Chamei Yukina para jantar comigo e com papai naquela noite.

Ela estranhou o convite, considerando que quem convidava era sempre ELA MESMA, mas aceitou.

Eu disse que Iria poderia ir junto, se quisesse.

Só não esperava que a lobisomem de fato fosse.

— Surpresa? - ela levantou os braços morenos para cima e chacoalhou os cabelos impecáveis.

Franzi o cenho e abri mais a porta para que elas entrassem.

— Bem vindas - meu pai abriu um sorriso branco.

Seus olhos claros brilhavam de contentamento toda vez que via alguma amiga minha.

Era como uma prova concreta e palpável que sua filha podia ser sociável.

Revirei os olhos.

“Culpe minha parte demônio por isso”, pensei.

O jantar já estava pronto.

Papai não gostava de fazer as visitas se sentirem no dever de ajudar, então ele e eu adiantamos tudo ao máximo.

O macarrão com almôndegas já estava em cima da mesa, assim como os outros molhos, suco, refrigerante, pratos, talheres e copos.

— Uau! - Yukina se sentou na mesa - quem mais vai vir?

— Ninguém - me sentei também.

— Bom, eu não reclamo - Iria nos acompanhou.

Papai se sentou à cabeceira da mesa e abriu um sorriso amigável.

— Mãos nos garfos meninas! - disse e começou a comer.

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Consegui tirar Yukina e Iria da conversa acalorada que tinham com meu pai sobre as melhores maneiras de conseguir um molho branco no ponto.

Bufei e tranquei a porta, escorregando por ela até o chão.

Certo, eu estava ali e precisava de uma maneira de contar a elas o que vi sem parecer louca.

Contava sobre meu pacto com Tanatos ou não?

Mordi o lábio, apreensiva.

— Droga Selene - Iria se jogou na cama - está me deixando nervosa também.

— Eu vi algo em Michele - soltei.

Talvez eu devesse ter dito com mais jeitinho.

— Certo, o que você viu? - Iria perguntou.

Mordi o lábio inferior.

Primeiro eu precisava contar sobre Tanatos.

Girei o circulo de aço escuro que ainda estava em meu anelar.

Não saía por nada.

— Bom, lembram que eu fiz um pacto com Tanatos? - perguntei.

Yukina fechou a cara.

— O que ele pediu em troca? - se levantou e começou a andar em círculo.

— Essa é a parte ruim - engoli em seco - ele não pediu nada, ele me deu.

Yukina e Iria me encararam, confusas.

— Ele me deu uma habilidade estranha… Eu não sei como isso se chama mas eu posso ver a forma verdadeira das coisas - continuei.

— Selene, como isso beneficiaria ele? - Yukina perguntou, ainda mais confusa.

— Olha, eu não sei - levantei as mãos, rendida - mas isso pra mim é a droga de uma maldição, tem noção de quantas coisas ruins eu vejo por aí e de como é não conseguir ver os rostos de vocês as vezes?

Elas ficaram caladas, provavelmente formulando várias perguntas e se segurando para não fazê-las.

— Eu expliquei isso pra vocês porque não quero que pensem que sou louca quando eu digo que vi algo em Michele - atraí a atenção de Yukina e Iria novamente - ela definitivamente não é humana.

Iria caiu na gargalhada.

— Aquela garota COM CERTEZA é humana! - a lobisomem riu - ela é a encarnação da futilidade, egoísmo e todos os outros defeitos que um humano pode ter!

Cruzei os braços sobre o peito.

Yukina mordeu o lábio, parecendo pensativa.

Talvez ela quisesse rir também.

— Tem certeza? O que viu exatamente? - perguntou.

Me lembrei do que vi e fechei os olhos.

Fiquei totalmente concentrada nos detalhes e em projetar a imagem na mente delas.

— Ela é humana - Iria disse, calma.

Yukina assentiu.

— Como isso pode ser um ser humano? - perguntei, indignada.

Bufei e me joguei na cama ao lado delas.

— Selene - Iria chamou - eu pareço humana?

Assenti.

— Eu sou? - perguntou.

Neguei com um aceno de cabeça.

— Michele é só uma garota que cavou demais e quis ir além - Yukina suspirou - magia negra não é para humanos.

— Corrompe a alma deles e destrói o corpo - Iria continuou - ela está perto de seu fim.

Pensei no quanto Michele era detestável.

Uma garota fútil, ridícula, que pensava que o mundo girava ao seu redor e provavelmente mexia seus pauzinhos, pés de galinhas e encruzilhadas pra ficar bonita para sempre.

Ela dava em cima de Daniel quando nos conhecemos.

Ela dava em cima de Daniel enquanto namorávamos.

Ela dava em cima de Daniel depois que terminamos.

Sim, ela era mais que detestável.

Então por que eu senti que precisava ajudá-la?

Onde estava meu lado demoníaco, frio e/ou cruel quando eu mais o queria?