[Should I Trust You?] escrita por Grani008


Capítulo 7
As coisas que você deixou


Notas iniciais do capítulo

Sem revisão e desculpem a demora ;) esse é pra vc Obliviate. Obrigada pelos comentários de todos.
PS.: OQUE ACHARAM DA NOVA CAPA?
~nolita



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Cap. 07 As coisas que você deixou

Bob acenou para mim enquanto eu deixava o abrigo de animais locais. Bob era o zelador de lá, apesar de também estar boa parte responsável pela organização dos funcionários da escola. Era uma cara grandalhão de cabelos grisalhos, mãos forte e calejadas, usava quase sempre um macacão cinzento com seu nome e blusas folgadas. Era o espírito do bom humor e era sempre seguido por um gatinho esquelético e negro, apesar disso tudo ninguém sabia realmente quem ele era e de onde veio.

Abri um sorriso e acenei de volta. O abrigo de animais se tornara um lugar bem grande nos dois últimos dois anos, depois que, anh, depois que ela foi embora eu não pude deixar a família de corujas por muito mais tempo escondida na escola. Acompanhei cada dia e cada procedimento desde tirá-los do telhado – sempre os achando muito brutos com as asas e não muito carinhosos com os filhotes – até leva-los ao lugar que vivem hoje. Com muita relutância consegui permissão para cuidar deles junto com a veterinária especializada. Não demorou muito para que as pessoas quisessem visitar a nova atração da cidade.

A ideia era a de devolvê-los ao seu habitat natural depois de todos os cuidados serem tomados, mas fora uma tentativa falha e por causa disso quase perdemos os filhotes. Assim, eles voltaram para sua casa.

Um lugar aberto, amplo e vasto, cheio de folhagens e árvores e principalmente animais rastejantes. Urght. Mas nada disso seria deles se as pessoas não nos ajudassem. Logo após elas chegarem ao abrigo recebemos um cheque de quase um milhão de reais para, como dizia o único cartão, ‘ajudar nossos amiguinhos emplumados’. Eu sabia que era ela. Depois de muita insistência e procura, achei o endereço de um escritório de arquitetura, lugar sofisticado e cheio de clientes ricos, onde a mãe de Ann-, a mãe dela trabalhava.

Mas agora, dois anos depois? Os filhotes estavam crescidos e sempre prontos para mais uma aventura. Outros animais chegavam cada vez mais ao abrigo. Mais pessoas se mobilizavam para ajudar. Eu passava todo meu tempo livre com eles.

No resto do meu tempo? Eu me ocupava como uma mula. Acordava às cinco, corria até as sete, banho, escola, estudos, basketball, saía da escola às quatro da tarde, voltava para casa e tomava um banho, dever de casa, cinco horas abrigo, seis horas buscava minha mãe na faculdade, às sete pegava meu turno no Grill’s. Sempre voltava para casa às dez, andando ou Jason me dava carona. Apesar de ele sempre estar ocupado com Nico ultimamente. E então eu chegava em casa e simplesmente apagava e, é claro, comia apenas o suficiente nos intervalos dessa rotina.

Era sábado quando fui visitar Thomas, Will, Charlotte e Genevive. Se fossem outros dias eu faria graça e confundiria o nome dela com Gengibre, mas... Tudo o que consegui foi uma risada rouca no caminho para casa quando pensei nisso.

Quando cheguei em casa peguei meu celular que tinha deixado em cima do hack da sala de estar, eu precisava trocar o aparelho, ou seria isso que eu pensaria se fossem dois anos atrás, mas agora – quase não o usando – achava fútil comprar um apenas uma versão mais nova. Ainda podia usar esse.

Joguei-me no sofá pensando, que pela primeira vez em dias, senão meses, eu não tinha nada para fazer. Minha mãe andava ocupada demais com a faculdade de Letras, sempre ficando mais tempo e eu tinha quase certeza de que inventava trabalhos para passar mais tempo por lá. Mais tempo longe de mim. Isso é tudo ao que eu consigo atribuir a culpa.

Eu tentei de tudo, ser um bom filho, notas tão boas quanto Percy Jackson consegue, sem droga, sem bebida, sem noites dormindo fora de casa. Apenas uma ou outra, mas eu sempre ligava dizendo algo justificável que ela respondia apenas com um ‘aham’ ou um ‘se cuida’, ‘juízo’. Depois anunciava que precisava ir e sumia. Às vezes nem voltava para casa. Tinha medo de perguntar se ela queria voltar a viajar para o exterior, não queria ouvi-la dizendo que sim e me olhando com aquele olhar de ‘você se parece muito com o seu pai e isso me magoa’.

Balancei a cabeça querendo que meus pensamentos sumissem com esse simples gestos. Deixei meus braços descansarem sobre meus olhos, mas um pequeno fio de luz rala entrava pela janela e feria meus olhos. Ergui a mão e passei pela luz como se pudesse agarrada, me sentindo apenas mais um pouco impotente ao – como esperado – minha mão se fechar em volta do nada. Nada. Um fio dourado de nada, como os cabelos delas. Como a pele levemente bronzeada dela que eu não podia tocar, que quando sonhava com isso minha mão tocava o nada. Tudo nela era dourado e brilhava. Pegava-me pensando – sem ter permitido meu pensamento de vagar por esse território – se a pele dela teria se tornado pálido na Londres nebulosa, se seu cabelo manteria a mesma cor ou ficaria alto como quando chovia, e eu achava lindo. Se a boca estaria mais rosada. Só de pensar que ela podia estar pra baixo ou depressiva, como diziam os estudos sobre quem vai para Londres, influenciada pelo clima, tudo isso fazia meu coração se apertar dentro do meu peito como se quisesse aposentadoria, tinha desistido que já tinha batido demais preocupado e pensando nela, queria descanso. Eu queria descanso.

No meio de tudo aquilo, tanta corrida eu só deitava e apagava, não tinha permitido a mim mesmo descansar, minhas costas doíam, minhas pernas estavam doloridas, meu cabelo, comprido. Eu sentia até o incômodo chato da etiqueta da camiseta, que eu não tivera tempo de dar o trabalho de arrancá-la. Sentia meus tênis velhos apertados, barba deixada de lado. Quanto tempo fazia que eu não parava um minuto para isso?

Annabeth estava longe, muito longe, a um oceano de distância, e já que escolheu essa distância sem data para voltar eu tinha que continuar respirando e sobrevivendo não tinha? Ou melhor, eu tinha que continuar vivendo.

Apalpei meu celular e disquei o número do trabalho. O gerente atendeu, depois das enrolações prévias pedi para ele àquelas férias que eu nunca tirei, e ele ficou feliz em consentir isso. Eu trabalhei dois anos seguidos sem descanso não faltando nem quando estava doente, não me surpreenderia se ele duplicasse minhas férias, mas infelizmente não o fez. Desliguei o telefone e disquei outro número. Rachel atendeu com a voz rouca como se tivesse acabado de acordar e me xingou de vários nomes. Podia imaginar os cabelos vermelhos bagunçados na cama, de pijama de algo vergonhoso e o cenho franzido, como um ano atrás quando nós... Limpei a garganta voltando meu foco para o atual.

– Oi Rachel.

– Tem cinco minutos para não dar um bom motivo para eu não te matar Jackson.

– Vou usar menos. – Respondi. Um sorriso torto no meu rosto. – Está na hora de um novo Jackson aparecer.

– Nossa. – Uma pausa. – Pensei que nunca ia dizer.

– Traga uma boa tesoura.

Desliguei o telefone e fui tirando as roupas, largando-as pela casa enquanto me dirigia para o banheiro. Minha mãe não estava em casa para se preocupar mesmo.

–-.--

Pelo espelho eu vi Rachel mordendo o lábio inferior, como sempre fazia quando não tinha muita certeza de algo. Ia me virar para dizer algo, mas ela segurou minha cabeça com as duas mãos compostas por dedos finos e alongados, de unhas curtas e impregnadas de grafite e tinta e me forçou a olhar para frente.

Os cabelos ruivos estavam presos em um coque arruinado que caía toda hora, a franja quase em cima dos olhos. A pele rosada cheia de sardas continuava a mesma, os olhos de cílios enormes também. Usava jeans velhos e sujos com tinta de caneta, uma blusa larga e comprida cinzenta que eu tinha certeza de ter visto Travis Stoll usando semana passada, mas achei melhor não comentar.

Ela ergueu só uma sobrancelha naquela expressão estranha que só ela conseguia.

– Tem certeza? – Ela fitou meus olhos pelo reflexo do espelho. – Se teu cabelo ficar parecendo um jardim pisoteado por búfalos a culpa não vai ser minha.

– Já entendi Rachel. – Revirei os olhos. – Faça qualquer coisa aí, só não pode ficar como está.

Ela mordeu o lábio de novo e olhou para o meu cabelo como se fosse o da medusa e estivesse com medo que as cobras lhe mordessem ao tentar conta-las. Suspirei e olhei para o espelho, tinha tomado um banho e feito a barba, colocado uma camiseta larga branca e jeans escuros folgados, tênis novos que eu descobri que tinha numa caixa jogada no meio do meu quarto. Meu cabelo estava enorme e bagunçado, coma franja caindo de lado no olho, os cachos da nuca tinham se alongado quase ao pescoço.

Meus olhos pareciam cansados e estranhos a mim mesmo, uma pequena linha de expressão se formando no canto da minha boca, como se fosse um sinal de que devia sorrir mais.

Olhei para Rachel e ela levantou a tesoura. Primeiro cautelosa, cortou aqui e ali, não muito e cortou só um pouco da franja, terminando. Parou na minha frente com as mãos na cintura, a tesoura presa no dedo indicador e no polegar da mão direita, deu um grande sorriso de orgulho.

Levou a mão esquerda ao meu cabelo e bagunçou tudo, abrindo mais o sorriso.

– Pronto Jackson, já pode voltar a ter uma vida social. – Ela piscou.

– Obrigada Rachel Elizabeth Dare.

– Pare de ser formal, vai ficar me devendo uma. – Ela olhou em volta e pegou a bolsa de linho cinza, guardando a tesoura de volta nela. – Preciso ir, vai ter uma festa na casa do Luke, talvez queira aparecer.

– Talvez. – Disse me levantando e acompanhando-a até a porta. – Obrigada mais uma vez.

Ela se colocou na ponta dos pés e me beijou na bochecha, voltou para sua altura normal de 1,60 e fixou os olhos enormes e verdes em mim e disse:

– Pare de formalidades Percy. – Meu nome parecia diferente quando ela falava, o ‘y’ puxado levemente. – Fizemos sexo e você queria esquecer sua namorada, eu entendo. Sem problemas, não é como se tivéssemos dito ‘eu te amo’ e depois você tivesse me deixado em plena Lua de Mel para fugir com alguma loira para o Havaí.

Ela riu e eu segui o exemplo.

– Ela não te merece Percy.

Uma pausa, eu desviei o olhar para o chão. Talvez a questão fosse que eu não a merecia.

– Ele também não te merece. – Ela me olhou confusa e eu apontei a camisa.

– Vá se ferrar Nemo.

E saiu pisando firme até o elevador, fiquei olhando enquanto ela entrava e se virava, apertando o botão no painel lateral e acenando para mim antes das portas se fecharem.

Voltei para dentro de casa, arrumei tudo por cima e tirei a blusa que estava usando, abanando os cabelos e a blusa e colocando outra, azul claro, ao passar pela sala peguei minha jaqueta de couro que estava no braço do sofá, as chaves do carro em cima da escrivaninha e saí, trancando a porta atrás de mim.

–-.--

As luzes neon brilhavam de longe na casa de Luke Castellan, o jardim enorme estava abarrotado de gente com copos vermelhos e música alta. Um DJ em um palco com toda aquela maquinaria tocando algum rit que eu saberia ser novo se ainda tivesse tempo para música.

Dentro do casarão branco mais gente em todos os lugares. Casais se agarrando na varanda e nos cantos escuros sob as árvores do jardim, lá dentro mais música e mais corpos dançantes gerando calor humano.

Estacionei o carro do outro lado da rua, já que a maioria dos adolescentes ali pretendia beber ou moravam perto ainda tinha como estacionar. Abri caminho entre a multidão da casa e vi alguns rostos conhecidos, apesar de nenhuma daquelas garotas serem ela, nem mesmo chegavam perto. Chegou a um ponto que fui empurrado em direção à cozinha e peguei Nico em cima do balcão, esticando as mãos esqueléticas e brancas até um armário preto bem no alto, como Jason ao seu encalço, mas de pés no chão, gritando alguma coisa, tentando fazer sua voz sobressair sobre a música pulsante lá dentro.

Quando me notou gritou algo que pareceu com ‘Sá tard esquer!’, franzi o cenho e olhei para ele com confusão ele só revirou os olhos e se voltou de novo para Nico, que agora tinha conseguido abrir a porta do armário e tentava alcançar um vidro com uma bebida transparente. Ele o alcançou, triunfante e seu corpo pendeu para trás, Jason ficou tenso.

Colocou a mão nas pernas do garoto e o empurrou para frente, e Nico gritou algo como ‘Jason! Tire a mão da minha bunda!’ e Jason devolveu algo como ‘Desça saí seu bastardo!’.

Então era isso que ele tinha dito.

Saí pelos fundos e deixei Jason agarrando Nico pelas pernas obrigando o garoto a descer, um sorriso diabólico no rosto do menor. Fiquei vagando pelo jardim, sem estar acostumado com essas festas. Dois anos atrás meu eu teria olhado para mim e perguntado que tipo de idiota eu tinha em tornado.

Vasculhei o jardim por rostos conhecidos e só encontrei pessoas que não conhecia, deveria conhecer? Algumas olhavam para mim com curiosidade, a maioria ignorava. Abaixei a cabeça e andei por um tempo, depois quando levantei olhei para frente me senti cambaleando. Como ferro derretendo dentro de mim. Aquela era ela.

De longe, mais alta alguns centímetros e não tão magra, mas ela, com certeza. Bem longe com os cabelos prateados batendo na cintura, um copo na mão esquerda. Ela olhou para a multidão, mas não encontrou meu olhar. Afastei as pessoas ao meu redor com empurrões bruscos, recebendo reclamações que mal chegavam a mim. Quando cheguei onde ela estava, já tinha ido. Eu não podia ter alucinado, podia?

Corri pela calçada de pedra lisa e avistei cabelos loiros, apesar da sensação de estar indo para o lugar errado. Quando cheguei mais perto com certeza não ela. Teria eu me esquecido de como ela era? Não podia ter feito isso.

Comecei a voltar de cabeça baixa para a festa quando um movimento próximo me fez olhar para o lado. Atrás de uma árvore média rodeada de sombras pesadas, os cabelos loiros prateados reluziam. Ela saiu de trás da árvore com paços lentos. Com um vestido preto, os cabelos caindo ao redor das orelhas. Curtos. As bochechas mais preenchidas do que me lembrava e rosadas, olhos cinzentos como o céu de Londres que eu nunca vira, que ela nunca sequer me mandara uma foto.

Eu pensei que ia engasgar, fiquei sem ar. Meu pulmão e coração resolveram entrar de greve.

O ar se esvaiu de todo meu ser, assim como minha sanidade, perdi o ar num engasgo meticuloso.


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Notas finais do capítulo

Desculpem os erros e comentem mais de 3 linhas por favor ;)
~nolita



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