Aquele Que Veio do Mar escrita por Ri Naldo


Capítulo 38
Fantasma


Notas iniciais do capítulo

Prontos pra entender a fanfic inteira em um capítulo?



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Parecia que quanto mais eu tentava acertá-la, mais eu errava. Cada vez que ela desviava ou bloqueava um golpe meu, meu ódio aumentava mais, se é que isso era possível. Não escutava mais nada, não me importava com mais nada. A única sanidade que eu tinha restante estava focada em uma voz na minha mente que dizia “Mate-a, mate-a” sem parar.

— ATAQUE DE VOLTA! REVIDE, SUA COVARDE, REVIDE! — eu gritava, mas as palavras não chegavam aos meus próprios ouvidos.

Enquanto eu falava isso, ela ria. Era óbvio que se errasse um centímetro sequer de algum movimento, minha espada a mataria de certeza, mas ela não parecia se importar com isso, muito menos me achava uma ameaça.

— Me diga, Dylan… É ótimo, não é? Esse sentimento? De puro ódio? Agora você sabe como é. Agora você está em pleno poder. Agora você é meu.

Ela fez exatamente o que eu queria que ela fizesse, avançou pra cima de mim. “Não, agora você é minha”, pensei, certo de que a mataria. Era agora. Desferi um golpe certeiro em seu peito, fechei os olhos, esperando o jato de sangue que viria a seguir, mas senti o cabo da espada dar uma volta completa, bater numa pedra atrás e mim e cair de minha mão. Com o impacto, perdi o equilíbrio e caí com a cara no chão, ciente de que todos os campistas estavam vendo essa cena. Não era possível o que tinha acabado de acontecer. E espada atravessou seu corpo como se fosse vácuo. Ouvi Colin gritar: “Dylan!”, e senti uma mão me levantar pelo pescoço. Debati minhas pernas, na esperança de chutá-la na cara, mas, assim como da outra vez, meu pé passou direito pela sua cabeça. Abri a boca, estupefato. Não fazia a mínima ideia do que estava acontecendo ali.

— Quem ousar me seguir — ela disse, em alto e bom som, para que todos os campistas escutassem. Sua paciência havia chegado ao fim. — vai morrer, e não estou brincando. Paguem pra ver. Quem for esperto, saia agora.

Mas nenhum campista se mexeu. Não era da natureza deles deixar um aliado e fugir. Estavam com medo, sim, mas não me abandonariam. Me senti envergonhado por várias coisas. Por ser derrotado tão facilmente, por ser humilhado na frente de quase todos os campistas do Acampamento e por ter deixado Louise morrer. A sensação de ódio agora dava lugar à vergonha.

— O que diabos é você? — falei, enquanto ela me levava adentro na caverna, o luar realçando suas feições maldosas, me lembrando cada vez menos minha mãe.

— Cinco anos! Eu esperei por cinco anos e, finalmente, agora tenho você. Não sabe quanto esperei, quanto planejei tudo nos mínimos detalhes… Houve imprevistos, claro, mas nada que pudesse estragar. Finalmente eu me vingarei…

— Tem como calar a merda da sua boca e me falar o que quer de uma vez? — rosnei, irritado. Ela pareceu não ligar.

Então, por fim, quando chegou fundo o bastante na caverna que a luz tinha se extinguido, me arremessou contra a parede, o que quebrou pelo menos duas das minhas costelas.

— Não é óbvio? Eu quero o seu poder! — ela falou como se eu fosse um bebê sem a mínima noção do que estava acontecendo ao seu redor.

Olhei bem na cara dela, e lembrei da cena… Louise caindo enquanto ela ria… Tentei me levantar para dar-lhe um soco, mas minhas costas doeram tanto que eu poderia estar tendo uma hemorragia interna. Eu não podia vê-la,

— Ah, é? — falei, com uma careta. — E que poder é esse? O que você quer tanto em mim? Por que você a matou? Sua…

— Controle sua raiva, garoto. Como você viu, não adianta de nada.

— Exato! Quem é você?! Ou melhor, o que é você?! Você é minha mãe?!

— Ah, que fofo! Você realmente achou que eu fosse sua mãe… — ela passou a mão áspera pelo meu rosto, e eu senti um frio horrível. — Não. Eu sou muito mais do que um simples mortal. Um tempo atrás, os deuses me temiam, tinham pavor de mim. Eu tinha o poder de destruí-los, mas toda vez que eu investia, eles fugiam. Aqueles covardes... Foi há muito tempo atrás — eu podia ouvir ela andando de um lado para outro. — Eu era apenas uma camponesa, não tinha nada a ver com essa coisa de deuses. Era fechada para o mundo fora dos campos, tinha uma vida simples com minha família. Então, num belo dia, os idiotas da Atena e do Poseidon resolveram ter uma briga pra ver quem seria o patrono de nossa cidade. Pura estupidez. Não liguei no começo, mas meus pais foram convocados para a milícia de Poseidon, e meus irmãos para a de Atena. Eu, como mais nova, não fui convocada. Eles lutaram entre si até a morte, só porque os deuses queriam. Se recusassem, seriam executados. Eu vi quando meu irmão mais velho matou meu pai. É tudo culpa dos deuses, sempre querendo monopolizar tudo o que estiver à frente deles, querendo mandar em todo mundo só porque soltam raios de purpurina pelo chifre.

“Eu não tinha mais pelo que viver. Sem amigos, sem família, sem nada. Então cometi suicídio. Fui para o julgamento, e escolhi uma nova vida. Queria ser alguém importante, maior que os deuses, se fosse possível. Não queria mais sofrer. Mas eu estava tão cheia de ódio, tão infestada de pensamentos negativos que eu virei um espírito vagante. Não tardou até eu ver o que podia fazer. Eu podia entrar no corpo das pessoas que morriam. Podia ser elas, de um certo modo. Demorou pouco para as pessoas perceberem que mortes suspeitas estavam acontecendo, e que os corpos nunca eram achados, e os deuses souberam que era eu imediatamente. Então eu resolvi me vingar, acabar com a festa de arromba dos deuses. Descobri que os deuses primordiais tinham o poder de acabar com tudo o que quisessem, tanto que Cronos só conseguiu derrotar Urano por causa de Gaia. Não pude me personificar nela, já que ela não estava morta, só adormecida. Mas Urano, de alguma forma, estava morto. Procurei por alguma parte dele por todo o lugar. Demorou meses, anos, mas eu achei, e estava bem embaixo do meu nariz, ou em cima, digo, no Monte Olimpo. Afrodite. Ela foi criada do próprio Urano. Quando Cronos cortou Urano em pedaços, um deles caiu no mar, e de sua espuma ela foi feita. Ela era um pedaço do próprio Urano.

“Gastei dias planejando tudo perfeitamente. Eu não poderia entrar no Olimpo, porque era uma mortal. Eu esperaria Afrodite sair de lá para acasalar com algum outro mortal idiota, e ter outro semideus patético. Mas a temporada de caça estava ruim, ela simplesmente se recusava a sair de lá. Eu não fui paciente. A raiva me dominava. Matei um semideus, ocupei seu corpo e tentei invadir, mas os deuses já me esperavam lá, era uma armadilha. Eles me baniram, e me excluíram da história, ninguém nunca ficou sabendo de mim, ou que eu sequer existi. Eu continuei sendo apenas uma camponesa que se matou de tanta dor. E isso apenas aumentou minha raiva.

“Mas, agora, três mil anos depois, eu fui libertada, e estou vagando mais uma vez. E, dessa vez, eu não vou cometer erros. Por sorte, foi na exata época em que um semideus tinha nascido. Você. Entre os tantos semideuses filhos dos três grandes, logo você, tal idiota, herdou o poder de Urano. Fui paciente, e esperei a situação perfeita, quando aconteceu o desmoronamento. Não podia matar sua mãe, ou correria o risco dos deuses perceberem minha presença. Quando ela morreu, ocupei seu corpo, e, consequentemente, sua mente. Soube cada detalhe de você até então, e continuei lhe perseguindo para saber mais, esperar o momento certo. Quem você acha que era a Sra. Ruby? Isso mesmo, eu. E todos aqueles valentões nos outros internatos? Eu. Você não tinha pelo que lutar, sua vida simplesmente não tinha sentido, e não adiantaria de nada matá-lo, porque seu poder não tinha sido revelado ainda. Então eu tive uma ideia. Fui até o Triângulo das Bermudas. Mar de Monstros, como vocês chamam, e matei aquele pobre do Polifemo. Já estava cego, o coitado, obra do outro filho de Poseinútil, então não foi difícil. Ocupei seu corpo e voltei pra Albuquerque. Dois segundos depois Quíron percebeu atividade anormal. Tirei você daquele internato. As três espiãs demais foram lá, resgatar você. Deixei elas te levarem. Ou você achou que Louise tinha mesmo derrotado um ciclope com um só golpe de lança?

“Então a ruiva de cabelos lambidos deu aquela profecia ridícula. Vocês saíram com aquela bola de pelos gigante, o que facilitou muito meu trabalho. Eu escolhia onde vocês iam parar. Mas as três harpias não me contaram que tinham um certo loiro em seu porão. Claro que já estão mortas, e eu garanti que elas não voltarão cedo. Em cada uma das paradas, tinha um servo meu tentando capturá-los, mas todos subestimaram vocês, até mesmo Talassa… Ah, Talassa. Depois que eu cuidar de você, vou atrás da Luna. Ela me traiu. Não tolero em qualquer hipótese alguém que me trai. Na última viagem, eu fiz vocês irem para caminhos diferentes, e Luna, ainda fingindo ser minha serva, fez as três, ah, que pena, duas espiãs demais terem visões, no intuito de confundi-las. Claro que ela não fez forte o suficiente, e o tiro saiu pela culatra, vocês se juntaram mais uma vez, capturaram Talassa, foram espertos, a enganaram. Mas vocês não enganam a mim. Ninguém engana a mim. Ninguém me vence. E, depois que eu sugar seu poder e derrotar os deuses, todos lembrarão de mim. Eu serei a única deusa. Cila, a deusa fantasma.

Cila? Que tipo de nome era Cila?

Agora você fica se perguntando: por que eu não falei nada, só fiquei parado, enquanto ela falava esse monte de baboseira? Tinha alguém me segurando. Calma, eu vou explicar. Enquanto Cila estava ocupada falando, Mason viajou nas sombras. Desde quando ele sabia fazer isso ou sequer por que ele fizera isso, eu não sabia. Só sei que ele viera me resgatar por algum motivo. Eu pedi silenciosamente para ele esperar. E eu já sabia o suficiente.

— Sabe, Cila, não se paga o mal com o mal. Se os deuses fizeram mal a alguém, um dia isso virá de volta pra eles, não era necessário você pra fazer isso. Mas você fez mal à muita gente, e acho que isso voltou. Você mereceu o que aconteceu. A cura e o charme. Apolo e Afrodite se juntaram. Ele, como cura, curou seu ódio. Ela, como charme, lhe ordenou que se retirasse. Mas até onde seu orgulho vai? Você só se preocupou comigo, não foi? Mas esqueceu do mais importante: meus amigos. Eu não seria nada sem eles. Eles foram importantes em cada segundo. Todos. Você sabia que a Julieta têm bênção de Afrodite? Você cometeu o mesmo erro e nem se deu conta disso.

Pelo silêncio que se fez, ela havia congelado.

— Quem sabe daqui mais três mil anos, Cila — completei.

— M-m-mas você não tem como falar a eles!

— Vai, Mason, vai!

Como era uma distância de apenas trinta metros, a viagem não foi nada incômoda. Nós paramos exatamente entre Colin, Julieta e o resto dos campistas. Todos se sobressaltaram quando eu cheguei.

— Dylan! — Julieta correu pra me abraçar. — Eu sabia que o Mason conseguiria.

— Julieta, você pode controlar bem seu charme?

— O quê? Sim, mas…

Olhei para Colin. Eu sabia que ele sabia. É claro que sabia.

— Vamos fazer um exorcismo — falamos juntos.


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