Ela desmaiou sem poder rebater o que Seth dissera. Era incrível como a falta de olhos revirados, comentários sarcásticos e seus constantes olhares à janela faziam falta. Yuki estava inquieta. Já fazia três horas desde o ocorrido.
– Ela foi tão, tão incrível pra desmaiar o final - resmungou se sentando de braços cruzados no sofá.
Seth ligou a TV com um bocejo. Fingia não se importar com o que quer que acontecesse com Selene. Quando ela não estava presente, até mesmo fingia não se lembrar do nome dela. Totalmente otário.
– Ei, ela adora esse desenho - ele murmurou encarando a TV repleta de verde - acho que se chama Ben 10.
Yuki direcionou sua atenção ao desenho. Sabia que ela queria assistir só pra ter o que conversar com Selene.
Grunhi e encarei o lustre no teto. Selene nunca o tinha percebido, até onde eu sabia. Não que ela fosse de reparar nas coisas. Totalmente desligada.
Passei a mão no rosto tentando relaxar e principalmente, parar de pensar na garota desmaiada, ou melhor, dormindo no cômodo de cima.
– Vou pra cima - Yuki anunciou melancólica.
– Ela vai acordar - resmunguei.
– É exatamente isso que eu quero - ela rebateu irritada.
Tirei a mão do rosto e fitei a expressão agoniada de minha prima.
– Ela vai pro Reino dos Elfos em breve e sabe-se lá quando volta! E se não pudermos ir pro baile? Ela vai dar um bolo no Liam! Vai me deixar sozinha lá! - Yuki disparou.
– Não me importo que ela dê bolo nesse tal de Liam - Seth deixou escapar baixinho.
Yuki bateu o pé e faíscas saíram. Não era bom irritá-la.
– Ela talvez nunca mais volte e você está preocupada com esse baile, tsc - resmunguei.
– Quem não vai voltar? - perguntou uma voz conhecida e sonolenta.
Todos olharam para a escada e Selene estava desgrenhada, coçando os olhos e com o rosto marcado pelo travesseiro. Ainda assim, estava linda.
– Estava passando Ben 10 - Seth disse tentando soar casual, e não aliviado.
– Hummm - ela respondeu olhando a janela e tentando não se importar com Yukina a abraçando e tagarelando.
Ela estava... evitando olhar para mim?
– Selene - chamei com a voz saindo mais grave do que o normal.
Ela me encarou com seu olho negro, enquanto o azul permanecia escondido na franja comprida. Jurava ter visto raiva e mágoa lá. Mas foi tão rápido que não pude ter certeza. Um ronco começou a surgir em minha garganta e uma sensação quente me invadiu. Pigarreei para que ninguém notasse nada, principalmente Yuki, com seu costume de vasculhar os sentimentos das pessoas com Os Olhos que possuia.
– Você está bem? - finalmente perguntei.
Ela assentiu e se sentou no sofá ao lado de Seth. Tinha um espaço sobrando onde eu estava e ainda assim, ela se sentou ao lado dele. O que eu tinha feito?
– Idiota - Yuki sussurrou para que só eu ouvisse e foi esquentar pizzas no microondas.

Selene comia mais do que o normal. Yuki a acompanhava para não fazê-la se sentir mal e Seth não se controlava. Resolvi acompanhar o ritmo por mais que eu quisesse ainda mais.
– Promete que vai voltar logo - Yuki disse de repente com a boca cheia de ketchup.
– Ahn? - Selene perguntou colocando mais ketchup em sua fatia.
– Promete que não vai ficar lá com sua irmã - Yuki choramingou.
– Está desenvolvendo algum tipo de retardo mental? - Selene perguntou chocada - mas é claro que vou voltar.
– Ótimo - Yuki murmurou e roubou a fatia de Selene, que espirrou ketchup no nariz dela.
Mais duas semanas e ficaríamos sem Selene. O nome dela era tão viciante que eu poderia repetir mil vezes ou mais no dia sem enjoar ou a língua cansar.
Ela se levantou de repente e espreguiçou.
– Vou lá fora um pouco - anunciou dando de ombros e deixando metade da pizza na caixa.
Seth a roubou antes que eu o fizesse. Grunhi e segui Selene.
Ela estava sentada num balanço de árvore que eu podia jurar ter tirado dali. Franzi o cenho e me aproximei, fazendo com que ela se assustasse.
– Mas que droga - murmurou.
– Desculpe - me apressei e prendi o cabelo com um elástico.
Queria perguntar muitas coisas à ela. Estava pensando em cortar o cabelo. Ela gostaria se eu o fizesse? Ou preferia meu cabelo naquele estado? Ela realmente voltaria? Por que ela estava com raiva de mim? Engoli em seco e olhei para a lua, como ela fazia. Não podia deixar que essas perguntas que voavam em minha mente levassem à principal delas.
– Então... - comecei - você está indo bem no treinamento.
– Sério? Porque não pareceu que você achou isso - ela respondeu seca.
Então era aquilo.
– No treinamento sou seu professor, Selene - murmurei chutando a grama e me sentando ao seu lado, no chão.
– Certo - ela cortou antes que eu pudesse continuar.
– Desculpe - eu disse encarando seus olhos.
Ela ficou vermelha. Ainda estava com raiva de mim?
– Pare de se desculpar o tempo todo - ela desviou o olhar.
Franzi o cenho.
– Não te entendo, Selene - resmunguei.
Ouvi ela arranhar a madeira do balanço desgastado com as unhas e notei que estavam afiadas.
– Não precisa me entender - ela murmurou - só continue comigo como você sempre faz.
Alguém deve ter socado meu coração. Senti ele quase saindo pela boca e não consegui impedir o ronco que saiu da minha garganta. Daquele jeito ela iria se assustar.
Mas ela só sorriu e bateu no lugar mais perto dela, no balanço. Saí do chão sem pensar duas vezes e me sentei lá. Não era todo dia que Selene convidava alguém para sentar ao seu lado...
­­- Quando me conheceu, sabia o que eu sou? - perguntou ela quebrando o silêncio.
– Não - respondi - soube só quando sua mãe apareceu.
Selene fez um biquinho e riu. Parecia estar lembrando da cena de novo, quando Adalind chegava na escola como se fosse uma mãe superprotetora.
– Entrada triunfal a dela - ela disse e eu tive que rir e sorrir diversas vezes.
Só assim o meu coração parava de pular e sapatear quando estava com ela. Sorrindo. Se eu fizesse isso sempre, seria um bobo alegre, então me fechava completamente. O que magoava Selene. Foi o que percebi ali vendo o biquinho dramático dela à noite, no balanço.
Que Selene também tinha sentimentos.
E eu amei aquilo. Meio que me deu um pouco de esperança. Minto, me deu MUITA esperança.
Só não sabia de quê.