Facilis Densensus Averno escrita por Heosphoros


Capítulo 16
Uma Problemática Urgente


Notas iniciais do capítulo

"Sonhos são verdadeiros enquanto duram. E não vivemos nos sonhos?"

Lord Alfred Tennyson.



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Já era madrugada. Sebastian sabia disso pois a escuridão que vinha da janela era quase mais profunda que os olhos dele. Havia se passado um dia inteiro, um dia inteiro desde que Clary e ele se beijaram pela segunda vez, e ela não voltara. Ele não deveria culpá-la, mas a saudade e a frustração de tê-la - somados ao medo de perdê-la - acabavam falando por ele.

Ele não havia acordado completamente, para falar a verdade. Estava no estágio de semi-sono quando alguma coisa de chama sua atenção no mundo exterior e, mesmo que não sonhasse, ser puxado de volta para aquela árdua realidade sempre fora irritante.

– Acorde logo, Sebastian - uma voz impaciente e absolutamente familiar resmungou - não tenho a noite toda.

Ele abriu os olhos por completo. Viu as estrelas como pontos prateados no céu escuro da janela aberta, viu as cortinas afastadas como se tivessem sido bruscamente separadas e então viu seu convidado. Uma silhueta familiar dentro do breu.

Sebastian não precisava de vela ou luz para saber de quem se tratava.

– Valentim.

Os dentes de Valentim se tornaram visíveis, num sarcástico e gélido sorriso.

– "Pai" você quer dizer! - cruzou os braços - Não é porque tornou-se um homem que aturarei essa forma de tratamento pessoalmente informal. Você é um Morgestern, pelo amor dos Céus.

Sebastian se sentou na cama. Sua visão estava se adaptando ao escuro ao mesmo tempo que ele se acostumava ao leve incômodo que o ferimento ainda causava. Pôde ver que Valentim não usava roupas muito luxuosas. O que era priorizado em seu traje era a espada embainhada em seu cinto.

– O que aconteceu? - Sebastian perguntou - e a Scottland Yard?

– Ainda me caçando - olhou para o filho - e te caçando.

– Maravilha! Pode ser divertido sair cruzando espadas com detetives e guardas enquanto vou comprar alimento ou algo do tipo.

– Não é uma brincadeira, Sebastian - o rosto de Valentim era um busto de mármore - se não quer se render precisa saber se esconder. Só te encontrei porque a própria Dorothea me mandou uma carta e ela pode ser perigosa.

– Uma velha francesa de mais de sessenta, que mora em cima da própria boutique - Sebastian murmurou - um grande perigo para a sociedade.

Valentim o ignorou.

– Ela não gosta de mim. Só está ajudando vocês por honra à Jocelyn e eu acabei de mandar sua mãe para um manicômio! Ela vai descobrir logo, então recomendo que você saia daqui agora.

Sebastian arqueou uma sobrancelha pratada.

– Agora?

Valentim assentiu.

– E garanta que Dorothea não precise denunciá-lo a ninguém - foi andando, em direção à janela - ela tem um sótão ótimo para esconder cadáveres.

Sebastian entendeu. E sorriu.

– E Jocelyn? - perguntou antes que o pai saísse sorrateiramente, da mesma forma que havia entrado. Como um ladrão silencioso, ou o próprio vento frio na noite.

– Que tem ela?

– Por que você a internou? - Sebastian quis saber, sem demonstrar remorso ou tristeza. Curiosidade, era só o que havia.

– Porque estão vasculhando a casa. E acho que sua mãe possui um interesse particular em tornar minha vida um Inferno - suspirou - Pangborn e Blackwell garantiram que ela está bem longe.

Sebastian saiu da cama. Avaliou o ferimento, que não sangrava mais, e vestiu um blusão branco com seus suspensórios pretos de couro.

– Para onde posso ir? - perguntou ao pai.

– Para o sul, na minha velha casa de campo.

Sebastian xingou.

– Aquilo fica a muito tempo daqui!

Valentim fez um gesto de indiferença.

– Interne-se na casa dos outros, mate quem negar abrigo... Você sabe se virar!

Sebastian revirou os olhos negros. Vestiu seu casaco e pôs a kindjal bem firme entre os dedos. Quando o silêncio rapidamente tornou-se esmagador, exceto pelo som de sua respiração, ele soube que o pai havia ido embora. Bem como antes; como o vento que se ausenta de repente em noites frias de verão.

Como não havia muitos pertences dele por ali, não se preocupou. Arrumou a cama, sem sentir nada no machucado que se cicatrizava, e deixou tudo como se ninguém nunca estivesse dormido ali antes.

Abriu a porta como um ladrão e, ao sair, fechou-a com o pé num baque surdo.

Atravessou o extenso corredor com passos silenciosos, com os olhos totalmente acostumados com a escuridão, e procurou lembrar-se de onde Dorothea disse ser seu quarto enquanto curava seu ferimento.

"Fim do corredor. Pode me pedir ajuda quando precisar".

Bingo!

A maçaneta dourada se destacava no escuro como uma luz no fim de um túnel. O canto do lábio de Sebastian se curvou para cima enquanto, ainda monstruosamente quieto, ele a girava para dentro e punha seu corpo no quarto iluminado por uma luz dourada que pertencia a Dorothea.

A luz, ele percebeu, vinha de uma vela que tremeluzia em cima de uma mesinha ao lado da cama da velha.

Ele deu mais alguns passos. Cada vez mais perto.

Podia vê-la de cima agora. Uma mulher em seu sono, com olhos enrugados fechados e despreocupados. Ele não sabia como matá-la sem parecer assassinato, então notou que tinha que fazer parecer um assalto.

Deu de ombros. Morte primeiro, plano depois.

Ergueu sua adaga, que parecia um borrão prateado sob o negro. Mais ou menos como ele próprio; ou como o anel preto e prata da família Morgestern. Sebastian fez movimentos lentos. Não para ser silencioso. Na altura do campeonato se a velha acordasse já estaria morta ao piscar os olhos...

Não, ele queria aproveitar aquela sensação.

Percebeu então o que tinha de tão podre dentro de si, o que Clary e todos deveriam temer: aquelas trevas, frias e mortais, que erguiam dentro e sobre ele como oxigênio.

Ignorou os pensamentos.

Sua adaga foi abaixo.

Só se ouviu o síbilo do último suspiro de Dorothea e seu corpo indo para cima e para baixo com a pressão que Sebastian estabelecera à medida que a esfaqueava sem parar. O sangue começou a esguichar, sujando todo o casaco dele de escarlate, e só então percebeu a hora de parar.

Foi difícil. Sua ânsia por sangue era pior que a de um vampiro dos antigos livros de Clary. Era como se libertar aquela alma, dar um fim aquela vida, fosse a sua redenção. Como se ele não pudesse merecer o Paraíso, então tinha que ter seu bilhete garantido para o Inferno.

Ele virou o casaco do avesso e pegou algumas jóias dela para colocar em seus bolsos.

Agora só precisava tirar Clary e o irmão extremamente irritante dali.

. . .

O quarto dela também estava escuro, como o dele. Só havia a luz da estrelas, pois a lua nova não tinha o costume de mostrar a face. Sebastian entrou sorrateiramente, mas o coração batia tão rápido e tão forte que teve medo que pudesse acordá-la apenas com o som.

Caminhou com cuidado, mas foi obrigado a parar quando chegou o suficiente perto para ver seu rosto detalhadamente.

Deus, ela era linda!

Os cabelos ruivos pareciam fios de ouro tingidos de vermelho, vermelho-sangue. Seus cachos caíam pelo rosto como cascatas e as sardas espalhadas por suas bochechas poderiam até ser constelações... E os olhos. Seus olhos eram vedes como uma folha na primavera, ou como um quadro de Monet.

Abaixou para o rosto ficar na direção do dela.

Um anjo.

Sebastian inclinou mais o rosto em direção ao dela, depositando um beijo em seu pescoço nu e depois outro perto da orelha, e um próximo ao rosto. Foi traçando beijos delicados e demorados por Clary, até chegar em seus lábios e ouvi-la arquejar de surpresa em sua boca.

Ele se afastou, havia um sorriso inevitável em seus lábios.

– Oi, anjo - sussurrou.

Ela sorriu, os olhos brilhando ao vê-lo.

– Isso é um sonho? - perguntou.

– Se quiser - ele inclinou-se novamente; beijando-lhe nos lábios, entrelaçando a língua na dela. Tudo em Clary era uma linda contradição: a paz que ele sentia ao estar com ela, misturado com aquela inquietação que ardia mais que fogo. Aquela dor tão boa.

Ele subiu na cama, os joelhos prendendo a irmã em seu leito. Ela não falou nada, deveria estar na plena ignorância de que aquilo poderia ser um doce sonho. Clary apenas sorriu travessa e puxou Sebastian pela gola da camisa, na direção de seus lábios de novo.

As mãos dela seguraram com força a raiz dos cabelos dele, fazendo arder em chamas por dentro. Desejou que a distância entre ela não existisse, que pudesse fundi-la a seu corpo. Suas mãos passearam com urgência pelas curvas dela e por baixo do vestido. Clary sussurrou seu nome baixinho, puxando-o mais e mais para ela.

Mas doces momentos como esse tendiam a ser interrompidos. Sebastian lembrou o que tinha de fazer e parou.

Clary franziu levemente o cenho.

– O que houve? - perguntou e abriu os olhos verdes, estavam totalmente confusos - Sebastian...?

– Vem, Clary - saiu de cima dela - temos que ir.

– Ir...?

Tirou da cama carinhosamente. Ele beijou-lhe a testa - quase como um irmão normal faria - e olhou em seus olhos.

– Não dá tempo de explicar, meu anjo - explicou - mas parece que nos descobriram aqui. Podem estar invadindo a casa pela manha.

Os olhos de Clary se arregalaram.

– Jace...

Sebastian revirou os olhos.

– Vamos levá-lo conosco - suspirou - o importante é que temos que sair agora.


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Notas finais do capítulo

Genteee! Queria muito dizer que amo todos vocês DEMAIS! Porque sim *u*