Oneirataxia escrita por venus


Capítulo 6
Snap Out Of It


Notas iniciais do capítulo

notas finais pls



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/485245/chapter/6

Imagine a cena utilizando os dados abaixo.

Local: Residência dos McKiddie, porta da frente/balaustrada.

Objetos de cena: Amáveis pinheiros contornando a propriedade exalando um aroma campestre, uma rede amarelada não utilizada há tempos, um maço de cigarros Viceroy e um tapete de boas-vindas encardido.

Personagens principais: Mavis McKiddie mal-humorada, vestindo uma camisola branca com flores desenhadas em preto, calçando coturnos surrados e imundos, cabelo negro desgrenhado e olhos azuis fuzilantes.
Christopher Redford sorridente, usando sua combinação costumeira — converses vermelhos, jeans azul, camiseta branca lisa —, com um ramalhete de rosas vermelhas nas mãos — se dermos um zoom, conseguimos notar um bilhete grampeado em uma das pétalas carmin que diz ‘‘Espero que você melhore’’ e uma carinha sorridente.

— Bom dia, Mavis. — sauda ele, sustentando um sorriso no rosto brilhante e estendendo o ramalhete em sua direção.

Ela o pega sem a menor delicadeza, deixando evidente que nem aquele belíssimo buquê a comoveu.

— Você está bem? — pergunta, subitamente preocupado.

— Por onde você andou?

Topher nota sua repentina irritação e aproxima-se imperceptivelmente.

— Estive ocupado estudando. Não tinha muito o que fazer sem você lá.

Ela assente e faz a menção de abrir a boca, porém nada diz. Apenas extrai um cigarro de suas botas e o coloca entre os lábios.

— Tem isqueiro?

Topher apalpa os bolsos da calça — mesmo sabendo que não possuía nem uma caixa de fósforos. Quando nega com a cabeça, Mavis fecha a porta sem nenhuma explicação e retorna alguns instantes depois, com o cigarro aceso pendurado na boca e sem o ramalhete nas mãos.

— O que faz aqui, então?

— Quis saber como você estava. Só para te fazer companhia. — justifica ele, estranhando a situação.

— Eu não preciso de companhia.

Topher fica sem ação. Gaguejando, argumenta num tom de defesa:

— E-Eu não sei... Ahn, só queria perguntar como estão sendo os seus dias desde que parou de ir à escola. Você sabe... Eu estive pensando em você. Estive preocupado com a sua saúde.

Ela arqueia sua sobrancelha e tira uma tragada do baseado, tentando demonstrar-se pouco convencida. Mas todos nós sabemos que, internamente, está se derretendo como cera de vela.

— Eu estou bem. — afirma ela.

— Que bom. — ele sorri. — Por que você está faltando na escola? — examina o semblante de Mavis e percebendo que ele se fechou levemente, acrescenta: — Eu sei que é uma pergunta bastante pessoal, mas estou muito curioso. Grape e Alfie também estão?

— Alfie? — indaga ela, meio incrédula. — Alfie Dorothea? — ele concorda cautelosamente. — Por que diabos você está andando com Alfie Dorothea e por que aquela vaca está curiosa com alguma coisa relacionada a mim?

— Sei lá. Ela é legal às vezes.

O ar se torna mais pesado. Mavis amassa a ponta do cigarro quase inteiro contra a parede, apagando a pequena flama que queima o tabaco. Então espreme o rolinho entre os dedos e o joga no chão, pisando-o e esfregando-o no chão da balaustrada. Segura a maçaneta e fecha a porta com força, descontando toda sua irritação nela.

Topher arqueja e choraminga do outro lado. Ela não entende isso até olhar para baixo e ver o All Star vermelho preso entre a porta e seu batente.

— Foi mal. — arrepende-se e o conduz até a rede da balaustrada.

— Tudo bem, tudo bem. — diz ele enquanto tira seu tênis para acariciar seu pé latejante sobre a meia.

— Eu juro que não fiz por maldade.

— Tudo bem.

— Quer que eu pegue gelo?

— Não, obrigado. Está bom assim.

— Será que fraturou algum osso?

— Acho que não, já está passando.

— Posso fazer alguma coisa?

Ele pisca seus olhos úmidos e se vira para ela.

— Tem uma coisa que você poderia fazer desde o início.

— O quê? — questiona, desconfiada.

— Não é nada do que você está pensando. — ele ri nervosamente. — Não sei se lembra, mas uma semana antes de você parar de ir ao colégio, eles anunciaram o baile de inverno. E bem, já estamos quase em Novembro.

— É, estamos.

— E o baile é dia vinte e oito. E nós estamos no dia vinte e nove. Até o Halloween, todos estarão com seus pares feitos. E sendo que o Halloween é dia trinta e um e o baile é dia vinte oito, faltarão aproximadamente...

— Eu sei, Topher. Eu tenho um calendário. Vá direto ao ponto, por favor.

Ele desvia seu olhar para o pé machucado. Então volta a fitar Mavis. Pé machucado. Mavis. Pé machucado. Mavis.

— Fale logo, Topher.

— Eu estive pensando se você não queria ir comigo? Tipo, você não gosta muito dessas coisas e tinha até me dito que não estava muito a fim de ir, mas sei lá, eu fiquei pensando se mudaria de ideia. Quer dizer, seria muito legal nós quatro lá; você, eu, Grape e... — faz uma pausa para não mencionar o nome ‘‘Alfie’’. — E o resto.

— Por que você não vai, sei lá, com a Alfie? — tenta parecer distraída e indiferente, mas sua voz sai com um Q de ciúmes.

— Ah, porque... Eu não sei... Ahn... Eu queria ir com você, acho.

— Acha?

— Não, eu tenho certeza.

Ela senta sobre a rede, que range com seu peso. Encara os pinheiros com um olhar vago, imaginando o que Aiden pensaria sobre o convite.

‘‘Mavis, esse cara só quer que você fique de calcinha frouxa por ele. Eu sou seu amigo. E você é minha. Só minha.’’ diria ele, como daquela vez em que Topher apareceu atrasado na aula; a primeira vez que os dois se viram.

No entanto, lembra-se do que a dra. Suri lhe aconselhara em uma de suas consultas.

‘‘Para que ligar para alguém que desapareceu de sua vida? Para alguém que nunca foi verdadeiramente real.’’

Percebendo que está confusa, Topher a estimula, dizendo num tom brincalhão:

— Por favor. Pelo meu pé machucado.

Ela ri docilmente antes de responder, decidida:

— Pode ser.

— Tem certeza?

— Sim. — murmura. — Minha mãe não pode me prender aqui pra sempre.

E num piscar de olhos, suas mãos já estão entrelaçadas. Menos do que um segundo depois, seus narizes estão se encostando. O tempo parece passar devagar para eles, porém no andar de cima, no quarto abafado de Iris, alguém os observa atentamente, com o rosto encostado na janela e os olhos levemente cerrados.

— O que está acontecendo? — indaga Iris de sua cama.

Aiden limpa um pouco do vapor grudado na janela. Retorna a espiar Mavis e aquele garoto esquisito, Topher. Como ela o aguenta? Como suporta aquelas rosas clichês — vermelhas ainda por cima — com um bilhete ‘‘Espero que você melhore’’ como se ela fosse sua namorada de longa data e estivesse com febre ou alguma coisa assim.

— Eles estão quase lá. Espere um pouco.

Eles ainda estão lá, abraçados feito uns bobalhões, mirando um ao outro apaixonadamente. Aiden revira os olhos.

— Agora. — ordena.

Iris pigarreia teatralmente e toma fôlego para soltar o berro mais estridente, mais esganiçado e mais desesperado que podia. Aiden tampa os ouvidos enquanto o grito de Iris viaja pelo corredor, pelas escadas e pela sala até alcançar o lado de fora da casa.

O garoto imaginário assiste Mavis levantar-se no exato instante em que estava prestes a beijar aquele otário. Observa-a sumir e entrar pela porta, com o coração a mil e as pupilas contraídas de preocupação.

Aiden ouve os passos lépidos e acelerados subirem as escadas e dispararem pelo corredor. Ela se posta diante da porta do quarto da irmã, o medo tomando conta de si. Preparada para ver um desastre, entra vagarosamente nos aposentos, surpreendendo-se a não encontrar vômitos pelas paredes ou poças de sangue cobrindo o carpete.

Primeiro olha para Iris, deitada em sua cama e chupando seu dedão, depois para a figura delgada ao seu lado. Pés desnudos, calças moletom, camiseta de manga três quartos, braços pálidos e franzinos, ombros torneados, queixo bem definido, nariz arrebitado com um ar de imponência, olhos verdes azulados, sobrancelhas arqueadas e cabelos castanhos espetados em todas direções, nessa sequência.

— E aí? Fecha essa porta, por favor. — cumprimenta ele.

Teria ela tomado mais pílulas antidepressivas do que o normal? Ou aquilo era real? Era assim que ela se sentia quando ficava perto dele, torturantemente e desajeitadamente apaixonada pela sua pessoa.

Uma sensação inebriante invadia suas entranhas. Parecia que alguém estava puxando suas vísceras pela sua boca.

Mavis não suportava aquilo.

Era como se, repetinamente, a fantasia e a realidade se fundissem em uma dimensão só — apesar dela saber que mesmo parecidos, aqueles dois elementos nunca chegaram (em nenhuma vez sequer) a se encostarem. Então será que isso é uma cena que sua mente está projetando, com o objetivo de passar a perna nela? Ou o que ela vê diante dos seus olhos contém massa, volume, inércia e tudo mais?

— Ai meu santinho. — suspira fracamente. — Acho que esqueci de tomar meus remédios.

Aiden anda em sua direção, com aquele sorriso típico de quando queria irritá-la.

— Não. Eu vi você tomando as medicações. Pode ficar tranquila, May. Só feche a porta, se não aquele mala vai entrar.

Àquele ponto, ela havia esquecido sobre que mala que Aiden estava falando.

Mavis fecha a porta lentamente e gira a chave pendurada na fechadura.

— Então... Baile de inverno? Que merda é essa?

— É um baile, Aiden. Você nunca foi à um baile, não é?

— Claro que não. Eu não existo. — retorque ele, sentindo seu peito queimar por dentro. Mais tarde, Aiden adicionaria ‘‘baile de inverno’’ à lista das coisas que ele nunca poderia fazer/tocar/ir. — Mas por que você quer ir com aquele panaca?

Mavis quase ri dos cognomes ofensivos que Aiden substituía pelo nome de Topher. Ela cruza os braços.

— Não sei. Eu acho que gosto dele.

— É? — ele sorri com descrença.

— É. — confirma ela, impassível.

— Não gosta, não.

— Gosto, sim.

— Não, não gosta.

— Sim, eu gosto.

— É óbvio que você não gosta.

— Pelo amor de Deus, pare de ser infantil.

— Não estou sendo infantil. Você que está sendo desonesta. Eu faço parte de você, Mavis. Sei o que está sentindo nesse instante.

— Não, Aiden. Você não faz parte de mim.

— Faço, sim.

— Não faz, não.

— Sim, eu faço.

— Você mesmo disse que não. Você disse que não existe.

O sorriso de Aiden aumenta minimamente.

— Mas nós dois não acreditamos muito nisso, né?

Ela abandona sua expressão calma e serena. Seu rosto, agora distorcido por um misto de tristeza e raiva, está banhado por lágrimas cintilantes e enrubescido de vergonha por chorar na frente de Aiden, que até então nunca havia visto ou feito ela ficar triste, e Iris, que geralmente era considerada a irmã mais frágil.

— Você me causou tudo isso, seu filho da puta. Minha mãe vai me mandar para um insanatório, porque eu fico falando sozinha! Um insanatório, Aiden. A porra de um insanatório, cheio de catatônicos psicopatas e doidos esquizofrênicos. E é sua culpa, seu merdinha.

— Mavis, o que você...

— Cala a boca! — seu grito é dez vezes mais potente do que o de Iris. — E você desapareceu do nada, só por causa da porra do Topher.

Aiden sente o peso do mundo sobre os seus ombros.

— Mas tudo o que eu tenho é você. Para onde mais eu iria?

— Eu não sei, Aiden! Não me faça perguntas difíceis. Por que você foi embora? Foi por causa dele? Do Topher?

— Não me faça perguntas difíceis.

Os cantos de sua boca se erguem num sorriso descontraído. Ele já está ultrapassando os limites de sua paciência. Mavis cerra os punhos com força e desfere um golpe no rosto sorridente de Aiden. Inutilmente, é claro. Sua mão o atravessou como se fosse um holograma.

— Você é tudo o que eu quero. — declara com o rosto desfigurado pelas emoções que atingem-no simultaneamente. Engolindo as lágrimas que não demorariam para vir, prossegue com a voz embargada: — Tchau, May.

Ela tenta segurar seu ombro à esmo. Chama seu nome inúmeras e repetidas vezes. Iris derrama lágrimas torrenciais. E então, Mavis ouve dois toques na porta e para seu horror, descobre que é Topher:

— Mavis? Abra a porta, por favor. Eu ouvi você gritando. Iris está bem? — ele força a maçaneta. — Aiden está aí?

Ela seca seu rosto com as costas das mãos. Seu rímel escorre em linhas sinuosas até seu queixo. Chorar é horrível.

— Vamos conversar, por favor. Quer que eu chame sua mãe?

Àquele ponto, Allison McKiddie, com seus instintos sobrenaturais (que todas as mães possuem, na verdade), deixa o supermercado com as sacolas de compras penduradas como pulseiras que cobrem seus braços até o cotovelo.

— Não, pelo amor de Deus! — suplica ela, desamassando sua camisola e penteando o cabelo com os dedos.

— Aiden está aí?

— Aiden, esconda-se. — ordena ela num tom autoritário. Havia se esquecido de que ele era invisível aos olhos dos demais. Iris geme como um cachorro que caiu do caminhão de mudança. Como não recebe uma resposta, vira para trás, irritada.

Mas não há ninguém no quarto além dela e Iris. O ar foge de seus pulmões. O rosto, que momentos atrás estava seco, agora está banhado por gotas salgadas de desespero. Soluços escapam por seus lábios avermelhados.

Topher arromba a porta com uma força surpreendente. Ele se depara com Mavis deitada em posição fetal, com a luz matinal iluminando suas lágrimas cristalinas. Rasteja até ela e a envolve com seus braços flácidos e calorosos, pondo-a em seu colo e ninando-a, assim como Mavis teria feito com Iris.

Não pergunta o motivo do choro. Não pergunta se ela tomou seus remédios. Só passa a mão em seus cabelos, lisos como água, e abaixa sua camisola que inflara quando deitou no chão.

— Traga ele de volta para mim, por favor.

— Pode deixar, May.

Ela sorri quando ouve seu apelido.

— Prometa.

— Eu prometo. — assegura, mesmo não sabendo quem trazer de volta.

Iris escorrega para fora de sua cama e se coloca sobre o colo de Mavis.

Ele permanece com ela até a sra. McKiddie chegar e mandá-lo para sua casa, não se esquecendo dos bons modos e agradecendo-o por ter ficado cuidando de suas filhas.

Imagine a cena utilizando os dados abaixo.

Local: residência dos McKiddie, quarto de Iris/lado de fora da janela

Objetos de cena: sacolas de compras espatifadas no chão, uma cama barata com vários cobertores e lençóis sobre ela, um abajur quebrado e cigarros amassados dentro de coturnos.

Personagens principais: Mavis McKiddie chorosa, abraçada pelos braços consoladores da mãe. Allison McKiddie, que reflete sobre a possibilidade de transferi-la para o hospício na semana seguinte. Iris McKiddie, que segura seu urso de pelúcia roxo, Boddah, pesado devido à garrafa de whisky escondida dentro de sua barriga.

Personagens secundários: Christopher Redford pensativo, desaparecendo rua abaixo, sendo espiado por um observador invejoso, sentado no telhado dos McKiddie, sob a janela do quarto de Iris. Aiden (sem sobrenome), o amigo imaginário, observando Topher se distanciar sob a janela do quarto de Iris, sentado no telhado imundo que provavelmente despencaria se alguém real sentasse nele.
Topher olha pra trás por uma razão desconhecida e pelo canto do olho oblíquo, por uma fração de segundos, consegue notar uma figura encolhida no telhado dos McKiddie. Seria Mavis? Ele nunca teve certeza, porque a silhueta sumiu com a mesma rapidez que apareceu.
Topher prossegue seu caminho com a estranha sensação de que acaba de encontrar o alguém que Mavis quer que ele traga de volta.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

gente eu também não esperava demorar assim, mas nem tudo são flores...

acho que faltam só dois capítulos para encerrar a fanfic (meu objetivo era fazer uma long-fic, mas como eu disse acima, nem tudo são flores). esse capitulo foi meio meloso e confuso (espero que me perdoem, afinal de contas, dois meses de espera pra isso?!), mas é meio que um capítulo de transição.

perdoem também os erros gramaticais e de digitação (não revisei porque to com pressa)

e finalmente, chegamos ao agradecimentos pela recomendações. eu fiquei muito contente ao receber as três (TRÊS SOCORRO ACHO QUE EU NUNCA VOU RECEBER ESSA QUANTIDADE DE NOVO) :) então, obrigada Alícia, Gio e Néphébalite, vocês tem um espaço reservado no meu coração s2

enfim, a música do capítulo é Snap Out Of It dos macacos árticos aka Arctic Monkeys. não tem muito a ver, mas eu gosto dela :p

espero que tenham gostado e até daqui a dois meses (hehe brincadeirinha)

x