A Razão do Rei escrita por Andy


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Finalmente, 15 dias depois, aqui estamos! Eu gostaria de avisar a todos os leitores que pretendo postar de 15 em 15 dias, para ter tempo de escrever os capítulos seguintes e revisar tudo. Assim, eu pretendo evitar chegar àquele momento horrível em que o autor acaba tendo que ficar meses sem postar nada, por não ter mais nada escrito, sabem? Tomara que dê certo!

Ah! Só para avisar os fãs mais assíduos de Tolkien... Olhem, como eu não li os livros d'"O Senhor dos Aneis", nem "O Silmarillion", sei muito pouco sobre a história da Terra Média. E este é o capítulo que tem mais desvios em relação a essa história, por causa disso. Eu sinto muito e peço que, por favor, sejam pacientes com essas alterações. Se possível, me digam se elas ficaram pelo menos convincentes...

Bom, era só isso o que gostaria de dizer a vocês! Muitíssimo obrigada a todos que leram e comentaram! Espero que continuem gostando da fanfic! :D
E até daqui a 15 dias, haha!



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– Se você quiser e permitir, eu vou lhe contar a história e lhe explicar tudo. – o elfo levantou o tom de voz um pouco, não para ser rude, mas para se assegurar de que todos o ouvissem com clareza. – Mas eu realmente gostaria que você parasse de se referir assim ao meu pai. Por favor.

Suas palavras tiveram exatamente o impacto que ele previra que teriam. Os hobbits arregalaram os olhos. Merry apontou para ele e ficou e abrindo e fechando a boca, como se tentasse articular palavras, mas não conseguisse. Pippin deixou o queixo cair e ficou ali, com a boca aberta. Sam agarrou e sacudiu o braço de Frodo como se estivesse tentando lhe dizer algo. Frodo ficou apenas olhando para Legolas, sem ação. Boromir franziu a testa parecendo julgar ter ouvido mal. Até Aragorn, normalmente o mais calmo do grupo (depois de Gandalf, é claro), estava claramente perplexo. Ele ficou olhando de Legolas para Gandalf, tentando adivinhar se o mago sabia daquilo, se Elrond sabia daquilo e se a reunião daquelas pessoas ali naquela noite tinha sido de alguma forma planejada por eles. É claro, não tinha. Não havia como Gandalf ter arquitetado aquilo tudo, ainda mais porque sua mente se ocupava com questões muito mais urgentes que um antigo rancor entre elfos e anões. No entanto, o mago considerava muito boa fortuna que aquela reunião e aquela conversa estivessem acontecendo e se deliciava com isso.

Legolas olhava para Gimli, esperando por uma resposta. O anão, aturdido, ficou encarando-o, tentando ler suas intenções em seus olhos. Ali, só encontrou um desejo (que julgou legítimo, depois de analisar um pouco) de tentar começar de novo.

– Seu pai...? – perguntou cauteloso, querendo uma confirmação de que tinha entendido corretamente.

– Legolas Verdefolha, filho de Thranduil, senhor de Mirkwoods, ao seu serviço. – o elfo se levantou e fez uma mesura, por mais que detestasse do fundo do coração a ideia de se curvar para um anão ou lhe oferecer seus serviços. Mas ele ouvira as palavras de Aragorn e as ponderara com muito mais sabedoria que Gimli e sabia que o companheiro de viagem tinha razão: não podiam começar a brigar entre si, ou a sociedade falharia e todos estariam em perigo. Portanto, estava disposto a deixar o orgulho de lado e a tentar manter a paz, pelo menos por um tempo.

– Gimli, filho de Glóin, ao seu. – disse o anão, se curvando também, ainda que permanecesse sentado. Não havia necessidade de se apresentar, o elfo já sabia seu nome e sua descendência. Mesmo assim, Gimli achou que era uma questão de ser educado. Uma coisa que pode ser dita a seu favor é que ele sabia ser cortês, quando queria.

– Então você é tipo... Tipo um príncipe dos elfos? – Merry, que tinha conseguido finalmente encontrar suas palavras, foi quem falou.

– Sim. Tipo. – Legolas se sentava novamente, sorrindo com os olhos (e apenas com os olhos) para o hobbit. – Apesar de que eu realmente espero nunca ter que assumir o trono, pelo menos não nesta era e se possível não na próxima.

– Por quê? – Boromir perguntou rapidamente. Estava se cansando desses herdeiros que desprezavam seus tronos.

– Como assim? – Sam perguntou ao mesmo tempo.

– Porque, como vocês devem saber, os elfos são imortais...

– A menos que você os mate. – interrompeu Gimli, olhando para Legolas de um jeito bastante sugestivo. Gandalf tossiu de novo.

– Bom, é. Se você ousar tentar e tiver sucesso.

– Então quer dizer que você não morre... A menos que morra. – Frodo franzia a testa, confuso. E não era o único.

– A menos que eu seja morto. – Legolas corrigiu prontamente. Estava começando a gostar de dar aquelas explicações, agora que tinha decidido confiar plenamente nos companheiros de sociedade. – Um elfo não morre de velhice. Cem anos são como um piscar de olhos nas nossas vidas. Mas se o elfo for ferido em batalha, ele morre, assim como os homens. Embora seja muito difícil ferir um elfo de morte. Somos lutadores habilidosos. – ele olhava para Gimli ao dizer isso.

Merry ficou tentado a perguntar a Legolas quantos anos ele tinha, mas se lembrou do olhar que Gandalf lhe lançara mais cedo e não disse nada.

– Então é verdade, os elfos são mesmo imortais... – murmurou Sam, encantado. Para ele, a aventura até ali tinha valido a pena simplesmente por ter podido conhecer Valfenda e os elfos, as criaturas das histórias de Bilbo que sempre lhe trouxeram mais fascínio.

– Sim. – Legolas respondeu, somente pela satisfação de ver o hobbit arregalar os olhos, assustado por ter sido ouvido, quando tinha falado tão baixo. – E é por isso que eu não tenho a intenção de reinar. Que Lorde Thranduil permaneça em seu trono indefinidamente, por quanto tempo quiser.

– É uma boa coisa para Thranduil que você não queira ser rei. – observou Pippin. – Ou você teria que matá-lo, não é?

– Ora, seu Tûk tolo! – exclamou Merry, com medo de que o elfo se ofendesse.

– Ou convencê-lo a renunciar ao trono. – replicou Legolas, sem se importar. No fundo, a observação era bastante pertinente. – O que seria muito melhor, sendo ele meu pai, não é? Nós elfos não apreciamos matanças, de todo modo. É verdade! – ele exclamou para o anão, que tinha começado a resmungar de novo. – Pelo menos, a maioria de nós não aprecia. Somos criaturas pacíficas, vivemos em harmonia com todos os seres. A menos que estejamos caçando, só matamos orcs e outras criaturas desprezíveis, e ainda assim somente quando invadem nossos limites ou ameaçam nossos amigos. – Gimli tinha uma ou duas objeções a fazer, mas surpreendentemente escolheu guardá-las para si.

– É estranho. – comentou Merry. – Ter uma pessoa da realeza viajando conosco. – Aragorn desviou o rosto rapidamente, fugindo do olhar que Gandalf lhe lançara.

– Mas vocês todos estão desviando a atenção do assunto principal! – bradou Gimli, impaciente. – Vamos, elfo, conte-nos sobre os tais motivos que justificam a traição de Thranduil, e vamos ver se são decentes, um mínimo que seja!

– Antes, acho prudente colocar mais lenha no fogo. As chamas já quase se extinguem por completo.

Aragorn se levantou para ir à floresta pegar mais galhos secos e Legolas se ofereceu para ir com ele. Frodo imaginou que ele estivesse tentando ganhar tempo, pensando em como começar sua história, ou algo assim. Os dois voltaram pouco depois, Aragorn com os braços cheios de lenha e Legolas trazendo dois esquilos presos em flechas. Sam imediatamente se apoderou deles e começou a temperá-los da melhor maneira que podia.

– Bom... – o elfo começou ligeiramente hesitante, depois que todos tinham se sentado em volta do fogo que agora queimava com novo ânimo. – Eu vou lhes contar, então, a história de Thranduil Verdefolha, e talvez haja mais compaixão em suas vozes ao falarem nele futuramente. – disse isso olhando para as chamas que consumiam a lenha. Seu rosto e sua voz eram tristes. Aquele olhar reapareceria ali muitas vezes ao longo de sua jornada, pois Legolas, embora fosse inicialmente muito sério (até demais, para um elfo), possuía o mais nobre dos corações e se apegaria profundamente aos amigos, depois de um tempo.

“Tudo começou muito antes de Thranduil ser rei... Muito antes de a Terra Média ser como é hoje, muito antes de os grandes reinos estarem firmados. Esta história se passa ainda em meados da Primeira Era, a Era da Incerteza.

“Os elfos cinzentos, liderados por Oropher, pai de meu pai, ainda não tinham se estabelecido na Floresta Negra. Mas tal era seu desejo e o de muitos outros, homens e anões também recém-chegados à região. Eu sei o que vai perguntar, mestre hobbit. Por que alguém quereria morar num lugar como aquele? Vocês devem ter ouvido nas histórias de Bilbo Bolseiro sobre as árvores de folhas negras, o rio repleto de magia da pior espécie, os galhos infestados de aranhas gigantes...

– Um momento! – foi Frodo quem interrompeu. – Passolargo conhece a história? Gimli ouviu a história de seu pai, nós ouvimos de Bilbo, e Gandalf, bom, ele estava lá... Mas e Passolargo? E... E Boromir?

Todos olharam de Aragorn para Boromir, esperando. O primeiro sorriu para o hobbit:

– Obrigado por se preocupar, meu amigo. As canções e lendas sempre foram parte de minhas andanças. Conheço bem os feitos de Thorin e de seu pequeno ladrão. Aliás, é uma de minhas histórias favoritas.

Boromir pigarreou, parecendo incomodado com toda aquela atenção, e respondeu em voz baixa:

– Eu também. Também conheço a história.

– Então tudo bem... – Frodo retribuiu o sorriso de Aragorn, um tanto embaraçado, e olhou para Legolas. – Continue, por favor. Desculpe.

– Não precisa se desculpar. Façam perguntas sempre que julgarem necessário. Quando se conhece bem demais a história que se está contando, às vezes se acaba deixando detalhes importantes de fora, por distração.

“Portanto todos conhecem a reputação da Floresta. Mas eu posso lhes garantir que ela nem sempre foi assim. Desde o início, quando os primeiros povos chegaram e até o começo desta era, ela sempre foi a mais exuberante das florestas da Terra Média. Então, era conhecida não como “Floresta Negra”, e sim como “Floresta Verde”, Greenwood. Daí vem o nome de minha família, Verdefolha. Meu avô Oropher o adotou quando nosso povo se estabeleceu na Floresta, onde ele pretendia reinar por longas eras, o Rei Verdefolha da Floresta Verde*. É uma vergonha para mim e para todo o meu povo que o nome da Floresta tenha sido mudado e que ela se encontre no estado em que se encontra hoje, tomada por magia negra. Espero viver para ver o dia em que ela voltará a ser digna de seu antigo nome e em que sua exuberância lendária trará mais uma vez glória para o nome de minha família. – o elfo fez uma pausa triste e todos respeitaram seu silêncio. Ninguém fez menção ao fato de que os elfos estavam agora deixando a Terra Média, partindo para a Terra Imortal.

“Bem, foi a floresta verde e rica que chamou a atenção de Oropher quando finalmente depois de longos anos vagando pela Terra Média com os outros elfos cinzentos ele encontrou um lugar que lhe pareceu digno do reino que almejava estabelecer. Entendam... No Mundo Além, de onde viemos, nossos antepassados sempre viveram em florestas. A Floresta Verde era exatamente o que Oropher estava buscando.

“Mas os elfos não foram os únicos a serem atraídos pelo verde glorioso da floresta que refletia a luz do sol em todas as direções e podia ser visto a partir das Montanhas Cinzentas ao norte, das Montanhas Nebulosas a oeste e de distâncias muito maiores ao sul e ao leste. Homens e anões também se aproximaram, pois a Floresta era uma verdejante promessa de abrigo, alimento e água fresca. Numa época em que os povos ainda estavam definindo seu espaço, a cobiça em torno dela era inevitável.

Houve guerra. Ou talvez seja melhor dizer “guerras”, pois foram diversas batalhas isoladas, em que os povos se enfrentavam sempre dois a dois. Uma batalha de elfos contra homens. Outra de homens contra anões. Depois de um tempo, clãs de homens passaram a lutar também uns contra os outros. O mesmo aconteceu com os anões, cujas famílias também tinham (e acho que ainda têm, embora meu conhecimento sobre anões não seja muito amplo) suas rivalidades. O fato é que sempre que dois povos lutavam, o terceiro cruzava os braços e assistia, esperando que eles se destruíssem mutuamente. Essa parecia ser a estratégia adotada por todos. Por isso, a disputa pelo domínio da Floresta ficou conhecida como “Guerra dos Pares”. Talvez esse nome apareça em alguma das canções que vocês conhecem.

A raça dos homens foi a primeira a cair. Sua unidade ruiu, enfraquecida pelas lutas internas, e as famílias se dissiparam. Pelo que a história conta, parte dos sobreviventes migrou para o sul, mas a maioria foi na direção nordeste, onde foi fundada a cidade de Valle, à sombra da Montanha Solitária, cuja história vocês já conhecem.

Restaram, portanto, os elfos e os anões. Várias batalhas entre os dois povos se sucederam, mas os elfos possuíam uma vantagem óbvia: estavam adaptados à vida (e à guerra) em meio às árvores. Ainda que o clima, a fauna e a flora da Floresta Verde fossem ligeiramente diferentes daqueles da floresta em que viviam do Mundo Além, os elfos possuíam vasto conhecimento sobre quais plantas eram venenosas e quais tinham propriedades medicinais; conheciam as línguas de vários animais que viviam ali e podiam usá-los como mensageiros; sabiam quais copas de árvores forneciam os melhores esconderijos; eram capazes de elaborar armadilhas indetectáveis; conseguiam identificar sinais da passagem de seus inimigos mesmo que estes tentassem esconder sua presença; e graças aos seus sentidos adaptados à vida nesse tipo de ambiente, podiam continuar lutando mesmo durante a noite, utilizando de truques antigos dos quais os anões jamais desconfiariam. Os anões podem entender de guerras subterrâneas em cavernas e minas, mas na floresta eles não tinham como subjugar a força élfica. Desse modo, seu contingente foi diminuindo cada vez mais rápido, até que eles se viram sem saída.

Vocês devem estar se perguntando por que eles não desistiram da guerra e partiram para conquistar outras terras, como os homens fizeram. A questão é que eles não podiam. E eu acredito que eles não o fariam, mesmo que pudessem. Anões são criaturas terrivelmente teimosas. Preferem lutar até a morte em guerras perdidas a assumir uma derrota. Especialmente quando havia um tesouro envolvido.

Sim, um tesouro. Durante uma batalha contra os homens, os anões haviam encontrado uma caverna. E dentro dela encontraram... ouro. Ouro puro, da mais fina qualidade. Por um acaso do destino, eles haviam caído dentro de uma mina natural. Uma mina pequena talvez, em face de outras, mas qualquer moeda perdida já é o suficiente para despertar a ambição doentia que esses seres têm pelo metal. E foi essa ambição que os levou a continuar resistindo e morrendo por tanto tempo, até que se viram encurralados, presos na caverna.

Depois disso, foi apenas uma questão de tempo. Oropher armou um cerco em torno da entrada e esperou com os outros elfos. Por mais que anões amem o ouro, nem mesmo eles podem comê-lo. As provisões que eles tinham estocado logo se esgotaram. Alguns chegaram a morrer de fome, recusando-se a entregar o tesouro, mas os menos resistentes acabaram cedendo e fizeram um acordo com Oropher. Foi assim que os anões da linhagem de Durin deixaram a Floresta Verde e partiram sem levar nada consigo, a não ser um ódio terrível em seus corações. Esses mesmos anões acabariam depois encontrando um tesouro muito maior e fundando Erebor, o esplendoroso reino sob a Montanha. Quanto à caverna, ela foi explorada e ampliada pelos elfos e hoje é o palácio do rei, onde ele guarda sua riqueza e de onde governa seu povo com sabedoria e justiça.

– Então quer dizer que todo aquele ouro hoje pertence...? – os pensamentos de Merry estavam cheios de moedas, taças, pratos e outros objetos dourados.

– Ao meu povo.

– Que roubou do meu povo. – observou Gimli com rancor.

– Ao vencedor cabe o espólio, não foi sempre assim na arte da guerra?

– Vocês venceram covardemente. É assim que vocês gostam de terminar suas batalhas, não é? Deixando os inimigos sitiados, em vez de pegarem as armas e lutarem honradamente!

– Isso se chama “estratégia”. Não somos tolos para sacrificar os nossos em lutas desnecessárias. Além disso, um acordo é um final muito mais satisfatório. Poupa vidas. Como eu disse, somos criaturas pacíficas. Tentamos sempre, na medida do possível, ser misericordiosos e fazer as pazes com nossos inimigos.

– Você pode ficar com sua misericórdia. Meu povo jamais fará as pazes com o seu.

– Não se preocupe, eu jamais esperaria isso de anões. Nobreza não é uma de suas características mais marcantes. Aliás, não é uma de suas características, em absoluto.

– Muito bem, já chega disso. – Gandalf achou por bem intervir. – Todos já entendemos que vocês pretendem se odiar para todo o sempre. Poupem-nos dessas discussões sem sentido! Meu caro Legolas, se importa de continuar sua história? Estamos todos ansiosos para saber o que aconteceu depois que Oropher assumiu o domínio da Floresta. – o mago tinha razão. Os quatro hobbits olhavam para o elfo como se estivessem hipnotizados, mal chegando a piscar. Até mesmo Sam, que antes estivera tão sonolento, agora estava completamente desperto e atento.

– Claro, deixe-me continuar... Perdoem-me. – o pedido de desculpas foi dirigido aos hobbits, e não a Gimli, que tinha novamente cruzado os braços e congelado a expressão numa carranca contrariada.

“Depois que os anões foram derrotados, Oropher e os elfos se dedicaram a explorar a floresta e marcar fronteiras. Logo um reino foi erguido. A caverna foi, como eu disse, transformada no palácio real e uma estrada foi construída, atravessando a floresta. Foi essa, aliás, a estrada que Thorin e companhia tentaram seguir, séculos mais tarde.

– E foi nesse palácio que foram mantidos prisioneiros, como se Thorin fosse um ladrão qualquer. – Gimli simplesmente não pôde se conter. Não tinha gostado nada da maneira como Legolas tinha frisado a palavra “derrotados”, provocando-o. E não estava disposto a deixar que ele ficasse ali falando como se os elfos tivessem feito um grande favor aos anões construindo aquela estrada para eles passarem.

– Bom, pelo que eu me lembre, Thranduil ofereceu ajuda a Thorin, que não apenas se recusou a aceitá-la, como foi extremamente rude.

– Ajuda, pois sim, em troca de parte do tesouro, não é? Thorin não era tolo. Nunca confie num elfo! Nunca confie num elfo!

Legolas estava pronto para responder à altura quando encontrou o olhar de Gandalf. Inspirando fundo, se voltou para os hobbits, ignorando o anão e elevando ligeiramente o tom de voz:

– Depois que o reino de Greenwood estava completamente estabelecido, Oropher marchou com alguns de seus maiores guerreiros para a cidade de Valle, onde ofereceu sua amizade aos antigos inimigos de guerra. Logo se iniciou um comércio entre os dois povos através do Rio Corrente, trazendo muita prosperidade para a região. Foram anos dourados e a paz reinou por muito tempo.

– Por que Oropher não tentou fazer as pazes com os anões de Durin? – Boromir não tinha a intenção de provocar o elfo nem de abrir espaço para que uma nova discussão se iniciasse. Logo que se deu conta do que tinha falado, lamentou suas palavras, mas continuou a olhar para o elfo, agindo como se nada tivesse acontecido.

– Erebor ainda não existia. – felizmente, o tom de voz de Legolas foi calmo ao responder. – Tudo o que Oropher sabia era que os anões haviam partido em direção à Montanha, onde provavelmente lutavam com orcs ou goblins. De todo modo, eles ainda precisariam de algumas décadas para erguer Erebor. É como dizem, Osgiliath não foi construída em um dia, não é?

“Mas nós nunca desistimos de fazer as pazes com os anões de Durin, como eu vou lhes contar mais adiante.

O fato é que graças ao comércio com Valle e às riquezas da floresta, Greenwood prosperou. Eventualmente viajantes entravam na floresta e eram recebidos como amigos nos salões do rei. Raramente orcs e outras criaturas hostis adentravam nossos domínios e os poucos que o faziam não chegavam a representar ameaças. De seu trono na caverna-palácio, Oropher assistiu enquanto pouco a pouco as guerras cessavam e os povos encontravam seus lugares na Terra Média. Logo as notícias a respeito de batalhas se tornaram uma raridade. A paz parecia ter finalmente chegado. E assim foi até que a Grande Escuridão da Segunda Era se aproximasse.

O silêncio que se estabeleceu enquanto os outros absorviam as palavras de Legolas foi agourento. Os hobbits nasceram anos depois de a Grande Escuridão ter terminado e raramente suas canções faziam menção àqueles anos sombrios. Ninguém gostava de falar neles. No Condado, eles eram uma espécie de tabu, do tipo que fazia os adultos taparem os ouvidos das crianças e ralharem com quem quer que os tenham mencionado. Mas qualquer coisa que fosse mais excitante que a colheita do outono parecia ser um tabu no Condado. Se os adultos tremiam ao ouvir as palavras “escuridão” e “guerra”, também o faziam ao ouvir “viagem”, “descoberta”, “invenção” e “excursão”. Alguns evitavam até falar em botas – afinal, por que alguém usaria botas se não estivesse pronto para partir atrás de encrenca? Porém havia um certo hobbit que gostava de falar sobre todas essas coisas e o fazia sem nenhum constrangimento. (“É o sangue”, dizem os Sacola-Bolseiro. “Sangue ruim só produz ovelhas negras.” Eles se referem, é claro, à linhagem Tûk, da qual parecem descender todos os hobbits causadores de confusão e aventureiros de que se tem notícia. O leitor vai querer se recordar de que a mãe de Bilbo era uma Tûk, das mais comportadas, é verdade, mas ainda uma Tûk. Assim como o é nosso amigo Peregrin, que não é nada comportado para um hobbit, afinal ele está em uma aventura neste exato momento, caso a memória do leitor tenha falhado em se lembrar, diante da calmaria desta noite em que a sociedade conta histórias em volta da fogueira e assa esquilos à luz da lua.) Por isso, é claro, Frodo, Sam, Merry e Pippin sabiam mais sobre a Grande Escuridão, sobre Sauron e sobre Isildur do que a maioria dos hobbits. Mas eles nunca conseguiram julgar se possuir um conhecimento detalhado sobre aqueles anos era algo bom ou não.

Aragorn, Boromir e Gimli estavam perdidos em seus próprios pensamentos sobre a Segunda Era quando Gandalf falou:

– É, acho que nós nos lembramos claramente até demais do poder dessas forças malignas, não é, Sr. Bolseiro?

– Com certeza... – quase inconscientemente, Frodo levou a mão ao local onde a lâmina morgûl o havia atingido e estremeceu.

– Sr. Frodo... – Sam tocou o braço dele, preocupado.

– Eu estou bem, Sam. – Frodo tentou tranquilizá-lo, sorrindo de leve para o amigo.

Todos ficaram olhando para um Frodo constrangido por mais alguns instantes, até que Legolas chamou a atenção de volta para si:

– Então... A próxima parte da história... – ele hesitou, parecendo não saber como continuar. Olhou para cima, para as estrelas, como se buscasse o auxílio delas. Seu rosto estava triste.

Os outros esperaram, e como ele não disse nada, Boromir se pronunciou, impaciente:

– Sim?

Legolas engoliu em seco e não sem surpresa Frodo observou enquanto o rosto dele se iluminava num sorriso amplo e verdadeiro. O elfo não tirou os olhos das estrelas por um segundo, nem enquanto respondia:

– Se vocês permitirem... Eu gostaria de contar a próxima parte de uma maneira diferente. Não da forma impessoal como contam os livros de História, como eu fiz até agora. E nem da forma vaga como contam as canções... – ele fez uma pausa e seus olhos continuavam sorrindo para os céus. Frodo achou que ele parecia muito mais jovem assim, olhando para o alto com as mãos apoiadas nos joelhos, com aquela expressão estranha, contente e quase sonhadora no rosto. O que não fazia muito sentido, sendo Legolas um elfo. – Se vocês permitirem, eu gostaria de lhes contar da forma como a minha mãe me contou.

Mãe? – o tom de voz de Sam, meio assustado, meio sem ar, atraiu a atenção de todos, inclusive do elfo, que franziu as sobrancelhas, confuso. O hobbit olhava para ele completamente estupefato.

O que ele tinha dito? Legolas olhou para os outros hobbits, em busca de alguma indicação de que ele tinha dito algo que não devia ou algo que fosse estranho para os de sua raça, mas eles pareciam tão confusos quanto ele com a reação do amigo. Ele então respondeu cautelosamente, bem devagar:

– Sim... Minha mãe. – ele esperou, mas Sam não reagiu. – Eu tenho uma, sabe? – completou, erguendo uma sobrancelha. O hobbit continuava imóvel com uma expressão ridícula, a boca entreaberta, congelada no rosto. De repente, Legolas compreendeu: – Espere um segundo... Você não acreditou naquela bobagem de que elfos nascem de ovos não chocados de pardais gigantes do norte, ou coisa assim, não é? – quando Sam fechou a boca, Legolas se sentiu mais frustrado do que ofendido. – Pelas estrelas... Como alguém pode acreditar numa história dessas? – ele fez uma breve pausa, perplexo. – Não acredite em tudo o que ouve, Samwise Gamgi. – o hobbit se sobressaltou e arregalou os olhos quando o elfo falou seu nome, que ele nem se lembrava de ter-lhe dito. – É impressionante como as pessoas tendem a acreditar em qualquer coisa que seja dita sobre elfos, até as bobagens mais estapafúrdias. Se você disser que é sobre elfos, as pessoas vão acreditar. Nós somos tão misteriosos assim? – a frustração do elfo era quase cômica, mas ninguém riu, todos anestesiados pela estranheza do momento.

– Nem me fale! – Gandalf falou em tom de desabafo, como se subitamente tivesse ficado muito cansado. – É a mesma coisa com magos! Vocês acreditam que outro dia eu estava numa estalagem à beira da estrada perto do limite do Ermo e o filho do estaleiro veio me perguntar se eu queria a vassoura da mãe dele emprestada? “Por que eu desejaria tal coisa, meu jovem?”, eu perguntei. E ele disse que achava que o vento estava bom e que eu preferiria seguir viagem voando a prosseguir montado num cavalo. Imaginem só, um mago voando numa vassoura...

Ninguém se moveu diante da história do mago. Ficaram todos apenas olhando para ele, em silêncio profundo. Legolas parecia ainda mais perplexo do que antes, com as sobrancelhas franzidas numa expressão que parecia perguntar “O quê?” Aragorn tinha erguido uma sobrancelha, e assim ficara. Os hobbits olhavam para Gandalf com expressões vazias. A julgar por seu rosto, Boromir devia estar pensando “como eu vim parar no meio desse monte de malucos?” E Gimli... Era difícil dizer, por trás daquela barba toda, mas ele parecia não estar entendendo o objetivo de nada naquela conversa. Por alguns segundos constrangidos, eles ficaram congelados dessa forma. Frodo não tinha notado antes que grilos cricrilavam, escondidos em algum lugar em meio à grama. Gandalf deu duas tragadas em seu cachimbo antes de murmurar, constrangido:

– Bom... – ele limpou a garganta. – Bom, o que estão olhando? Continuem, continuem...

Os outros se entreolharam. Legolas balançou a cabeça, tentando clarear as ideias.

– Que seja... – começou ele. – O que estou tentando dizer... O fato é que... Bom... – Frodo nunca viu, nem antes e nem depois desse dia, um elfo tão atrapalhado. Por fim, ele conseguiu dizer: – Você não deve acreditar em tudo o que ouve, hobbit. Eu não nasci de um ovo. Eu tenho uma mãe.

– Tente ser mais wise e menos Sam da próxima vez**. – Frodo brincou, quebrando o gelo e começando a rir. Todos os outros o acompanharam, até mesmo Sam, embora ele tenha dado um empurrão em Frodo. Aquela foi a primeira vez que a Sociedade do Anel compartilhou uma risada. Legolas e Gimli nem perceberam que eles, elfo e anão, estavam rindo juntos, coisa que antes jurariam ser impossível. Gandalf foi o único que percebeu o imenso valor daquele momento.

– Não tem graça, Sr. Frodo...

– Espere só um momento... – Boromir, ligeiramente sem fôlego, foi quem falou. – Como você simplesmente aceitou o fato de que ele tem um pai, e ficou tão surpreso por ele ter uma mãe...?

– Realmente... O que você estava pensando?? – a maneira horrorizada com que Legolas disse isso desencadeou uma nova onda de risadas, dessa vez muito mais forte. Eles tiveram sorte de não haver orcs ou outras criaturas hostis por perto, do contrário o barulho que fizeram certamente as teria atraído.

– Como ela é? – Merry perguntou, enfim, enxugando as lágrimas dos olhos depois de uns bons minutos de risadas incontroláveis.

– Ahnm? – Frodo perguntou em resposta, apertando a barriga, que doía.

– Sua mãe. – Merry olhava para Legolas, que tinha sido o que menos tinha perdido a compostura durante o acesso de risos, mas até ele estava com o rosto ligeiramente vermelho. – Como ela é?

O elfo passou a mão pelo cabelo, afastando uma mecha que caía sobre seus olhos, fazendo-o se arrepender de ter desfeito a trança em que geralmente a mantinha presa, antes de responder:

– Ela era a elfa*** mais bonita que eu já vi em toda a minha vida. – o meio-sorriso que ele lançou para o hobbit foi triste. Ninguém deixou de notar que ele falou utilizando o tempo passado.

– Mais bonita que a Lady Arwen? – foi Pippin quem perguntou, menos sensível que os outros à dor do companheiro de viagem.

Frodo foi o único que percebeu a rápida troca de olhares constrangida entre Legolas e Aragorn, antes de o primeiro responder, num tom um tanto quanto diplomático:

– Bom... Sim. Eu acho. – ele buscou frisar a palavra tanto quanto podia.

Gandalf observou enquanto Aragorn levava a mão ao pescoço, parecendo não notar o gesto, e tocava o pingente que a princesa élfica lhe tinha dado de presente.

– E o que você está esperando? – Gimli chamou a atenção dos companheiros com sua voz grave.

– O quê? – Legolas e Aragorn perguntaram ao mesmo tempo. O guardião pareceu alarmado, provavelmente se perguntando como o anão tinha adivinhado seus pensamentos.

– O que você está esperando para nos contar a história de sua bela mãe, então?

O elfo ficou surpreso com o elogio, apesar do tom rude de Gimli. Ele lhe abriu um meio sorriso agradecido, antes de responder:

– Eu não lhes disse? Teimosos e impacientes, esses anões. Tudo bem, deixe-me continuar...


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Notas finais do capítulo

*O título pode parecer melhor e fazer mais sentido em Inglês: The Greenleaf King of Greenwood.
**Aqui, Frodo faz um trocadilho com o nome do amigo – Samwise. Em Inglês, “wise” quer dizer “sábio”.
***Certo, eu admito. O feminino de “elfo”, tanto em Português quanto em Inglês é “elfo fêmea”. Mas eu sinceramente não gosto desse termo, parece que eu estou falando de animais, sei lá. Por isso, mesmo sendo errado, eu optei por utilizar “elfa”. A palavra “elfa” existe em Português, mas tem um significado completamente diferente: el.fa: s.f. [Agricultura] Cova destinada à plantação de bacelos., in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [consultado em 22-02-2014]. (Obs.: Não me perguntem o que são “bacelos”, também não faço ideia.)