareceu ligar. – Agora quebre esta sua cabeça para desvendar minha marca. – Então puxou uma adaga completamente branca, cabo e lamina, de seu cinto e acrescentou mais um desenho à mesa.

Sorrindo travessamente por entre as rugas da cara, a velha de branco contemplou a expressão de fúria da de preto.

Serje estava até curioso – Confuso acima de tudo – a respeito do tal jogo, mas depois de cinco horas inteiras vendo o feio cenho franzido da velha de preto e seus escuros olhos fixados no símbolo da mesa – Ela nem parecia ter reparado a sua presença. –, desejou sair por aquela porta e deixar as duas velhas com o ridículo e sem sentido jogo, mas sabia que não era capaz de simplesmente sair. Ele se perguntou quanto tempo duraria aquilo.

Só então a expressão no rosto da velha mudou.

– Foi uma bela jogada... Ah sim! – Disse a de preto em tom de vanglória. – Mas a sua feia marca, eu desvendei, sim, sim, sim... Está aqui sua resposta, e espero que sua cabeça inche para desvendar! – Dizendo isso ela esculpiu um desenho com uma adaga amarela e abriu a porta com um chute forte. – Até o próximo inverno, velha! Que a sorte a acompanhe! – E deu uma gargalhada aguda.

– Adeus, Velha amiga! – Respondeu, e então voltou a olhar a marca na mesa. – Maldita viúva... – Murmurou baixo.

– Eu ouvi isso! – Disse a voz abafada e distante da velha que partira. E deu mais uma gargalhada. Serje ouviu um barulho de asas batendo que foi ficando cada vez mais fraco.

A velha de branco continuou concentrada no desenho. Tão concentrada que seus olhos não piscaram em nenhum momento. Serje estava farto da velha, e não segurou mais.

– Bom... Eu não sei se ainda lembra-se que prometeu ajudar-me... – Serje acusou. – Ou que eu a segui até aqui.

A velha levantou os olhos do seu jogo e olhou furiosa para Serje.

– Espere sua vez, rapaz! – Ela pestanejou.

Serje estava a ponto de levantar-se e ir embora quando ela suspirou.

– Ah rapaz... Cautela de velhice misturada à ansiedade da juventude não resulta em uma boa coisa para se beber, não, não, não mesmo! – Pegou, com mãos trêmulas, uma caneca enferrujada de uma mesinha ao lado e deu um bom gole. As peles do pescoço pareciam prestes a desfazer-se do corpo a qualquer momento quando engolia. – Perdoe-me, ah raios! São essas diversas ervas e poções... elas não fazem bem ao cérebro. – Seus olhos desfocados e baixos fitaram Serje por um momento, então deu mais um gole. – Então, rapaz, diga-me o lhe faz atravessar a baía para vir até Ceunon? – Perguntou ela.

Mas... Serje estava transtornado, como ela sabia? Estava lidando com Magia? Serje odiava magia, para ele todos eram trapaceiros a favor de sua própria causa. – Com a exceção dos cavaleiros, que mantinham a paz.

– Mas como pode saber... – Ele começou com a voz carregada de perplexidade.

Mas uma batia rápida do cajado em sua cabeça o interrompeu.

– Não questione! – Ela alertou ameaçando outra batida. – Talvez se esperasse as respostas chegarem, em vez de procurá-las feito louco, as teria com mais rapidez. – Ela ficou em silêncio por mais tempo.

Serje desta vez não ousou interromper, esperou até que ela decidisse falar. Então a velha pareceu lembrar-se do que ia dizer, e arqueou as sobrancelhas, levantando as pálpebras o Maximo que podia.

– Bom, acho que lhe fiz uma pergunta – Começou ela. – Mas isso não importa, não, não... Deixemos de lado os problemas do passado, vamos falar do que será escrito, sim, sim, sim!

Ela fala como se tivesse assistido tudo o que passei. Refletiu ele alimentando o medo que estava sentindo.

A velha Retirou um cachimbo de algum lugar do manto branco que usava, e quando Serje piscou os olhos ele estava aceso sem nenhum vestígio da chama que o acendera.

– Rapaz... – Continuou sugando grande quantidade de fumaça. – Prometi ajudá-lo, mas não sei exatamente de que tipo de ajuda precisa.

Por um momento Serje pensou que poderia ter um dialogo proveitoso com a mulher, mas ela quebrou suas expectativas.

– Então para que raios prometeu ajudar-me se não sabe se preciso de ajuda! – Estava confuso demais, nem sabia mais se escutava ou protestava antes de meia frase completa.

Ela não o repreendeu desta vez. Apenas liberou um caminho de fumaça no ambiente escuro e relaxou as costas na cadeira.

– Não vê que não importa? – Disse mais calmamente. – Se precisa de ajuda e eu acabei por descobrir, de que importa os detalhes? – Balançou a cabeça. – Deixamos isso de lado. Sabe... Os homens desejam coisas em demasia, e sabe-se lá quantos alcançam os seus grandes desejos antes de morrer. – Fez uma pausa para mais uma tragada no cachimbo. – Mas a maioria descobre que aquilo que realmente desejava, sempre estivera e estará fora de seu alcance, Entende? – Ela inclinou-se mais para frente e fitou-o. – Uns dão suor durante a vida toda em busca de sossego, mas acabam esquecendo-se de sua meta. Outros são ociosos e morrem aos poucos enquanto realizam suas banais tarefas, para convencerem a si mesmos de que têm realmente alguma importância. Dizemos que a vida é assim, e que de outra forma seria errado, mas os homens são cegos e nunca enxergaram aquilo de que falam, seja o que for.

Serje ouviu atentamente, por mais que tentasse não aceitar as palavras.

– Por isso lhe digo – Ela continuou. –, Diga-me aquilo que quer, mas exatamente o que quer, e eu lhe darei sem mais, mas só terá uma chance, e deve pensar com calma.

Serje considerou tudo aquilo que ela disse, mas ele realmente não podia deixar levar-se por aquelas palavras, iria apenas pedir a ajuda de que precisava para que Roran, Martelo forte e a Rainha soubessem o que havia acontecido em Carvahall o mais rápido possível. Era difícil demais pensar naquilo que queria acima de tudo, então iria apenas cumprir o seu dever.

– Eu realmente agradeço – Ele respondeu. – Mas a única coisa que quero neste momento é a justiça e o conforto de meu lar novamente. – Então Serje relatou resumidamente o ocorrido em Carvahall, tudo, desde a chegada de Lorde Lemond até a sua fuga da cidadela em ruína. – Se realmente deseja me ajudar, faria muito bem em enviar uma mensagem até Iliera, alertando a Rainha sobre o que aconteceu.

Ao ouvir aquilo a velha suspirou.

– É realmente uma pena que desperdice uma chance como esta que lhe ofereço. – Disse em tom melancólico. – Mas já que tem de ser assim, que seja... Farei o que me pediu, sua mensagem será enviada, agora... é só entregar-me que ela chegará ao destino.

– Bom... Eu não tenho uma mensagem.

– Então trate de escrevê-la, vamos, vamos!

– É que... eu só... – Começou constrangido. – Eu não posso... Não sei escrever.

Ela o examinou com um suspiro tedioso.

– Bom... Irei escrever, neste caso, mas é bom que aprenda a ler e escrever, rapaz. Não imagino uma vida mais pobre e inútil que a vida de um analfabeto.

Serje tirou uma mecha cacheada do rosto.

– Eu sei escrever algumas frases...

– Sim, sim, que seja, vamos. Vou escrever esta sua carta.

Então ela pegou um rolo de pergaminho em branco e começou a escrever as palavras ditadas por Serje, com o rosto bem próximo do papel.

Depois de feita, Serje avaliou a carta, mesmo que não soubesse ler. Não entendia as letras que ali estavam escritas, mas não lhe parecia que a velha iria lhe enganar.

– Bom... Agora temos de enviá-la. – Disse olhando o papel virando-o para os lados e de cabeça para baixo.

Ela tragou fortemente o cachimbo.

– Bem, isso não me diz respeito, agora é com você. – Soltou um cogumelo de fumaça para cima. – Mas você também pediu o conforto de casa, lhe arranjarei uma montaria apropriada, e poderá levar a carta ao seu destino e voltar para casa.

Serje mordeu os lábios, de raiva, e estava a ponto de reclamar, quando lembrou-se de que ela não tinha obrigação nenhuma de ajudá-lo, mas mesmo assim...

– Muito bem, então me arranje a montaria, obrigado por tudo. – Disse ele ansioso.

Qualquer um teria escrito uma maldita carta para mim, Pensou ele frustrado pelas horas que havia desperdiçado, Quanto à montaria... Poderia roubar um bom cavalo facilmente.

Ela estalou a língua em tom de desaprovação.

– A pressa da juventude... – Balançou a cabeça. – Coma algo e descanse, daqui até Iliera será um longo trajeto. Seria horrível pensar que escrevi sua carta para nada.

Relutante, Serje aceitou a oferta. Comeu uma densa e quente sopa de carne bem temperada, ao ar livre, fora da simples casa da velha, sentado sob a grama verde clara e espessa, na colina, às luzes das estrelas e das distantes casas da cidade de Ceunon.

Serje estava sobre o chão coberto por um manto de lã grossa. Pensamentos desconfortáveis o impediam de dormir. Era difícil relaxar quando imaginava que a maioria das pessoas que conhecia desde criança provavelmente estavam mortas. Alisvia, Derman, Havin, Hope... Ismira, não, não! Não podia pensar neles, tinha de apagá-los da sua mente, senão enlouqueceria.

Aquela noite sonhou que estava mais uma vez defendendo Carvahall. As nuvens cinzentas morriam com o horizonte, escurecendo a cidade. A muralha esverdeada parecia tão real... mas ao fechar os olhos e respirar o denso ar do norte o que cheirou foi vísceras e sangue, quando abriu os olhos, a muralha tornara-se vermelha escura e surreal, manchada com o sangue que descia como uma cascata da garganta cortada de Ismira, da barriga aberta de Hope, da cabeça esmagada de Albriech, e de tantos outros... Serje escorregou da muralha e caiu... Caiu por longos segundos até mergulhar em um mar de sangue. O liquido de cheiro forte invadiu sua boca e o engasgou.

A última coisa que viu foi o rosto sem vida de Ismira fitando-o, enquanto o sangue jorrava de seu pescoço enchendo mais ainda o mar vermelho.

Acordou sobressaltado, com a cabeça a ponto de estourar de tanta dor. Lágrimas geladas desciam pelas maçãs do rosto. Meu deus... Chorou sozinho. Que maldito desgraçado faria tamanha monstruosidade. Pensou, lembrando-se de Carvahall. Talvez as batalhas fossem sempre assim, cheias de propósitos esquecidos em calor e fome de sangue. Mas é meu lar, Disse para si mesmo, E jamais esquecerei...

Percebeu que o dia ainda não havia chegado, a casa estava escura como breu. Pegou a espada que deixara ao seu lado, junta do arco e aljava, e saiu aos tropeções, ao encontro da noite fria.

A lua aparecia em intervalos variados, conforme as nuvens escuras e pesadas moviam-se. Serje estava deitado sobre a grama, de olhos fechados, pensando... no que lhe aconteceria dali para frente. Nunca saíra para tão longe de casa que não fosse acompanhado de um batalhão.

Serje estava agitado, não sabia exatamente se ficava feliz ou triste, esperançoso ou assustado, de qualquer maneira não conseguia feliz ou esperançoso, mas uma coisa estava marcada tão profundamente nele que tinha tornado-se o centro de sua personalidade. Sede de vingança. Tinha uma espada e um arco, derramaria tanto sangue quanto fosse capaz quando descobrisse quem estava por trás daquilo.

Quando o céu estava clareando e o sol avisava que iria aparecer, Serje foi surpreendido.

– É uma pena que tenha desperdiçado sua chance de descansar – Disse a velha, surgindo ao seu lado, do nada –, mas deve partir, tenho meus assuntos a tratar, e se tiver de descansar, será a luz de uma fogueira na floresta ou na estrada, daqui para frente.

– É? – ele a fitou estressado. Ela o deixara assim desde que lhe oferecera ajuda. – Já estava mesmo a ponto de partir, mas não queria lhe incomodar. Onde está minha montaria?

Ela deu um meio sorriso com olhos estreitos cheios de travessura.

– Às suas ordens. – Deu um assobio forte e agudo. – Aqui, rápido. – Então, atendendo ao chamado, de detrás da casa saiu sua... “Montaria”.

Uma criatura do tamanho de um cavalo, com pelos grossos e brancos, membros fortes e musculosos, garras pontiagudas e olhos desiguais, um Amarelo dourado, o outro vermelho sangue, aproximava-se dele.

Seria um lobo gigante? Um lobo, obviamente, era, mas tinha algo de diferente nele, além do tamanho.

– O que... o que é isto?! – Perguntou Serje com as palavras travadas na garganta. Estava perplexo.

– O que mais poderia ser? – Ela parecia divertida. – Pediu-me uma montaria, algo em que montar.

– Acha que subirei nesta coisa?! – Ele disse afastando-se de costas, cauteloso quanto à criatura. – Dê-me um cavalo e não me verá... nunca mais, prometo-lhe.

– Não há motivo para medo. – Ela irritou-se. – Não é “isto”, ele tem nome. – Acariciou o enorme focinho. – Zoräes, e ele é tão dócil quanto um humano é traiçoeiro. Apenas um filhote, portanto, cuide bem dele. Nenhum cavalo seria capaz de levá-lo mais rápido do que este lobo... Aonde quer que seja.

Filhote... Ela devia estar brincando com ele.

– Bem... Obrigado então – Disse aproximando-se hesitante e devagar.

– Vamos, rapaz! – Exclamou. – Deveria ter mais medo de mim do que dele.

– Confesso que não sei que me assusta mais. – Disse pondo uma mão no pelo branco. Era liso, grosso e gelado... e bastante agradável ao toque.

– Vamos, monte nele. – Ela acariciou a cabeça do lobo fazendo-o abaixar-se. – Agora.

Serje sentou-se sobre o dorso do Animal, mas arrependeu-se assim que o fez. Zoräes sacudiu-se e rosnou.

– Calma, rapaz, ele é amigo – Disse numa voz amena, coçando seu pescoço.

Só então o lobo acalmou-se.

– Acaricie a cabeça dele, vamos. – Disse guiando sua mão. – Com o tempo ele irá se acostumar, deve ensiná-lo, discipliná-lo.

Não pedi nada disso! Mas não atreveu-se a falar, apenas levou a mão à enorme cabeça e sentiu o duro crânio enquanto alisava o pelo.

– Espere aqui. – Disse ela indo em direção a casa o mais rápido que podia. – Não demorará!

Cumprindo a promessa a Velha voltou, mas agora com uma espada em uma bainha branca nas mãos. Ela olhou para ele com brilho nos olhos.

– Pegue. – Ela ergueu a espada. – Precisará disso para chegar em casa.

Serje segurou a espada e desembainhou-a, erguendo-a acima da cabeça, gostou do peso que tinha. Era uma espada de mão e meia, o cabo era de prata e encaixava perfeitamente em sua mão. A lamina era vermelha na extremidade mais próxima do cabo e ficava dourada a medida que aproximava-se da ponta. As cores dos olhos do lobo que montava, um vermelho e o outro dourado. A velha acabou por me ajudar mais do que pedi. Refletiu ele sem entender o porquê da ajuda que lhe concedera.

– Não posso aceitá-la. – Disse Serje, mas as palavras lhe pareceram ocas. Queria aquela espada. E era grato por a velha lhe concedê-la.

– Pode, e aceitará. – Ela disse mais irritada – Esta espada não me trás boas lembranças, leve-a e me livre dela.

– Ela tem um nome? – Perguntou ele manejando-a, golpeando o ar. A espada refletia raios vermelhos e dourados.

– Sim. – Ela respondeu. – A chama do Inverno.

Um bom nome... Serje observou os detalhes da espada.

– Obrigado por tudo – Disse ele ainda olhando a espada. – Isso é bem mais do que eu esperava encontrar em Ceunon... – Mas quando ergueu os olhos ela já não estava mais lá.

Bem, chegou a hora de partir... Refletiu com o coração acelerando-se. Enfiou A Chama do Inverno em sua bainha branca.

E como se tivesse pressentido os pensamentos de Serje, Zoräes moveu-se para frente, fazendo os músculos do dorso ondularem embaixo das pernas do guerreiro. Lá vamos nós companheiro... Refletiu ele, Espero que não me coma antes de chegarmos a Iliera...


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Notas finais do capítulo

Então... é isso sem mais... peço do fundo das minhas entranhas, mas verdadeiramente, que comentem e matem minha curiosidade, o que estão achando da história, alguma reclamação? deixem o que quiserem nos comentários, participem desta história, façam dela tão agradável para vocês quanto é para mim.
Obrigado por acompanhar, comentem por favor! Até a próxima!



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