Eu estou totalmente congelada. Meu corpo não se move e minha mente não processa nenhuma palavra. De repente o mundo parou quando os meus olhos encontraram os olhos azuis de Peeta. Ele então desvia o olhar e volta, ao que parece, para o que estava fazendo antes de eu arrombar a porta. Eu engulo seco e me forço a pensar no que dizer, isso sendo muito difícil pra mim, já que quem lida bem com as palavras é ele e não eu, e então finalmente consigo dizer algo.

–O que aconteceu? -Eu pergunto, pois Haymitch está deitado no sofá com aparentemente um corte em sua cabeça.

–Eu o encontrei quase desacordado em minha varanda. Quando tentei levanta-lo para trazer ele de volta para casa , ele se desequilibrou e bateu a cabeça com um pouco de força no chão. - Diz Peeta ao pressionar um pano na cabeça de Haymitch. -Imagino que poderia ter sido menos grave se ele tivesse soltado a garrafa e apoiado as mãos no chão. Mas como você vê, ele preferiu um galo na cabeça ao invés de perder sua bebida. -Ele diz com um meio sorriso.

–Esse é o Haymitch que conhecemos. -Digo com minha garganta apertada, forçando um tom humorado.

Esse é quase o Peeta de que me lembro. Fazendo piada. Cuidando dos outros. As diferenças são quase nulas. As que posso notar de onde estou agora, são principalmente seu cabelo que está bem curto e não cai mais em cima de seus olhos azuis como antes, ele também possui olheiras e está mais magro do que era. Mas seu jeito e o tom doce de sua voz são iguais. Volto á realidade quando ele se ergue, colocando o pano em cima da mesa de centro e voltando-se para mim.

– Estou indo embora.-Ele diz sem ao menos olhar nos meus olhos .

–Você não precisa ir. -Eu digo. Penso em acrescentar outra coisa, mas nada me vem em mente.

–Eu preciso sim.

–Eu queria poder conver..

–Eu não tenho nada para te dizer Katniss.-Ele diz. E agora o tom de brincadeira de antes sumiu por completo de sua voz. -Não há motivos para ficarmos perto. Nós dois juntos lembra o passado e o passado que lembro só tem destruição. Eu não quero reviver essas memorias. -Ele cospe as palavras em cima de mim, e como da maneira que ele é bom em usa-las ele diz exatamente como se sente.

–Me desculpe. -Eu digo. -Sei que a culpa é minha pelo que aconteceu, mas..

–Isso não importa. O sucesso da minha terapia depende da minha distancia á voce. Ainda tenho problemas para dormir e ainda tenho uns flashbacks de vez em quando. Preciso ficar longe de voce!

Eu quero dizer alguma coisa. Talvez gritar pelo jeito frio que ele está falando comigo, mas enquanto estou pensando em algo, ele abaixa o olhar e sai . Encaro o chão por alguns segundos, processando as palavras "preciso ficar longe de você!", e então me dirijo para cuidar de Haymitch. Subo as escadas e pego uma colcha e um travesseiro para acomodar Haymitch melhor no sofá. Tenho dificuldades para deslocar ele de lugar devido minha fraqueza, mas enfim consigo.
Continuo pressionando o pano em sua cabeça, tentando desviar o pensamento do que ocorreu meia hora atrás, quando Haymitch começa a dar sinais de estar voltando a consciência. Ele primeiramente fica surpreso em me ver e em seguida leva a mão á cabeça para sentir como está ferido. Ele me olha com um olhar de quem quer uma explicação e vira minha mão para longe de sua cabeça.

–Você bateu a cabeça. -Eu digo. Ele ergue as sobrancelhas como em duvida se o que eu acabei de dizer é verdade. -Você devia estar muito bêbado já que não se lembra.

Geralmente não falo desse jeito com Haymitch, mas a conversa com Peeta me deixou chateada.

–Eu lembro sim, Sra. Simpatia. -Diz Haymitch. -Mas na hora não doeu tanto assim.

–É porque você desmaiou então a dor parou momentaneamente .

–Voce quer que eu agradeça, por ter me trago para casa, queridinha?

Seu comentário cheio de sarcasmo me deixa com raiva e então jogo o pano encharcado em cima dele.

–Não foi eu quem trouxe voce. Foi Peeta!

–Ahh.. Agora entendi seu mau humor essa manha. O encontro com o garoto não foi muito bom?

–Me deixa em paz Haymitch! -Eu digo e agora estou me preparando para sair.

–Eu só fiz uma pergunta. Pelo visto o encontro foi o pior possível.

–Eu não me importo. -Eu digo. Mas falo isso mais para mim, do que para ele.

–Sei que ele te aborreceu, mas tente dar tempo para ele. Afinal, voce passou muito tempo sem querer saber da vida depois que Prim... Eu só estou dizendo que o garoto deve estar confuso e com raiva de algumas coisas ainda. Voce tem que ter paciência para ter a amizade de Peeta de volta.

O comentário sobre Prim faz meus olhos lacrimejarem. Mas á muito tempo me cansei de ficar chorando pelos cantos. E não farei isso na frente de Haymitch.

–Vou pensar sobre isso.

–Faça isso. Agora saia daqui. Eu quero dormir um pouco.

–Mas você bateu a cabeça. Não pode dormir.

–Está com medo que eu não acorde? Não se preocupe Lindinha, sobrevivi á uma arena com varias armadilhas mortais. Tenho certeza que esse corte na cabeça não vai me matar. Agora cai fora! - Haymitch diz e ele quase consegue um sorriso meu.

–Estou indo. Mais tarde volto para ver sua cabeça.

Dito isso, coloco as coisas que Peeta estava usando na mesa da cozinha e vou embora. Quando chego em casa. Me permito pensar em Peeta e nas palavras ditas por Haymitch. Talvez ele tenha razão e Peeta esteja somente processando as coisas que aconteceram. Ele disse que ainda tinha pesadelos, assim como eu também tenho. Uma vez, Peeta me disse que a maioria de seus pesadelos era sobre me perder. Me pergunto se esses pesadelos mudaram. No fundo estou com raiva do que ele me disse. Mas a culpa não é dele, eu sei. A culpa é minha! Fui eu que não consegui salva-lo na segunda arena. Espero que um dia ele possa me perdoar. Isso se um dia a gente voltar a se falar.