A música alta invadia meus ouvidos e me dopava completamente. Já tinha perdido a conta de quantas vezes Seth me segurara para que eu não caísse zonza e estabanada no chão.

– Precisa treinar seus ouvidos - ele disse preocupado.

– Ahn? - perguntei tentando falar mais alto que a música - cadê a Solara?

Ele ficou congelado no lugar em menção ao nome da minha irmã, enquanto eu fui procurá-la no meio do mar de pessoas.

Quando Yukina tinha dito que convidaria só humanos, eu duvidei. Mas não achei que ela fosse exceder aos extremos convidando mais de duzentas pessoas para a festa.

– Achei vocêeee! - grito e seguro a manga da blusa preta de Solara.

Era estranho e incomum vê-la usando roupas escuras. Quase dava para confundí-la comigo.

– Sel! - ela gritou e me agarrou num abraço apertado e com um sorriso de orelha à orelha.

Encaramos juntas a pilha de presentes exóticos sobre a mesa. Tinha ficado sabendo que Yukina ganhara um simulador de batalha e um livro de feitiços que se você lesse em voz alta, tudo virava realidade.

Estremeci com o pensamento e me proibi de imaginar que tipo de coisas Yukina faria com aquilo.

– Festona, né? - Solara puxou assunto, sem jeito.

Solara? Sem jeito? Algo estava errado.

– É - assenti e a encarei.

– O papai deixou? - ela perguntou olhando uma marca de pé no teto.

Céus. Não queria imaginar quem ou como fizeram aquilo.

– Ele deixou, mas… Você sabe - disse eu e revirei os olhos - não sabia de todo esse tendéu.

Ela riu, mas quando ia dizer algo foi interrompida por Seth.

– Selene, Daniel está procurando você - ele disse evitando olhar para Solara.

Revirei os olhos. Até quando eles continuariam com aquilo?

“Estou aqui, perto da escada”, chamei Daniel pela mente.

Não sabia se ele estava perto ou se eu conseguiria fazê-lo me ouvir. Mas tive minha resposta alguns segundos depois, quando ele apareceu do nada ao meu lado e abriu um sorriso provocante.

– O que você queria? - perguntei desconfiada.

– Não entendo disso, mas eu estou tentando conquistar você - ele respondeu varrendo a casa com os olhos - e essa é uma festa, não posso te deixar sozinha.

Bufei e cruzei os braços.

– Você tem uma lógica incompreensível - murmurei.

– Estou errado? - ele perguntou com o cenho franzido.

– Não totalmente - revirei os olhos e depois sorri.

Daniel passou um braço por cima do meu ombro e me manteve de pé, o que estava sendo difícil para eu conseguir fazer sozinha considerando que Yukina me fizera beber um pouco e a música alta não ajudava muito.

– Selene! - uma voz conhecida me chamou, alegre.

Virei a cabeça para trás para ver quem era e me deparei com Liam. Ele estava pálido e tenso, como se toda a multidão fosse um banquete e ele estivesse agindo com educação à mesa.

Soltei uma risada e acenei para ele se aproximar.

– Já é meia noite - ele resmungou e chutou um copo descartável no chão - a maioria dos humanos já foi embora.

– Bom - respondi e suspirei de alívio.

Ele me olhou pelo canto dos olhos e alternou o olhar entre mim e o braço de Daniel que me envolvia. Parecia querer tirá-lo de lá com um olhar fulminante, mas ao meu ver, vampiros não tinham esse poder.

– Ah, Yuki - ouvi uma voz melosa - amei a festa!

– Obrigada, Michele - Yukina respondeu.

As vozes estavam se aproximando. Pensei em me esconder ou correr escada acima, mas Liam e Daniel seguraram minhas mãos para me forçar a ficar onde eu estava.

– Motim? - perguntei cética e sarcástica.

Os dois sorriram. Daniel de sua forma irresistível e Liam de sua forma sobrenaturalmente inocente. Revirei os olhos.

– Um dia seus olhos irão ficar revirados - Michele disse se aproximando de nós e sorrindo em deboche - ola, Daniel, querido.

Sorri cinicamente e fuzilei Daniel com os olhos.

– Podemos sair qualquer dia de novo, se você quiser - ela continuou e deu uma lambida no pirulito azul que carregava.

– Desculpe, mas Selene e eu estamos juntos agora - ele respondeu e sorriu de lado, apertando mais o meu corpo contra o dele.

Meu coração deu um pulo, parou e saltou pela boca.

Se a intenção daquela frase e daquele sorriso era me fazer sofrer ou derreter, Daniel conseguiu os dois. Meu rosto esquentou e podia apostar minha vida que minhas sardas estavam saltitantes.

Ele sorriu mais ainda e Liam revirou os olhos em desagrado.

– Finalmente - Seth bufou.

– Ahhh! - Yukina gritou e pulou batendo palmas.

Seus olhos viraram duas estrelas de tão brilhantes e fiquei sem jeito. Como deveria reagir diante daquilo?

Michele me olhou com um misto de curiosidade e nojo.

– Sempre imaginei que isso aconteceria - ela resmungou - bem, boa sorte pro casal de estúpidos.

E saiu.

– O que foi isso? - surtei e arranhei o braço de Daniel.

Ele franziu o cenho.

– Acho que isso foi eu declarando que você é minha agora - ele respondeu depois de pensar - eu sou seu também, claro.

Ele abriu um sorriso e se eu achava que não conseguia dizer “não” à um Daniel entediado, tive certeza de que um Daniel sorridente conseguiria tudo o que quisesse de mim.

– Você é impossível - murmurei.

– Você não faz ideia do quanto me supera - ele murmurou de volta, ficando irritado do nada.

Franzi o cenho e dei de ombros.

Abri a boca para pedir à Seth que controlasse Yukina, que estava dançando loucamente pela casa toda e induzindo as pessoas a fazerem o mesmo. Mas Seth não estava lá.

– Cadê seu irmão? - perguntei arqueando uma sobrancelha.

Daniel deu de ombros, mais irritado ainda.

– Sei lá - ele respondeu e me puxou para dançar.

Toda a irritação dele se foi quando eu não protestei. Eu poderia engolir meu orgulho e dizer em voz alta que meu dia cansativo de escolher decoração e pratos estava valendo a pena, e muito. Mas tive medo de não conseguir me expressar e dizer algo errado para deixá-lo zangado, então só apoiei minha cabeça no seu ombro e deixei ele me guiar.

Aquilo de uma elfa amar um dragão já estava ficando perigoso.