Nascidos da Noite - Livro Rigor Mortis escrita por Léo Silva


Capítulo 21
Capítulo 21 - Não devemos confiar em ninguém




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A água gelada parecia um conjunto de agulhas entrando na pele, ao mesmo tempo, e Cachorro Louco se encolheu um pouco com o primeiro impacto. Depois relaxou.

Parecia loucura, mas realmente estava ali, fazendo algo que ele nem mesmo entendia direito. Fechou os olhos e imaginou-se na debaixo de uma forte chuva, um verdadeiro temporal. Saberia de todas as perdas que teria caso cruzasse a linha que separava os humanos dos vampiros? Quer ter quinze anos para sempre? Não, não queria. Mas também não queria ser frágil para sempre, fugir para sempre, temer a noite para sempre. Se o Primeiro que o transformou for derrotado, então todos os outros serão libertados, mas não é tão simples assim. Os Primeiros quase nunca são vistos – vampiros com capacidade de transmutar em feras horríveis e disformes, que não conseguem a benesse do lápis-lazúli ou das injeções de heliocliferina, explicou Samanta mais cedo. Acredite, você não quer lutar contra um Primeiro. Você não quer, sequer, saber da existência dos Primeiros. É o tipo de coisa da qual não se fala, mesmo entre nós.

Agora, aqui estamos, procurando pelo passado.

Cachorro Louco terminou o banho e secou-se. Vestiu as roupas que Dorotéia havia emprestado – camisa branca de uma jardineira surrada – e esperou. Não demorou muito e a mulher bateu à porta.

— Já terminei.

— Agora você cheira bem melhor – disse a velha.

A porta se abriu, e lá estava Dorotéia, ainda com a arma apontada para Cachorro Louco. O garoto saiu do banheiro, e os dois caminharam pelo corredor. Desceram as escadas e foram até a sala de jantar, onde uma mesa sem toalha esperava por eles.

Dorotéia apontou um lugar.

— Então, Adam, por que não me fala um pouco sobre você? – perguntou ela, levantando a tampa da panela.

Não era possível identificar o que ela havia cozinhado, mas parecia comestível. Cachorro Louco vivia nas ruas há algum tempo, e estava acostumado a revirar o lixo à procura de comida. Poucas coisas o assustavam.

— Eu vivo nas ruas há alguns anos... Sabe, prá lá e pra cá, procurando por um cantinho...

— Sei... E esta noite, você encontrou minha casa e achou quer seria um bom lugar?

— Sim senhora... É mais ou menos isso...

— Pois bem, se você demonstrar ser digno de confiança, eu o tratarei como a um filho...

Cachorro Louco esboçou um sorriso amarelado.

— Não sabe como é bom ouvir isso...

— Que bom que pensa assim! Agora, vamos comer. Fiz um guisado especial para você...

Dorotéia serviu uma colher do guisado para Cachorro Louco. Depois colocou um pouco para ela também. Então, como quem se lembra de algo de rompante, foi até a cozinha e voltou com um jarro de limonada.

— Deve ter visto o limoeiro que eu tenho ali no quintal – falou ela, servindo dois copos da bebida.

— Sim, eu percebi.

— Prepare-se, você vai experimentar a melhor limonada do Brasil!

Então, ela se sentou e começou a comer do guisado. De vez em quando olhava para Cachorro Louco, que ainda não tinha tocado na comida.

— Está com medo de alguma coisa, Adam?

— Não senhora...

— Sabe, eu cozinho tudo com água-benta, melhor prevenir do que remediar, não é mesmo?

— Concordo...

— Pode comer, querido... Se estivesse envenenado eu não estaria comendo também, concorda?

Cachorro Louco assentiu com a cabeça. Então, comeu uma colherada generosa. O gosto não era tão ruim quando ele imaginou que seria, mas estava muito apimentado. Cachorro Louco bebeu o copo de limonada de uma única vez.

— Não é a melhor limonada que você já tomou?

Ele apenas assentiu com um olhar.

De repente começou a sentir uma espécie de tontura – como se sua cabeça ficasse cada vez mais leve, feito um balão que é inflado. Cachorro Louco tentou se levantar, mas caiu novamente sobre a cadeira. Sua visão estava embaçada.

— Está tudo bem querido? – perguntou Dorotéia, se levantando.

A mulher se aproximou de Cachorro Louco, que lutava para se manter acordado – em vão.

— Além de fazer tudo com água-benta, também costumo colocar flunitrazepam no refresco de garotos mentirosos... Acho que esqueci de dizer isso pra você...

Cachorro Louco sentiu-se desfalecer. Como um último reflexo, segurou no braço de Dorotéia, que o repeliu, lançando-o ao chão. Ele caiu com um baque seco, e ficou lá.

— Sabe, Adam, a vida nas ruas deveria ter ensinado que não devemos confiar em ninguém, nem mesmo em uma inocente velhinha – disse Dorotéia, se preparando para arrastá-lo para o porão.


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