Facilis Densensus Averno escrita por Heosphoros


Capítulo 15
Fácil é o Descenso...


Notas iniciais do capítulo

"Fácil é o descenso ao Inferno; pois as portas negras do Submundo ficam abertas noite e dia. Mas, refazer seus passos e voltar para a brisa acima - essa que é a tarefa, essa que é a labuta"

Vírgilio.



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Jace estava sentado em uma velha poltrona de veludo que cheirava a ervas e poeira. A mansão onde Bane morava ficava bem longe dali - era uma grande construção no centro, ele ouvira falar - mas como Sebastian estava inconsciente, era difícil encontrar a moradia do aristocrata por conta própria. Sem falar que nem ele, nem Clary, davam conta de arrastar um jovem desacordado de 18 anos por aí.

Suspirou. Gostaria que houvessem outros lugares para visitar além da casa velha que cheirava a coisas velhas da Madame Dorothea; mas ela era a única que os acolheria num raio de cinco quilômetros. Por honra a Jocelyn, a mãe deles.

Ele observou, enquanto Clary trazia um par de xícaras ornamentadas em cada mão. Uma fumaça aconchegante saía da borda, indicando que algum líquido ali dentro estava pronto para acalmar os nervos de Jace por dentro. Ela sorriu para ele, os cabelos vermelhos esvoaçando com a leve brisa de inverno que vinha da janela semi-aberto, e lhe entregou uma das xícaras.

– Dorothea está cuidando dele - ela informou, bebendo um gole de seu chá - disse que o tiro não pegou nenhum órgão, então é fácil de curar.

– Vamos comemorar então! - Jace comentou, mais amargurado do que gostaria, e repousou sua xícara em cima de uma das mesinhas de madeira após um gole.

Eles ficaram um tempo em silêncio. Jace continuou observando-a, com curiosidade. Como conseguia defender tanto Sebastian - a ponto de salvá-lo - depois de tudo o que acusam ele de ter feito. Durante toda a viagem ela nem se preocupou com o próprio pai... Por que com ele?

Alguma coisa ela estava escondendo... Jace conseguia sentir.

– Pelo visto você e Sebastian superaram a fase "ódio cego" - ele comentou.

– Sim - Clary assentiu - agora é a vez de vocês dois.

– E porcos voam - ele fez uma pausa - ele se desculpou por ser um babaca na maior parte do tempo?

Suspirou.

– Muitas coisas aconteceram, Jace - ela falou, quase em um sussurro - gostaria de poder contar tudo.

Ele a encarou, buscando os olhos verdes que teimosamente fitavam seu chá.

– Então conte-me - ele pediu - o que te impede?

Ela sorriu, meio para si mesma.

– Muitas coisas... - seus olhos o encararam. Ele se levantou, sem esperar que ela continuasse, e se pôs frente a ela. Como era mais baixa, Clary ficava com os olhos no peitoral dele caso olhasse para frente; e ele inclinou o queixo dela com o polegar para que o visse. Seus olhos verdes brilhavam e ela parecia a ponto de chorar. Mas não o fez.

Jace pôs os dedos na raiz dos cabelos encaracolados e vermelhos. Deus, como queria beijá-la. E, agora, finalmente, podia! Sem Valentim por perto para lembrar a eles de padrões que não precisavam ser aplicados. Relações entre irmãos adotivos não eram proibidas...

Clary repousou sua xicara em uma mesa, mas não parecia alguém que queria ser beijada. Seu olhar estava diferente, parecia perdido e desfocado. Seus olhos verdes encaravam os dele mas pareciam em outro plano. Jace aproximou mais o rosto do dela. Queria que ela o sentisse, o notasse e parasse de vaguear tanto.

Clary deixou que ele se aproximasse; a mão dele em seu pescoço e a outra pressionada contra sua cintura, puxando-a para perto de si. Ela fechou os olhos, como de fosse dormir depois de um dia que a cansou. Suas mãos tocaram os braços de Jace com cuidado, como se ele fosse feito de fogo.

Os lábios dele encontraram os dela; ansiosos. Ela respondia a seu beijo, mas ainda parecia alguém completamente perdido. Movia-se, como ele, mas não estava realmente ali.

Ele se afastou.

– Clary. Está tudo bem?

Ela abriu os olhos devagar. Parecia acordar de um longo sonho.

– Mais ou menos - piscou os olhos - Jace, tem muita coisa acontecendo. Não sei se consigo pensar nisso agora...

– Claro - ele piscou; como esperava que ela fosse ficar focada quando o irmão querido dela foi baleado? Jace lutou contra a vontade de revirar os olhos - quer que eu veja como ele está?

Ela balançou a cabeça, negativamente.

– Não, está tudo bem - sorriu distraidamente - eu vou. Obrigada, Jace.

Afastou-se apressada, subindo a escada de madeira em espiral que levava ao quarto de Sebastian. Jace recostou-se de volta na poltrona de veludo, ignorando seu chá, e observando o céu violeta de uma tarde que morria no horizonte. Alguém se aproximou a passos lentos.

– Eu lhe recomendaria uma leitura de Tarot - Dorothea disse, na soleira da porta - mas não ache que vá aceitar uma agora.

– Seu talento para dedução é deslumbrante - ele respondeu, ainda com os olhos fixos na janela.

Sentiu que Dorothea dava de ombros.

– Você que sabe. Caso precise de algo, estarei na cozinha.

E saiu.

Com o céu tornando-se azul, Jace respondeu para o vazio:

– Não creio que você possa me dar o que preciso...

_

Clary abriu a porta do quarto onde o irmão mais velho repousava, sua mente ainda vagueando.

Deveria amar ter beijado Jace; deveria ter sido como antes - melhor que antes! - pois não tinham mais rédeas. Poderiam amar do jeito que queriam, abraçar-se do jeito que queriam... Por Deus, o que havia de errado com ela?

Tudo. Tudo está errado nela. Esse coração cheio de treva e podridão.

Não. Ela amava Sebastian, e isso jamais seria podre.

Não se continuasse com aqueles pensamentos...

Balançou a cabeça. Não era a hora! Recolheu a vela do lado de fora e entrou com ela no quarto, iluminando o breu e fechando a porta com os pés atrás de si. O brilho dourado a acompanhou e ela repousou a vela na mesinha de cabeceira ao lado da cama de Sebastian, fazendo o rosto pálido e os cabelos brancos parecerem de ouro.

Estava sem a camisa, para que o curativo sob seu ferimento pudesse fazer efeito. Ela nunca reparara no corpo do irmão e em como se parecia uma estátua de mármore em certos momentos de inércia. Ela passou os dedos por seus braços e viu que estava suando.

Clary se sentou ao lado dele, observando seus olhos fechados e expressão suave. Era raro - quase impossível - ver alguém assim. E nunca vira o irmão numa paz tão contagiante, preso em seus sonhos e parecendo um anjo. Um sorriso acabou escapando dela.

Pôs uma mecha rebelde do cabelo prateado dele para longe dos olhos e suspirou. Só conseguia pensar em como era louca por ter arriscado tantas coisas para tê-lo de volta - seu Sebby - e não aquela versão sombria dele. Mas, ela pensou consigo, quem seria ele sem seu lado sombrio? Quem seria ela?

Ótimo, agora ela apoiava psicopatas. Quer dizer, só se isso fizer dela uma também...

Os olhos negros de Sebastian se abriram devagar e focaram nos olhos dela. Eram sombrios, os olhos dele. Repletos de treva e um desejo por sangue que ninguém continha. Ela viu mais cedo! Mas quando se via neles, não enxergava nada além de um brilho travesso.

– Ei, Clary - ele sussurrou, sorrindo de canto.

Ela passou as costas da mão por sua bochecha.

– Ei, Sebs.

– Dia legal, hein? - sorriu mais - vamos caçar alguns outros guardas para matarmos?

Clary o repreendeu com o olhar, mas depois sorriu.

– Como está se sentindo? - indagou.

Ele fez uma careta enquanto se levantava, encostando-se na cama e ficando sentado para ficar na direção do rosto dela. Clary preocupou-se com a dor, mas seu irmão era forte. Sempre foi.

Sebastian olhou para ela.

– E Jace?

O coração dela falhou um pouco nas batidas.

– Está lá embaixo, bebendo chá...

– Você entendeu minha pergunta, Clary.

A treva nos olhos de Sebastian estava maior. Ela poderia dizer que tinha esquecido tudo, que agora era só ela e ela mesma numa jornada de auto-conhecimento e nada de paixões proibidas. Não o fez. Não conseguiu mentir, por algum motivo estúpido.

– Eu não sei.

Ele franziu o cenho.

– Como não sabe?

Ela suspirou, finalmente sentindo o cansaço invadir seus pulmões. Cansada de lutar tanto, negar tanto, errar tanto. Clary poderia perguntar a si mais uma vez, soando o bom e velho clichê, o que havia de tão repulsivo nela. Poderia. Mas o cansaço a venceu. Ela apenas encarou seu irmão, trazendo lembranças do lago onde nunca havia se sentido tão viva. Viva nos braços dele.

– Não sei porque me sinto perdida - explicou - vagando no escuro. E de um lado eu possuo uma faca e do outro um escudo. Nenhum dos dois pode me ajudar a enxergar, mas me atraem. Eu os quero. E um escudo é o que eu deveria continuar querendo, para me proteger, para segurança... Mas... Mas há coisas complexas que me atraem a lâminas afiadas como aquela.

Sebastian a encarava com atenção.

– Eu entendo - disse, por fim.

Ela olhou para cima, onde a escuridão tomava o teto.

– Entende?

– Sim - sussurrou para ela - mas alguns não proveem da proteção de escudos. Alguns são isentos de salvação.

Ela entendia. Claro que entendia. Coisas como essa não eram perdoáveis e cada palavra dita e escuta era uma pontada desesperadora de culpa. O preço por agir tão errado. Mas, por um instante, ela não se importou. O escuro parecia de braços abertos para ela.

A mão de Sebastian alcançou sua nuca, dentro dos cachos vermelhos de seus cabelos, e virou o rosto dela para si devagarinho. Clary foi levada, como que por um onda, e a escuridão de suas pálpebras a arrastou para os lábios salgados do irmão. A sensação parecia apertar-se nela, como uma doença e uma cura.

Sentiu-se sonhando. Levada pelos batimentos cardíacos rápidos e pela respiração que ofegava. O beijo ardia. A língua dele na dela parecia o estopim de uma explosão. E de fato quase o foi. Os dedos de Clary passeavam pelo peitoral nu de Sebastian e os dele se apertavam nas curvas dela, cada toque queimando como o próprio Inferno.

Os beijos de Sebastian caminhavam por seu rosto, então seu pescoço e depositavam mordidas na orelha. Clary apertou os cabelos dele, pedindo por mais, sussurrando seu nome como nunca havia feito antes.

Então aquela era a sensação... De estar viva.

– ...ela precisa é comer alguma coisa! - a voz de Dorothea soou das escadas.

Clary procurou novamente pelos lábios do irmão, que caminhavam pela sua clavícula, e os tocou com os seus.

– Não posso ficar aqui muito tempo - explicou para ele, a respiração entrecortada - Dorothea pode entrar.

– Eu sei - ele beijou-a de novo - por favor, volte depois.

– Volto. Prometo.

Afastou-se dele, sentindo um frio de repente, e caminhou até a porta fechada com uma vela nas mãos. Ao abri-la, deparou-se com Dorothea procurando-a. Falava muito sobre ela ter que se alimentar e sobre como tentaria resolver a situação deles, mudando-os para outro local assim que Sebastian melhorasse.

Clary, porém, só conseguia pensar em como seu coração parecia querer sair do peito - seguindo um caminho oposto e deixando um rastro de sangue que daria no quarto de Sebastian; talvez dentro do coração do próprio.


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Notas finais do capítulo

Clastian e Clace *-* embora tenhamos tido mais Clastian....rsrs. Então, o que acharm?