Secrets escrita por Yukii


Capítulo 5
Secret 5 - So Many Tears


Notas iniciais do capítulo

~Esse capítulo se passa durante o episódio 52 de YYH.



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A lua cheia dava um ar belo e suave ao mundo que se desdobrava sobre o manto negro da noite. Na ilha, tudo era silêncio. Um silêncio que poderia ser considerado comum, mas não era; era um silêncio cheio de dor e saudade.

A dor deixava marcas no ar. Pelo menos era nisso que Hiei acreditava. A velha morrera, e agora ele tinha certeza disso. Quando sentira o ki maligno de Toguro se elevar absurdamente e o da velha Genkai desaparecer, não acreditara muito nos seus sentidos; Genkai, era, de fato, velha, mas não se deixaria morrer facilmente. Mas na dor dos homens ele acreditava. Sua própria vida tinha sido criada numa mistura de dor e sofrimento, e ele sabia reconhecer ambos, e ambos haviam o reconhecido, e o tornado o que ele era hoje. Frio, insensível, cruel, sádico. Era o que a dor fazia com todos os homens. E Hiei acreditava nela: acreditava na dor que Yusuke estava sentindo, e que se espalhava no ar como um veneno berrante e chamativo.

Hiei se perguntava se, de alguma forma, Yukina poderia saber da morte da velha. Provavelmente ela ficaria bem triste, se já soubesse. Tinha como saber por si mesma, afinal, ela era uma youkai. Mas talvez ela ainda não soubesse de nada, porque não estava acostumada a sentir o ki dos outros. Sabia ou não sabia? Estaria sofrendo, naquele momento, ou simplesmente dormia, imersa na inocência dos fatos? Hiei odiava incertezas. Pulou do galho que estava e dirigiu-se até o hotel, a poucos metros de distância, as luzes das janelas quase todas apagadas, para espiar sua irmã. Já devia ser madrugada, mas, de fato, ainda estava bem escuro.

O koorime preferiu saltar, de sacada em sacada, a cada andar, que usar as escadas do edifício; além do que, estando tarde como estava, a porta do quarto de hotel já deveria estar devidamente trancada, e ele não estava disposto a arrombar nada por causa de seus caprichos. Era assim que ele enxergava os seus sentimentos pela irmã: era um amor fraternal que existia apenas por ser mania, ele pensava. Apenas para algum idiota vir jogar na sua cara, algum dia, que ele se importava com alguém.

Chegou com facilidade na janela do quarto da irmã. Hiei pousou na grade do parapeito, sem fazer absolutamente nenhum barulho. O quarto estava escuro, iluminado apenas por uma faixa de luz vinda da lua cheia. Os olhos do koorime rapidamente acostumaram-se com a escuridão, e ele pôde distinguir o vulto de quatro camas. Nas duas primeiras, Keiko e Shizuru dormiam a sono solto, respectivamente. A terceira estava vazia, perfeitamente arrumada, como se ninguém tivesse se deitado ali naquela noite ainda. Devia ser da baka Onna, pelo o que Hiei supôs. Onde ela estava, ele nem fazia ideia. Na quarta estava a sua irmã. Yukina dormia em silêncio, enfiada por debaixo das cobertas, o rosto calmo rodeado pelos cabelos. Hiei sentiu-se um pouco mais leve; ela não devia saber de nada. Ainda. Observou-a por mais alguns minutos, o jeito como ela apertava a borda das cobertas, tão parecido com o jeito que ele apertava qualquer coisa que fosse, como as ataduras que Botan lhe ensinara a colocar, ou a cabeça de algum inimigo que lhe irritasse. Decidiu ir embora; se estava tudo bem com Yukina, não havia mais nada com o que se preocupar. Seus olhos correram pelos vultos adormecidos, e detiveram-se por um momento na cama vazia de Botan. Dando de ombros, Hiei agarrou-se no parapeito para sair dali, andando pela parede do prédio como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Estava prestes a saltar para o parapeito do andar de baixo, de onde poderia retornar ao chão, quando escutou um barulho muito baixo, que quebrava o silêncio da noite. Ele estacou no mesmo lugar, escutando, atento. Eram barulhos engraçados; pareciam soluços de alguém que chorava.

Na mesma hora, Hiei deu a volta no parapeito e voltou para a sacada do quarto das garotas, escondendo-se rapidamente numa parede do lado esquerdo, onde estavam as camas. Estava tudo do mesmo jeito: Keiko, Shizuru e Yukina dormiam, e a cama da baka Onna continuava vazia. Bom, não era Yukina. Aquilo acalmou Hiei. Voltou a aguçar a audição. De onde estava, os soluços ficavam muito baixos, praticamente inaudíveis. Talvez tenha sido por isso que não os tivesse escutado antes. Hiei encaminhou-se para a parede oposta, do lado direito da sacada do quarto. Ali, os soluços soavam mais altos, mas ainda muito abafados e baixos. O koorime bufou consigo mesmo; o que estava fazendo? Se não era Yukina quem estava chorando, então pouco importava. O mundo inteiro poderia chorar e descabelar, e isso não faria a mínima diferença para alguém como ele. Saltou de volta ao parapeito, disposto a realmente ir embora daquela vez, quando uma outra coisa chamou sua atenção.

Uma luzinha - provavelmente uma das poucas que ainda vira acesa, quando escalara o prédio do hotel - escapava por uma janelinha pequena, no mesmo andar em que Yukina e as outras estavam. Hiei reparou que todos os andares com os quartos de hotel tinham aquela janelinha pequena - que, mais tarde, ele descobriria que as pessoas chamavam aquilo de basculhante -, mas aquela era a única que estava acesa. Decidiu averiguar o que era, justificando a própria curiosidade com a vontade de ver se aquilo não poderia representar algum tipo de perigo para Yukina.

Hiei seguiu pelo muro do prédio, agarrado ao mesmo, até chegar ao basculhante. Estava fechado, e o vidro era tão borrado que ele não conseguia distinguir nada do aposento, apenas a luz amarelada e forte. E o som dos soluços estava bem próximo agora. O koorime empurrou o vidro com uma das mãos, e o basculhante girou, revelando o aposento.

Hiei precisou de alguns momentos para entender a cena. O chão, à primeira vista, parecia estar vivo, se mexendo. Que coisa mais ridícula. Hiei espiou melhor, apertando os olhos contra a luz, e percebeu que o chão parecia assim por causa da água que o encobria; havia água até um palmo de altura do chão, pelo menos. Os olhos de Hiei seguiram o fluxo da água que jorrava, resultando numa pia, cuja torneira estava totalmente aberta, deixando escapar um largo jato d'água.  E, agarrada na pia enquanto soluçava e chorava baixo, estava uma garota de cabelos azuis, um tanto despenteados, a roupa um pouco molhada. Seu rosto estava escondido entre os braços, enquanto ela soluçava.

Era Botan. A baka Onna.

Isso era bem do feitio dela mesmo, pensou Hiei. Os olhos dele estavam fixos na figura que soluçava, enquanto os ombros dela sacudiam. A água já invadia o boxe, mas ela nada percebia, e continuava a chorar. E ele sabia o porquê daquelas lágrimas. A dor dela deixava marcas no ar também. Aqueles momentos de dor e sofrimento, na concepção de Hiei, era algo extremamente particular. Não iria se meter. Se ela queria ficar chorando ali até acabar com a água do hotel, era um problema dela. A dor de cada um devia ser vivida sozinha; fora assim que ele vivera todas as suas dores, em toda a sua vida, e aquilo não deveria ser diferente para ela.

Hiei puxou a mão que usara para abrir o basculhante da pequena brecha aberta. Por alguma razão - fosse o basculhante frágil demais, fosse a força da sua mão, ou fosse a vontade que tinha de deixar Botan viver só o seu próprio momento -, o vidro do basculhante tremeu e soltou uma das extremidades do eixo que o sustentava, fazendo um barulho discreto enquanto caía por cima da mão do koorime. O barulho certamente não seria escutado fora dali, mas fora alto o bastante para Botan escutar.

- H-Hiei! - gaguejou ela, após levantar a cabeça e esfregar apressadamente os punhos no rosto para limpar as lágrimas. - O que você...?

Se pudesse ter amaldiçoado todos os vidros e janelas naquele momento, Hiei certamente o teria feito. Em vez disso, limitou-se a soltar um dos resmugos mais irritados que já dera em toda a sua vida, enquanto puxava a outra extremidade ainda presa do basculhante com desnecessária violência, para libertar a própria mão. Seu impulso inicial foi jogar o vidro para trás, o mais longe que pudesse, em algum lugar daquela ilha. Diante dos olhos assustados e avermelhados de choro de Botan, porém, o koorime simplesmente agarrou o vidro do basculhante com a mão recém-libertada, sem perceber o sangue que escorria da mesma.

- Você está machucado! - disse Botan com um gritinho, apontando a mão do outro.

- Hn. - o koorime lançou um olhar de desprezo para o corte na mão. Virava-se para sair, quando Botan o chamou:

- Hiei! Onde diabos você vai? Volte aqui! Se você quer f...

- Eu não quero nada com você nem com esse maldito banheiro, Onna - sibilou Hiei, visivelmente irritado.

- Então por que está aqui? - interessou-se Botan, os enormes olhos rosados mirando-o com inocência. Hiei bufou.

- Não devo explicações, Onna.

- Bem... - Botan fez um bico insatisfeito. - Pelo menos deixa eu ver a sua mão! Está machucada!

- Hn. Isso nem pode ser considerado um machucado.

- Bom, provavelmente todo mundo vai achar estranho o vidro do basculhante ter sumido e você estar com uma marca no formato da borda do vidro - comentou Botan, com um ar alegre para quem estava chorando há poucos minutos. Sua voz enchia-se do seu riso cristalino. - Já pensou que terrível seria, Hiei? Todos pensariam que você estava tentando invadir o nosso banheiro!

- Se você não quer ficar aí chorando sozinha, não invente desculpas, Onna.

O sorriso de Botan tremeu, parecendo prestes a se desfazer. Mas ela não parou de sorrir. Hiei sentiu um estranho prazer em vencer as palavras dela; afinal, era algo tão difícil de se fazer. Mudando de ideia, atravessou o buraco da janelinha que destruíra e pousou com suavidade no chão do banheiro, com um barulho de água. Queria desarmar um pouco mais aquela Onna.

- Ah! Não é? Eu sou uma boba! - ela sorria sem nenhuma alegria. E riu também: um riso morto que se apagou logo. A dor ainda estava viva dentro dela. Hiei voltou a viver a estranha sensação de estar invadindo um momento dela. Enfiou a mão na água, enquanto o sangue saía do corte em floreios delicados. Botan continuava de pé, silenciosa. Seus lábios não sorriam mais.

- Você já soube, não é, Hiei? - ela perguntou num murmúrio tão baixo que até o som da água da torneira parecia mais alto. Nenhum dos dois ligava para a torneira ligada agora.

- Se você estiver falando da Genkai, sim.

Ficaram em silêncio novamente. Um silêncio muito grande e incômodo para um banheiro tão pequeno e alagado. Os segredos que eles guardavam pareciam agora flutuar no espaço, silenciosos e perigosos. Hiei continuava abaixado, a mão ferida afundada na água. Um, dois três. Três segundos bastavam para que Botan tentasse novamente fingir que estava tudo bem, e que sua força não fora abalada.

- Ah, então você aprendeu a enfaixar direitinho, né! - a voz dela soava engrolada pela força que ela fazia para conter o choro, enquanto os orbes dela fitavam o braço enfaixado do koorime.

- Pare de fingir. Isso não combina com sua cara, Onna.

O sorriso engrenado dela permaneceu no rosto, como um fantasma de felicidade. Uma felicidade falsa. Seus olhos deixaram escapar uma ou duas lágrimas, e os cantos da boca dela tremeram, enquanto um soluço escapava por entre seus lábios apertados. Um segundo depois, Botan já estava chorando de novo. As lágrimas dela misturavam-se a água que escorria da pia e ao sangue de Hiei, que parara de jorrar. Enquanto ela soluçava e gemia, as lágrimas fugindo aos montes dos olhos da guia espiritual, o koorime não pronunciou nenhuma palavra, nem fez nenhuma menção de estar vendo as lágrimas dela. Seus olhos se fixavam num azulejo qualquer do piso, enquanto ele desprezava a dor da morte. Botan não era assim. Ela chorava e soluçava, porque suas tentativas de fingimento não davam tão certo quanto as de Hiei. O choro dela morreu e restaram apenas os soluços, vagos e espaçados. O silêncio retomou o ambiente, trazendo consigo novamente todos aqueles segredos, que eram tão poucos, e, ao mesm tempo, tantos, que pareciam sufocar tanto ao koorime quanto a guia espiritual. Hiei gostava apenas do seu próprio silêncio, e do silêncio de ninguém mais. Botan não gostava daqueles silêncios misteriosos e tristes, que traziam à tona tanta coisa que ela temia.

- É estranho, não é - murmurou ela, encolhida no chão alagado. - Estranho o quanto as pessoas são importantes. Cada uma delas. Eu não sinto falta da vovó Genkai agora; a última vez que eu a vi não faz muito tempo, sabe. Mas pensar que eu nunca mais poderei vê-la, aqui, com a gente, é horrível. Todos os espaços de tempo em que eu não a vi começam a parecer longos demais. Aí eu começo a sentir falta dela. - Botan fungou, abafando um soluço.

- A única estranha aqui é você, Onna. Devia estar acostumada a lidar com a morte de todo mundo.

- Koenma-sama também me diz isso - disse ela, com um sorriso a encurvar suas feições. O sorriso durou pouco, até desaparecer. - Mas eu não me acostumo. Eu odeio ver todo mundo morrendo assim. Eu realmente espero que eu morra antes de vocês todos, porque eu não vou suportar. Eu não vou suportar carregar a vovó Genkai para o Reikai. Não vou suportar ver o Yusuke, o Kuwa-chan, o Kurama-kun, você, Hiei, a Yukina-chan, a Keiko-chan, todo mundo - ela soluçou alto - eu não quero perder nenhum de vocês!

Hiei observava ela chorar, abraçando os próprios joelhos enquanto soluçava. O koorime sentiu uma coisa estranha revirando suas estranhas: era a pena misturada com a surpresa. Mordeu os lábios, sem saber o que dizer, sem querer dizer nada em especial.

- Ah! - Botan levantou a cabeça rapidamente, um sorriso surpreso no rosto. Era incrível como ela se recuperava rápido. - Agora eu entendi!

- Do que diabos você tá falando, Onna?

- Eu entendi o que você veio fazer aqui! - sem esperar resposta, ela emendou: - Você veio ver se estava tudo bem com a Yuk...

Hiei não deixou-a terminar a frase. Num movimento rápido, a mão dele saía da água, ainda suja de sangue, e tampava a boca dela. Botan soltou um gritinho, enquanto os olhos atentos de Hiei se voltavam com um ar feroz para a porta fechada.

- Não saia berrando essas coisas por aí, baka Onna. Você sabe que isso é nosso segredo.

- Eu sei, eu não estava falando alto! - protestou Botan. Antes que Hiei percebesse, ela já havia puxado o pulso dele e afastado a mão do koorime da sua boca. Hiei puxou rapidamente o pulso por entre os dedos dela. Botan franziu a testa: - O que você tem contra mim? Eu não posso nem encostar em você, é?

- Eu não quero que o seu cheiro fique em mim, Onna.

Botan riu. Parecia um pouco menos triste, e rapidamente retomou a voz, aos cochichos:

- Mas eu estava certa, não? Você veio aqui ver a Yukina-chan! Você ficou preocupado por causa do que aconteceu.

- Hn. Não tem nada a haver com isso, Onna. - resmungou ele. Seus olhos se detinham em algum ponto do chão cheio de água.

- Ah, é? Então por que foi? Eu sei que você gosta de cuidar da Yukina-chan, é normal, você é o irmão dela!

- Eu devo ter vindo aqui porque na certa queria ver você se afogando nesse banheiro, Onna - replicou o koorime sarcasticamente.

- Ah, você fala com uma voz tão séria que chega a parecer verdade - disse ela, com uma voz de mágoa e os olhos cheios de risos.

- Hn. Você está tomando meu tempo, Onna.

- Ah! É verdade! Amanhã vocês todos tem que se preparar para as finais! - ela exclamou, enquanto Hiei se levantava do banheiro e saltava agilmente até o buraco do basculhante. Estava quase o atravessando quando a voz de Botan o chamou: - Hiei!

- Onna?

- Eu... obrigada pelo o que você fez por mim. Acho que eu estou um pouco melhor agora.

- Do que você está falando?

- Você sabe - ela deu um sorriso sem graça -, eu estava aqui igual a uma chorona idiota, e você... bem, você me ajudou um pouco. Eu fiquei com a impressão de que eu não ficaria mais triste enquanto estiver falando com você.

- Hn. O que significa que você vai voltar a chorar amanhã, Onna.

- Vou - Botan sorriu como se pedisse desculpas. Os dois se encararam, em silêncio, procurando quaisquer palavras que pudessem aliviar tudo aquilo. Foi Botan quem quebrou o silêncio: - Mas você não precisa ficar preocupado. Eu não vou contar sobre isso para ninguém. E vou consertar o basculhante - brincou ela.

Hiei deu um meio-sorriso, sombrio como apenas ele sabia dar.

- Guarde segredo direito, Onna.

Ela mal teve tempo de assentir, e Hiei já pulava de volta para a noite fria de lua cheia, de volta para a solidão. O vidro do basculhante estava esquecido no chão, imerso em água. A torneira ainda permanecia aberta, enchendo a pia já completamente cheia.

E Botan ainda sentia o gosto do sangue de Hiei na sua boca.


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