Correntes: Atados pelo Sofrimento escrita por Jacqueline Sampaio


Capítulo 15
Capítulo 14: Atados




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Eu me sentia bem, incrivelmente bem. Como estar deitada em nuvens e ouvir o canto dos anjos. Pouco a pouco meu sonho foi se dissipando enquanto a consciência vinha. Eu estava deitada em uma cama grande, confortável. Estava quentinha por que um cobertor estava sobre mim. Abri meus olhos e me vi em um local precariamente iluminado. O ambiente estava parcialmente escuro, meus olhos tentando enxergar algo através daquela escuridão e então uma luz ao meu lado se acendeu, a luz de um abajur. Olhei envolta e reconheci o quarto como o de Edward. Eu o vi sentado em uma poltrona antiga forrada com veludo vermelho. Ele é que havia acendido o abajur. Sua expressão era vazia.

Ficamos calados olhando para o outro. Eu não sabia o que dizer, até por que ainda estava processando o que havia acontecido. Tudo passava num borrão em minha cabeça. Edward levantou-se da poltrona em que estava sentado e veio se sentar na cama, próximo de mim. Ficamos assim por mais alguns minutos, ele sentado de frente para mim com seus olhos fixos nos meus e eu imóvel. Ele ergueu sua mão e tocou minha bochecha direita, eu estremeci com a frieza da sua mão.

-Desculpe. –Murmurou e afastou sua mão. –Como está se sentindo? –Perguntou e seus olhos se fixaram em algum ponto do quarto.

-Bem. –Falei e minha voz falhou, minha garganta estava seca. Umedeci meus lábios. Edward captou meu movimento e levantou-se, como um raio, e trouxe um copo de água, provavelmente da cozinha. Eu já estava acostumada a sua velocidade sobre humana. Sentou-se novamente na cama, desta vez ao meu lado, e ajudou-me a sentar. Eu o obedeci e tomei a água ofertada.

-Obrigada. –Disse e continuei sentada. Estávamos tão próximos agora! Eu podia sentir a frieza de seu corpo e Edward certamente sentia o calor do meu corpo. Eu ergui minha mão esquerda e toquei sua bochecha afagando-a com meiguice.

-Obrigada, você me salvou. –Disse e minha voz tremeu de emoção.

-Não Bella... –Ele começou, sua voz sem potência. –O que a salvou, não somente a você, mas também a mim, foi o seu exame. –Sua voz quebrou ai e vi em seu olhar o quanto a noticia de minha doença o estava ferindo. Isso me surpreendeu. Eu não imaginava que fosse tão importante assim.

-Sinto muito Edward. –Comecei a me desculpar e voltei a minha posição original sentada na cama e com as mãos em frente ao corpo. –Eu só quero agradecê-lo por ter ido e se arriscado por mim, ter derrotado James. Bom, sei que não derrotou, foram os enviados dos Volturi, mas se estou viva é por sua causa.

Era tudo o que diria. Não havia mais nada a falar além de desculpas. Eu não sabia se queria tocar no assunto envolvendo a descoberta por parte de Edward sobre minha doença. Mais uma vez silêncio. Isso já estava me enervando. Edward subitamente se levantou.

-Vou preparar algo para comer. Deve estar com fome já que passou um dia sem comer. Seu tio Billy ligou para o seu celular, ligue para ele e diga que está bem. Aproveite e fale que ficará mais três dias em sua cidade natal.

-O que? Como assim três dias? Alias há quanto tempo estou dormindo?

-Você está dormindo há um dia Bella. Não acho que seria bom se o seu tio a visse agora. Você está um pouco machucada pelo ataque de James. –Edward falou e só então me preocupei em me olhar. Vi algumas escoriações aqui e ali, mas nada muito grave. Talvez por isso eu não acordei na cama de um hospital.

-Mas se eu disser isso a ele eu terei que ficar em algum lugar. –Murmurei claramente confusa. Tudo bem que eu teria que ficar fora da vista de conhecidos, mas para onde iria. Eu já sabia da resposta antes mesmo de Edward dizer. Ainda sim eu ouvi. Edward virou-se para falar.

-Você ficará aqui comigo durante esses três dias e eu cuidarei de você. Não aceitarei um “não”. Mantenha Billy informado sobre você. –Edward saiu do quarto após dizer isso.

...

Fiquei sem graça por que enquanto comia Edward não tirava os olhos de mim. Freqüentemente fixava meus olhos em meu prato ou em qualquer outra parte da ampla cozinha. Mas é claro que minha comida iria acabar e eu ficaria a mercê daquele olhar perscrutador de Edward. Foi o que aconteceu.

-Obrigada pela comida. Estava deliciosa. Não gostaria de causar tanto incomodo para você depois de tudo, desculpe. –Disse. Edward levantou-se do banquinho em que estava sentado e recolheu minha louça suja lavando-a na pia.

-Edward, eu acho que não estou invalida a ponto de não lavar um prato. Deixe-me fazer isso. –Pedi caminhando até a pia e segurando as mãos de Edward tentando impedi-lo de continuar. Edward estacou quando peguei sua mão, virou-se e olhou-me. Mais uns minutos sem comunicação, apenas nossos olhos trocavam algo. E então eu me toquei que eu realmente estava ali, viva, e Edward estava bem ao meu lado. Eu pensei que morreria pelas mãos de James, tinha quase certeza. Acabei rindo. Edward me olhou com uma sobrancelha erguida.

-O que foi? Por que está rindo? –Perguntou Edward carrancudo.

-Não me interprete mal Edward. Estou rindo por que eu acabo de me tocar que estou viva e você está aqui comigo. Estou feliz. –Disse e algo em minhas palavras pareceu despertar Edward. Ele me olhou com ressentimento, quase com fúria.

-Verdade? Está feliz por estar viva? Não sei se realmente devo acreditar em suas palavras. Você sabia que a morte iria encontrá-la e ainda sim caminhou para ela. Por que fez isso, Bella? Odeia tanto sua vida?

-Eu não fiz isso por querer morrer. Eu fiz isso por que queria vingança. James matou meus pais, eu não poderia deixar assim.

-E O QUE UMA HUMANA ESTUPIDA COMO VOCE PODERIA FAZER, HEIN? –Edward segurou meu braço em um aperto insuportável. Eu tentei me afastar dele sem sucesso. O olhei, aterrorizada com sua explosão de ódio. Edward pareceu despertar para o que estava fazendo e soltou meu pulso. Eu o massageei ainda olhando-o, tentando entender como subitamente o clima aparentemente bom tinha se transformado em algo tão tenso.

-Eu vou ir. –Murmurei e olhei para o chão.

-Isso mesmo, vá para o quarto. Você precisa descansar um pouco mais. –Edward disse e voltou sua atenção para a pia e a louça que ainda não tinha lavado. Aquilo me enervou. Ele não tinha entendido o que eu tinha falado?

-Estou indo para a minha casa Edward. Não vou mais ficar aqui. –Falei tentando conter a súbita raiva que se apoderou de mim. Por que Edward estava com tanta raiva? Passei a caminhar para o quarto onde estava, provavelmente meus pertences estavam lá. Ouvi passos atrás de mim, mas ignorei.

-Não pode ir para sua casa, seus machucados ainda estão visíveis. Seu tio provavelmente... –Era Edward tentando argumentar comigo.

-Eu vou. Pouco me importa se eles notarem os ferimentos. Digo que cai em algum lugar lá na minha cidade. Eu não quero ficar aqui e aborrecê-lo mais. –Falei com a voz calma, falsamente calma.

-Você não me aborrece. –Edward murmurou no momento em que abri a porta do quarto onde até então tinha descansado. Fui diretamente ao closet e, como pensei, minha mochila estava lá.

-Não é o que parece com essa sua atitude. Se eu incomodo não deveria ter me convidado para ficar aqui com você durante alguns dias, Edward.

-Não estou assim por isso, jamais me importaria de ter sua companhia. Se pareço furioso é por outro motivo. –Ele disse com a voz baixa como se não quisesse esclarecer as coisas para mim. Pouco me importava. Peguei minha mochila colocando-a nas costas e segui para a porta do quarto, sem olhá-lo, claro.

-Obrigada por tudo. Eu vou para casa. –Disse e algo agarrou minha mochila impedindo-me de sair. Virei-me e o vi Edward me olhar novamente com fúria. Qual era o problema do cara? Se eu fico ele fica furioso e se eu vou, ele também fica furioso?

-Por que você quer se isolar, fazendo tudo sozinha? Por que se afasta de todos? –Edward perguntou com uma voz sôfrega.

-Olha quem fala! Você notou que vive do mesmo modo, Edward? Deve ser por isso que nos damos bem, somos iguais.

-Você sabe exatamente o porquê de eu estar falando isso Bella! Responda!

Abaixei minha cabeça.

-Ninguém precisa sofrer junto comigo. Você é a primeira pessoa que sabe do meu mal, que sabe que vou morrer. Enquanto o meu mal me mata pouco a pouco, eu me afasto cada vez mais de todos. Eu sei que vou estar só no fim por que não vou permitir que ninguém me veja morrer. Edward acredite em mim quando digo que não fui até James por que queria morrer. Eu só queria matá-lo, me vingar dele. Eu pensava que seria bom se eu morresse no final, mas descobri que eu não queria. Tinha algo, ou melhor, tem algo que quero mais do que uma morte rápida. –Eu olhei para Edward e então me lembrei de algo que descobri enquanto o via me proteger: eu o amava. Amava Edward. Por isso eu não queria mais morrer, eu queria dizer a ele o que eu sentia. Eu deveria?

-Posso saber o que você tinha para fazer? –Edward perguntou com intensidade. Não recuei com sua aproximação. Uma atmosfera completamente diferente nos atingiu, eu não conseguia caminhar para a saída. Seus olhos, sua respiração, a frieza do seu corpo... Tudo me prendia ali.

-Então me diga Bella... Você realmente quer ficar sozinha até o fim? –Ele sussurrou e só então percebi que nossos rostos estavam a centímetros, eu podia sentir sua respiração na minha boca. Eu queria dizer que o amava, eu queria tê-lo, mas isso seria egoísmo. O que minha atitude egoísta causaria a Edward? Seja o que fosse não seria algo bom para ele. Fechei meus olhos.

-Eu quero. Eu quero ficar só. –E então eu saí pela porta do quarto sem olhar para trás. Edward não me impediu.

...

Devia ser meio dia, era difícil saber com um dia tão nublado. Eu caminhava pela trilha em meio ao bosque, esperava que Jacob e Billy não estivessem em casa. A chuva estava branda, mas estava muito frio. Abracei-me, minha jaqueta não me aquecia o suficiente. Ouvi um barulho atrás de mim, passos no carvalho, e caminhei mais rapidamente. Poderia ser um animal? Eu não sabia. Continuei a caminhar mais rapidamente.

-Não corra. –Uma voz murmurou e eu parei. Fiquei imóvel.

-Edward? –Perguntei mesmo sabendo que aquela voz só deveria ser dele. Eu me virei lentamente e o vi de pé, os olhos negros, fixos em mim, uma expressão insondável. Edward caminhou lentamente, e graciosamente, até mim. Seu andar era estranho, como um gato diante de um predador. Meu corpo inteiro tremia, eu sabia intuitivamente que estava em uma situação perigosa. Ainda sim eu fiquei parada. Edward manteve os olhos em mim e caminhou lentamente até nossos rostos estarem a menos de trinta centímetros. Edward colocou uma de suas mãos em meu coração que só faltava sair do peito, minha respiração estava presa na garganta. E então Edward me empurrou levemente, eu caí no chão por cima das folhagens com Edward por cima de mim. Edward manteve minhas mãos acima da cabeça segurando-a ali. Eu estava tão atordoada, não sabia o que esperar. O que Edward estava fazendo?

-Edward, o que você... –Murmurei com a voz tremula. Edward colocou seu dedo indicador em meus lábios. Os olhos com um brilho perigoso e fascinante.

-Se a atormenta tanto a doença que possui, se há algo que você almeja mais do que a morte que te acompanha... Eu te livrarei disso tudo. –Sussurrou e então sua cabeça moveu-se até o meu pescoço, senti seus lábios tocando-o, sua língua passando rapidamente pela minha jugular e então senti seus dentes roçando em minha pele sem me morder.

Eu o empurrei violentamente de cima de mim. Assustada, coloquei a mão onde antes os lábios de Edward estavam no meu pescoço. Onde antes ele iria morder. Eu sabia o que aconteceria a mim se ele mordesse, no que eu me transformaria.

-Não... –Murmurei com a voz e o corpo trêmulos. O rosto glorioso de Edward se contorceu em agonia.

-Bella... Por quê? Eu quero livrá-la de suas preocupações e dar felicidade a você! Por que você...

-Edward, você encontrou a felicidade com a imortalidade? –Edward calou-se. Claro que ele não diria nada. –Entendo. –Murmurei e então me levantei. Olhei o caminho que iria fazer. Dei um passo, dois passos e então cessei meus passos. Ouvi um choro atrás de mim. Eu tive medo de me virar a testemunhar o que achava que iria testemunhar. Ainda sim eu me virei e vi Edward de joelhos, as mãos no rosto, chorando.

-Eu não quero... Não quero te perder. Já perdi tanto! Não fique só... Não me deixe só... Eu amo você. Se você for agora...  –Ele dizia com a voz falha. Eu estaquei.

O que fazer?

O que dizer?

Eu jamais imaginei que Edward diria isso para mim, jamais imaginei que meus sentimentos seriam correspondidos. Eu jamais imaginei que meu amor iria ser correspondido. Edward ainda estava de joelho chorando, mas sem verter lágrimas. Associei isso a sua condição de vampiro, talvez ele não pudesse produzir lágrimas.

Era estranho. Eu nunca havia me interessado por alguém e finalmente, após dezessete anos, isso ocorre. Além disso, meu sentimento é claramente correspondido, Edward disse isso. Eu não sabia como agir. Ainda sim eu pensei sobre aquilo... Agora eu entendia todas as mudanças de humor de Edward. Eu o entendia e eu o amava. Involuntariamente caminhei em sua direção.

Eu estava cheio de amor por ele e pela primeira vez desejei viver um pouco mais só para estar com ele, só para não deixá-lo sozinho e sofrendo. Eu me perguntei então, varias e varias vezes se eu conseguiria viver só por alguém. Eu não tinha a resposta ainda, não era o tipo de decisão que se podia tomar em tão pouco tempo. Ajoelhei-me diante de Edward e coloquei minhas mãos sobre as suas que ainda estavam em seu rosto.

Eu devia dizer para ele que o amava e certamente isso o deixaria feliz. Eu não consegui. Apenas consegui dizer:

-Sinto muito. –E então eu o abracei fortemente. Edward abraçou-me também e senti as costelas protestando com o aperto insuportável que ele empregava em meu corpo. Ainda sim não me afastei ou demonstrei dor. Que me importa se Edward acabaria quebrando algumas costelas minhas? Eu só queria ficar ali abraçada a ele fortemente e nada mais.

Eu não sabia quando eu teria uma chance como aquela, eu tinha que fazer algo mais do que pedir perdão por tê-lo feito sofrer. Afastei-me o tanto que seus braços permitiram, coloquei minhas mãos em seu rosto e o beijei. Por Deus, como foi satisfatório beijá-lo! Desta vez, ao contrário da primeira vez em que beijei Edward, ele correspondeu. Seus lábios, sua língua, suas mãos tateando minhas costas... Melhor do que uma dose de morfina para um corpo cansado e doente como o meu, melhor do que ir para o céu, melhor do que a vingança intoxicante. Agora eu entendia a dor de Edward. Ele não queria que eu morresse, desejava ficar comigo; eu não queria morrer, desejava estar com ele.

Um beijo longo que nos consumiu como fogo.

Um abraço apertado que causou dor.

Dois corações mutilados por sofrimento.


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