The Forest City escrita por Senjougaha


Capítulo 23
Capítulo 23 - Aprovada




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Treinei, tanto. Tanto. Que não me surpreenderia se quando o galho de árvore irritante da minha janela me acordasse, eu levantasse com minha foice de sombras nas mãos. "Totalmente paranóica", diria Daniel.
– Bom dia, querida - meu pai me saudou com felicidade emanando de cada poro.
– Bom dia, papai - bocejei e direcionei um sorriso ao cara de avental que me aguardava ao pé da escada.
– Temos panquecas - ele anunciou.
– Temos sempre o melhor café da manhã aqui, mesmo que não tenha panquecas - deixei escapar.
Seus olhos brilharam tanto que me lembrei de Yukina.
Yukina. Chorou quando fui pra casa de vez. De casa, eu iria para o tal Reino dos Elfos, na Cidade Floresta. Como podia ter um reino numa cidade floresta? Balancei a cabeça para afastar os devaneios e devorei meu café da manhã.
Depois de todo aquele treinamento, desenvolvi uma fome anormal. Já haviam se passado as duas semanas e no momento em que pensei que ela passaria dolorosamente lenta, ela passou como um borrão. Quase desejava voltar à primeira noite de "treinamento pra valer". Corei inevitavelmente, quando me lembrei de ter pedido para Daniel sempre ficar comigo. Ele não estaria comigo na Cidade Floresta...
– Posso passar o fim de semana fora? - perguntei ao meu pai de repente.
Precisava encontrar um jeito de explicar minha ausência.
– Solara ligou aqui avisando que passariam um tempo juntas - ele respondeu a contragosto.
Claro que ela tinha ligado. Era do tipo que planejava tudo meticulosamente, além de controladora/manipuladora. Do caramba.
– Ah - mexi a panqueca com o garfo - certo então, não demorarei.
Torci o nariz para enfatizar que não gostaria de ficar tanto tempo fora depois de ter acabado de me estabilizar em casa. Ele sorriu e afagou meu cabelo.
– Está tudo bem querida - ele disse - você está crescendo.
Funguei e fingi estar ofendida. Tinha adquirido um nível de drama através de osmoze. Consequências da compania de Yukina. Revirei os olhos. Aquilo sim era atitude minha.
Me levantei e fui voando buscar minha mochila no sofá.
– Você vai direto - ele concluiu.
Assenti e conferi minhas coisas.
Shampoo, condicionador, escova de dentes, creme dental, necessaire, celular (apesar de apostar que lá não teria área), roupas íntimas e poucas trocas de roupas casuais.
– É mais do que suficiente - meu pai sorriu tenso - o lugar pra onde você vai tem as coisas que você precisa.
Ele disse isso e foi para a lavanderia. Tentei pensar em um jeito de perguntar o que ele quis dizer, mas ele ligou a lavadora que produzia um barulho infernal. Era um sinal de que eu não deveria fazer pergunta alguma.
Suspirei e sai feito furacão, correndo até chegar na floresta. Assoprei a franja e adentrei.
– Atrasada - Solara resmungou atras de mim.
Me virei assustada. Ela estava com um vestido... incrível. Parecia etéreo, completamente amarelo. Diria que amarelo era uma cor desagradável de se olhar, mas em Solara o amarelo era ideal. Parecia o sol.
Era translúcido, mas não mostrava nada que não deveria. Incrível era a palavra adequada.
– Você tem um também - ela disse reparando minha admiração - a cor e o modelo é sua personalidade que define.
Torci o nariz. "Meu vestido seria totalmente sem graça então", pensei.
Solara riu como se soubesse exatamente o que eu estava pensando.
– Vamos - ela disse pegando minha mão de repente e o mundo girou em luzes caleidoscópicas.
– Caramba, Solara! - rosnei e tentei acostumar meus olhos à luz do local.
Não estávamos mais na floresta úmida e verdejante.
Estávamos numa floresta totalmente iluminada, com ar puro, tão puro que respirando ele me sentia impura. Haviam colunas destruídas, ruínas lindas espalhadas pelo gramado verde. Passou pela minha cabeça que nada do que eu vira lá fora era verde. AQUILO era. O topo das árvores e outras plantas emitiam um brilho neon estilo Avatar e era surreal.
– Bem vinda ao interior da Cidade Floresta, irmãzinha - ela sorriu como se aquilo fosse bom.
Dei um passo à frente e onde eu pisei, o chão verde brilhou.
– Definitivamente, é da realeza - Solara suspirou orgulhosa.
– O que tem a ver o chão brilhar e eu ser da realeza? - perguntei indignada.
– O solo reconhece o sangue real e reage à ele - Solara explicou - uma forma de reverência.
Revirei os olhos e ela me deu um beliscão.
– Não vá fazer isso na cerimônia de apresentação - ela resmungou.
Fui arrastada sem ter a chance de ver o que tinha de bom na tal cidade. Solara estava com pressa: entrou num castelo de gelo gigantesco sem deixar eu me dar conta de onde estava.
Tagarelava sem parar, e de repente senti a distância entre Yukina e eu.
Ela me empurrou para dentro de um quarto e falou numa língua que quase compreendi. Pelo que deduzi, estava ordenando que as duas elfas minúsculas e de pele escura me ajudassem com o banho e com a preparação.
– Vamos fazer isso o mais rápido possível e você vai voltar pra casa - ela sussurrou para que só eu ouvisse e sorriu, arrumando meu cabelo.
Me senti minúscula. Realmente como uma irmã mais nova. Assenti.
As duas elfas estavam com medo. Como se eu fosse capaz de fazer algum mal à elas. Revirei os olhos e gesticulei para que elas entendessem que eu não tinha o costume de morder.
Elas me ajudaram até mesmo a entrar na banheira e cara, era constrangedor. Tudo era.
Quando finalmente consegui sair do banheiro sem os protestos delas, elas abriram uma caixa de marfim e tiraram de lá um colar.
Não queriam que eu usasse um colar e ficasse pelada, certo?
Elas perceberam minha confusão e pela primeira vez, soltaram uma risada tímida.
– Colar... vestir - uma delas conseguiu dizer e gesticular.
Revirei os olhos. Óbvio que eu não entendi, mas deixei que elas colocassem o colar em mim enquanto olhava no espelho. Não era TÃO vergonhoso ficar nua na frente delas, que pareciam tão pequenas. Ou talvez fosse porque meu corpo estava diferente depois da minha luta com Seth, como se tivesse despertado e a própria pele estivesse viva, brilhando e pulsando.
Com o colar no pescoço, arqueei uma sobrancelha enquanto encarava o reflexo. Não aconteceu nada.
Então de repente, meu corpo foi coberto por um tecido finíssimo, do "negro mais negro" que já vi em minha vida. Arquejei e observei o desenrolar do tecido que não se parecia nada com tecido.
– Eu disse que você tinha um - Solara disse sorrindo atras de mim - mas wow, não sabia que sua personalidade era... negra.
A encarei assustada. Meu vestido finalmente terminou de se materializar. Seguia basicamente o mesmo modelo que o de Solara, mas mostrava minha barriga com a transparência e ao chegar aos meus pés se dissolvia. Parecia...
– Feito de sombras - Solara disse analisando e tocando meu vestido com cuidado - você é uma elfa das sombras, garota má.
Ela torceu o nariz.
– Deixa eu explicar pra você uma coisa - ela continuou - elfos das sombras não são a mesma coisa que elfos das trevas.
– Não? - perguntei confusa.
Solara negou com um aceno de cabeça e ordenou que as criadas saíssem.
– Elfos das sombras nascem da união de duas raças poderosas e geralmente não são bons nem maus - ela explicou - estão entre os dois, na divisa.
– E por que isso é ruim? - perguntei.
Ela me olhou como se eu fosse retardada e suspirou antes de responder.
– Por que eles nunca ajudam nas guerras - ela disse - e são raros, tipo, MUITO raros.
Ela comprimiu os lábios. Parecia saber a pergunta que viria.
– Por que são raros? - perguntei me sentindo infantil.
– Porque foram exterminados há muito tempo atras - ela respondeu com um aceno de mão do tipo "o resto não importa" e me empurrou porta àfora.
Quando abri a boca para protestar e dizer que estava sem sapatos, ela riu e apontou para os próprios pés.
Certo, andar descalço era a cultura dali. Podia não ser tão ruim.
Solara estalou os dedos e uma porta gigante se abriu diante de nós.
Dizer "uau", não seria adequado tanto pelo momento quanto pela grandiosidade do lugar. Era repleto de detalhes em ouro, marfim e outros materiais que não identifiquei. Provavelmente por não existirem no mundo humano.
O salão estava praticamente vazio, mas as pessoas ali presentes estavam agitadas. Eram todos elfos, com orelhas pontudas e cabelos exóticos.
Solara me empurrou até a sacada majestosa dali e de repente, senti medo. Ela forçou sua mão contra minhas costas, dando um sorriso de desculpas.
"Ah, cara. Eu devia ter ficado em casa comendo besteira", foi o que pensei quando vi a multidão de elfos abaixo da sacada.
Eles bradaram quando avistaram Solara, e tinha quase certeza de que eu não estava em evidência.
Solara ofuscava qualquer um.
Quando ela ergueu a mão, fez-se silêncio. Tentei enfiar em minha cabeça de que ela era uma princesa.
– Meus agradecimentos à todos os cidadãos aqui presentes nesta noite tão agradável - ela começou, e muitos assentiram - como todos sabem, é uma noite especial, pois apresento à vocês a princesa mais nova do Reino dos Elfos, aquela que um dia resolverá seguir o caminho de seus antepassados, Selene.
Ela pegou minha mão e fez com que eu desse um passo à frente. A multidão pareceu ficar desconfortável. A mesma pergunta estava estampada na face de todos ali.
– Ela é uma elfa das sombras?! - perguntou alguém corajoso.
– Sim, uma elfa rara entre as raras da realeza - Solara sorriu.
Com ela falando daquele jeito, quase acreditaram no que foi dito.
– Selene é minha irmã, uma das herdeiras do Reino dos Elfos e possui sangue real correndo em suas veias - Solara se irritou sem demonstrar - não permitirei que uma mão seja erguida contra ela, digo isto como irmã e como princesa soberana.
A multidão se acalmou e Solara sorriu iluminando a atmosfera escura que caiu sobre todos.
– Bem, a pergunta que vos faço agora é: e quanto a vocês? Protegerão sua mais nova e frágil princesa quando alguém se levantar contra ela? - ela declamou.
Uau. Nada a ver comigo.
– Sim! - a maioria ergueu as mãos.
– Aceitarão sua princesa como é, pelo que é, e pelo que ela vive?! - ela continuou.
– SIM! - agora mais pessoas se juntaram ao coro.
– A aceitam como a nova soberana sobre o Reino dos Elfos e sobre a Cidade Floresta, como a representante dos elfos aonde quer que esteja?
– SIM! - todos gritaram.
– Que assim seja feito! As estrelas concordam com o que seus filhos decidem, sendo assim, em nome do povo élfico, eu lhe digo: Princesa Selene, seja bem vinda ao lar! - ela finalizou e os elfos abaixo de nós lançaram feitiços para cima.
Encarei cada feitiço com um misto de admiração e medo. Não havia um igual ao outro: todos tinham algo a mais, um completava o outro.
Mas nenhum era negro.
Solara notou meu nervosismo e apertou minha mão.
– Hoje a noite teremos um banquete de celebração e despedida da nossa princesa - Solara tomou a palavra novamente - que escolheu não viver nos luxos do Castelo de Gelo, sendo humilde e vivendo entre humanos. Mais uma salva de magia para o grande coração da nossa Selene!
Todos pareceram admirar o meu ato de "viver entre humanos". Como se eu realmente tivesse um coração bondoso o suficiente para agraciá-los com minha presença lá. Quase, quase revirei os olhos.
– Muito bem - disse uma voz cortante atras de nós e Solara se virou com um sorriso radiante.
Me virei lentamente. Não queria ver aquela pessoa agora.
– Olá, mamãe! Selene não está linda? - Solara disse animadamente gesticulando em minha direção.
– Sim, certamente - respondeu olhando meu vestido - certamente uma princesa de coração bondoso.
Ela virou as costas e saiu, ignorando todo o amor esbanjado por Solara.
Trinquei o maxilar e respirei fundo.
Inconscientemente, tomei uma decisão. Nunca seria como ela. Nunca.
Engoli em seco quando me lembrei das vezes que Yukina me abraçara e eu a ignorara. Mudaria isso quando chegasse. Senti uma dor no peito quando o pensamento de que quando eu voltasse, todos estivessem diferentes comigo. Não suportaria, por mais forte que fosse.
– Só até amanhã - Solara me olhou suplicante.
Assenti e ergui a cabeça. Ainda tinha um jantar pra me empanturrar.


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Notas finais do capítulo

Uma salva de magia para o coração bondoso, ops, negro da Selene. E para os meus possíveis erros de português.



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