A Razão do Rei escrita por Andy


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Então, gente, depois de anos sem escrever uma fanfic, decidi voltar agora! Sei lá, deu saudade. Então pode ser que os primeiros capítulos estejam meio "assim", com uma escrita meio lenta e enferrujada, mas eu prometo que vai melhorando com o passar dos capítulos, hehe.

Quando comecei a escrever, eu estava terminando de ler "O Hobbit", por isso acho que estava um pouquinho influenciada pelo estilo de Tolkien. Pelo menos, eu gosto de pensar que sim, haha!

Espero que gostem! ^-^
Por favor, se lerem, comentem!



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A noite estava quieta e ninguém falava nem entoava canções. Os únicos sons que se ouviam eram o crepitar da fogueira, pequenos barulhos feitos pelos pôneis e o ocasional uivo distante de um lobo que enchia os corações dos hobbits de temor. Quieto, sentado próximo ao calor do fogo que preferia que não estivesse aceso apesar do frio que sentia, Frodo tentava em vão expulsar de sua mente as lembranças do ataque dos nazgûl, a sensação da lâmina negra perfurando sua pele... Quanto mais tentava não pensar, mais acabava pensando. E quanto mais pensava, mais consciente ficava da dor aguda que emanava daquele ferimento que jamais cicatrizaria, mesmo depois de ter recebido os cuidados do habilidoso mestre dos elfos, Elrond. O pobre Sr. Bolseiro decidiu que não poderia mais aguentar aquele silêncio agourento e tomou coragem para iniciar uma conversa, com um breve pigarro:

– Legolas, eu... – parou imediatamente, assustado com a rapidez com que o elfo virou a cabeça para ele e principalmente com o olhar que encontrou em seu rosto. Ele falara muito baixo, tão baixo que ele próprio mal se ouvira, mas os ouvidos aguçados do companheiro de viagem eram muito melhores que os seus, e ele não tivera problemas em escutar seu nome. Percebendo o efeito que tinha causado (Frodo ainda não se esquecera do ódio nos olhos de Legolas quando Gimli o enfrentara, enquanto discutiam sobre o destino do anel no Conselho de Elrond, alguns dias antes), o elfo tratou de suavizar a expressão no instante em que seus olhos encontraram os do hobbit e esperou, solícito. Engolindo em seco, Frodo tentou outra vez, falando um pouco mais alto agora, embora sua voz falhasse devido às longas horas que permanecera em silêncio: – Eu estava pensando... Você... Você esteve sempre com o Mestre Elrond? – Frodo podia sentir os músculos de seus ombros tensos, seu corpo reagindo ao medo que sentia ao imaginar a possibilidade de ter ofendido o elfo de alguma forma.

Todos no grupo reagiram às palavras do hobbit, que por um instante se perguntou como sua voz chegara até eles, na altura em que tinha falado. Ele pôde sentir quando Sam, que estava sentado ao seu lado, virou o corpo para olhar para ele, provavelmente se perguntando de onde ele tinha tirado aquela pergunta numa hora daquelas. Merry e Pippin se levantaram de onde estavam e se aproximaram, ávidos por uma boa história e, talvez, quem sabe, uma boa canção, embora o elfo não parecesse ser do tipo que gosta de cantar. Gimli, que estava sentado quase fora do anel de luz formado pela fogueira no chão, tentando manter-se tão distante de Legolas quanto possível, mas ainda próximo do calor, levantou os olhos. Pela carranca que se formava atrás de sua barba, Frodo julgou que ele acabava de perceber que falhara em não demonstrar interesse. Aragorn, que estava em pé próximo ao tronco da árvore embaixo da qual tinham armado acampamento, observando o horizonte como se só ele visse algo muito belo à distância, não se moveu um milímetro, mas alguma coisa na posição que ele adotara dizia ao hobbit que ele estava de ouvidos atentos. Boromir, que estivera treinando dando golpes no ar com sua espada, parou no meio de um e lentamente baixou a arma, virando o corpo um pouco de lado para olhar para os companheiros ao redor da fogueira. E Frodo podia jurar que vira a ponta do chapéu de Gandalf (que estava sentado soprando anéis de fumaça com seu cachimbo sobre um velho tronco de uma árvore que devia ter caído ali há muito tempo) se mexer alguns centímetros para esquerda, como se o mago inclinasse a cabeça para ouvir melhor. Legolas, por sua vez, ergueu as sobrancelhas, pego de surpresa por aquela pergunta e muito consciente da atenção que ela tinha despertado.

– Não, na verdade eu cheguei alguns dias depois de vocês, mestre hobbit. Embora eu já tenha estado com o Mestre Elrond antes, há muitas... luas. – ele disse, enfim, hesitando brevemente no final por não estar certo de quão precisa informação ele queria fornecer àquela pequena criatura. Não que ele desconfiasse de Frodo. Se Gandalf, por quem ele nutria grande respeito, embora não tivesse tido nenhuma experiência pessoal com ele antes, e Elrond, por quem seu respeito era ainda maior, acreditavam no hobbit, então ele também acreditava. Mesmo que a única lembrança que possuísse de um hobbit, uma lembrança bem antiga, não fosse das que mais lhe orgulhavam. Legolas sempre fora muito cauteloso, porém, e naquele momento a surpresa o levava a ter ainda mais cuidado. – Mas por que pergunta?

Todos os olhares (inclusive o de Gandalf, embora ninguém tenha notado) se voltaram para Frodo. Isto é, todos, exceto o de Aragorn, que permanecia resolutamente distante. Mas até ele mudou o peso do corpo para a outra perna bem nesse momento, o que o hobbit interpretou como um sinal de que ele também ansiava por sua resposta.

– É que... Bom, enquanto estávamos em Valfenda, eu observei que a maior parte dos elfos que estavam ali tinham os cabelos castanhos e eu pensei que os que eram loiros, como você, deviam ter vindo de algum outro lugar... Talvez. – verdade seja dita, nada daquilo nunca se passara na mente do Sr. Bolseiro, até aquele exato momento, em que ele desesperadamente improvisou aquela desculpa. De fato, a única coisa que motivara sua pergunta fora seu desejo desesperado de romper o silêncio, feito do qual agora se arrependia um pouco. No entanto, a resposta deixou o elfo impressionado, e Frodo, mesmo sem saber, embora não totalmente sem merecer, subiu um pouco em seu conceito.

– Sim, é verdade. Uma maneira de identificar de onde vem um elfo, embora não seja mais totalmente segura nesta Era, em que os elfos já se espalharam por toda a Terra Média... – nesse momento, Gimli resmungou para si mesmo “a praga já se alastrou por todo lado”, o que fez uma ponta de satisfação brotar no interior de Legolas, que apesar disso continuou como se não tivesse ouvido coisa alguma: –... e já houve muita migração entre os reinos élficos... – o anão, que agora enrolava sua barba, um tanto desconfortável, continuava resmungando sobre como ele nunca chamaria um elfo de “rei”, mesmo que isso lhe custasse sua vida. –... é observar a cor de seus cabelos.

Depois dessa confirmação, um novo silêncio, desta vez um do tipo estranho e constrangedor, se instaurou entre os componentes da Sociedade do Anel, que na época ainda não era conhecida por todo o mundo, e sobre a qual ainda não existiam todas as canções que hoje existem. Todos permaneciam quietos (até mesmo o mal-humorado Gimli, que tinha enfim se cansado de toda aquela resmungação), na expectativa de que Legolas continuasse. Este, porém, embora com certeza soubesse exatamente por que os companheiros esperavam, não disse mais nada, voltando o olhar para o fogo, o qual diminuía um pouco, intimidado pelo vento gélido que tinha começado a soprar.

Alguns minutos se passaram até que a curiosidade venceu Pippin e ele timidamente (como Merry e os outros hobbits jamais imaginaram que Pippin pudesse falar) perguntou, erguendo a mão como se pedisse licença:

– E... De onde você vem, então?

Os olhos profundamente azuis do elfo se fixaram nos do hobbit por alguns instantes e depois furtivamente correram para o anão por algumas frações de segundo, antes de voltarem a Pippin, quando ele finalmente respondeu:

– Eu venho de Mirkwood*, do reino élfico da Floresta Negra, onde reina Thranduil, Senhor Sob As Árvores. – seu tom foi solene e respeitoso, mas houve algo a mais em sua voz ao mencionar o nome de seu rei, algo que Frodo não conseguiu identificar imediatamente.

E também não houve tempo para muitas ponderações sobre o assunto, pois Gimli imediatamente se levantou e começou a gritar, esquecendo-se da discrição que se deve manter quando se tem algum juízo e se está acampando a céu aberto e se está sendo perseguido por nazgûls:

– Mirkwood? Aquele Mirkwood? Você é um súdito de Thranduil, O Covarde? Thranduil, O Traidor? – Gimli brandia seu machado e parecia prestes a partir para cima de Legolas, que permaneceu sentado, olhando para ele com um brilho nos olhos no qual havia fúria e ódio, mas também algo a mais, cujo nome Frodo não sabia. – Eu não vou seguir viagem com um maldito elfo da floresta, eu não...

– Acalme-se, Gimli, filho de Glóin! – Aragorn, que de algum modo previra a explosão que se aproximava, viera rápido como o vento e se colocara entre o anão e o elfo, com os braços abertos numa atitude pacificadora. – Você não vai querer despertar as criaturas da noite com toda essa gritaria. E também não vai querer atacar um companheiro da Sociedade. Se nos voltarmos uns contra os outros, logo estaremos todos mortos e Sauron não vai precisar nem sujar as mãos. Você não vai querer ser o responsável por entregar o anel ao Senhor das Trevas, vai?

No meio da confusão, ninguém notou o olhar indignado que Samwise Gamgi dirigiu ao mago, que permaneceu calmamente fumando seu cachimbo, de costas para todos, como se não se importasse com nada daquilo. Os outros olhavam de Aragorn para Gimli, e apenas Frodo continuava prestando atenção em Legolas, que não aumentou o tom de voz um decibel sequer ao dizer:

– E é melhor você tomar cuidado com a maneira como se dirige ao soberano de outros... – o elfo, que estivera observando a fogueira, ignorando (ou fingindo ignorar, pois o Sr. Bolseiro poderia jurar ter visto, apenas por alguns instantes, o brilho de uma faca aparecer em algum lugar nas vestes dele) a ameaça do anão desde a chegada de Aragorn, olhou diretamente para ele: – ...seu filhote de orc mutante. – apesar do tom de voz e das palavras agressivas de Legolas, Frodo pensou ter visto uma ponta de um sorriso dançar no canto dos lábios dele por um momento. Julgou, porém, que seus olhos o engaram, porque no segundo seguinte não havia mais vestígio de sorriso nem de coisa alguma no rosto do elfo, que se tornou uma máscara da mais perfeita serenidade.

Aquelas palavras provocaram uma nova explosão, muito pior, e Aragorn teve até certa dificuldade em conter Gimli, enquanto este esperneava e dava socos no ar aos gritos de “Eu acabo com ele! Eu vou acabar com ele! Eu vou mostrar para ele que eu sou muito pior que qualquer orc, eu vou...!” Boromir correu para fazer o que podia para ajudar. Os hobbits, apavorados, não conseguiram fazer nada, ficaram apenas olhando. Mas Sam podia jurar que ouviu Gandalf tossir, como se estivesse tentando ocultar uma risada.

Depois de vários minutos, Gimli pareceu se cansar, ou ceder às palavras de Aragorn, quem sabe, se é que ele as ouviu, e parou de resistir. Arfando por causa do esforço, mas tentando esconder a respiração acelerada da melhor forma que podia, ele cruzou os braços e voltou a se sentar na grama umedecida pelo sereno da noite.

– Muito obrigado! – disse Aragorn, dirigindo-se a Legolas num tom sarcástico enquanto se sentava numa grande pedra próxima a ele. Em resposta, o elfo apenas fez um movimento com a cabeça como quem diz “a seu serviço”. Merry achou aquela atitude um tanto infantil, como se ele tivesse o direito de pensar qualquer coisa desse tipo sobre qualquer pessoa, diga-se de passagem.

Frodo já começara a ficar desanimado, pensando que o silêncio iria voltar e que dessa vez ninguém teria a coragem de interrompê-lo, quando Gimli falou outra vez:

– Eu detesto elfos. – o tom de sua voz, embora mal-humorado, não parecia ter a intenção de ofender. Na verdade, ele parecia estar apenas pensando em voz alta, falando consigo mesmo. – E detesto mais ainda os malditos elfos da floresta.

– Há muita injustiça por trás desse seu ódio, mestre anão. – a calma com que Legolas falou surpreendeu a todos, menos a Gandalf, que conseguiu ouvir a amargura na voz dele ao dizer a palavra “anão”.

– Injustiça? Injustiça? Nenhum anão jamais se esqueceu da história, elfo. Nós jamais nos esqueceremos. – Gimli, que era um anão bastante decente, ainda mais sendo filho de quem é, esforçou-se o máximo que pôde para manter a voz baixa, em retribuição à maneira como o outro se dirigira a ele. Não conseguiu mantê-la tão calma, mas Legolas se deu por satisfeito, mesmo que não o tenha dito.

– Que história? – Pippin interrompeu, ansioso por finalmente ouvir alguma. Isso lhe custou uma cotovelada nas costelas, aplicada por Merry. Mas ele não entendeu o motivo e murmurou um “ai” indignado, esfregando o local com as duas mãos e olhando feio para o amigo.

– Há muito tempo, ainda na Primeira Era, quando os elfos e os anões e os homens ainda estavam definindo seu espaço na Terra Média... – começou Legolas, sendo imediatamente interrompido por Gimli.

– Você sabe muito bem que não é essa a história a que eu me referi! E sim a algo muito mais recente, uma ferida muito mais viva. Uma traição que se concretizou pouco mais de um século atrás, já nesta era.

Legolas inspirou fundo, tentando manter a calma.

– Bom, então talvez seja melhor você contar a história.

– Então eu conto, muito bem. – Gimli empertigou-se, ajeitou o cinto, embora ainda estivesse sentado, e começou: – Isso aconteceu quando meu pai ainda era apenas um jovem anão. Ele e o resto de nossa família habitavam os imensos salões de Erebor, onde viviam sob a proteção e o favor do grande Thror, Rei...

– ...Sob a Montanha. – completaram em um coro entediado Frodo, Merry, Sam e Pippin, para a surpresa do anão.

– Ora, mas... Vocês conhecem a história de Thror, pai de Thrain, pai de Thorin Escudo de Carvalho? Não que sua fama seja pequena, mas eu pensei que, de onde vocês vinham... De onde vocês vêm, de novo? – o pobre Gimli se atrapalhou todo, em sua perplexidade.

– De trás para frente. – respondeu Merry.

– E de frente para trás. – completou Pippin.

– E até de cabeça para baixo. – juntou-se Sam, que apoiava a cabeça numa mão, parecendo cansado.

– Somos do Condado. – disse Frodo, respondendo à última pergunta do anão. – Meu tio...

– Que também é nosso tio, porque somos primos distantes, porém próximos! – Pippin se intrometeu.

– Sim, nosso tio... – Frodo não pôde evitar sorrir para o primo em segundo grau. – ...Bilbo Bolseiro, era amigo, bom, mais que amigo, de Thorin Escudo de Carvalho e companhia. Na verdade, ele foi... Foi seu ladrão, sabe?

Os olhos de Gimli se arregalaram e seu queixo pendeu diante daquela descoberta. Até Legolas, sempre tão comedido, se moveu inquieto, olhando para os hobbits à sua frente como se os visse pela primeira vez. Boromir, o único que ainda estava em pé, se sentou perto deles, pressentindo que aquela história seria mais longa do que havia imaginado. Aragorn apenas franziu as sobrancelhas e Gandalf aproveitou que as atenções estavam concentradas nos pequeninos para se virar, girando sobre o tronco, para observar. Para ele, tudo aquilo estava ficando muito lúdico, além de extremamente auspicioso.

Os hobbits se encolheram, intimidados pelos olhares dos companheiros de sociedade. E foi Gimli quem finalmente falou, balbuciando sem jeito:

– Vocês são sobrinhos de Bilbo, O Ladrão Que Rouba de Dragões? Aquele Bilbo Bolseiro, de Sob a Colina?

– Bom, sim... – começou Frodo.

– Embora ele só tenha roubado um único dragão na vida. – acrescentou Merry.

– Só unzinho. – enfatizou Pippin.

– Ele é Frodo Bolseiro, filho da irmã de Bilbo. – disse Sam, num tom muito respeitoso. – E ele é Peregrin Tûk. A mãe de Bilbo era uma Tûk. E ele é Meriadoc Brandebuque... Um parente. – pelo seu tom, Gimli não soube dizer se Sam não sabia, não se lembrava, ou simplesmente não estava com ânimo para explicar que tipo de parentesco distante colocava Merry e o velho Bilbo na mesma árvore genealógica, mas também não se importava.

– E ele é Samwise Gamgi, filho do jardineiro de Bilbo. – Merry acrescentou, em tom de brincadeira, mas ninguém prestou muita atenção.

– Pelas minhas barbas, por essa eu não esperava! O sobrinho de Bilbo Bolseiro e o filho de Glóin viajando juntos, essa é boa... – o anão estava tão satisfeito que até se esqueceu de ficar carrancudo e riu consigo mesmo.

– Espere um momento... Você é filho daquele Glóin? – perguntou Pippin, animado.

– Do Glóin da companhia de Thorin Escudo de Carvalho, pois sim! Quantos Glóins você acha que existem por aí?

– Verdade, não acho que seja um nome muito comum... – o hobbit então se pôs a repetir o nome baixinho e Merry se juntou a ele. Logo tinham repetido tantas vezes que a palavra perdeu completamente o significado, soando como um amontoado estranho de letras e sons.

– Ora, ora... – ensaiou Gandalf, que finalmente decidira se pronunciar. Sam, que cochilava, acordou sobressaltado ao ouvir a voz do mago. Esquecera-se completamente de que ele estava ali. – Parece que as nossas histórias de família estão todas conectadas, afinal...

– Que fortuna conveniente essa que nos uniu, não, Mithrandir? – observou Legolas, seus olhos sorrindo ao olhar para o mago, que ele chamou pelo nome que os elfos lhe tinham dado, tempos atrás. O elfo não tinha dúvidas de que, de alguma forma, Gandalf estava por trás daquilo.

– Mas, ei, vocês não iam contar uma história? – mais uma vez, Peregrin Tûk os lembrou. Ele não ia desistir assim tão fácil de ouvir uma boa história naquela noite.

– Ah sim, sim. – disse Gimli, coçando a barba e parecendo ainda muito satisfeito. – Bom, se vocês conhecem a história de Thror e Thrain e Thorin, isso facilita as coisas e nos poupa um bom falatório. Então vocês devem saber que nós nunca teríamos perdido nossa preciosa Montanha para começo de história se o excelentíssimo Thranduil, senhor supremo dos elfos da floresta... – ao dizer isso, uma profunda ironia tomou conta da voz do anão, que olhou para Legolas em desafio. O elfo retribui o olhar com a mesma intensidade. – ... não tivesse se recusado a vir em nosso auxílio quando Smaug primeiro chegou para seu assalto. Se Thranduil tivesse feito alguma coisa, ao invés de ficar apenas assistindo a tudo à distância enquanto os nossos resistiam e lutavam até a morte, as canções poderiam ser muito diferentes hoje em dia e seu tio, o caríssimo Bilbo Bolseiro, que nunca faltem lenços em seus bolsos... – (Gimli não sabia como desejar boa fortuna a Bilbo de outra maneira, já que entre os anões tais votos sempre se referiam às barbas dos que os recebiam, e hobbits, como todos sabem, não possuem barbas, embora possuam pelos em abundância nos pés para compensar a falta.) – O caríssimo Bilbo jamais precisaria ter deixado sua confortável poltrona em sua confortável toca sob a Colina para roubar de dragão algum.

Os hobbits assentiram em concordância, lançando olhares cautelosos a Legolas. Frodo não pôde evitar pensar, porém, que não seria exatamente uma coisa boa se Bilbo nunca tivesse deixado o Condado. Na verdade, se tal coisa tivesse acontecido, as infâncias de Frodo, Merry, Pippin e Sam não teria sido embaladas por aquelas incríveis histórias do tio e crescer sob a Colina teria sido muito tedioso. Sem falar que, provavelmente, o Um Anel ainda estaria na posse da terrível criatura Gollum, que algumas vezes visitara Frodo em seus piores pesadelos quando ele era apenas um pequeno hobbit (bom, um hobbit menor ainda). E por mais que Frodo desejasse ardentemente não ter sido atingido por uma lâmina negra e não estar correndo tantos perigos naquele exato momento, sendo perseguido por nazgûls e sabe-se lá pelo quê mais, ele não conseguia pensar nisso como uma coisa boa.

– Meu senhor estava tentando apenas proteger o seu povo. – começou Legolas. – Ele não seria tolo o bastante para arriscar as vidas de todos numa batalha já perdida. Quando um dragão deseja algo, ele toma, e não há nada que possa ser feito. Ainda mais numa montanha. Ali dentro, vocês todos eram como formigas entocadas num formigueiro, presas fáceis para um dragão com o tamanho e a força de Smaug. Além disso, a menos que eu esteja muito enganado, o meu povo e o seu não eram exatamente amigos na época, eram? – Sam se alarmou bastante com a agressividade que voltava com toda a força à voz do elfo, temendo uma nova explosão, mas Gandalf permanecia absolutamente calmo. Ao longo de sua vida já presenciara várias e várias vezes episódios da velha rivalidade entre elfos e anões, muito mais antiga que todos eles ali, até mesmo que o próprio Gandalf.

– E jamais serão! Jamais serão, porque vocês nos viraram as costas, aos seus vizinhos, que inclusive comerciavam com vocês, não comerciavam? Vocês nos viraram as costas no momento em que mais precisávamos! Thror se humilhou, pedindo ajuda a vocês, os egoístas e orgulhosos elfos da floresta, e Thranduil lhe deu as costas!

– Os elfos comerciavam com os homens de Valle, e eles comerciavam com vocês. Não havia, nunca houve comércio direto entre os elfos e os anões! – Frodo e os outros hobbits sabiam muito bem que aquilo não era verdade, pois se lembravam claramente de todas as vezes em que o velho Bilbo lhes contara a respeito da cota de malha que Thorin lhe dera, a qual fora forjada sob encomenda para algum príncipe élfico de outrora. Contudo, sabiamente, permaneceram todos calados. Aragorn não estava gostando nada da maneira como a testa de Legolas estava franzida. Todos estavam agitados e incomodados com aquilo tudo, menos o mago, que agora até sorria, parecendo muito satisfeito. – De todo modo, você está se esquecendo de um detalhe: nós fomos ao auxílio de vocês, não fomos? Nós lutamos ao lado de Thorin na Batalha dos Cinco Exércitos e perdemos muitos dos nossos defendendo a sua amada Montanha com seu ouro maldito, não foi assim?

– Auxílio, vejam só! Aquele miserável Thranduil só queria saber do nosso “ouro maldito”, como você diz! Depois de ter feito Thorin e meu pai e os outros prisioneiros e de ter recusado outra vez ajudar-nos, ele ouviu que o dragão tinha morrido e veio correndo atrás de nossa riqueza, como um abutre que chega depois da guerra e se apodera das carcaças! Auxílio, pois sim! Os nojentos elfos da floresta mantiveram Thorin e os outros sitiados na montanha, passando fome por dias, para que entregassem o ouro ou morressem! E não tente negar! – ele exclamou rapidamente, pois Legolas já abria a boca para contestar. – Acha que meu pai não me contou isso? Ele sempre falava em detalhes do horrível vazio em seu estômago e do ainda mais horrível fedor do dragão e do calor daquela caverna e de todo o aperto que passaram naqueles dias de sítio. Ora, Gandalf esteve lá, ele pode lhes confirmar tudo!

Frodo olhou para Gandalf, perguntando-se o que ele diria a seguir. Afinal, que ele se lembrasse, Bilbo havia dito claramente que o mago estava ao lado dos elfos e dos homens do lago e os ajudara nas “negociações” com Thorin durante o tal sítio à Montanha. Gandalf, porém, não percebeu, ocupado que estava em estreitar os olhos para Merry, que olhava para ele e se perguntava quantos anos o mago teria. Assustado por Gandalf ter, aparentemente, adivinhado seus pensamentos, o hobbit Brandebuque desviou o olhar, constrangido.

– O que eu consigo recordar, meu nobre Gimli... – Gandalf disse, por fim, voltando seus olhos azul-claros para o anão. – É que, se não fosse pela ajuda dos elfos e de vários outros amigos, os salões de Erebor estariam agora repletos de orcs e o seu tesouro, em posse destes.

Ao ouvir aquilo, Gimli resmungou alguma coisa que soou muito como “vira-casaca amigo de elfos”, mas que também poderia perfeitamente ter sido “o babaca de ouvidos velhos” ou ainda “matraca no umbigo do golfo”, mas acho este último muito pouco provável, até porque não faz o menor sentido. De qualquer forma, apesar do resmungo, Gimli não disse mais nada, porque sabia, é claro, que o mago estava com toda a razão, como era seu costume.

Todos ficaram quietos novamente por longos minutos (ou talvez por curtas horas), enquanto os ânimos se acalmavam, e desta vez nem mesmo Pippin ousou dizer coisa alguma. Aliás, o desejo de ouvir histórias tinha até desaparecido dos corações dos hobbits, criaturas pacíficas que não estavam gostando nada daquela agressividade toda. O próprio Frodo já estava se conformando com a quietude da noite e aceitando que não conseguiria dormir, quando, para a surpresa de todos, Legolas falou outra vez:

– Thranduil teve motivos maiores.

– O quê? – Sam, que tinha novamente dormido, perguntou mal-humorado, despertando de seu sono, que era anormalmente leve para um hobbit.

– Thranduil teve motivos maiores. Para não ajudar Thror contra o dragão.

Os hobbits se entreolharam e Aragorn buscou os olhos do mago, franzindo a testa. Gandalf não retribuiu o olhar. Fingindo não notá-lo, soprou um anel de fumaça particularmente grande em direção ao céu estrelado, parecendo mais contente que nunca desde que deixaram a casa de Elrond. É claro que ele estava contente. Pressentia que finalmente os hobbits teriam sua história. E esta seria interessantíssima, além de, com certeza, ajudar a unir os membros da Sociedade, principalmente os dois que mais insistiam em permanecer afastados.

Gimli, que estivera ocupado em afiar seu machado em uma grande pedra áspera que tinha encontrado caída ali, ergueu os olhos para olhar para Legolas.

– Mais essa agora! – disse, por fim. – Que “motivos maiores” aquele miserável poderia ter para se recusar a socorrer seus vizinhos, os quais, à parte as antigas rixas de eras passadas, nunca lhe fizeram mal?

– Se você quiser e permitir, eu vou lhe contar a história e lhe explicar tudo. – o elfo levantou o tom de voz um pouco, não para ser rude, mas para se assegurar de que todos o ouvissem com clareza. – Mas eu realmente gostaria que você parasse de se referir assim ao meu pai. Por favor.


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Notas finais do capítulo

*Mirkwood, do original em Inglês, significa literalmente Floresta Negra, como foi traduzido para o Português nos livros e filmes. Eu optei por utilizar Mirkwood quando estiver me referindo ao reino élfico e Floresta Negra quando estiver me referindo à floresta em si, mas os dois termos são sinônimos, podendo ser utilizados livremente como tal.