Os dias a partir daí passaram como flechas disparadas de um arco. E a cada dia, mais Samantha e Abelle desejavam permanecer em Nárnia, agradecidas por não estarem em um tedioso colégio interno.

Abelle obteve tanto sucesso em sua primeira aula, que o General Rip-Chip decidiu deixá-la ministrando esta disciplina. O que, diga-se de passagem, foi muito promissor, visto que ela tinha mais paciência com os alunos do que qualquer mestre já teve antes. Os elmos brilhantes gostavam muito dela, e evoluíram bastante, sabendo duelar e mirar em alta velocidade com maestria. Mas como eram jovens e travessos, sempre desafiavam a Belle, que jamais recusava, contanto que fosse depois da lição do dia.

Falando em lição, Samantha ocupou seu tempo livre a conversar com o peregrino; e Passo Largo mostrou-se muito esforçado, praticando o idioma comum quase todo o tempo. Ele já compreendia o significado de palavras como jantar, almoço, obrigado, por favor, com licença e desculpe; embora sempre se embolasse no emprego de Olá e Tchau, usando o último para recepção e o primeiro para despedida. Ele compreendia o significado de volto logo, mas sabia que sempre que Samantha dizia isso, na verdade demorava. Os dois passavam muito tempo na biblioteca; e na verdade, era mesmo o único lugar onde eles queriam passar muito tempo.

Com o tempo e muitas duras de Amber e do Professor, Caspian passou a compreender porque Sam não deixou que o peregrino fosse morto, e cada vez que a via sorrir fácil perto do estrangeiro, tinha mais certeza disso. Ao longo dos dias, a raiva deu lugar então para um sentimento novo, que Caspian ainda não compreendia: o arrependimento acompanhado de medo. "E se elas não me perdoarem?", "Eu fui tão idiota!" e "O que eu faço agora?" eram frases que vinham constantemente na mente de Caspian. Ele vivia perto delas, observando-as, sem ter coragem de falar. Até que um dia...

– Sam? Samantha? - perguntou Belle, batendo na porta aberta da biblioteca.

– Aqui! - ela ouviu a irmã responder.

Samantha corria de um lado para o outro, juntando e guardando livros do chão. Eles estavam espalhados por toda a parte: em cima de mesas, no parapeito da janela, cobrindo o chão. Era quase impossível ver o piso!

– O que aconteceu aqui? - Belle perguntou, andando na ponta dos pés para não pisar em nada.

– Passo Largo é muito curioso... - Sam se limitou a responder.

– Parece que a aula foi boa... - Belle disse, juntando um livro do chão, que leu o título - "Contos da Rainha Lúcia"?

– Aham, ela me contou uma tarde que, sentindo falta de casa, ditou para um escriba os contos de fadas que ela se lembrava. Não é um livro dela, só que o escriba associou a ela. - explicou Sam.

– Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Gato de Botas... - Belle leu o índice.

– Tem também Cinderella, A Bela Adormecida e A Pequena Sereia. - disse Sam, guardando os últimos livros - Acho que tem Rapunzel, mas não tenho certeza.

– Que demais! Um pedacinho de casa em Nárnia! - exultou Belle - Posso ficar com ele?

– Acho que não... É um livro bem antigo, da Era de Ouro de Nárnia. - recordou Sam - Professor Cornelius não deixaria.

– Sendo assim, - Belle sentou-se em uma cadeira - vou ficar aqui e ler!

– Só feche a porta quando sair! - Sam saiu da biblioteca.

Caspian, que se dirigia a seu quarto, parou na porta, ao ver Abelle rir sozinha e sem nenhum motivo aparente. Ele entrou sem fazer barulho, e então perguntou:

– O que você está lendo?

Belle levantou-se rapidamente, assustada. Ainda tinha um pouco de receio dele.

– Eu já vou colocar no lugar, eu juro!

Caspian esforçou-se para ler as letras douradas da capa.

– "Contos da Rainha Lúcia"? Ela escreveu um livro?

– Não é bem dela... - Belle continuava de pé - São histórias de fantasia do meu mundo, chamados "Contos de Fadas".

– Isso é incrível! - ele sorriu, se aproximando dela para ver a capa melhor - Tem até ilustrações!

– Aham... - Belle não entendia o primo.

– Posso ler com você????? - ele tinha os olhos brilhantes, como os de um gatinho manhoso. Ele queria muito.