A Faísca: 70° Jogos Vorazes - Interativa escrita por Tiago Pereira
Notas iniciais do capítulo
Vamos lá, a vez do garoto do 4. Boa leitura.
Beete Safierra
Falta pouco, penso. O meu treinador me observa enquanto eu completo as duzentos e quinze flexões. Uma gota de suor fria desliza da minha testa à ponta do meu nariz, agoniante, mas preciso.
Sou do Distrito Quatro, pesca. É um tanto patético, eu sei, levando consideração que somos um Distrito carreirista, mas eu não me importo, tenho orgulho de morar aqui. É melhor do que morar no Distrito 12.
– Por hoje é só, Beete, pode ir embora. - Diz meu treinador.
– Não, preciso praticar mais - contrario-o.
Ele ri.
– E é por isso que você ganhará a próxima edição, quando for voluntário.
Retribuo o sorriso, porém já desmancho. Sigo até o caixote com espadas, analisando sua lâmina. A prata reluz e eu posso ver, através do reflexo, meu cabelo preto e as cicatrizes no rosto. Muitas pessoas do 4 têm a pele bronzeada, mesma cor do cabelo. É uma maneira esquisita de "identificação". No caso, eu não me identifico com meu Distrito.
Não saio da Academia, sou um aluno muito aplicado, sem tempo para ficar aproveitando o mar, ou o sol. Desde que meus pais se separaram, eu comecei a frequentar a Academia, quero estar no auge, a ponto de ser mortal. Porém isso requer mais um ano de sacrifício, quando completar dezoito anos.
Não há apenas eu treinando, há vários jovens que estão iniciando, outros completando o ciclo. Vencer os Jogos é a maior honra que se possa conquistar em sua vida. Glória e fartura é o que encontra o vencedor.
Após a academia, sigo pela praça, paro em frente do Edifício da Justiça.
– Tsk, você pensando que vai sair vivo se for selecionado? - pergunta uma voz conhecida. Tento discerní-la, até que reconheço. Só pelo cheiro de licor, fala esganiçada sei quem é.
– Cai fora, velho babão. Você esta bêbado, seu nojento - digo ao meu pai. Tenho vergonha de ser filho deste projétil de imundice.
– Igual a sua mãe. Ambos iludidos sobre a vida, acha que tudo é uma cantiga para crianças, onde tudo dá certo.
Ignoro seu comentário, jogando o ombro contra ele, que cambaleia mas se equilibra.
Quando chego em casa, minha mãe prepara ensopado de peixe. Pela octogésima nona vez na semana. O gosto é melhor que o cheiro, mas com o tempo enjoa. Desde o divórcio entre meu pai e ela, perdemos todo o encanto de nossas vidas. Os deliciosos pratos da mamãe, como o grelhado de peixe, torradas e molho tártaro, tornaram-se quase raros.
– Ainda bem que chegou, já estou terminando a comida.
Apenas assinto, sento a mesa e aguardo o jantar.
– Como foi o treino de hoje? - ela tenta puxar conversa.
– A mesma coisa - digo e permaneço calado. As palavras de meu pai ecoam em minha mente. - Montei armadilhas, flexões, espada, chicotes.
– É bom que treine mesmo, filho meu não vai à arena vivo e sai morto - ela diz em tom autoritário. Percebo que é uma brincadeira. O jantar é servido, o mesmo clichê.
Tentamos conversar, porém não conseguimos ter um bom diálogo, estou inteirado no motivo de que posso ir para os Jogos Vorazes amanhã. De maneira precoce ainda, o que deixaria mais excitante. Minhas chances de ganhar são grandes, ainda mais que já planejo estratégias desde os doze anos.
A noite voa, os sonhos chegam. Sonho minha vitória nos Jogos, a coroa sendo posta, no Tour. Sou a pessoa mais famosa atualmente, todos copiam meu penteado, gritam meu nome e tudo o que se pode imaginar.
Uma mulher de pele tingida de rosa se aproxima, seu corpo sensual, moldado e curvas e cabelo magenta. Começa a cutucar, chamar-me.
Abro os olhos, minha mãe me chama, hoje é o dia da Colheita.
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Espero que tenham gostado.