A Espiã escrita por MandyCillo


Capítulo 13
Capítulo XIII




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Realmente, Sherlock demorou a se arrumar, e ela teve tempo suficiente para cumprir sua tarefa. Com o coração batendo loucamente, colou um aparelho embaixo da mesinha de centro, outro no telefone e mais dois no estúdio. Trabalhou rapidamente, o que lhe deu tempo para servir-se de uma segunda bebida e fazer uma série de respirações profundas, procurando ficar mais calma. Ainda assim, estava tão tensa que quando ele entrou silenciosamente na sala, Molly assustou-se, derramando um pouco da sua bebida.

— Oh, que susto! — exclamou, sem jeito.

— Consciência pesada? — Ele deu uma risadinha e lhe tocou o ombro de leve. — Ora, você está tremendo. O que aconteceu?

A expressão do rosto dele revelava apenas preocupação, mas mesmo assim ela sentiu o sangue congelar em suas veias.

— Não foi nada… Um arrepio... Acho que a morte passou por perto! — falou, procurando dar um tom de brincadeira às palavras.

— Você tem certeza de que está bem? Quer mesmo sair? — Sherlock começou a lhe massagear os ombros e no mesmo instante ela sentiu o corpo reagir àquele toque.

— Sim, claro. Nós já perdemos o concerto ontem, lembra? - Nesse instante percebeu que deveria ter ficado calada, pois não era a hora nem o lugar para recordar a noite passada.

— Como poderia me esquecer? — ele murmurou, beijando-a levemente na orelha e depois descendo os lábios vagarosamente pela linha do seu pescoço.

Ela fechou os olhos, ansiando por aquela boca sedenta, mas para sua surpresa e desapontamento, ele se endireitou e disse rouco:

— É melhor irmos logo, senão vai virar hábito perdermos qualquer espetáculo.

Molly abriu os olhos, intrigada com o sorriso irônico que ele lhe dirigia. Depois, parecendo bem-humorado, Sherlock ajudou-a a vestir o casaco.

Já estavam na portaria do prédio quando ele soltou uma exclamação de aborrecimento.

— Droga! Esqueci as chaves do carro. Espere aqui querida, vou buscá-las e volto num instante.

A espera foi bem maior. Molly já estava conversando com o porteiro há vários minutos quando Sherlock desceu, se desculpando de novo.

— Custei para encontrá-las. Vamos?

–--

Agora que os microfones já estavam instalados no apartamento, ela começou a torcer para que aparecesse uma oportunidade igual de colocar os aparelhos no escritório dele. Quanto mais rápido agisse, mais rápido estaria livre daquela farsa. Pensou em várias desculpas para ir até a empresa, mas nenhuma lhe parecia adequada, era preciso manter o clima de ingenuidade. Um dia, quando estavam dando uma volta no Rolls-Royce, o celular dele começou a tocar. Sherlock atendeu com um ar aborrecido e depois se virou para ela.

— Sinto muito, mas parece que surgiu um problema na empresa. Tenho de ir até lá.

— E não há outras pessoas para cuidar disso? — ela perguntou, fingindo desapontamento.

— Infelizmente, não. Quer que eu a deixe na Harrod's ou em qualquer outra loja? Poderemos nos encontrar na casa de chá mais tarde.

Ela fez um ar pensativo e depois balançou a cabeça com um sorriso.

— Não. Prefiro esperar por você lá mesmo.

— Você é um amor. — Beijou-a, com muito carinho.

Ao chegarem ao escritório, ele lhe indicou uma poltrona, arranjou algumas revistas e pediu à secretária que trouxesse café para Molly. Depois se dirigiu à sala de reuniões.

O café foi trazido logo em seguida, numa bandeja de prata, servida em finíssima porcelana. Ela não conseguiu evitar uma comparação com todos os cafés frios e fracos que havia tomado em copinhos de plástico, durante suas andanças atrás de emprego e nos testes de estúdio.

— Deseja mais alguma coisa? — perguntou a secretária, demonstrando claramente que não estava acostumada a ter visitas femininas no escritório.

— Não, obrigada. E por favor, não se prenda por mim. Poda voltar ao seu trabalho. O Sr. Holmes me arranjou estas revistas e vou ficar muito bem.

— Então… com licença, senhorita. Se quiser alguma coisa é só apertar o botão amarelo.

— Obrigada.

Assim que a moça saiu, Molly abriu a bolsa e começou a procurar os microfones. A tensão fazia seus dedos tremerem. Com um olhar nervoso para a porta, foi até o telefone, mas suas mãos estavam tão úmidas que encontrou dificuldade em retirar a tampa das pilhas do telefone. De repente, ouviu uma voz e quase deixou cair o aparelho.

— Às suas ordens. Deseja alguma coisa?

Por um instante, ficou assustada demais para reagir e a voz repetiu a pergunta, agora num tom lentamente intrigado. Depois ela se recompôs rapidamente. Claro, era a telefonista. Devia ter imaginado que havia uma central para controlar todas as ligações da empresa.

— A senhorita poderia me dar uma linha para fora, por favor? - Falou Molly, subitamente recuperando a coerência de raciocínio.

No instante em que ouviu o sinal indicando que o telefone estava desbloqueado, terminou rapidamente sua tarefa, colocando o microfone no aparelho. Depois, imaginando que talvez a telefonista gostasse de escutar a conversa dos outros, ligou para um salão de beleza, fingindo querer confirmar a hora marcada com o cabeleireiro para o dia seguinte. Feito isso, pôs um microfone embaixo da escrivaninha e outro atrás de um quadro. Mas lhe faltava ainda instalar dois aparelhos!

Examinando a sala, Molly reparou que uma das portas se abria para uma sala menor, provavelmente destinada às reuniões da alta diretoria. Entrou silenciosamente e colou um microfone debaixo da mesa comprida e outro atrás do retrato de um homem de idade, muito parecido com Sherlock. Estava quase acabando de fazer isso quando ouviu barulho de vozes e ficou apreensiva. Virou a cabeça vagarosamente, mas não viu ninguém. Voltou correndo para o escritório de Sherlock e se deixou cair na poltrona, pálida, quase desmaiando de tensão.

Tudo parecia estar terminando, já haviam sido cumpridas as determinações de Charles. Com os microfones instalados, ele teria as informações que desejava e Molly ficava livre daquela encenação. Com as mãos tremendo de emoção, serviu-se de uma xícara de café considerando que, no fundo, Sherlock Holmes merecia o que iria acontecer: o processo, a execração pública, o desprezo de todos que o conheciam. Afinal, se ele tinha agido com crueldade, nada mais correto que levá-lo às barras da justiça. Entretanto, mesmo depois de analisar as várias justificativas de estar participando daquela farsa, não conseguia deixar de lado um forte sentimento de culpa.

Sherlock só voltou depois de uns vinte minutos e, a essa altura, Molly já estava bem mais calma, o suficiente para fingir que lia uma revista.

— Ficou muito entediada por aqui, querida?

— Não, claro que não. — Ela pôs a revista de lado e sorriu. — E sua secretária cuidou bem de mim. O café estava delicioso. Conseguiu resolver os seus problemas?

— Em parte. Estamos em negociações para assumir o controle de uma empresa e surgiram alguns contratempos de última hora. Mas não quero aborrecer você com detalhes técnicos.

— Sou completamente ignorante em negócios, mas gostaria de aprender alguma coisa. Vale a pena adquirir ações dessa companhia que você vai comprar?

Ele deu uma gargalhada.

— Não posso dizer nada, mocinha. Seria contra a ética.

— Mesmo? Por quê?

— Pelo visto, você tem muito a aprender sobre o mercado de ações. Não é justo fornecer informações confidenciais que possam proporcionar lucros somente para os amigos.

Molly chegou mais perto dele e lhe passou os braços pelo pescoço, carinhosa.

— Nem mesmo para mim?

— Nem mesmo para você. E não adianta me tentar. — Ele a abraçou, sorrindo, beijando-a com paixão.

Ela sabia que deveria se afastar. O relacionamento estava chegando ao fim e seria melhor mantê-lo numa base mais contida, mais dentro dos limites da realidade. Mas o toque daquelas mãos fortes a enlouquecia de desejo, não lhe restando outra saída além de corresponder à sensualidade daquele homem.

— Molly…

Ela levantou os olhos semicerrados e viu que Sherlock a observava com um ar triste. Ia começar a dizer alguma coisa quando o telefone tocou e ele foi atender.

Então Molly entrou no lavabo e se olhou no espelho, censurando-se pelo momento de fraqueza. Como podia ser tão boba, a ponto de deixar vir à tona suas emoções, sem ao menos tentar agir de um modo mais frio? Afinal, estavam num ambiente de trabalho, lugar ideal para que ela se mostrasse formal e reservada. Realmente, era impossível negar o poder dos instintos, quando despertados. Lentamente ajeitou os cabelos e retocou a maquiagem com muito cuidado para disfarçar a palidez do seu rosto.

Ao sair, ficou aliviada ao ver que Sherlock ainda estava ao telefone. Ele sorriu e lhe fez um sinal para se aproximar, passando-lhe o braço pela cintura enquanto continuava a falar. Molly imaginou que seria útil escutar a conversa, mas acabou decidindo que não queria fazer isso e se permitiu aproveitar o calor daquele abraço, deliciada com a energia de Sherlock. Finalmente, ele desligou o telefone.

— Sinto muito por tudo isto querida, mas de vez em quando surge uma crise como esta. É bom você ir se acostumando.

— Está bem, mas… Sherlock, você se importa de cancelar os nossos planos para hoje? Estou com uma dorzinha de cabeça e…

No mesmo instante ele procurou ajudá-la, se oferecendo para chamar o médico da empresa e tentando fazê-la descansar um pouco no sofá.

— Oh, não é preciso nada disso, Sherlock. Não estou assim tão mal. Com um bom banho quente e algumas horas de sono tudo vai passar.

Ele finalmente concordou e acabou por levá-la de volta para casa. Ao se despedirem na porta do prédio, Sherlock perguntou:

— Tem certeza de que vai ficar bem sozinha? Está muito pálida.

— Claro. Pode ficar sossegado. Vou tomar um banho, relaxar um pouco e amanhã estarei nova em folha. — Ela sorriu. — Tenho que estar. É o dia do leilão do colar de Sarah Bernhardt!

Ao entrar no elevador, Molly se apoiou na parede e fechou os olhos, exausta. A dor de cabeça não era fingimento e estava se tornando insuportável. Toda a tensão acumulada explodira agora dentro do seu cérebro. Felizmente estaria livre daquela representação por aquela noite.

Assim que entrou no apartamento tomou duas aspirinas, tirou o vestido e se atirou na cama. Tentou dormir, mas estava inquieta demais e os acontecimentos das últimas semanas teimavam em lhe voltar à lembrança, misturados com as preocupações que nutria pelo futuro. Não levaria muito tempo para Sherlock ser desmascarado. Tentou imaginar como ele reagiria, o que iria acontecer. Talvez fugisse do país, deixando os diretores da empresa incumbidos de tentar consertar a situação. E se adivinhasse que ela havia tomado parte em tudo aquilo? Certamente iria procurá-la, sedento de vingança… Será que ela poderia acabar como Sarah Magnussen? Mas a essa altura Sherlock já não teria como encontrá-la. Molly Hooper voltaria ao meio teatral, de onde nunca deveria ter saído.

♫♪♫

Lágrimas grossas começaram a rolar por seu rosto e ela as enxugava irritada com a demonstração de fraqueza. O que estaria acontecendo? Teria perdido o controle sobre seu corpo, sobre suas emoções? Já havia enfrentado tantas situações difíceis, não tinha sentido ficar tão abalada. Afinal, bastaria confiar em sua capacidade como atriz!

Ansiosa, tomou mais duas aspirinas e fechou os olhos com força, procurando esquecer aqueles acontecimentos. Fazia tempo que não dormia bem, por isso, quando o sono chegou, foi profundo a ponto de Molly não ouvir o telefone tocando, apesar das várias chamadas.

Um sexto sentido provavelmente deve tê-la avisado de que não estava sozinha no quarto, trazendo-lhe a consciência da presença de Sherlock ali. O lugar estava mergulhado na semi escuridão, a luz avermelhada do crepúsculo se filtrando através das cortinas, mas ela pôde perceber que era observada com um ar triste e pensativo, expressão que, aliás, já tinha visto no rosto dele. Ao vê-la abrir os olhos, ele chegou mais perto da cama, mas permaneceu em silêncio. Uma espécie de corrente elétrica parecia estar fluindo entre ambos, mais forte do que qualquer coisa que Molly pudesse ter sentido antes, algo quase primitivo e de grande intensidade.

Ela ficou com medo de falar ou se mexer, deitada, esperando alguma explicação para aquela atitude.

Finalmente ele resolveu dizer alguma coisa:

— Está tudo bem, não tenha medo. Sou eu, Sherlock.

— Eu não estou entendendo… O que está fazendo aqui? Como entrou?

Ele sentou-se na beirada da cama.

— Convenci o zelador a me abrir a porta. Liguei para cá várias vezes e como você não atendeu, fiquei preocupado.

— Não ouvi o telefone, tenho um sono muito pesado. — Começou a se levantar e tomou consciência de que estava praticamente nua, já que a camisola havia subido quase até a cintura. Puxou-a para baixo, com um gesto apressado.

Sherlock a fez deitar-se de novo, com grande delicadeza.

— Esteve chorando? — perguntou intrigado.

— Foi por causa desta maldita dor de cabeça. Devo estar horrível

Ele lhe examinou o corpo, com um brilho carinhoso no olhar.

— Você está linda como sempre. Por que não tira a roupa e se deita de um jeito mais confortável? — Seu tom era paternal e ela obedeceu, sem hesitar. Foi para o banheiro, removeu o resto da maquiagem, tomou um banho demorado e vestiu o melhor conjunto de robe e camisola que possuía. Charles Magnussen lhe dera bastante dinheiro para comprar roupas adequadas ao papel de milionária, entretanto, ela só não havia pensado em trajes de dormir sofisticados. Quando voltou ao quarto, encontrou Sherlock esperando com uma xícara de chocolate quente nas mãos. A cena parecia tão irreal que Molly quase soltou uma gargalhada.

— Qual foi a graça? — ele perguntou.

— Desculpe, é que nunca imaginei você servindo de babá para alguém.

— Não? E por quê? Parece que você tem ideias muito erradas a meu respeito. Vamos, venha para a cama. — Ao vê-la hesitar, acrescentou — Pode ficar sossegada, já disse que não quero estragar as coisas entre nós.

Ela sorriu e obedeceu. Sherlock ajeitou os travesseiros e ajudou-a a se cobrir.

— Agora beba o seu chocolate. Você tomou quantas aspirinas?

— Umas seis, mas não ao mesmo tempo.

— Então é melhor não tomar mais nada. Como está a cabeça?

— Bem melhor, obrigada. Sinto muito ter estragado sua noite.

— Minha menina! Como se isso tivesse importância… — Ele estava sentado na beira da cama e fez um gesto como se fosse pegar a mão de Molly, que a puxou tão rapidamente que quase derramou o chocolate. Sherlock a encarou com uma expressão de espanto. — Você me acha um homem repulsivo?

— Não, claro que não. E você sabe muito bem.

— Então, o que está acontecendo? — Ela não conseguia responder.

— Sabe, acho que só existe uma solução para nós.

— S-solução?!

— Sim. — Ele se inclinou e a beijou de leve nos lábios, como se quisesse lhe revelar um carinho todo especial. — Acho que é melhor nos casarmos o mais breve possível… Que tal?


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