Hopeless Wanderer escrita por little wolf boy


Capítulo 3
... You Try to Carry On


Notas iniciais do capítulo

Pré-Hogwarts
Harley e Peter Daves



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/479709/chapter/3

O relógio batia oito horas, e Harley Daves soltou uma maldição.

Aninhou a mão queimada no peito e olhou com desprezo para a frigideira com ovos chamuscados, indo buscar um punhado de gelo para aliviar a dor. Suspirou de prazer no contato, e com isso esqueceu completamente da comida. Um cheiro nauseante lhe lembrou dela, e correu para desligar o fogo. Os ovos haviam ficados pretos. Com uma careta, os jogou no lixo.

— Pode deixar que eu cozinho hoje, Har. — Veio a voz suave de Pete atrás si. Virou-se. Ele tinha um olhar compreensivo no rosto, e já se virava em busca dos ingredientes para fazer algo comestível. A antiga felicidade que antes transbordava de seus olhos verdes agora era só uma sombra, lutando para se distinguir no meio da escuridão.

Na sala, sua mãe tinha um dos antigos livros de culinária no colo, olhando sem realmente ver, rastros de lágrimas não muito antigas na face angular. A expressão perdida e apática em seu rosto não tinha mudado nem um pouquinho desde aquele terrível dia. O livro estava aberto numa página amarela onde havia a receita do prato favorito de Harley e Peter, cookies de chocolate e manteiga de amendoim. Antes, ela costumava fazê-lo pelo menos uma vez por semana.

Agora ela não cozinhava em tudo.

Examinou a mão machucada sem realmente se importar. A queimadura era um tanto feia, e Harley sabia que mais tarde nasceria uma bolha ali. Doía tanto quanto na hora que a tinha ferido, e o ruivo percebeu que iria doer ainda mais quanto tivesse de usar aquela mão nos trabalhos pesados da fazenda amanhã. A falta de reação quanto à perspetiva da dor que era um tanto preocupante.

Se sentou do lado da mãe. Pode ouvir da cozinha o som de talheres tintilando e o estalo de um ovo na frigideira quente. Hesitante, levantou a mão e colocou uma mecha solta do cabelo de Siobhan atrás da orelha dela. Seu olhar era esperançoso. A mulher não deu sinal de perceber, o brilho perdido de dor em seus olhos não a abandonando nem por um segundo. O garoto suspirou.

O relógio batia oito e meia, mas tudo que Harley queria era que aquele maldito relógio voltasse algumas semanas, quando sua mãe sorria e lhe abraçava, quando Pete saltitava animado pela casa, e quando ele podia sempre contar com seu pai lhe dando um sorriso de covinhas quando chegasse em casa no fim do dia.

A voz ainda suave de Peter anunciou que a comida estava pronta. Se levantou, pousando a bolsa de gelo na mesinha, e inclinou-se para sua mãe. Ela continuou a olhar sem ler para o livro. Ergueu a mão boa e, com o dedo indicador, levantou o rosto da mãe para si. Ela lhe deu um olhar vazio.

— Vem jantar, mãe. A comida está pronta. — Siobhan não reagiu em tudo. Os olhos de Harley eram inexpressivos ao pegar a mulher pelo cotovelo e a guiar para a mesa. Ajudou-a a se sentar, e colocou sua comida no prato. Deu-lhe os talheres na mão. O fato de ter de fazer coisas simples como essas para a mãe era doloroso, mas depois de semanas na mesma rotina, a dor era surda, um tanto opaca. Ele se acostumara. E se acostumar a isso não era bonito ou certo, mas o garoto não tivera chance de escolher qualquer coisa.

Se tivesse, ele teria escolhido um pai vivo, afinal.

Peter havia feito três omeletes simples com queijo e batata cozida. Quando tinham de passar as tardes em casa por causa do tempo, Harley costumava ler ou desenhar, talvez entalhar algo nos pequenos pedaços de madeira que seu pai por vezes esquecia em casa. Peter gostava de observar sua mãe cozinhar, muitas vezes lhe sendo permitido ajudar. Não era de muita surpresa que agora, quando sua mãe não fazia mais nada do que sentar encarando o vazio por horas, ele fosse o melhor na atividade. Harley persistia, teimoso, insistindo que as noites de cozinhar deviam ser alternadas, mas sempre acabavam comendo a comida de Pete, que não era nem um pouco ruim.

Mesmo assim, cada garfada tinha um gosto amargo. O dinheiro estava acabando. E sem dinheiro, eles não poderiam comprar comida, e ficariam com fome. Harley não podia deixar isso acontecer. Não poderia deixar sua família sofrer. Não poderia deixar Pete sofrer. Não mais do que ele estava sofrendo.

Mas estava impotente. Ele e Pete tinham deixado de ir a escola poucos dias depois da notícia, e passavam o dia inteiro trabalhando na fazenda, cuidando dos cavalos e da plantação, tentando realizar negócios, se virarem. Harley estava usando todo o conhecimento que poderia juntar dos dias observando o pai agir, e Peter se esforçava além da conta. Chegavam em casa cansados, com as mãos feridas e cheias de bolhas do trabalho duro. Estavam fazendo o possível e um tanto do impossível também.

Mas eles eram só dois garotinhos de dez anos que, por mais que tentassem não podiam fazer o trabalho de um adulto.

Peter tentou começar uma conversa. Um brilho esperançoso permeava seu olhar, mostrando ali como ele queria que com sua fala tudo voltasse ao normal, pelo menos um pouco. Que sua mãe voltasse à realidade e seu irmão sorrisse de novo. Harley não sorria desde as palavras daquele policial, e duvidava que voltasse a fazê-lo.

Falou uma resposta monossilábica que ele não se sentiu realmente dizer. A decepção que coloriu o rosto do ruivo quebrou seu coração da mesma forma que havia quebrado todas as vezes que ele o havia feito, nas milhares de tentativas para animar o irmão. Mas Harley não podia encontrar dentro de si o ingrediente necessário para seguir em frente e voltar a normalidade, fingir que seu pai não estava morto e sua mãe depressiva e ele vazio. Ele não conseguia, por mais que quisesse.

Saber que ele era parte do motivo de fazer o irmão mais infeliz ainda o afundava algumas polegadas mais na escuridão. Torturava a si mesmo dizendo que, além de sofrer com a morte do pai e com o estado da mãe, estava fazendo a felicidade dele se desvanecer com seu fechamento. Era doloroso, mas continuava a fazê-lo, sussurrando palavras maldosas em sua própria mente, porque ele merecia.

Ele estava fazendo o melhor que podia, mas do seu jeito. Trabalhava até quase desmaiar de cansaço. Controlava sua dor. Tentava cuidar do irmão. E, acima de tudo, desejava com todas as suas forças que Pete, sempre perceptivo, pudesse ler em seus olhos tudo que ele não conseguia colocar em palavras.

Tomou mais uma garfada do omelete. A mão latejava. Os talheres batiam no prato. O silêncio pairava ensurdecedor. E, em algum lugar que não parecia ser ali, o relógio batia nove horas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Esse é meu capitulo favorito até agora, pessoalmente. Sutilmente mais intenso que o último, haha.

A Siobhan sofre de depressão catatônica, no estado de estupor catatônico nesse capítulo. Vou desenvolver mais isso no desenrolar da história, okay?

E não sei se perceberam, mas eu estou fazendo os títulos um continuação do outro. Não sei se consigo inventar tantos, mas vou tentar manter nesse sistema por toda a fic, tudo bem?

E podem comentar, gente. Prometo que não mordo, haha



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Hopeless Wanderer" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.