Roguei-lhe pragas e puxei o notebook antes que este fosse banhando num mar de suco de uva. Ergui os olhos com um olhar mortal, mas a única coisa que consegui fazer foi uma careta de frustração.

Eu tenho que admitir que ele estava excepcionalmente lindo. Usava uma camisa branca de algodão, calça jeans e tênis Nike. Os cabelos negros sobre a testa, os olhos cintilando e um sorriso um tanto divertido.

Encarei-o por quase um minuto inteiro e pude notar o seu sorriso quase se tornar malicioso e então ele desviou os olhos e puxou uma cadeira se sentando na mesma ficando na minha frente com as mãos sobre a mesa(ou onde não estava molhado de suco).

– Você não tem outro passatempo não, Heenk? A não ser me importunar? - perguntei arrastando minha cadeira para fora do liquido que escorria.

– Eu não te oportuno. - falou com uma cara cínica.

– É mesmo? E por acaso, o que você está fazendo agora? - o encarei.

– Bom... - ele olhou em volta e depois me encarou também. - Eu vi você sozinha aqui, vi também o Lucas olhando pra você e acabei deduzindo que sou uma companhia melhor do que ele e... bem mais segura.

Suspirei e varri o refeitório com os olhos e encontrei o Lucas parado na porta de saída de braços cruzados e uma expressão aborrecida.

– Vocês deviam parar com isso. - falei. - E principalmente parar de me colocar no meio disso.

– Olha, eu sei que não somos amigos, mas só te dei um conselho de se afastar dele e...

– Não me coloca no meio disso, por favor. - pedi interrompendo-lhe.

– Tudo bem. - ele assentiu.

– Posso? - olhei para o lado e a faxineira perguntava com um meio sorriso no rosto.

– Por favor. - sorri ficando de pé para que ela pudesse limpar a bagunça do Nicolas.

Ele também se levantou e assim que senhora terminou, nos agradecemos e eu me sentei no meu lugar já limpo.

– A sua amiga... Helen. - falou. - Me entregou o trabalho hoje. E por sinal, ela é muito gentil. Devia aprender um pouco.

– Ha! - fiz sarcasmo.

Tentei ignora-lo, mas era impossível. Cada movimento que ele fazia era como se meu corpo se movesse involuntariamente para olha-lo e quando eu fazia isso me deparava com o seu olhar curioso.

– O que você quer hein? - perguntei me sentindo estranhamente irritada.

– Nada. - respondeu tranquilamente. - Você não foi a aula hoje e... sei lá, pensei que tinha tido um ataque de novo.

– Só estava indisposta. - respondi seca. - E por que se importa?

– Você é minha parceira de historia. Se ficar faltando, tudo sobra pra mim. – falou, mas percebendo que eu não acreditei continuou: - Minha irmã decidiu ser sua nova melhor amiga e eu me preocupo com ela. Eu não gosto do Lucas e não o quero perto dela.

Rosnei baixinho e quase tive certeza de que ele engoliu uma risada.

– Não acho que Maggie seja tão indefesa assim – argumentei.

– Com certeza ela não é. – falou rindo de uma piada interna.

Fechei a cara e voltei minha atenção ao computador.

– Vi que está pesquisando e... talvez eu possa ajudar. - falou.

– Eu não preciso de aj...

– Sabe. - me interrompeu se levantando e puxando sua cadeira para colocar ao lado da minha. - Eu fiz uma pesquisa dessa quando morava em Los Angeles e sei de umas coisas a mais que os sites não mostram.

Ele se sentou e estranhei a proximidade repentina. Ficou tão perto que pude sentir seu perfume. Uma colônia masculina com um outro aroma que não sei dizer.

Puxou o computador e digitou rapidamente abrindo um site novo, depois pegou um papel e caneta e começou a escrever alguma coisa.

– Depois de toda essa historia da morte dos deuses e das filhas assumirem os tronos, muitas coisas mudaram. Kira era amada e Kora odiada. É de se esperar que ela se torne fria e impiedosa. - ele me olhou por um instante e depois voltou a atenção ao papel. - Mas depois que a rainha dos mortos percebeu que ela estava sendo vista como um vilã, ela resolveu agir como tal.

Olhei brevemente o site que ele tinha colocado e percebi imagens de criaturas assustadoras e resolvi que observa-lo era mais interessante e cá entre nós... bem melhor.

– Kora começou um pandemônio com pactos e tudo mais. Kira percebeu que se não agisse, a terra seria dominada pela maldade de sua irmã. - ele continuou falando e escrevendo. - Então a deusa da Lua decidiu que teria que parar a deusa das trevas. Kira então usou o seu poder com extrema força, tirando ajuda da natureza e criando protetores que evitariam a maldade, mas é claro que Kora não deixaria barato. Resolveu criar o seu próprio exercito através de maldições aos seres humanos.

Percebi então que ele não escrevia e sim desenhava. Seus olhos encontraram os meus por um instante e ele voltou a falar:

– Ela então criou a maldição dos Lincans. - ele girou a folha. - Seres que mataram milhares de inocentes, arrancando sua pele ou simplesmente passando adiante sua maldição. Assim, eles teriam mais força para lutar contra os protetores de Kira e durante a lua cheia seriam invencíveis.

Eu não sei porque diabos não consegui interrompe-lo. Era como se sua historia fosse real, a historia escondida da internet.

– Hoje em dia existem lendas que chamam os lincans/lupinos de lobisomens. - ele me olhou e sorriu. - Mas Kira resolveu aumentar o seu poder e criar mais protetores. Ela os deu o dom de poder dominar os quatro elementos da natureza para que eles sempre pudessem ter forças para continuar. A linhagem seria passada conforme o tempo chegasse e assim a proteção nunca acabaria por mais que Kora mandasse exércitos. Kira resolveu chama-los de os guardiões. Aqueles que tem como dever proteger a terra do mal.

O encarei por instante processando tudo.

– Mas se foram criados para proteger a terra do mal, por que a cada dia ele só vem aumentando? Eles não fizeram seu papel? - perguntei sem pensar.

Ele me analisou fixando seus olhos no meu rosto, o que me fez corar instantaneamente.

– Os guardiões foram criados para proteger do mal sobrenatural, Katherine. - senti um arrepio ao ouvir meu nome ser pronunciado tão deliciosamente. - O egoísmo do ser humano, a ganancia que o leva a matar e destruir a si mesmo não é culpa dos protetores. A natureza não pode agir contra isso.

Fazia sentido. Assenti me sentindo meio tola.

– Até hoje guardiões e lupinos estão em guerra. Kora criou outras criaturas para o seu exercito, mas os protetores de Kira ainda são fortes o suficiente para lutarem. - ele olhou seu desenho e depois o empurrou para mim.

Ali estampado em perfeita arte, tinha uma guerra. Um lado escuro contra um lado iluminado. Demônios contra anjos.

– A questão é que você pode acreditar que eles existem ou não. - percebi ele se aproximar mais, fazendo meu coração bater mais rápido. Colocou sua mão em cima da minha que estava sobre o papel. Uma corrente elétrica imediatamente surgiu no meu corpo, mas não retirei minha mão. A sua era tão quente.

– A guerra entre o bem e mal sempre existiu, muito antes de se quer os seres humanos pensarem em criar uma historia - ele moveu nossas mãos juntas girando o papel e colocando-o de cabeça para baixo. - Ou uma lenda. Mais se tem falas disso é porque algum dia foi verdade.

Observei boquiaberta a imagem mudar. No meio da escuridão dos demônios e na luz dos anjos, agora de cabeça para baixo era quase nítido. Dois rostos de formavam e pude reconhece-los. As irmãs deusas de lados opostos. Comandando os exércitos. Kira e Kora.

Fiquei por mais de cinco minutos olhando o desenho. As vezes o virava e via anjos e demônios, depois de cabeça para baixo o rosto distorcido de Kira e Kora. Como o Nicolas sabia a aparência delas? Não sei. De onde ele tirou tanto talento? Também não sei.

– Como...? - minha frase morreu, mas ergui os olhos vendo que ele me observava em silencio.

– Eu leio muito. Talvez você encontre alguma coisa na biblioteca. - falou com uma voz rouca.

– Tudo isso é tão.... confuso.

– E complicado. - ele deu de ombros. - O bem e mal estão ligados. Sem um não existe o outro.

Assenti em total acordo. Eu não conseguia pensar em nada concreto. Milhões de coisas giravam na minha mente, então perguntei o que menos importava agora:

– Por que está sendo legal comigo?

– Não sou tão ruim com você o tempo todo. Sou?

– Você é bipolar. - falei sem pensar.

Ele gargalhou me surpreendendo. Definitivamente seu humor hoje estava dos bons. Depois de rir sozinho, ele ainda me olhou sorrindo deixando a mostra as covinhas que me davam uma vontade enorme de morde-lo e... Para Kate!

– Meu humor as vezes é confuso até pra mim. - falou olhando brevemente o papel.

– Bota confusão nisso. - resmunguei. - Você devia ser legal o tempo todo.

– Desculpe Katherine. - mais uma vez meu nome saindo de um jeito tão excitante...- O meu passatempo preferido é importunar você.

Abri a boca surpresa e ele sorriu mostrando os dentes.

– Eu preciso ir. - falou ficando de pé e quase implorei para que ele voltasse. - Maggie disse que já te entregou o convite, então.... eu vejo você lá domingo?

Assenti rapidamente vendo o sorrir. O sorriso de antes: divertido e quaaaaase malicioso.

– Então ate mais. - falou. - Espero ter te ajudado.

Se virou andando devagar demais para quem queria ir embora. Respirei de novo ainda sentindo seu perfume no ar.

– Nicolas! - gritei antes dele sumir. Ele se virou e me encarou. - Obrigado.

Deixei um sorriso sincero sair dos meus lábios e ele me surpreendeu de novo retribuindo com um sorriso completo por duas covinhas na bochecha.

Baixei os olhos vendo que logo coraria.

– Ei! - chamou e fui obrigada a olha-lo. - Não se esquece da fantasia.

E então saiu mais apressado. Fantasia?

P.S.: Queridos amigos, não se esqueçam de arrumar uma bela fantasia que tenha sentido com o tema. Lua de sangue = TERROR.

Grunhi ao ler isso num canto do convite de Maggie. Como não vi antes? Onde vou arrumar fantasia? Que dia vou comprar?

Deixei o desenho do Nicolas na minha cama e me joguei de cara na cama de Yve. Por tudo o que ouvi hoje e das explicações as únicas coisas que martelavam na minha cabeça era: Por que eu? Por que estou tendo sonhos com deusas que nem sei se existem mesmo? E por que o Nicolas faz isso comigo? Aposto que ele consegue tudo com aquele jeito irritante e com suas covinhas fofas.

Resolvi jantar com meninas esta noite. Meu humor melhorou um pouco, mas ainda tinha a cabeça cheia de perguntas que não podiam ser respondidas por ninguém. O que me restava era focar na realidade.

Sentamos todos juntos. Eu, Leninha, Clark(um garoto que era colega de quarto do Lucas e que estava a fim da Leninha), Yve, Brad(que me olhou estranho outra vez) e o Lucas (que por sinal apenas me cumprimentou e sentou ao meu lado.

Assim que me sentei o pensamento 'Nicolas' me veio a cabeça. Queria que ele se sentasse comigo, mas ai me lembrei que ele e o Lucas se odeiam. Instintivamente olhei em volta e a três mesas depois da nossa pude ver Maggie com alguma roupa escura e cabelos presos, uma garota loura, outro garoto careca(eu acho) e por fim, o Nicolas olhando diretamente para... mim.

Senti o peso do seu olhar e desviei rapidamente me focando no meu prato de frango grelhado, arroz branco, salada e suco de laranja.

O que aquele olhar me causava era mistura confusa de: excitação, medo e.... curiosidade. Eu poderia muito bem negar, mas Nicolas tinha algo mais obscuro guardado nos olhos azuis frios e bom... eu sinceramente estava louca para descobrir.