Totalmente Opostos escrita por Mari, Miimi Hye da Lua


Capítulo 4
Belo Desastre


Notas iniciais do capítulo

Hello! E aí, demorei demaisssss dessa vez né? Mas por uns ocorridos fiquei sem intenet no PC por esses dias, olha que triste, passar o feriadão sem intent! T.T Agora sim eu entro em depressão, mas voltei a dar o ar da graça :D
Agradeço de coração a isabelinha e Garota do Blanco por terem favoritado, muito obrigado mesmo meninas, fico extremamente feliz. Aí você me pergunta: por que você agradece quem favorita? Sei lá, quando eu favorito uma história é porque gostei de verdade, então quando isso acontece comigo me sinto privilegiada por ter pessoas que gostam das minhas ideias de jerico. O capítulo ficou absurdamente grande, perdoem-me mas eu tinha muito o que contar, mesmo assim, espero que me faça a gentileza de ter paciência e ler. É hoje que eles se conhecem, aguenta coração! Mas adianto que é de um modo totalmente desastroso como minha homenagem no título ao livro mais perfeito do mundo dá a entender, enfim, espero que gostem. Dedico pras flores que favoritaram, beijos! :) ♥



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Realmente, se existia um barulho que me deixava extremamente irritada, esse barulho é do despertador. Porque foi ele quem já pôs fim aos sonhos mais lindos de todos, alguns em que eu caminhava de mãos dadas com meus falecidos pais numa praia deserta, e outros onde eu era uma princesa presa no alto de uma de torre que era salva por um lindo príncipe. E agora, eu era obrigada a escutar esse som medonho ecoar pelos meus ouvidos, e mesmo que antes não estivesse sonhando com nada em especial, isso não diminuiu a irritação que senti.

Num movimento rápido eu desliguei o alarme enfim me dando ao trabalho de abrir os olhos. Depois de uns segundos deitada impossibilitada de me mover pela preguiça, soltei um belo bocejo e me levantei coçando a nuca indo em direção ao banheiro. A semana que se passou foi mais monótona do que o normal, e cá estou de novo, me preparando para encarar mais uma segunda tediosa.

Tomei um banho que tinha por tarefa (quase impossível) de me dar disposição, o que adiantou um pouco, já que fiz a minha turnê particular cantarolando várias músicas toscas, com direito a aplausos, agradecimentos e plateia imaginária. Qual é! vai me dizer que você nunca fez isso?

Depois de sair, fiz o de sempre: dei um jeito naquela tragédia que tenho a cara de pau de chamar de cabelo o prendendo em um rabo, vesti minha calça jeans nada justa, mas muito larga, e meu moletom azul claro que me deixava parecendo uma anciã. Calcei um all star qualquer da minha extensa coleção deles. Pra finalizar o ''look'', os óculos que eram meus companheiros de longa data. Dei uma última olhada no espelho e vi que estava estampada a palavra NERD na minha testa, por mais incrível que pareça, sorri satisfeita.

Depois de descer um lance de escada já pude escutar o barulho estridente do vapor saindo do bule de chá. Quando atingi o último degrau tive a visão de sempre: vovô sentado lendo um jornal com uma xícara de café na outra mão, geralmente com uma careta silenciosa de indignação; vovó, sempre animada preparava uma panqueca.

–Bom dia! – eu disse animadamente.

–Bom dia querida! – vovó respondeu concentrada na tarefa de virar a massa incolor na frigideira. Fiquei esperando que vovô dissesse algo, mas ele permaneceu focado no pedaço de papel a sua frente.

–O que deu nele? – perguntei ciente de que ele não estava nem um pouco prestando atenção em nós.

–O de sempre, uma revolta infundada contra a sociedade.

–Não, não é infundada! – respondeu irritado abaixando o jornal para nossa surpresa. – Olha só como o preço das coisas sobe descaradamente e todos agem como se nada tivesse acontecido! Eu sinto vergonha de fazer parte de uma sociedade que fecha os olhos diante das coisas mais óbvias e tem uma parcela da população vítima do ostracismo! – bateu com o punho na mesa – Vai me dizer que tal conceito é infundado querida esposa? – não deu chance para que ela respondesse por em seguida se isolar novamente, se colocando atrás do exemplar de ''La Película''.

Soltei uma risadinha baixa ao ver vovó suspirando em sinal de cansaço. Era do feitio dele ter essas crises de revolta contra a ''opressão e ostracismo da sociedade capitalista narcisista ao extremo''.

–Sente-se Villu. – disse ela percebendo que eu ainda estava de pé. Apenas me aproximei da mesa pegando uma maçã da fruteira.

–Acho que hoje eu vou comendo até o colégio. – ela me olhou em sinal de reprovação.

–Violetta, você quer me fazer ter mais cabelos brancos ainda? E se você me apronta de desmaiar ou arruma uma anemia menina? Trate de sentar e ter uma refeição decente!

–Vó, estou bem, e a senhora sabia que a maçã é rica em Vitamina C? Ou seja, pode ficar despreocupada de ter ou não uma neta com um bom sistema imunológico. – dei uma piscadela para tentar tranquilizá-la. Ela se aproximou da mesa colocando sobre ela a jarra de suco de laranja.

–Às vezes eu odeio que você seja tão inteligente. -Vou encarar isso como sendo um elogio – esbocei um sorriso bobo e me aproximei dando um beijo na sua bochecha, repeti a ação com vovô, mas o mesmo permaneceu com a atenção completamente voltada para o jornal. – Tchau, eu já vou indo.

Me virei pronta pra seguir meu rumo mas parei ao ouvir uma pronunciação um tanto quanto estranha vinda do meu avô:

–Isso querida, vá pra escola e estude bastante, quem sabe um belo dia os jovens como você dêem um jeito de concertar o mundo e erradicar as injustiças e desigualdades que hoje em dia estão presentes em demasia.

–Antônio! – gritou vovó já irritada.

–Eu só estou tentando guiar uma jovem, já que os jovens são o nosso único resquício de esperança de um mundo melhor.

–Mas você está se saindo um chato de galocha hoje hein?

–Que ótimo! Agora sou considerado um chato de galocha por crer nos ideais que batem de frente com o egoísmo e egocentrismo que viraram modismo?

–Estou cheia desse papelzinho bobo de ''rebelde sem causa''!

Eu não ouvi mais nada, já que havia saído sorrateiramente ganhando a rua deixando que eles resolvessem suas diferenças sozinhos.

Aqueles dois eram casados a mais de quarenta e cinco anos, porém, isso não os impedia de viverem as turras discutindo o tempo todo por coisas bobas. A única coisa que fazia com que a união deles prevalecesse por tantas décadas era o fato de sempre darem um jeito de fazerem as pazes depois de todo santo desentendimento, as vezes sem nem perceber, cinco minutos depois de uma discussão os dois estavam falando sobre jardinagem e de como não haviam mais programas de TV bons como antigamente. Isso sim era amor verdadeiro, duas pessoas tão diferentes que mesmo se desentendendo conseguiam conviver com um sentimento em comum, a afeição que nutriam um pelo outro.

Sem perceber, eu já havia chegado até o ponto de ônibus, visto que eu pensava mais que caminhava. Me sentei devagar e fiquei pacientemente esperando o bendito ônibus.

Só sentada lá observando o ambiente, notei que no céu estava um sol de rachar. Senti-me uma ridícula por estar trajando aquele moletom bobo, mas ele era o único meio que encontrei para esconder a gigante marca roxa no braço, já que eu tinha plena certeza de que se meus avôs vissem os machucados seria declarada a Terceira Guerra Mundial, e nem mesmo aquele ''motoqueiro fantasma'' imbecil merecia sentir a fúria da dupla imbatível que viravam feras quando se metiam com a netinha deles.

De quebra, nesse momento não pude impedir as recordações do dia anterior onde um maluco quase me atropelava:

''-Eu já falei Francesca, eu não tinha grana, ou era o Teorema de Katherina ou Destrua Este Diário... Óbvio que preferi o primeiro né?... Mas Fran, é o Green!... E daí? Esse outro parece mais um manual de iniciação a bruxaria ou alguma seita qualquer, e obrigado, mas eu prezo minha lucidez... Ai, não quero discutir isso! Nos vemos amanhã, tchau!

Irritada desliguei o telefone. Digamos que eu não queria parecer com uma maluca que tagarelava ao telefone com outra mais maluca ainda no estacionamento do shopping (pelo visto era isso o que estava fazendo). Ainda mais com o fato de eu falar tão alto ao celular que ele se tornava quase que desnecessário. Mas eu tenho culpa de aumentar meu tom de voz quando começo a debater minhas preferências literárias? Ok, admito, eu grito mesmo ao telefone, eu sei que só gente velha faz isso, mas é uma mania minha poxa! Ainda mais que a retardada da Francesca quase teve um troço quando eu contei que não havia comprado aquele livro quase tão maluco quanto ela. Eu sabia que a menina era estranha, mas curtir um livro que te dá instruções de como destruí-lo não é o que consideraríamos dentro da normalidade.

Voltando ao jeito chato como eu narro minuciosamente cada movimento que realizei, enfiei o celular de qualquer jeito no bolso, eu não estava muito preocupada com a delicadeza dos meus movimentos, já que queria chegar logo a um ponto de ônibus, me sentar, e depois de contar até dez arrancar o plástico e sentir aquele cheiro de livro novo, cara, é a melhor sensação do mundo! Além de querer sair daquele lugar mais que tudo, sério, odeio esses lugares desertos onde um psicopata sádico pode estar à espreita esperando uma bobeira minha pra me sequestrar e cometer atrocidades comigo. Sei que sou uma paranoica ridícula, mas tente assistir Chamada de Emergência, amigo, garanto que você nunca mais vai pisar num estacionamento!

Viu como eu matraco? Recuperando o foco mais uma vez!

Eu caminhava em passos apressados, e podia-se ouvir o barulho irritante da sola da minha sapatilha se arrastando pelo piso. Aquele momento foi de suma importância na minha vida, mas eu estranhamento não me lembro de tudo direito, aconteceu tudo tão rápido sabe? Mas existem detalhes que eu nunca vou esquecer, como por exemplo o barulho estrondoso do motor de uma moto, com o qual, me virei atordoada e senti meu coração pular pra fora ao me deparar com uma Harley a no máximo uns dez metros de distância, o motoqueiro maluco parecia que não ia parar mesmo. Vinha em altíssima velocidade e não consegui raciocinar direito, só me senti como aqueles garotos do Desventuras Em Série quando estavam em um carro no meio da linha do trem esperando que este os esbagaçasse. Nunca vou me esquecer da dor que senti quando quase que involuntariamente, me joguei contra o solo. Jamais me fugirá a memória o barulho de algo duro como lataria se chocando contra o chão e passos de um sapato (que só podia ser de borracha pra produzir aquele som chatinho) vir apressado em minha direção logo após aquele meu movimento. Depois, algo gelado, parecido com couro atingiu a pele do meu antebraço, em seguida me assustei rapidamente levantando a cabeça pra encarar o meu quase assassino. Eu posso me lembrar muito bem de tudo, mas nunca, jamais, nem numa nova era glacial, nem que o sol se expluda, vou me esquecer da visão que tive diante dos meus olhos, do verde mais intenso e belo que tive o privilégio de admirar.

Senti minhas forças se esvaírem e boca ficar seca, não olhei pra mais nada além dos seus olhos, que tinham um brilho que o adornavam mais, era um brilho de fúria estranhamente lindo. Continuei paralisada, era como se algo tivesse tapado meus ouvidos e o único sentido que se fazia presente era o da visão, que se fixava naquele seu olhar tão assustado e surreal a me encarar de um modo que me consumia por dentro. Era como se o mundo tivesse parado durante aqueles segundos infindáveis.

Enfim desviei a atenção dos seus olhos e comecei a analisar cada detalhe no seu rosto. Um rosto extraordinariamente belo, que mais parecia ter sido projetado do que surgido espontaneamente. Sobrancelhas grossas e definidas, um nariz pequeno e fino, seus lábios eram finos e bem desenhados. Catatônica era a palavra que descrevia meu estado, não sei se foi o susto ou algo do tipo, só sei que naquele momento nada mais passava pela minha cabeça além do dono daquelas feições que roubou minha atenção de maneira tão espantosa.

Depois dos segundos mais longos da minha vida, finalmente sacudi a cabeça atordoada voltando a realidade sem saber o que era aquilo que havia acontecido, como se tivesse entrado em um estado hipnótico. Só então pude ver que o cara dizia algo furioso:

–Você é muda por acaso??? – mesmo com toda a grosseria, ao ouvir sua voz máscula e firme desfaleci. – Vai me responder ou não? – indagou segurando meu braço com mais força ainda, olhei para aquela parte do meu corpo que já estava quase roxa, e por não querer que o amputassem depois da necrose que aquele apertão causaria, me forcei a dizer algo pra diminuir a patetice que ele devia ter tido como primeira impressão:

–Eu... eu... – só consegui gaguejar ridiculamente, logo após, pude sentir seu olhar raivoso e impaciente pousar em mim.

–Qual o seu problema garota? Eu perguntei à meia hora se você está bem!

–Estou bem – respondi num fio de voz. Quando ele soltou meu braço por míseros segundos, o puxei para longe do seu alcance e comecei a esfregar aquela parte a sentindo dolorida.

–Ótimo, agora me diz que raios você estava pensando quando entrou na frente da minha moto sua maluca? – fiquei cega de tanta raiva, quem ele pensava que era pra falar daquele jeito comigo? E como assim eu havia entrado na frente da moto?

–Olha aqui, em primeiro lugar eu não entrei na frente da sua maldita moto, você quem veio pra cima de mim, em segundo o único maluco aqui é você, e terceiro, poderia me dizer se você por acaso comprou sua carteira de motorista se é que você tem uma?

–Ah, agora você vai bancar a engraçadinha? Quer saber? Você não se machucou, então eu quero que se dane entendeu? – se levantou dando leves batidinhas na calça. Dios mio! O cara parecia uma porta de tão alto!

–Espera aí, você me atropela e ainda acha que tem o direito de ficar nervosinho? Meu Deus, eu não ouvi isso!

–Presta atenção garota, eu não te atropelei! Você que entrou na frente da moto. Nem devia ter me dado ao trabalho de parar, quer saber? Vai se danar! – se virou pisando duro em direção a moto que estava tombada de qualquer jeito no chão do outro lado do local.

–Desgraçado! – gritei em plenos pulmões querendo que ele se virasse pra eu lhe mostrar que não pode sair por aí passando com a droga de moto em cima das pessoas, mas como nem tudo é como queremos, o idiota simplesmente me ignorou. Levantou a Harley preta calmamente, e após colocar seu capacete que também estava jogado no chão, montou nela e ligou a ignição. Fazendo um movimento de vaivém com as mãos, o escapamento da moto soltou um assustador ''vrum''. Se voltou para o meu lado, me encarou por uns cinco segundos com um ar de superioridade ridículo, como se por eu estar estirada no chão, fosse um verme rastejante indigno até mesmo de pena. A última coisa que fez antes de acelerar e desaparecer, foi mostrar seu lindo dedo do meio coberto por uma luva de motoqueiro de couro sintético. – Filho da puta! – gritei mais alto ainda (como se fosse possível) e recebi em troca um risinho irônico e descarado de um ser maldito que se virou na direção oposta e se mandou de vez. Nunca fui de xingar, mas aquele cara me tirou do sério. – Maldito! – balbuciei baixinho enquanto pegava meus óculos do chão que estavam com um belo rachado na armação de plástico, o coloquei de volta no rosto, peguei minha sacola de livros do chão repetindo continuamente os piores xingamentos possíveis. Só porque ele era lindo pensava que eu tinha cara de palhaça e que podia me fazer de capacho?

Repeti um ''desgraçado'' pela última vez antes de me levantar e ir embora com a dor da humilhação ainda presente em mim junto com a dor do braço.

Eu queria chorar, gritar, correr até a rua o mais rápido que podia para tentar inutilmente alcança-lo e dizer umas verdades. Já disseram ''nunca julgue a embalagem pelo conteúdo'', isso está corretíssimo, porque apesar desse garoto possuir um dos rostos mais lindos que já vi, era completamente podre por dentro.

Agradeci mentalmente por ter a plena certeza de que nunca nos cruzaríamos de novo, ou seja, ele ficaria presente apenas na minha memória de ocasiões desastrosas que ocorram com minha pessoa. O que não tive a capacidade de cogitar com minha limitada imaginação, era que essa seria a primeira de muitas vezes que eu o chamaria de ''desgraçado'', e que ele passaria pela minha vidinha medíocre mais algumas vezes deixando um belo rastro de destruição.''

Adentrando o portão do colégio rodeada por uma multidão de adolescentes antipáticos que não mediam cotoveladas para passar, me sentia uma formiguinha. Mas eu era isso, um grãozinho de areia no meio do deserto, só mais uma aborrecente insignificante que queria guardar seus livros no armário e chegar no horário na aula de matemática do professor Pablo que com certeza falaria muita asneira na nossa cabeça sobre como a juventude de hoje está relapsa se ocorresse o contrário.

Subi as escadas e assim que cheguei ao corredor dos armários, paralisei vendo a cena cotidiana que me dava náuseas: as líderes de torcida com seus uniformes minúsculos que deixavam suas pernas totalmente à mostra dependuradas nos pescoços dos caras do time de basquete. Os donos do colégio.

Eu já devia estar acostumada, era assim sempre. O que muitos considerariam um privilégio, pra mim era uma tortura: ter o armário localizado ao lado dos armários dos atletas. Todos os dias eram as mesmas piadinhas repetitivas, os mesmos xingamentos, eu já não ligava por saber que não passavam de um bando de mimadinhos que desconheciam o significado da palavra dignidade. E mesmo não querendo, eu precisava passar por eles.

Fechei os olhos e contando até dez mentalmente respirei fundo como em um ritual de preparação. Logo após me atrever a dar os primeiros passos no campo minado, não deu outra e logo fui alvo do primeiro comentário desagradável:

–Ei, olha só se não é a CDF cara de fuinha! – eu reconheceria a voz rouca do idiota denominado Diego em qualquer lugar. Dei uma rápida olhada pro lado e lá estava ele, com seu casaco horrível do time agarrado a Ludmila que se achava o máximo com seu loiro oxigenado de farmácia pendurada no pescoço do brutamontes. Não me dei ao trabalho de responder, apenas apertei os livros com mais força contra o peito e abaixando a cabeça, voltei a caminhar silenciosamente.

–Olha só pras roupas dela, parece que pegou do lixo, eca! – dessa vez foi a bruaca da Ludmila, não pude deixar de ouvir os burburinhos e risadinhas após essa pronunciação. – Ou melhor, acho que você pegou emprestado dos seus amigos sem teto né?

Nesse momento, eles não se limitaram a risinhos, fizeram é cair na gargalhada. Ainda bem que depois eles aparentemente se cansaram e desistiram de pegar no meu pé e pude ouvi-los começarem a conversar sobre o jogo contra um colégio rival que ocorreria dentro de algumas semanas.

A essa altura eu já estava diante da porta do armário rodando a espécie de cadeado na direção de determinados números de maneira a formar meu segredo. Fiz o de sempre: coloquei lá dentro os livros que trazia de modo a ficar apenas com o de matemática, que era a primeira aula. Matemática, me lembrei do Peter, onde ele estaria? Rodei de novo o cadeado (como se eu tivesse algo ''roubável'') e fiquei aliviada ao sair de perto da turma dos ''tops'' do colégio que seguiram suas vidas para minha felicidade sem notar outra vez minha insignificância.

–Villu! – olhei pra trás na direção do grito e vi Tico e Teco se aproximando.

Peter com seu habitual suéter xadrez e sapatos sociais perfeitamente engraxados e um sorriso bobo no rosto ''à la Augustus Waters''. O que chamou minha atenção foi a Francesca, que diferentemente do habitual estava com os cabelos soltos e não presos em um rabo de cavalo no seu clássico vestido estampado, dessa vez de bolinhas, com seu cardigã preto, mas no rosto uma cara nada boa, ela ainda estaria brava porque eu não quis comprar aquele livro?

–Oi gente! – gritei animada. Fui em direção aos dois me colocando no meio da duplinha. – O que andam aprontando? – perguntei enlaçando o antebraço da Francesca tentando fazê-la melhorar aquela cara de quem comeu e não gostou, o que não ocorreu, visto que a mesma permaneceu com a cara feia sem me dizer nada ou ao menos me olhar.

–Nada, e você Villoca? – falou o garoto da pintinha ao meu lado, depois de perguntar isso, o endiabrado deu uma boa bagunçada no meu rabo de cavalo.

–Ai Peter! Vê se cresce! – resmunguei ajeitando a bagunça que ele fez.

–Calma Villoca, você sabe que eu te amo né? – passou os braços pelos meus ombros me dando um beijo na bochecha estalado.

Nesse momento a doninha ao meu lado simplesmente parou nos olhando furiosa, ao perceber a sua parada repentina, repetimos o movimento a fitando com sua careta de indignação.

–O que foi Fran? – perguntei inocente.

–Nada Violetta, nada! – gritou se virando e saindo pisando duro. Foi só então que percebi o que estava se passando com ela e liguei toda essa rabugentice a uma palavrinha: Peter...

–Essa menina é biruta! O que deu nela? – perguntou o cego sem se dar conta, esse cara era parente da Dora Aventureira? Porque só assim pra não perceber algo que estava diante dos olhos dele.

–Nada, deve estar na TPM. – falei fingindo indiferença, parece que o convenci.

–Ah, isso eu sei! – voltamos a caminhar em um silêncio meio desagradável, eu não conseguia parar de pensar na Fran, pobrezinha. Ele começou a assoviar baixinho, até resolver quebrar o gelo novamente: – E aí, vai poder ir ver o debate da gente contra o colégio San Marino sábado à tarde?

–Claro, não perderia por nada.

–Vamos dar um banho neles.

–Nossa, que convencido hein? – dei uma cotovelada nele de brincadeira.

–Não sou não, só estou confiante porque a gente se preparou bastante. E a senhorita? Não quer participar? Como presidente do clube posso te colocar dentro do esquema.

–Isso não seria nepotismo?

–Só se fôssemos parentes.

–Eu sei, só tô zoando. Eu não posso mesmo, minhas aulas vagas não são vagas, biblioteca lembra?

–Ah, tem isso, mas quando quiser... então tá beleza! – deu uma piscadela.

–Quem diria, Peter Zavarte falando gíria?

–Todos evoluímos querida.

–Ai credo, quem é você e o que fez com o Peter?

–Eu sou a versão legal dele.

–Peter tem uma versão legal? – indaguei irônica, ele parou de andar na mesma hora e me olhou emburrado. – Só tô brincando Peeta.

–Peeta! Eu quem tenho que crescer né? -Calma, Peter, só tô brincando.

–Sei... – virou a cara pro lado estressado meio que me evitando.

–Ei não fica bravo. – dei um beijo na sua bochecha que o fez enrubescer.

–Eu sei – ele riu que nem um bobão envergonhado. Eram em ocasiões como essas em que eu chegava perto de acreditar que a teoria levantada pela Francesca estaria correta.

Já havíamos chegado em frente a sala de aula. Ela já estava cheia, é, o Pablo fazia todos os alunos comerem na tábua.

Entramos juntos e nos sentamos nos nossos respectivos lugares na frente (coisa de nerd). O Peter sentava bem na frente da mesa do professor e eu atrás dele. Francesca chegou segundos depois de nós, se sentou do meu lado no seu lugar habitual, ainda fria e me ignorando.

–Oi – falei baixinho pra tentar anuviar a tensão, mas ela permaneceu olhando pra frente que nem uma estátua aparentemente irritada.

–Deixa Villu, não é culpa nossa a senhoritazinha aí estar estressada.

Ela se virou para o encarar pela primeira vez, tive a ligeira impressão de ver seus olhos marejados, mantinha um olhar não irritado, mas triste. Abriu a boca para dizer algo a ele (provavelmente soltaria uma má resposta), mas foi impedida pelo sinal que tocou nesse exato momento. Se virou para frente olhando fixamente para o quadro com os braços cruzados. Fuzilei o besta quadrado a minha frente com os olhos, ele me olhou como se dissesse ''O que eu fiz?''. Apenas maneei a cabeça e ele se virou para frente quando o professor Pablo chegou. Agora sim havia reforçado a minha teoria de que, ou o Peter era muito tapado, ou cego pra não enxergar o óbvio.

–Bom dia turma.

–Bom dia – respondemos todos em uníssono com um desânimo aparente nas vozes, efeitos colaterais da segunda-feira.

–Bom, espero que tenham aproveitado o final de semana, porque hoje temos matéria novinha em folha – essa pronunciação foi acompanhada por vários resmungos baixos por parte do alunos – Ei! Nada de reclamações! – colocou a pasta de couro sobre a mesa procurando algo nela – Meu pai sempre me dizia pra estudar direito ou medicina, mas não, o bobão aqui acreditava no futuro da nação e quis ser professor, e olha o que eu ganho em troca? – parecia que estava era falando sozinho, mas que cara rabugento! Sem nos olhar pegou o canetão e foi até lousa, traçando uma linha reta. – Como o primeiro conteúdo novo do segundo semestre, vamos ver dentro da geometria analítica como resolver problemas calculando a distância entre dois pontos opostos numa reta numérica transformando-os em equações algébricas...

Começou a falar um monte coisas, uma atrás da outra. Traçava em movimentos rápidos números horríveis que ficavam tão estranhos que se assemelhavam a aqueles cálculos de Eisten. Pra mim ele estava falando japonês, não entendia nada! Tentei em vão abrir meu caderno e anotar algo, mas ele era muito rápido, eu estava à beira de um ataque de nervos.

Mas fomos salvos pelo gongo quando escutamos três leves batidas na porta, só podia ser a diretora, que tinha como marca registrada as três delicadas e elegantes batidas. O professor bufou irritado, soltou o canetão, e logo em seguida a porta foi aberta.

–Com licença Pablo, atrapalho? – perguntou a senhorita Esmeralda com sua postura ereta e elegância aparente que a tornavam tão atraente. -Imagina – falou o professor sorrindo falsamente.

–Que bom. – sorriu educada. -O que deseja? – perguntou o rabugento meio impaciente pra prosseguir com a sessão de tortura a que nos submetia antes.

–Eu apenas queria apresentar nosso novo aluno, pode entrar senhor Vargas – se virou para a porta. Eu sinceramente me mantive indiferente, cruzei os braços esperando que mais um garoto loiro dos olhos azuis bem engomadinho entrasse pela porta, mas posso dizer que meu coração parou por alguns segundos quando uma figura muito alta que eu reconheceria de longe cruzou o batente da porta. – Bom turma, esse é o novo colega de vocês, León Vargas, ele acaba de ser transferido de Nova York – Eu daria qualquer coisa no mundo pra poder ver minha cara naquele momento, estatelei os olhos e boca teimou em abrir, senti meu coração palpitar ao ver de quem se tratava, sim, era ele, o motoqueiro fantasma de uma figa. Posso dizer que com certeza fiquei no mesmo estado de quando o vi pela primeira vez, foi como se tivessem dado um estalo e eu simplesmente congelei. Mas a diferença foi que dessa vez eu ouvi tudo a minha volta, eu ouvi os cochichos dos alunos sobre o novato, posso jurar que ouvi um ''Esse cara joga na NBA?''. Idealizei na minha mente a expressão das garotas que com certeza naquele momento deviam estar babando, literalmente, mas não posso culpá-las, com seus 1,80, calça brim preta, camiseta cinza com a inscrição nada delicada ''Fucky You'' que com suas mangas curtas deixavam seus braços musculosos totalmente a mostra, botas também pretas estilo exército, cabelo perfeitamente bem arrumado num topete e olhos verde água, o cara era como se diria no tempo da minha vó um pedaço de mau caminho.

A diretora disse algo mais antes de sair, mas não prestei atenção em nada do que ela disse, eu estava ocupada secando o carinha que mantinha aquele absoluto de desdém diante de toda a sala. Com a mochila dependura de qualquer jeito no ombro esquerdo encarando a todas com uma áurea nada humilde podia-se ver claramente o que passava pela sua cabeça ''Tô pouco me lixando'', é o que sua expressão corporal transmitia.

León, esse era o nome dele. Mas o que fazia aqui? Porque com tantos colégios em Buenos Aires ele tinha de cair de para-quedas justamente na minha turma?

Naquele momento só tive certeza de uma coisa: eu estava FERRADA.


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Notas finais do capítulo

Então? O que acharam? Eu particularmente achei que no flashback as coisas aconteceram meio rápido, mas deu pra entender? E o de sempre, mereci reviews? Tiveram umas figurinhas que deram uma sumida nesse capítulo, espero que reapareçam nesse pra me dizer o que acharam. Quem escreve fics sabe o quanto é importante saber o que as pessoas estão achando, esse capítulo foi meio trabalhoso, por isso, se chegou até aqui não custa nada me agradar com um reviewzinho né? Até a próxima, beijos! :) ♥