Pov Astrid

Eu gritei por ele, mas ele já tinha ido embora.

Eu sabia que eu tinha que voltar para casa.

A casa de Hiccup estava vazia, não havia uma alma viva sequer, nem mesmo o Bocão.

Eu não queria que tudo isso tivesse acontecido.

Eu preciso tirar da minha cabeça tudo que deixei para trás.

Eu não queria ter machucado ninguém, mas é muito tarde para voltar atrás agora.

Quando saio da casa de Hiccup, alguns Vikings que estão passando por mim cochicham. Eu os conheço, já que nasci aqui e tudo mais.

Eles não estavam contentes em me ver e há motivos para isso.

–Desculpa, vocês viram o Soluço? - pergunto, para um par que passava por ali.

A garota encara-me, parece estudar-me.

Eu a conheço, pelo menos um pouco, assim que pergunto, a lembrança do que fiz a ela vem à tona e tento disfarçar. Sem sucesso.

Ela não sabe que fui eu a responsável pela neblina, porém sabe que eu beijei Jack Frost. Que eu gritei com Soluço. Que eu o humilhei.

Sinto-me péssima.

–Eu não sei. - ela responde. - Você está procurando-o por quê? - Ruiva. Ela era ruiva. O nome dela reverbera em minha mente, inclusive o nome de seus pais. Merida está lá, e continua esperando uma resposta.

–Eu... - eu não podia simplesmente dizer o que aconteceu, jamais me perdoariam. - olha, houve uma tremenda confusão, aconteceu algo, Pitch me usou para... me usou... - começo a gaguejar.

–Vamos, Jamie. - Merida pega-o pelo braço, mas eu apresso-me.

–Escutem, por favor, ele quer você! Ele quer a mim, e a Elsa e a Rapunzel, ele nos quer porque... eu não posso dizer, estava no contrato. - respondo, não estou mentindo, não completamente.

–Que maldito contrato é esse e, o mais importante, por que você tem algo a ver com isso tudo? - ela franze o cenho, gesticulando com a mão.

Respiro fundo.

–Ele apoderou-se de mim, fazendo-me armar para vocês usando poderes da mente. Eu sou a culpada de todas as neblinas que aconteceram e...

–E...? - Merida está olhando-me, encarando algum ponto específico em meu rosto, talvez sejam os olhos, talvez seja a alma.

Sinto minha espinha arrepiar-se, não quero admitir, não quero levar toda a culpa, mas dessa vez será preciso.

–Fui eu quem a tirou de seus pais, Merida. E fui eu quem os aprisionei.

Sinto minha garganta fechar-se, principalmente por causa de Merida, que agarrou meu pescoço com suas duas mãos e está fazendo-me ficar, com certeza, roxa. Jamie corre e a tira de mim, segurando-a enquanto ela grita.

–Como você pôde?! Como assim prisão? O que diabos você fez?! - ela gritava, debatendo-se sendo segurada.

–Eu perdi minha memória. - ponho as duas mãos na cabeça, cansada de tudo isso. - Droga! Droga, droga, droga! - chuto uma pedra, gritando. - Eu perdi e ele aproveitou-se disso.

O garoto que estava com ela me encarava, mesmo antes de soltar Merida, quando ela já estava mais controlada.

–Você lembra de tudo o que fez, certo? Não pode nos dizer onde estão os pais dela? - ele pergunta, não sei bem o nome dele.

–Eu fiz um contrato... Ele me libertou e sugou quase toda a minha energia vital, mas não toda, posso recuperá-la aos poucos, ou posso perdê-la por completo se eu contar o plano dele para vocês. E mesmo que eu faça esse sacrifício, vocês não saberiam de tudo, com certeza eu morreria logo na primeira sentença. Só de falar que ele quer a nós, uma tontura atingiu-me, de leve. Eu não seria de muita serventia morta. Mas...

–Mas? - ele incentiva.

–Eu sei de algo que não está no contrato e que pode salvar a todos nós. Algo precioso para Pitch, que ele não quer que vocês o tenham. Algo que podemos usar como chantagem.

–E o que seria isso?

Rio, pensando na resposta, pensando no contrato.

–Um livro.

Eu ainda tinha resquícios de poder da mente antes de ser libertada. Na verdade ainda sinto um pouco... De magia.

Mas antes de ser libertada, assim que Pitch devolveu minhas memórias, eu consegui, mesmo que em um pequeno espaço de tempo, pensar em Hiccup, e com minhas memórias de volta eu consegui entrar em sua cabeça. Consegui também entrar na cabeça de Pitch, sem que ele soubesse, durante o beijo nojento dele, consegui pois estava em transição de contrato, possibilitando tudo.

Não é um simples livro que Hiccup está querendo achar. Eu entendi tudo. Não é um simples livro para Pitch.

Tem um valor emocional.

Um grande valor.

Digamos que Jack Frost não foi o único herói antes de morrer.

Digamos que Pitch já teve uma família, Pitch já teve alguém.

Digamos que ele não conseguiu salvar todo mundo e teve de fazer uma escolha difícil, que pode voltar à tona se o diário voltar.

O amor, é o amor que pode destruir o medo. Pitch é o medo e ele não quer que descubram quem era seu amor.

Não é só um livro.

Pode ser a nossa salvação, ou a nossa destruição. Para todo o sempre.

***

Pov Elsa

Alguns minutos depois

Pessoas como ele sempre querem de volta o amor que deixou para trás.

Pessoas como eu querem acreditar quando diz que mudou.

Quanto mais eu penso sobre tudo que estamos passando, menos eu sei.

Ei, tudo o que ele precisava fazer era ficar.

Eu venho catando os pedaços da bagunça que ele fez.

Pessoas como eu vamos embora para sempre quando dizemos adeus.

Isso era o que ele queria.

Ele era tudo o que eu queria.

Agora é tudo muito tarde. Andando por entre as ruas, você consegue ver que venho chorando.

Eu e ele fizemos um acordo, para o bem ou para o mal.

Eu não acredito que Jack deixou-me cair, mas a prova está no jeito que tudo isso dói.

Eu queria que tudo entre nós estivesse acabado, mas eu sei que ainda preciso dele aqui.

Eu o amei por tantos anos, talvez eu não tenha sido o suficiente.

Ele despedaçou meu coração, mas pareceu um beijo.

Ele me machucou, mas pareceu amor verdadeiro.

O que está acontecendo comigo?

Meu coração parece estar tentando tornar-se uma parte separada de mim, uma parte negra.

Podemos recomeçar? Devo querer um recomeço, ou devo ir embora para sempre?

Eu o amei pela primeira vez, eu o amei pela última vez.

E agora? Eu ainda amo?

No meio de lugar algum, entre a floresta e o píer, um barulho prende minha atenção, fazendo-me preparar-me para congelar o que quer que aquilo seja.

–Elsa? - Uma voz familiar chama-me, paraliso por completo. Olho para o chão, antes de virar devagar e encontrar a pessoa que eu sabia exatamente quem era.

A pessoa que eu tanto necessitava.

–Anna?

***