Aquele Que Veio do Mar escrita por Ri Naldo


Capítulo 39
Exorcismo


Notas iniciais do capítulo

Penúltimo capítulo, quase lá D: Lembrando, quem narra é Julieta.



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— Isso é loucura! — rebati, tentando enfiar um pingo de juízo na cabeça daqueles garotos. Pedir que eu use meu charme para expulsar uma deusa fantasma louca do corpo de uma mulher morta é o cúmulo da loucura. Certo, eu sei controlar meu charme e tal, mas não sou nenhum padre ou mãe de santa pra exorcizar uma deusa.

Todos olhavam para mim, tensos. Dylan tinha uma expressão de dor no rosto, e parecia um cachorrinho que caiu de mudança. Bem a cara dele, na verdade. Acho que ele seria tapado o suficiente pra cair de um caminhão em movimento. Louise tinha um pouco de razão quando dizia que ele era meio estúpido, não que eu fosse dizer que concordo com ela em voz alta, claro.

Ah, Louise… Senti meus olhos marejarem ao lembrar que ela havia acabado de partir. Já não bastava Mirina! Tinham que levar ela? Qual é, eu sou a mais sentimental das três, e elas eram minhas melhores amigas. O que eu vou fazer depois que tudo isso acabar? Se acabar e se sairmos vivos. Na verdade, talvez… Talvez se eu partisse também, encontraria elas no mundo inferior. Ou então…

Balancei a cabeça na esperança de deixar esses pensamentos. Era sempre eu a otimista do grupo, e, na maioria das vezes, tentava levantar a autoestima de todo mundo ali, mesmo nas piores situações. A questão era: agora o sucesso da missão e o destino do nosso acampamento, de todos os semideuses e de todos os deuses estava na minha mão. Eu nunca pensei que seria necessária nessa missão. Passava o tempo todo pensando “o que eu estou fazendo aqui, além de atrapalhar?”. Não me sentia necessária, até agora.

Procurei o rosto de Colin, tentando encontrar alguma resposta em seu rosto. Quando encontrei seu olhar, ele parecia preocupado. Engoli em seco. Se Colin, o senhor “eu tenho um plano, está tudo sob controle”, estava preocupado, significava que a coisa estava feia.

— Julieta, é a nossa única esperança. Você precisa tentar.

— E se não der certo? E se eu não conseguir? — indaguei, tão desesperada que minha voz saiu mais fina do que havia planejado.

Colin respirou fundo e segurou minha mão. Quando seus olhos encontraram os meus, senti um súbito fio de esperança tomar meu corpo. Era como se ele estivesse tentando passar confiança para mim. Colin era estranho. Estranhamente fofo. Mas até que funcionava.

— Eu sei que você pode fazer isso. Pense em Mirina, em Louise. Nossa única chance é você. Não deixe que a morte delas tenha sido em vão.

Eu estava pronta para responder quando outra voz, fria e cortante, soou atrás de nós.

— Ah, que lindo — todos nos viramos para encarar Cila. Dylan havia dito que esse era o nome dela, e eu tive que me segurar para não rir. Qual é, que tipo de deusa fantasma chama Cila? Não precisa ser o Oráculo de Apolo para saber que o destino dela é se lascar. — Meus pêsames por suas perdas — ela sorriu sarcasticamente. Senti um arrepio percorrer por toda a minha espinha. — Mas, sinto em informar, suas amigas morreram em vão. E a culpa de tudo isso é dele — ela apontou o dedo friamente na direção de Dylan, que ainda estava ajoelhado no chão, com Mason ao lado. Todos os campistas olharam para ele por um breve momento, apenas para ver sua expressão de dor. Mas a atenção foi voltada para ela quando continuou a falar. — Vamos, crianças, não precisamos de mais mortes. Apenas me entreguem o filho de Poseidon, e tudo ficará bem. Quer dizer, para o resto de vocês. Tenho outros planos para nosso querido Dylan — e sorriu novamente.

— Já chega, Cila — Colin bravejou, soltando minhas mãos e se postando em frente a Dylan, como se quisesse protegê-lo. — Desista dessa ideia maluca. Você não vai ter Dylan, e nós não vamos permitir — enquanto ele dizia isso, mais campistas se aproximavam e ficavam ao lado dele, suas armas prontas para atacar, formando uma barreira diante de Dylan. — Não vamos deixar um amigo para trás. Estamos juntos nessa.

Senti que minha mão estava tremendo. Colin, que estava ao meu lado, a segurou. Meu olhar encontrou o dele por um instante, e logo entendi o que ele quis dizer: vai ficar tudo bem. Ele sempre me dizia isso. Quando Mirina morreu, ele me abraçou e ficou repetindo isso várias vezes, tentando me acalmar. Alguns minutos antes, quando eu vi Louise ser perfurada por uma lança e cair sem vida no chão, foi isso o que ele disse para me consolar. Colin era incrível. Por mais que ele se sentisse tão mal quanto eu, ou até pior, tentava se controlar apenas para passar alguma segurança para mim. E ali, com ele segurando minha mão e me passando tal segurança, quase me esqueci da bruxa que rosnava raivosa alguns metros a nossa frente.

Quando meu olhar se voltou para Cila, percebi que era a mim que ela encarava. Sua expressão estava neutra, e ela parecia estar pensando. Seu olhar seguiu para a mão de Colin, que segurava a minha, e, então, um sorriso malicioso surgiu em seus lábios.

Ela estalou a língua e balançou a cabeça em tom de desaprovação.

— Tão ingênua… Por um momento pensei que você era um perigo real, Julieta. Mas, agora... — ela riu friamente. — Vou fazer um favor a você. Vou lhe mostrar como o amor pode ser sua maior fraqueza.

Ela estendeu o braço e senti a mão de Colin apertar a minha. Olhei para ele e percebi que todo seu corpo enrijeceu, como se, exatamente do jeito que ele havia previsto antes, Cila tivesse o paralisado. Sua expressão congelou em uma cara de dor. Não consegui evitar um grito.

Parecia que suas discípulas, Luna e Talassa, haviam ensinado alguns truques à mestra. Cila estalou os dedos e, de repende, eu estava sozinha no meio do deserto. Não havia campistas, não havia Colin segurando minha mão, não havia bruxa. Só eu e o deserto. E então Cila reapareceu, no mesmo lugar que estava antes, e segurava Colin pelos ombros. Ele se bateu, tentando fazer com que ela o soltasse, mas isso só serviu para deixá-la mais irritada. Cila cravou as unhas nos braços de Colin, que gemeu de dor.

— Garoto fraco! Não aguenta nem um arranhãozinho? É por isso que você está apaixonada, Julieta? Uma discípula da deusa do amor que aparentemente não aprendeu nada — ela riu. Eu estava atônita demais para me mover, mas senti a raiva crescendo dentro de mim.

Quem deu a ela o direito de falar assim de Colin? E de se meter em meus sentimentos? Cerrei os pulsos e senti meu corpo ficar firme, com uma nova onde de adrenalina invadindo meu sangue. Cila riu de minha reação.

— Isso a aborrece, filha de Apolo? Está mesmo sujeita a lutar por seu amor? Então venha e lute — seu sorriso tentava me intimidar, mas o sentimento de ódio estava maior do que o medo.

Cila sumiu de novo, e, mais uma vez, eu estava sozinha. Olhei em volta buscando qualquer sinal de vida, mas eu estava completamente só. Fechei os olhos com força, tentando me concentrar. A risada de Cila soou em meus ouvidos, e eu reabri os olhos procurando por ela, sem sucesso. Sua voz pareceu vir de todos os lugares, como se fosse trazida até mim pelo vento. Aquilo só me deixou mais irritada.

— Apareça, sua covarde! — desafiei, gritando. — Eu estou aqui!

— Sim, você está. E está sozinha, também — mais uma vez, sua voz soou de todos os lados, fazendo com que eu me virasse desesperadamente para tentar encontrar seu paradeiro, sem sucesso. Sua risada fria me deu arrepios, mas eu não desisti.

Fiquei em silêncio tentando pensar em algo. Aquilo não podia estar acontecendo. Aonde estavam os outros campistas que até minutos atrás estavam logo atrás de mim? Aonde estavam Cila e Colin? Não fazia sentido. A menos, é claro...

E então eu percebi. Estava caindo duas vezes no mesmo truque. Eu não estava sozinha, agora sabia disso. Eu estava dentro de uma ilusão. Eu só precisava abrir os olhos para enxergar além do que ela queria que eu visse.

Mas, se eu dissesse que sabia qual era o jogo dela, estaria simplesmente entregando tudo. Se eu tentasse usar meu charme para mandá-la sair do corpo da mãe de Dylan, ela não obedeceria tão facilmente, principalmente escondida atrás do seu jogo de Névoa. Ela estava me fazendo ver o que eu não queria ver, e eu precisava fazê-la ver exatamente o que ela queria ver, sem saber que estava, na verdade, vendo o que eu queria que ela visse. Oh, droga. É um plano brilhante, mas completamente complicado. Como eu a faria ver aquilo?

Primeiro eu precisava enxergar a verdade. Eu estava cega, presa em uma cortina de Névoa que me fazia pensar que estava sozinha. Eu precisava enxergar a realidade sem que ela soubesse que eu estava vendo.

Fechei os olhos novamente e me concentrei. Imaginei todos os campistas do Acampamento Meio-Sangue parados atrás de mim, exatamente como estavam minutos antes. Imaginei Dylan ajoelhado e machucado com uma careta de dor, e Colin preso nas garras dela, o que só me deixou mais irritada. Cila havia machucado muitos amigos, e iria pagar por isso. Ela não sairia impune.

Quando abri os olhos de novo, eu vi. Nada havia mudado, exceto o fato de que os campistas estavam todos paralisados por seu feitiço. Cila me observava com um sorriso maldoso, enquanto Colin não conseguia sequer se mexer ao lado dela. Todos estavam paralisados.

Engoli em seco antes de falar. Uma palavra a mais e ela descobriria que eu já havia entendido o plano dela.

— Mostre-se! — gritei sem olhar em um ponto fixo, como se eu ainda estivesse me vendo sozinha no deserto. O sorriso de Cila aumentou.

— Aqui — ela estalou os dedos, e imaginei que essa era a deixa para que eu olhasse para ela.

— Onde está Colin? — perguntei com falsa preocupação na voz, como se não soubesse que ele estava bem.

— Ah, Julieta — ela fez uma careta de decepção. — Não vê como isso irá destruí-la? O amor é uma fraqueza — ela me olhou como se estivesse dando o maior conselho de todos.

— Você é louca! — gritei, mas logo tratei de me controlar. — Não está vendo o que está fazendo? — amansei a voz, tentando usar todo o charme que pude. — Você quer se vingar dos deuses se tornando como eles? Quer causar tanta dor e sofrimento para pessoas inocentes apenas por causa de uma vingança idiota e cometer exatamente o mesmo erro que eles? — dei um passo em sua direção, tentando me aproximar sem que ela percebesse. — Não vê que apenas está se tornando mais uma deusa egoísta e impiedosa?

O sorriso de Cila falhou por um momento, mas logo reapareceu. Droga.

— Eu não me importo, desde que tenha a minha vingança.

Fiquei em silêncio por um minuto, pensando sobre sua resposta. E então, olhando discretamente para o rosto de Colin, me dei conta de um pequeno detalhe que havia deixado escapar: Talassa e Luna tinham um cajado onde toda a sua magia era concentrada. Talassa se rendeu quando eu a chantageei dizendo que quebraria seu cajado caso ela não nos deixasse ir. Então, se Cila podia controlar a Névoa daquela forma e paralisar centenas de campistas com tamanha facilidade, ela provavelmente também tinha um objeto onde sua mágica estava guardada. Não era um cajado, mas era algo que ela levava com ela. Mas o quê?

Olhei para ela, tentando encontrar a fonte de seu poder. Mas não podia ficar quieta. Tinha que deixá-la distraída.

— Por favor, Cila — fiz uma voz desesperada. — Isso não é necessário. Você não precisa…

— Ah, poupe-me disso — ela se irritou, e, com um aceno de mão, Colin descongelou. Ele tentou se mexer, mas ela o segurou antes. — Eu estou aqui para te mostrar que o amor não vale a pena.

Cila deu um sorriso maldoso. Ela empurrou Colin, que caiu de cara no chão. Então ergueu a mão aberta e começou a fechá-la devagar, como se estivesse esmagando algo. Colin berrou e se contorceu de dor, e ver aquilo fez meus olhos lacrimejarem. O que ela estava fazendo com ele? Tive vontade de correr para ajudá-lo, mas não podia. Tinha que me manter firme. Cila deu uma risada maligna, e eu pisquei várias vezes para afastar as lágrimas.

— Pare com isso! Você está machucando ele — ordenei, e a mão de Cila vacilou por um momento, mas ela logo voltou a apertá-la. Colin gritou.

— Está vendo, Julieta? Está vendo o seu amor sendo destruído? — ela ria, divertida com a situação.

Tentei pensar rápido em alguma coisa. Observei Cila dos pés a cabeça, procurando por algo estranho, diferente. E, então, minha atenção se prendeu a um objeto que brilhava em seu pescoço. Um colar. Uma corrente fina de prata com uma pedra verde suspensa, que tinha um brilho intenso. Quanto mais Cila usava seus poderes para machucar Colin, mais intensamente a pedra brilhava. Eureca!

— Pare, eu quero te propor um acordo! — tentei ignorar os gritos de Colin. Minha mente estava a mil, formulando um plano louco que provavelmente era a minha única chance. — Apenas me escute!

Meu charme não era o suficiente para fazê-la desistir de tudo, mas eu conseguia fazê-la me escutar, e isso era o bastante, por enquanto. Sua mão caiu ao lado do corpo e Colin suspirou aliviado. Olhei para ele, preocupada, mas logo voltei meu olhar para Cila. Ela me encarava esperando eu falar.

— Tem alguém nos escutando?

— Hum… — ela pensou por um instante, olhou discretamente para os campistas atrás de mim e fez um pequeno gesto com a mão. — Não. Apenas eu e você.

— Certo — forcei um sorriso. — Você está nadando contra a maré, está sozinha contra centenas de campistas. Eu posso te ajudar — outro sorriso forçado. — Eu acho que você tem razão.

Cila ergueu uma sobrancelha e cerrou os olhos, desconfiada. Continuei.

— Sabe, os deuses nos tratam como lixo. Nos usam para fazer seu trabalho sujo e depois nos descartam. Eu estou cansada disso — respirei fundo, confiante. Cila ficou pensativa, como se estivesse tentando decidir se eu estava mesmo falando a verdade. Forcei mais ainda o meu charme. — Não machuque mais ninguém. Eu quero me juntar a você. Posso usar meu charme para convencer todos aqueles idiotas a se juntarem a você, também. Tenho certeza de que eles se sentem do mesmo jeito que eu. Inclusive Dylan.

Ela parecia ainda estar desconfiada, mas sorriu.

— Está mesmo disposta a fazer isso, filha de Apolo? Trair a confiança de seus amigos?

— Não trairei a confiança deles. Eles estarão do nosso lado — sorri maldosa.

— Como posso ter certeza de que está dizendo a verdade?

— Eu não minto. E você acredita em mim — eu disse as palavras com tanta intensidade, usando todo o charme que podia, que minha cabeça começou a doer. Cila piscou algumas vezes e assentiu, um pouco confusa.

— Está certo — ela deu de ombros.

— Deixe-me falar com Colin — pedi. Cila, desconfiada, fez um aceno de mão. Corri até Colin e me agachei ao seu lado. Ele abriu os olhos com uma careta de dor e eu sussurrei. — Colar. Ao meu sinal.

Colin olhou para Cila e pareceu entender o que eu quis dizer. Ajudei ele a se levantar, e ela se preparou para defender um ataque surpresa. Antes que Colin falasse algo, eu me dirigi a ela, tentando fazer com que ele entendesse tudo.

— Colin se juntará a você, assim como eu — cutuquei ele com o cotovelo, que engoliu em seco. — Não é, Colin? — olhei para ele com uma sobrancelha erguida.

— Hum... Claro, claro — ele assentiu, colocando a mão na barriga. Parecia enjoado.

— Agora, preciso que você dê sua palavra.

— O que quer dizer com isso? — Cila franziu o cenho.

— Quero dizer que preciso ter certeza de que você não irá machucar mais a mim nem aos meus amigos. Jure pelo Rio Estíge. Jure que não vai mais machucar nenhum semideus.

Aquele momento era decisivo. Precisava fazer com que meu charme convencesse Cila a jurar aquilo. Ela piscou algumas vezes e abaixou o olhar, como se estivesse ponderando a situação. Estava baixando a guarda. Colin deu um passo discreto a frente, entendendo que logo teria que agir.

Cila levantou o olhar para me encarar, e Colin parou de se aproximar. Ela não percebeu.

— Não posso prometer isso. E se...

— Cila, jure — forcei. — Eu posso convencer Dylan a dar todo o seu poder de bom grado. Isso seria ainda melhor do que roubar dele.

— Mas eu...

Ela estava confusa. Então a interrompi de novo, apenas para não dar tempo para ela pensar.

— Eu posso convencer todos esses idiotas a ficarem ao seu lado — apontei para todos os campistas paralisados atrás de mim. — Eles seriam um ótimo exército e...

— Espere, o que disse? — Cila ergueu as sobrancelhas, parecendo se irritar.

— Que posso convencer eles a ficarem do seu lado — repeti apontando de novo e olhando para trás, tentando entender o que estava errado.

— Você está vendo eles? Mas eu não...

— Colin, AGORA! — gritei antes que ela pudesse terminar o raciocínio.

Colin entendeu o recado e correu o pequeno espaço que ainda existia entre eles, pegando Cila de surpresa. Ele arrancou o colar do pescoço dela e se virou para correr até mim, mas Cila já havia saído do transe. Ela agarrou Colin pelos ombros, e ele só teve tempo de fazer uma coisa: lançar o colar para mim. Peguei o colar no ar e logo fiz menção de atirá-lo no chão.

Eu tinha algo para fazer chantagem: o colar onde todo o poder de Cila estava concentrado. Porém ela também tinha algo para me chantagear: a vida de Colin. Ela sacou uma adaga de sua bainha e apontou diretamente para o pescoço dele, que parou de se debater na hora. Senti meu coração parar.

— Garota ridícula! Achou que poderia me enganar? — Cila berrou, irritada. — Me dê isso, agora!

— Solte Colin primeiro — ordenei. Tentei usar meu charme, mas aparentemente ela estava ciente dele, de forma que não funcionou.

— Me dê esse colar, ou ele morre.

Ela sorriu maliciosa, colocando mais pressão na lâmina que ameaçava perfurar a garganta de Colin. Senti as lágrimas vindo.

Colin percebeu o que eu estava prestes a fazer.

— Julieta! Não! Não faça isso! Não vale a pena — ele gritou e tentou se debater, mas Cila o apertou mais.

— Cale a boca, seu inútil. Me dê isso logo, garota, ou ele morre — ela estava impaciente.

Estendi a mão, entregando o colar a ela. Cila empurrou Colin com tamanha força, fazendo com que ele caísse no chão e batesse a cabeça, fazendo uma careta de dor. Corri até ele e me agachei ao seu lado enquanto ela recolocava o colar com um sorriso vitorioso nos lábios.

— Agora, como prometi, te mostrarei como o amor pode ser sua maior fraqueza.

Cila estendeu a mão na direção de Colin e, mais uma vez, começou a esmagar o vento. Colin, nos meus braços, urrou e se contorceu de dor. Algo estava muito errado, e eu só percebi a gravidade da situação quando um fio de sangue começou a escorrer de seu nariz. Ele se contorcia e gritava, e as lágrimas escorriam tanto no rosto dele como no meu.

— Pare com isso — implorei, apertando Colin contra mim. — Por favor, pare — fechei os olhos com força, desejando poder sair correndo e me esconder longe dali. Colin estava morrendo em meus braços, e eu me sentia uma inútil por não poder fazer nada. Os gritos de dor dele somados à risada divertida de Cila me deixavam agoniada.

E, então, um sibilo rápido cortou o ar, e tudo parou.

A risada de Cila e os gritos de Colin cessaram. Ele estava com os olhos fechados, talvez desmaiado, mas sua expressão era de alívio. Levantei o olhar para ela e tive que piscar algumas vezes para afastar as lágrimas e ter certeza de que o que eu estava vendo era real. Ela olhava perdida para uma flecha alojada na parte superior do seu peito, perto do pescoço, onde ela colocara seu colar de volta. Um brilho roxo começou a sair de lá, como se quisesse se libertar, e, depois, explodiu. Cila caiu de joelhos, e arrancou a flecha juntamente com o colar, já destruído, e os jogou no chão..

Cila engoliu em seco. Ela tentou me agarrar, segurando o vazio, mas tudo o que conseguiu foi ar. Sua mágica não funcionava mais. Ela estava sem poderes, totalmente vulnerável. Me levantei deitando a cabeça de Colin com o máximo de cuidado que pude e corri até ela.

Cila me olhou com raiva. Se levantou e tentou dar um soco em mim, à moda antiga.

— Nem pense nisso!

Todo o ódio que havia estado em mim alguns minutos atrás estava de volta, e minha mão, como se tivesse vontade própria, acertou um soco no olho de Cila. Ela gemeu de dor, e eu sorri como uma louca.

— Isso foi por Mirina! — outro soco. — E isso por Louise! — no terceiro soco, Cila caiu deitada. Chutei sua barriga, sem piedade. — Isso foi por Dylan e Colin! — outro chute. — E isso foi por mexer comigo, sua vaca maldita!

Eu ri enquanto Cila colocava a mão na barriga, gemendo de dor. Peguei o colar do chão novamente e o ergui acima da cabeça.

— E isso, Cila, é para te mostrar que o amor não é uma fraqueza — olhei para ela para ter certeza de que ela estava assistindo. E estava. Pela primeira vez eu via medo em seu olhar. — É força! — então, eu concentrei todo o poder que tinha nela, e senti ele me dominar. Pedi, silenciosamente, a ajuda de Apolo e de Afrodite. Agora era a hora. — Em nome de Apolo, de Afrodite, de Mirina, de Louise, de Colin, de Dylan, em nome de todas as outras pessoas que você matou, de todas as famílias que você destruiu, de todos os deuses que você ameaçou, e em nome de sua própria família. Eu te expulso, Cila! Eu te expulso desse corpo inocente! Eu te expulso desse mundo! Eu te expulso para o mundo inferior, e que, dessa vez, demore muito mais de três mil anos para você voltar! Saia, imediatamente. SAIA!

Ao dizer isso, joguei o colar no chão com toda a minha força, espatifando-o e, apenas para ter certeza, pisei em cima, ouvindo o barulho de esmagamento.

Cila gritou, e aquilo soou como música aos meus ouvidos. Foi um grito rouco e distante, fantasmagórico. Alguns segundos depois, uma aura roxa saiu do corpo da mãe de Dylan, como se seu próprio espírito estivesse a deixando, e eu soube que era ela. Pude ver o rosto real de Cila. Ela era linda. Ou pelo menos foi, algum dia. O corpo, agora sem vida, caiu no chão, imóvel. No mesmo instante, ouvi o murmúrio dos campistas que haviam sido descongelados atrás de mim. Corri até Colin para socorrê-lo. Apoiei sua cabeça no meu colo e tentei segurar as lágrimas quando ele abriu debilmente os olhos e soltou um sorriso fraco ao me ver.

— Você conseguiu — disse Colin, procurando minha mão. Eu peguei a sua e a apertei.

— É claro, seu idiota — ri fraco em meio as lágrimas. — Achou que eu ia deixar ela nos derrotar?

— Estou orgulhoso de você — uma nova voz disse. Senti meu corpo gelar. Eu conhecia aquela voz, mas não podia ser...

Levantei o olhar para encarar o deus Apolo de pé bem na minha frente, segurando o arco mais lindo que eu já havia visto enquanto me encarava com um sorriso orgulhoso. Ao seu lado, a mulher mais bonita que eu já vira na vida, sorria enquanto mudava de feições a todo momento.

— Foi você quem...

— Atirou? — ele riu, completando minha pergunta. — Sim, fui eu. Eu sabia que você tinha capacidade para vencer Cila sozinha, mas Afrodite disse que se não ajudássemos logo ela ia acabar matando o garoto — ele revirou os olhos.

— Não seja indelicado, Apolo — Afrodite sorriu, olhando para Colin e para mim. — A garota merece um final feliz. Veja! Ela ama ele — a deusa deu uma risadinha, apontando para a minha mão apertando a de Colin.

— Bem, não importa — Apolo deu de ombros. — O que importa é que você se saiu muito bem — piscou para mim.

— Obrigada, pai — sorri. Apesar de ele não ter me visitado desde que minha mãe se fora, naquele momento eu não podia cobrar nada dele, e muito menos sustentar qualquer mágoa que tivesse guardado. Ele salvara a minha vida. — Eu nem sei como agradecer.

— Não se preocupe — ele sorriu. — Você é igualzinha à sua mãe.

Não pude responder. Colin apertou minha mão, fazendo uma careta de dor.

— Ah, deuses — olhei preocupada para ele. — Pode ajudá-lo? — ergui o olhar suplicante para meu pai.

Afrodite soltou outra risadinha e respondeu por ele.

— Você é filha do deus da medicina. Pode cuidar disso sozinha.

Engoli em seco. Medicina não era o meu forte, apesar de eu saber alguns truques.

— Certo — resmunguei e desviei o olhar para Colin.

— Foi bom ver que não dei a minha benção a você à toa, Julieta — Afrodite tornou a falar. Ela parecia satisfeita. — Sabia que não me decepcionaria.

— Obrigada — sorri, grata.

— Temos que ir agora — Apolo disse com um suspiro, se dirigindo a Afrodite.

— Adeus, pai — murmurei com um aceno de cabeça.

— Até mais, Julieta.

Ambos lançaram mais um sorriso para mim, e, então, começaram a brilhar. Fechei os olhos e tampei os de Colin com a mão livre. Quando o brilho cessou e pude os abrir novamente, eles já haviam sumido. Suspirei.

— Também estou orgulhoso de você — Colin disse, abrindo um pequeno sorriso dolorido.

— Fique quieto — eu ri. — Vai ficar tudo bem. Vou cuidar de você.

— É bom saber que me ama — ele comentou e eu senti minhas bochechas queimarem.

— Colin, é sério, cale a boca antes que eu mude de ideia e te deixe aqui para morrer — ele achou graça.

— Também amo você.

Naquele momento, nada mais importava. Colin estava bem.

Eu estava tão feliz que sequer notei a baderna que os campistas faziam.

Ou melhor, a baderna que Dylan fazia.


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Notas finais do capítulo

Notaram a quantidade simplesmente excepcional de palavras? Notaram a qualidade avançada na escrita? Então, foi porque não fui eu que escrevi, foi nossa ilustre amiga Julieta. Ou melhor, Júlia. E sim, eu inspirei a personagem Julieta nela. E eu acho bom vocês se acostumarem com o excesso de romance, porque ela vai escrever a 2° temporada comigo. Sim, vai ter uma segunda temporada, vocês vão entender melhor no próximo capítulo. Até lá =D



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