Hopeless Wanderer escrita por little wolf boy


Capítulo 4
Hope is on The Horizon...




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O aniversário dele e de Peter costumava ser o seu dia preferido do ano.

Eles podiam ficar acordados até tarde junto dos cookies e chocolate quente com creme batido de Siobhan, Harley contando histórias de terror dos livros que pegava na biblioteca da vila e Peter inventando aventuras com os dois garotos de protagonistas. Peter adormecia e Harley fingia adormecer, para poder sentir com um prazer secreto de ser amado quando Aidan aparecia, suspirava um sorriso e levava cada menino para a cama.

Acordavam muito depois do habitual amanhecer, e desciam sonolentos para poder comer do café da manhã farto a moda irlandesa preparado por sua mãe, que incluía entre outras coisas salsichas fritas, ovos, batatas grelhadas e feijão, com uma exceção especial para incluir também alguns doces. Mal terminavam eram arrastados de casa por seu pai, e escolhiam o que queriam fazer hoje.

Harley sempre deixava o irmão ir primeiro. Assim, passavam a manhã e começo de tarde em um piquenique no lago, onde depois nadavam e atiravam pedras, e ás vezes em caminhadas pelos bosques muito conhecidos a Aidan, contando piadas ruins e desafiando um ao outro a dizer de que espécie de animal era esse ou aquele outro ali. Terminavam com um gordo sorvete da padaria da vila, e a Sra. Lane colocava granulado extra no dos dois irmãos.

A parte de Harley sempre se passava no meio para o fim da tarde, e era tranquila. Visitavam a biblioteca e lá descansavam por um tempo, sentados em poltronas desgastadas e macias com grandes livros no colo. Comiam uma coisa qualquer na lanchonete para recuperar a energia e passavam o resto do tempo apostando corridas ou só trotando em Tempestade e Flecha, os irmãos se revezando para ficar junto do pai.

Quando chegavam em casa, cansados e felizes, eram cumprimentados com um grande bolo muito decorado de Siobhan, junto de diversas outras comidas irlandesas, doces e salgadas. Ás vezes ela chamava outras pessoas. Ás vezes não. Harley nunca disse, mas ele preferia quando ela não chamava ninguém, e ele pudesse compartilhar a felicidade que transbordava de seu coração só com os três, coisa que não faria, nunca fez, quando tinha outras pessoas presentes.

Harley e Peter iam para cama cedo, mas acordavam no meio da noite para poder comer pedaços gelados de bolo de chocolate guardados na geladeira. Siobhan e Aidan nunca acordavam, mesmo que os tropeços e esbarrões na escuridão fossem o suficiente para levantar a casa inteira, e nunca questionavam também a falta súbita dos doces que haviam restado da festa no dia seguinte.

Ele adorava imensamente aquela rotina simples que se repetia todo ano.

Mas, quando Harley acordou no seu primeiro aniversário sem o pai, não foi mais tarde do que o habitual, mas absurdamente cedo. Espiou pela janela e descobriu que o sol ainda não dava muitos sinais de querer aparecer.

Espreguiçou-se e esfregou fora o sono dos olhos. Do seu lado, Peter dormia profundamente, o peito descendo e subindo num ritmo constante e calmo, o rosto sereno. Foi com pena que estendeu a mão para acordá-lo.

— Hey, Pete. — Murmurou de forma suave, balançando seus ombros. — É hora de acordar.

— Papai? — Falou o ruivo, confuso, os olhos fechados, ainda meio adormecido. Aquela simples palavra foi capaz de definir todo um novo peso no coração de Harley. Os grandes olhos de esmeralda se Peter se abriram lentamente, quase que com medo. Embora ele tentasse disfarçar e se afastasse embaraçado, Harley conseguiu pegar o vislumbre quente e doloroso de decepção quando ele viu aquele rosto sério e triste, aquele rosto tão igual ao seu, aquele rosto que não pertencia a Aidan em tudo.

— Harley. — Deu um sorriso melancólico. A expressão se sentiu estranha em seu rosto, mesmo que temperada por tristeza. — Feliz aniversário, Peter.

— Feliz aniversário, Har. — Disse Pete animado. Apesar do episódio triste de apenas alguns minutos atrás, um grande sorriso coloria suas feições, embora Harley soubesse que uma parte dele era forçado.

Fora isso, nenhuma palavra sobre que dia era hoje foi trocada enquanto comiam um café da manhã escasso e partiam apressados para o trabalho. Cuidaram dos animais da fazenda, um bom tempo sendo gasto verificando uma das vacas leiteiras que parecia estar grávida. Partiram então para trabalhar na plantação. Sem os braços fortes de Aidan ou qualquer coisa do tipo, o serviço levou pelo menos o triplo do tempo comum, e quando acabaram, Harley podia sentir o sol queimando sua nuca sem piedade. Tirou algumas mechas de cabelo encharcadas de suor do olho.

— Me desculpe, garotos, mas não posso continuar a comprar de vocês. — Disse Donagh, balançando sua cabeça tristemente. Era um dos velhos amigos de Aidan, com quem costumava pescar e ter noites de adulto, acompanhados de garrafas de Murphy’s, petiscos gordurosos e bons jogos de rugby. — Não é certo. Vocês são só garotos. Deviam estar na escola, e não fazendo negócios!

Donagh era um homem grande, de ombros largos, músculos do trabalho duro se misturando à gordura das frituras que adorava comer. Sua pele era queimada de sol, e rosto coberto de uma juba desgrenhada de barba castanha. Ele costumava dar balas de hortelã para ele e Peter quando topava com eles ao ir falar com Aidan, e era sempre muito divertido.

Harley não encontrou nada de divertido agora na forma como ele se recusava a comprar deles. Sua família passaria fome por sua causa. Não era um sentimento lógico mas, numa vida tão injusta como a que andava levando, uma pessoa para culpar eram sempre bem vinda.

— Ah, vamos lá, Sr. Foley. — Disse Pete, os olhos muito verdes, muito desesperados, muito suplicantes. — Nós precisamos disso. Nossa mãe… — Ele olhou para o lado, mordendo o lábio, como se estivesse arrependido do que deixou escapar. A condição de Siobhan já era conhecida por todos das proximidades. Harley odiava os olhares de pena que recebia onde quer que fosse. — Por favor — Voltou seus olhos arregalados para o homem, torcendo as mãos nervosamente. Aí estava. O ponto final. Har podia ver os olhos de Donagh amolecerem com pena pura para com o menino assustado e necessitado. Era meio difícil acreditar que todos esses sentimentos por parte de Peter eram reais quando eles conseguiam acertar tão perfeitamente no alvo, mas tinha certeza de que o irmão se corroeria em culpa se estivesse fingindo.

— Pode me chamar de Don, criança. — Falou, a voz suave. — Olha, eu vou comprar… — Peter imediatamente se animou ao seu lado, deixando um sorriso radiante florescer no rosto. — Mas não posso continuar fazendo comércio com garotos, vocês me entenderam? — Disse, colocando um tom severo na voz. Os dois assentiram solenemente, embora Harley revirasse os olhos por dentro. Era tão diferente assim comprar de uma pessoa algumas dezenas de centímetros mais baixo?

Não pode se impedir de sentir um alívio feliz ao guardar o dinheiro, apesar de tudo. Por que hoje eles tinham conseguido vender algo, e o ruivo poderia comer sem se preocupar se estava colocando salsichas demais em seu prato e prejudicando o irmão, nem nada disso.

— Vamos para casa, Har? — Falou Pete, quando se aproximavam dos cavalos. O sol poente tingia o céu de escarlate, e estava ficando frio muito rapidamente.

— Ah, vai na frente. Tenho de resolver algo na vila. — Disse, de forma vaga. Pete lhe deu um olhar estranho mas, milagrosamente, não falou nada, gritando uma despedida ao partir num meio trote rápido.

Har se aproximou de Estrela Negra, o mustangue inquieto, e ficou um minuto em silêncio, acariciando seu focinho e apreciando a quietude do lugar. Então, montou e, com nada menos do que um leve toque no flanco, o garanhão partiu numa corrida, ambos ansiosos pela velocidade.

O ruivo quase lamentou quando chegou a vila e teve de descer do cavalo, mas então se lembrou do que ele estava fazendo ali e, com animação renovada, prendeu o animal num dos postes, indo em direção ao mercadinho local.

O lugar, uma construção rústica bem feita em madeira, reformada por seu próprio pai só uns anos antes, era limpo e de certa forma bonito. Um pequeno sino soou quando ele entrou, e logo foi assaltado pelo cheiro delicioso de pães saindo do forno que vinha da padaria no fim da loja. Ao chegar mais perto, pode ver uma cesta recheada de pães quentes no balcão, tortas e bolos dividindo espaço com ela. Seu estômago roncou em antecipação, mas o ignorou.

— Olá, querido. O que posso fazer por você? Como vai Peter? — Perguntou uma mulher rechonchuda atrás do balcão, a Sra. Lane. Ela era baixa, com cabelos grisalhos presos num coque, um avental na cintura e um sorriso amável no rosto.

— Oh… Vai bem… Uhm… — Harley murmurou sem jeito, não sabendo o que falar. Sempre ficava sem reação quando pessoas falavam assim com ele. O lembrava de sua mãe antes da morte de Aidan, e ouvir uma voz assim de novo o incomodava e o agradava em partes iguais. — O que eu posso comprar com… — Começou a revirar os bolsos do casaco grande demais para ele, que antes era de seu pai, em busca da carteira de couro curtido onde tinha seu dinheiro.

Finalmente conseguiu achá-la, e contou o dinheiro que ali havia. Tinha conseguido ele somente algumas semanas antes. Durante uma de suas caminhadas, topara com uma lebre particularmente rechonchuda e letárgica. A faca de caça no cinto, não demorou a aplicar as coisas simples que o pai ensinara e a matou com um golpe rápido, como já tinha feito antes na presença de Aidan uma ou duas vezes. A certeza de que o Sr. Hogan, o açougueiro da vila, tinha pagado por ela muito mais do realmente valia era grande, mas tinha decido deixar seu orgulho de lado por hora. Separado o dinheiro para as necessidades básicas, havia sobrado um tanto. Sabia que devia guardar, mas tinha que fazer isso, também. Falou o valor para a Sra. Lane com um tanto de culpa na voz, mas falou.

— Bem… — Ele podia ver as engrenagens girando na cabeça da mulher. Provavelmente se lembrando da morte de Aidan e dos rumores de como Siobhan estava e das vezes que ouvira o quanto os dois pobres garotos estavam trabalhando duro. Não demorou muito para pena e simpatia rechear seus olhos castanhos. Harley odiou isso, mas não falou nada. Estava tendo de ignorar seu orgulho muitas vezes recentemente. Isso o irritava um pouco. — Esse bolo aqui… — Disse, apontando um dedo rechonchudo para um pequeno bolo coberto com um chantilly denso e pontilhado de granulados de chocolate. — Passou um tanto do ponto, e está queimado em algumas partes da crosta em baixo. Se não se importar com isso, pode levar isso pelo que tem. — O brilho amável de pena não lhe abandonara os olhos.

— Obrigado, Sra. Hogan. — Disse, sinceramente. Afastou o orgulho e desgosto para o fundo de sua mente, tentando se concentrar na expressão de felicidade surpresa que apareceria no rosto de Pete quando ele visse o bolo.

— Não há de quê, querido. — Falou ela, embalando o bolo numa caixa resistente e lhe entregando com um sorriso enquanto Harley lhe dava o dinheiro.

O caminho de volta para casa foi mais rápido que o normal. Estava ficando frio, e o garoto temia que o bolo estragasse se ficasse em contato com o calor do cavalo e de seu corpo agasalhado. Depois de prender Estrela no estábulo, deu uma espiada na casa, quase secretamente. Sua mãe se sentava no sofá, encarando sem realmente ver a parede florida. Pete não estava em qualquer lugar visível, mas um assovio suave o indicou que o menino estava no quarto dos dois. Sorriu ao colocar o bolo na geladeira, o escondendo dentro de uma caixa de papelão qualquer e o deixando no fundo da geladeira, não visível para quem não estivesse procurando. Depois de avisar Peter que tinha chegado, se sentou no sofá, do lado da mãe.

— Olá mãe. — Disse, baixinho. Não estava realmente esperando que ela ouvisse. Não mais, de qualquer maneira. — Hoje é nosso aniversário, meu e do Pete. Seria bem legal se você olhasse para a gente, sabe? Ou nos desse um abraço. Seria um presente muito grande. Mas você não vai fazer isso, não é? É um esforço muito grande para você. — Falou quase que para si mesmo, dando uma risada seca que não tinha diversão nenhuma em si. Já estava desistindo da mãe. E a raiva, traiçoeira, já começava a se formar no fundo de seu coração.

Raiva por ela ter abandonado ele e Pete quando os dois mais precisavam. Por não ser ela a abraçar os dois garotos quando se lembravam de seu pai e as lágrimas eram inevitáveis. Por Harley ter de se preocupar com dinheiro e trabalho e a segurança e sobrevivência de sua família, quando tudo que ele devia se preocupar era sobre o teste de matemática. Raiva por, quando ele e Pete tinham acabado de perder um pai, ela fazer eles perderem uma mãe também.

Suspirou, encarando a mulher apática por alguns segundos antes de se levantar. Ficar muito tempo com ela estava se provando uma atividade muito dolorosa e difícil de fazer. Tomou alguns goles d’água da torneira. Era gelada, e de alguma forma acalmou o calor de raiva que estava se formando dentro dele. Não o extinguiu, porém. Duvidava que alguma coisa pudesse tirar todos esses sentimentos negativos dentro de si.

Comeram um ensopado com carne bovina, batatas e diversos outros vegetais. Era simples, mas gostoso, e Harley parabenizou o irmão pela refeição. Ele estava ficando cada vez melhor na cozinha. Pete agradeceu com entusiasmo, e se engajou numa longa fala sobre cozinhar, ingredientes e todas as coisas relacionadas. De alguma forma, ele conseguiu terminar falando sobre um desenho com giz de cera que estava fazendo. Como, Harley não tinha ideia, e tentar retomar a conversa fala por fala para descobrir isso lhe daria dor de cabeça, então só balançou a cabeça e recolheu os pratos para poder lavar.

Já era um tanto tarde quando ele e Peter estavam na frente da lareira, em silêncio. Harley já tinha colocado sua mãe para dormir, e as luzes estavam apagadas, mas as chamas altas que ele atiçava iluminavam tudo com um brilho alaranjado e enviava baforadas de calor por todo o seu corpo, ajudado pelo cobertor que compartilhava com o irmão, para proteger do frio na noite de neve.

— Feliz aniversário, Har. — Disse Pete subitamente, como se não pudesse aguentar mais. Dando um sorriso largo, tirou um envelope decorado a mão com desenhos de estrelas e o entregou.

— Feliz aniversário, Pete. Quer que eu dê o meu agora ou… — Respondeu, gesticulando.

— Não, abre o seu primeiro. — Falou, um olhar de ansiosidade feliz em seu rosto. Harley levantou uma sobrancelha, mas obedeceu.

Abriu o envelope com cuidado, não querendo rasgar ele ou qualquer coisa do tipo. Dentro havia um masso de folhas. As pegou, meio sabendo o que eram. A primeira era um desenho extremamente detalhado e colorido em tons ricos de um garoto ruivo em um cavalo negro correndo num campo de trigo. Sorriu ao perceber que era ele. O próximo, dois garotos exatamente iguais, juntos. Harley poderia jurar que aquelas sombras de verde dançando nos olhos dos garotos eram reais. O outro, um cavalo negro, quase parecendo impaciente, e o próximo, um garoto revirando uma peça de xadrez nos dedos, parecendo melancólico. O último lhe tirou o fôlego. Um homem, de cabelos negros bagunçados cobertos por um chapéu de couro. Olhos infinitamente verdes com rugas de riso os adornando, uma barba por fazer ao redor de um riso que ele não pode ouvir, mas sabia que era estrondoso. Um nó lhe subiu a garganta, mas se sentia feliz assim mesmo.

— Obrigado, Pete. Isso… É muito bonito. Obrigado. — Disse, respirando fundo e dando ao irmão um sorriso muito pequeno, muito escondido, mas ele sabia o que ruivo havia visto. Os desenhos eram detalhados e pintados com cuidado, embora Harley tivesse visto uma minúscula mancha de caneta vermelha num deles, e ele sabia que levara ao irmão semanas para terminá-los. Sentiu um aquecimento no peito que não tinha nada a ver com o fogo da lareira.

— Okay. Agora é minha vez. — Disse, com uma ansiedade nervosa que não lhe era muito comum. Pegou o embrulho mal feito. Estava embalado num papel pardo comum, e algumas dobras eram bem estranhas. Harley nunca tivera muita habilidade em embrulhar. Entregou ao irmão sem olhá-lo nos olhos, embaraçado. Era a primeira vez que dava uma coisa feita por si mesmo para outra pessoa.

Pete o desembrulhou com entusiasmo, em poucos segundos revelando a peça de madeira dentro da caixa. Ele o segurou como se fosse algo precioso, examinando-o com grandes olhos brilhantes. Era um cavalo, exatamente igual à Floco de Neve, que tinha não muito mais do que oito centímetros. Os entalhes eram delicados, precisos, abrangendo a musculatura suave e as patas fortes no meio de um trote. Usava uma sela e rédeas, e a pintura a mão era feita com cuidado, as sombras de branco do pelo e o marrom gasto das selas e rédeas em pinceladas caprichosas. Levara mais de um mês para terminá-la, e não pode se impedir de se sentir orgulhoso com o resultado final.

— Nossa, Har! Isso é perfeito! Olha todos esses detalhes! É igualzinho à Floco de Neve. — Exclamou Peter com entusiasmo, tateando a peça, como se quisesse memorizá-la em todos os sentidos possíveis. — Obrigado mesmo. — Disse por fim, indo e dando um abraço forte nele. Isso pegou Harley de surpresa, e se passou alguns segundos antes que ele retribuísse, abraçando o irmão com firmeza.

— Ah, eu tenho mais uma surpresa. — Disse o ruivo, como só se lembrasse agora, apesar de esse ser um dos momentos da noite para o qual estava mais ansioso. — Espera ai. — Falou para um curioso Pete, indo para a cozinha. Pegou dois pratos, talheres e, por fim, a caixa enfiada num lugar escondido da geladeira.

— O que é isso? — Perguntou Peter de imediato, encarando o irmão impaciente. — Você não tentou cozinhar, tentou? — Agora era preocupado. Har levantou uma sobrancelha, pousando os pratos e a caixa no tapete.

— Não, Pete, eu não tentei cozinhar. — Disse, paciente, abrindo a caixa para revelar o bolo e cortando um generoso pedaço com muito chantilly para Pete. Só com isso percebeu que tinha recheio de chocolate. Os olhos dele eram grandes e brilhantes, com uma felicidade hesitante.

— Mas… Onde você conseguiu isso? Nós não temos dinheiro. — O garfo pairava ansioso perto do bolo, mas Peter não se atrevera a tomar um pedaço.

— Um dia desses consegui caçar uma lebre e vender para o açougueiro. Sobrou dinheiro, então… — Explicou, cortando um pedaço para si mesmo e tomando uma mordida. O sabor de baunilha, chantilly e creme de chocolate explodiu em sua língua, dez vezes mais intenso pelo fato de não comer doces desde que seu pai tinha morrido. Saboreou lentamente, e levou alguns minutos para notar, com um rolar de olhos, que o bolo não estava queimado em tudo. Pete já devorava o seu, uma expressão de pura felicidade no rosto.

Muito tempo depois, Peter já tinha falado muito e Harley já tinha falado pouco, os pratos colocados na pia e o que restava do bolo na geladeira. Estavam apoiados um nas costas do outro, e Harley encarava o fogo, queimando lento. Já a algum tempo Peter tinha parado de falar, e um silêncio confortável se instalara entre os dois irmãos.

— Ás vezes, muitas vezes, eu acho que é minha culpa, sabe? — Disse Pete de repente, quebrando a quietude do lugar. Sua voz tinha um tom melancólico infinitamente triste e conformado e culpado, que ele nunca tinha ouvido vindo do irmão. Sua mente explodia com perguntas, mas permaneceu em silêncio, esperando para que ele continuasse.

— Naquele dia, o último dia que nós vimos o papai… Quando ele disse que ia embora, eu senti que algo estava errado. Eu sabia que algo estava errado. E sabia também que eu não devia deixar ele ir, de jeito nenhum. Mas eu deixei. E ele morreu. É tudo minha culpa. Me desculpe, Har. — Sua voz tinha quebrado, e Harley sentiu o irmão respirar fundo e exalar lentamente, como se tentando controlar as lágrimas.Não falou por um bom tempo, até as chamas tímidas da lareira se transformarem em brasas fumegantes.

— Não é sua culpa. — Disse, por fim. Se virou para o irmão, lhe encarando no olho. Olhos verdes transbordando com lágrimas silenciosas encontraram os seus, e Harley segurou o rosto do irmão firmemente em suas mãos macias. — Ouça, Har. Isso não é sua culpa, de jeito nenhum. O único culpado é o bastardo que matou papai, e de mais ninguém.

— Eu devia ter impedido e… — Começou, a voz embargada conseguindo ser muito profunda e muito pequena ao mesmo tempo.

— Não, me ouça, Peter. Não. É. Sua. Culpa. — Falou, firme e calmamente, mesmo que a raiva borbulhasse dentro dele. Foi nesse momento que prometeu a si mesmo que iria matar o cara que havia matado seu pai, não importa o que isso custasse. Surpreendendo até a si mesmo, puxou o irmão para um abraço, o segurando forte, como se assim pudesse protegê-lo de todas as coisas ruins da vida.

Não soube quanto tempo os dois ficaram lá. Pete havia parado de chorar em algum momento, mas não movera um músculo, o rosto descansando na clavícula de Peter. As chamas a muito tinham se ido, mas ele não sentia frio, e não sentia vontade de se mover, também. Gozava de um tipo de paz rara, aquela que sentia quando o pai lhes ensinava a jogar pedras no lago para que elas pulem ou sua mãe surgia com um prato de cookies quentes do forno, ou quando ele e Pete se sentavam para desenhar, com nenhuma preocupação além de quem iria ficar com o vermelho.

O momento foi interrompido, apesar disso, por algumas batidas na janela. Franziu o cenho. Haviam esquilos e animais da floresta, mas nenhum chegava perto das casas. Quando a batida soou de novo, Pete fungou, se afastando, e Harley se levantou para ver o que era.

Ao abrir a janela, para sua surpresa, encontrou duas corujas-das-torres amarronzadas. Uma estalou o bico, impaciente, quando Har não se moveu, e estendeu a perna, com a outra seguindo o movimento. Só então que ele percebeu que havia algo amarrado ali, algum tipo de papel. Quando desprendeu os envelopes, as corujas partiram para o frio da noite, e Har não pode as ver mais no meio da escuridão e da neve densa. Ao tentar ler o endereço das cartas, distinguiu seu nome em uma, e o de Peter em outra.

— O que é, Har? — Perguntou Pete, olhando curioso para os envelopes na mão do irmão. Em resposta, jogou para o ruivo a carta endereçada a ele. Abriu a sua com um movimento rápido, lendo em segundos.


— Parece que estamos… Convidados para a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. — Respondeu por fim, numa voz incrédula e um tanto zombeteira, se perguntando o que diabos estava acontecendo.


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Notas finais do capítulo

Podem ver que eu fiz muitas referências à culinária irlandesa ali. Ela é bem rústica, e o alimento principal e mais comum é a batata.

Sim, eles comem feijão no café da manhã (Tipo, WFT?)

O "Murphy" que mencionei é uma cerveja irlandesa. Minha intenção era colocar algum tipo de cerveja barata, acessível aos de classe média-baixa, mas não tenho certeza se essa se encaixa. Caso saibam, podem me dizer.

Rugby, pelo que eu reuni, é um dos esportes mais populares por lá, tipo o futebol para a gente.

Yeah, eu fiz minha lição de casa.

Sinto que esse capítulo ficou um tanto longo e com coisas demais, mas não consigo encontrar nada que eu gostaria de cortar. Uh. Deve ser pelo tanto de situações e também de reflexões internas. Os outros só tiveram uma de cada um.

Não sei se perceberam, mas os títulos estão meio que completando um ao outro. Vou tentar manter isso até o fim da fic o/

De qualquer forma, espero que tenham gostado. Me digam o que acharam!



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