The Forest City escrita por Senjougaha


Capítulo 78
Capítulo 78 - Odiada




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Michele mais uma vez estava em meu lugar.

Mas não me importei.

Ela podia paquerar Daniel enquanto tinha vida.

Suspirei e fechei meu caderno cheio de rabiscos.

Era a primeira vez que eu de fato prestava atenção a cada palavra dita por Coraline e a própria parecia bem surpresa com isso.

Me olhava de soslaio, estranhando minha quietude.

— Quer acrescentar algo, Srta. Reed? - Coraline jogou o livro grosso em cima de sua mesa e me encarou.

— Não - respondi - está tudo bem, estou entendendo perfeitamente.

Coraline sorriu.

— Muito bom - disse e voltou a escrever na lousa.

Observei o giz deslizando no quadro negro, mas meus ouvidos estavam em outro lugar.

— Dany - Michele chamou - que tal sairmos hoje de novo?

De novo?

Franzi o cenho.

— Tenho um compromisso que vai tomar alguns dias de mim - Daniel respondeu.

Parei de ouvir a conversa.

Não era da minha conta.

Não era.

Não era!

Respirei fundo e abri o caderno novamente.

Rabisquei, como sempre e disse a mim mesma pra agir normalmente.

Eu estava com Liam e não havia motivo pra prestar atenção na vida amorosa do dragão.

Coraline desejou à nós um bom final de semana e o sinal tocou num timming perfeito.

Guardei minhas coisas calmamente.

Era bom não ter toda aquela tensão ao meu lado ou a pressa para ir embora.

Me levantei e bati de frente com alguém mais alto que eu.

Pelo calor do corpo e a energia que emanava…

— Mas que porra! - reclamei e massageei a testa.

— Você está sem carro - ele disse.

Não era uma pergunta.

Meu pai enviara o laranja berrante para a oficina.

Disse que queria me dar um som novo.

— E estou muito bem - respondi e o empurrei para o lado.

Era o mesmo que empurrar uma parede de pedra.

— Selene não seja imprudente - ele segurou meu braço e me arrastou para fora da sala.

Michele tentava nos seguir, mas seus saltos não permitiam acompanhar o ritmo.

Murmurei-lhe um pedido de desculpas e fui arrastada até um jeep.

— Desde quando tem um jeep? - franzi o cenho e fechei a porta com força.

Ele não respondeu.

Revirei os olhos.

— Se me odeia, então por que me salvou? - perguntei, antes que perdesse a coragem.

— Porque pareceu conveniente poder te cobrar um favor - respondeu.

Daniel sorriu de lado e arrancou o carro dali, cantando pneus.

Achei que meu coração e meu estômago tinham ficado para trás.

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Liam tinha ligado pedindo para me ver, mas eu precisava fazer um trabalho idiota para o dia seguinte.

E não conseguia tirar o sorriso de lado que Daniel me dera quando saímos da faculdade.

Claro que não contei a ultima parte a ele.

Balancei a caneta nos dedos e encarei a lua que entrava pela janela aberta, pensativa.

Deixar a luz da lua entrar livremente em meu quarto tinha acabado se tornando um hábito, embora a promessa de Selene-deusa não tivesse sido cumprida.

E se fosse?

O que eu faria depois?

Fechei os olhos e senti a leve brisa que entrava, esvoaçando a cortina.

Abri e fitei minha mão.

Brilhava como sempre durante a noite.

Retraí e me escondi onde a luz do luar não pudesse me tocar.

Só assim podia me sentir um pouquinho mais normal.

Pensei que eu mudaria quando meu subconsciente demônio e eu fôssemos finalmente fundidos, mas não conseguia notar nada além de um temperamento um pouco mais rabugento.

Seria isso?

Senti vontade de dar uma volta na rua.

O quarto parecia pequeno demais pra pensar.

Peguei um casaco fino e saí.

Tive o cuidado de olhar para os lados, garantindo que papai não me visse.

Fui pela porta da frente vestindo o casaco e caminhei pela rua.

Andei por um bom tempo.

Me escondia nas sombras que os telhados das casas projetavam na calçada.

Não tinha ninguém na rua, mas também não podia correr o risco de ser vista brilhando feito um vagalume prateado e ser chamado de bruxa com mais fervor.

Parei numa casa familiar.

Sentia que tinha sido atraída para o lugar, mas não dei bola pra intuição.

Sentei na cerca da casa e observei as luzes da vizinhança serem acendidas e apagadas.

A vida das pessoas não paravam enquanto elas dormiam, como pensavam ou esperavam.

A vida continua mesmo quando se está sonhando.

Foi por esse motivo que deixei de planejar e imaginar qualquer futuro com Daniel.

Eu estava a sonhar com ele a minha vida continuava e eu patinava no mesmo lugar.

Umedeci os lábios que tinham sido secos pelo vento e olhei para cima.

Uma silhueta feminina chamou minha atenção.

Invoquei uma sombra e a fiz me elevar até o segundo andar da casa.

Me apoiei num galho de árvore, mantendo a sombra.

Era Michele.

Ela tinha seus cabelos presos num rabo de cavalo e estava sentada no chão do quarto.

Usava um pijama de flanelas e bem em sua frente havia um livro grande demais para alguém com cérebro tão pequeno ler.

Agucei minha visão.

O livro tinha capa de couro envelhecido e as páginas amareladas pareciam querer esfarelar a cada vez que a loira o folheava com pressa e nervosismo.

Um suor escorreu da testa de Michele e eu pude sentir seu cheiro.

Medo.

Usei meu olho negro.

Sua forma estava mais decadente que da ultima vez que a vi, o que me chocou mais ainda.

Segurei o grito de espanto que quis me escapar e continuei observando a humana procurar algo no livro.

Pareceu aliviada quando encontrou.

Até mesmo abraçou a velharia.

Suspirou e começou a entoar um feitiço.

Sabia que era um, mas não sabia para o quê era.

A língua era diferente da que Yukina tentara me ensinar e eu sabia que era magia negra, pois senti a pressão do ar aumentar e a sombra que me sustentava pulsar.

Entrei na janela e arranquei o livro de suas mãos.

Ordenei que a sombra o segurasse no alto, onde Michele não o alcançaria.

A garota se levantou furiosa e surpresa.

— O que faz aqui? - exigiu saber.

— Estava passeando quando do nada vejo minha colega de classe usar magia negra - respondi, sarcástica.

— Devolva meu livro - ela disse, tentando parecer controlada.

A encarei.

— Não percebe o que está fazendo a si mesma? - perguntei.

Ela não respondeu, apenas fitava o livro.

— Nunca, eu repito: nunca mais use magia - eu disse e virei as costas.

— Devolva meu livro! - ela gritou e pulou nas minhas costas.

Não precisei usar o olho negro para vê-la em sua forma real.

As costas ossudas se sobressaindo do pijama de flanela e as unhas grossas agarrando meu braço.

Ela fedia.

A joguei longe, tentando não usar força demais.

— Você não entende! - ela choramingou - é como uma droga, a diferença é que se eu parar estarei morta.

— E se não parar, será morta mais rápido ainda - revirei os olhos.

— Quem é você pra falar de mim? - ela apontou o dedo torto, que voltava a parecer humano - eu vi você usar magia também!

Encarei Michele.

Ela já estava envolta nas trevas, então não adiantaria tentar esconder algo.

— Mas eu não sou humana, Michele - me agachei e sorri para a garota - posso usar quanta magia eu quiser.

Estalei os dedos e a sombra rasgou o livro em pedaços.

Michele gritou.

Fechei os olhos e entoei o feitiço para selar o som no quarto, assim seus pais não subiriam para ver o que havia.

— O QUE VOCÊ FEZ?! - ela se arrastou até o que restava do livro e agarrava os pedaços, desesperada.

— Eu te abri uma porta, Michele - a ergui e a joguei na cama - se você vai passar por ela e sair da escuridão, a escolha é sua.

— COMO EU POSSO IR PRA ESCOLA ASSIM? - ela apontava para a própria aparência grotesca - TUDO O QUE EU PODIA FAZER ERA ESCONDER COM MAGIA!

— E foi a magia que te deixou assim, então por que usava? - perguntei.

Ela se calou e olhou para baixo.

— Pra ser perfeita - confessou.

— Humanos não são perfeitos - desfiz a sombra e me sentei na cama ao seu lado - ninguém é.

— Você é - ela me olhou com os olhos vermelhos - você é tão perfeita que te odiei desde quando éramos pequenas.

— Nós éramos amigas - murmurei.

— E eu te invejava - ela cortou - eu te invejo ainda mais agora que sei que não é humana. Você é imortal?

Aquilo me irritou.

Se por um acaso Michele achava que minha vida era uma fantasia maravilhosa, estava enganada.

— A minha vida amorosa é uma droga - me levantei e comecei a listar - minha amiga de infância do nada se virou contra mim e virou a vadia do colégio, eu não tenho mãe, minha irmã foi separada de mim quando ainda éramos bebês, eu não sei basicamente nada sobre o que eu sou e você me inveja por achar que sou perfeita?

Michele continuava me encarando como não fosse o suficiente.

— Você tem Daniel - ela disse.

A encarei com raiva.

Por que ela ousava dizer aquele nome até mesmo ali?

Não bastava praticamente abrir as pernas na mesa da faculdade pra ele bem na minha frente?

Ela riu.

— Você não entende? - sua voz soava indignada - ele é tudo pra mim.

— Você não sabe nada sobre Daniel ou amor - respondi, num tom baixo.

— Eu estou disposta a saber tudo - me cortou - mas você… você sempre tem tudo o que eu quero: poder, beleza, homens, um pai atencioso… imortalidade.

— Daniel e eu terminamos faz muito tempo - sibilei - já chega disso.

Me levantei e fui até a janela.

Passei minhas pernas pra sair daquele quarto com ar pesado e fedido.

— Ele ainda ama você! - ouvi Michele dizer quando meus pés tocaram o chão.

No fundo, torci pra que a humana não estivesse louca.


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