Secrets escrita por Yukii


Capítulo 4
Secret 4 - A Little Submission


Notas iniciais do capítulo

- Esse capítulo se passa entre os episódios 42 e 43 de YYH.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/46003/chapter/4

Pela porta, vinham sons de conversas e risos. Eram vozes despreocupadas, que Hiei conhecia bem. As mãos do koorime estavam pousadas na porta do quarto de hotel, e ele escutava, atento, sem saber direito o que fazer. Não acreditava que estava realmente disposto a se submeter a uma situação tão ridícula. Em toda a sua vida, nunca precisara realmente da ajuda de ninguém... e a última pessoa que ele achava que poderia ter alguma utilidade algum dia era ela.

O koorime suspirou, irritado. "Se eu fizer isso, não vai ser como se eu estivesse pedindo ajuda a ela. Claro que não", ele tentava convencer a si mesmo, em pensamentos. "Não há nada de errado nisso. Ela continua sendo a idiota inútil de sempre. Eu odeio ter que me rebaixar a essa Onna". Bufou, apertando a maçaneta com uma violência desnecessária entre os dedos queimados, que doeram de uma forma desagradável, fazendo-o se lembrar o porquê de estar ali, ferindo o que havia de mais precioso e influente nele: o seu orgulho.

Por fim, Hiei decidiu entrar no quarto. Não via nenhum grande problema nisso, pois, afinal, fazia parte do Time Urameshi, e provavelmente aquele bando de gente adoraria ter a oportunidade de jogar piadinhas na cara dele, uma vez que estivessem em sua companhia. Entrou discreto e sem fazer barulho; em qualquer outra ocasião, jamais entraria ali sem ter um motivo específico para estar naquele lugar, uma meta. E, de fato, ele tinha uma meta; esperava que estar ali, naquele ambiente, pudesse ajudá-lo a cumprir aquela meta... por mais humilhante que ela fosse.

Quando entrou, Kuwabara foi o primeiro a cumprimentá-lo, com um grito esganiçado de alegria, perguntando se o koorime não iria parabenizá-lo pelo desempenho que tivera naquele dia, no Torneio das Trevas. Hiei bufou, em resposta, e foi enfiar-se num canto qualquer da janela, mirando a noite pálida por detrás do vidro.

Ao entrar no quarto, vira os olhos de Botan acompanharem-o por alguns meros instantes, antes de voltarem a prestar atenção na conversa que entretia o grupo. Maldita fosse aquela Onna; na maioria das vezes, sempre que o avistava, ou a qualquer um dos colegas, ela costumava gritar o nome de cada um deles, indo conversar e rir junto dos amigos. E, agora, que ele precisava conversar - mas isso não incluía rir, até onde ele sabia - com ela, a Onna simplesmente mal lhe olhava na cara. Maldita fosse, mais uma vez.

Em seu canto da janela, Hiei ficava apenas observando o burburinho do grupo: estavam ali Yusuke, Kuwabara, Kurama, Keiko, Yukina e Shizuru. E, claro, a baka Onna. Fixou os orbes nela por alguns instantes, concentrando uma certa frieza e apatia no olhar; felizmente, Botan nada percebia, ocupada em conversar animadamente com os amigos. Hiei voltou a mirar o vazio dos céus noturnos, ocasionalmente voltando os olhos irritadiços para o grupo, enquanto aninhava o braço queimado e desprotegido no colo.

Kurama conhecia Hiei bem demais para não saber o que se passava com ele. Observando todas as olhadelas furtivas liberadas pelo amigo, pôde concluir que ele certamente queria alguma coisa de Botan; restava saber o que era. O Youko já avaliava a possibilidade de levantar-se dali o mais discretamente possível, e ir conversar com o amigo, mas antes que pudesse fazê-lo, Hiei levantou-se do canto em que estava com um salto gracioso, e saiu do quarto de hotel, parecendo um pouco mal-humorado. Kurama rapidamente assumiu o controle da situação; se Hiei não queria fazer por si mesmo, bem, havia quem fizesse.

- Botan - chamou o ruivo, enquanto levantava-se. - Você pode vir aqui fora um instante?

- Ah! - a guia espiritual levantou-se rapidamente, parecendo bastante disposta. - Estou indo, Kurama-kun! - ela seguiu o youko porta afora, enquanto os outros continuavam a conversar.

Do lado de fora, ela observou o ruivo fechar a porta e virar-se de volta para ela. Ele disse, sem meias palavras:

- Botan, acho melhor você ir procurar o Hiei. Eu acho que ele tinha alguma coisa importante para falar com você.

- Uh? Hiei queria falar comigo? - redarguiu a guia espiritual, confusa. - Mas ele não me disse nada!

- Bom, você sabe como ele é... - Kurama deu um meio sorriso. - Ele odeia ter que fazer esse tipo de interação com quem quer que seja.

- Mas eu não podia adivinhar que ele queria falar comigo!

- Eu sei, eu sei - riu-se o Youko - Ele não deve estar muito longe; vá atrás e descubra o que ele quer com você.

Botan seguiu o conselho do colega. Espiando por uma das janelas dos corredores do hotel, pôde ver um vulto solitário que descia para a praia: imaginou que pudesse ser Hiei. Ela desceu as escadas e chegou no saguão principal, quase vazio a aquela hora da noite. Quando saiu do edifício, o cheiro de maresia e o barulho colossal das ondas se chocando com a areia e com as rochas invadiu os ouvidos da garota de cabelos azulados. Provavelmente, aquela era a única coisa boa naquela viagem que fizeram para aquele torneio horrível: era bom estar próximo do litoral, das ondas e do mar. Botan gostava daquilo. E logo descobriria que não era a única.

- Hiei! - gritou ela, sem nenhuma hesitação, ao ver o vulto negro parado a poucos metros de distância dela; parecia observar alguma coisa no próprio braço. - Hiei, estou falando com você!

O koorime virou-se, fitando a guia espiritual desinteressado, e voltou rapidamente a cabeça para o próprio braço. Botan mordeu o lábio inferior, enquanto se aproximava do outro.

- Hiei, seu bobinho! - disse a garota, tentando sobrepor a voz ao som das ondas que quebravam no litoral. - Por que você não disse que queria falar comigo? Eu não posso adivinhar essas coisas!

Kurama. "Só pode ter sido ele", pensou o youkai, com amargura. Refreou a vontade que tinha de amaldiçoá-lo, dando um suspiro longo e cansado.

- Você não precisa berrar, baka Onna, estou lhe escutando alto até demais. - resmungou Hiei para a menina ao seu lado; ela fez uma careta inconformada. - E o que diabos você está dizendo? Não quero falar nada com você.

- Ah, não seja bobo! - Botan deu tapinhas no ombro do colega, numa clara tentativa de incentivo; ele lhe lançou um olhar mortal. Felizmente ela não viu, ocupada em contemplar a dança das ondas do mar. - Kurama-kun me disse. Você não precisa ficar assim, Hiei. Nós somos colegas, apesar de tudo! Estarei aqui sempre para ajudar.

- Eu não preciso da sua ajuda, Onna. - ele resmungou, quase mastigando a língua. Não sabia muito bem o que fazer. - Eu... apenas imaginei se você poderia me ensinar uma coisa.

- Huh? Ensinar? - Botan piscou duas vezes, encarando Hiei cheia de surpresa.

- É. Quer dizer... - ele bufou, com certo orgulho - Eu já sei fazer, de certa forma. Só preciso aperfeiçoar.

- Me diz! Eu fiquei curiosa agora! - a guia espiritual saltitava ao lado dele, piscando os grandes orbes rosados.

Hiei fez um "Hn" baixo, enquanto encarava a areia. Era difícil se concentrar com aquela baka Onna pulando ao seu lado. Ainda mais para o que ia pedir para ela. Estava começando a se sentir imbecil.

- Está queimado, você sabe - começou Hiei, indicando o braço direito. Botan observava com olhos atentos. - E eu já tentei enfaixar de toda forma, mas não fica. - ele precisou fazer um esforço maior para não mandá-la parar de olhar com aqueles olhos enormes para ele; era pertubador. - Já pedi a Kurama para me ajudar, mas ele também não consegue. E já pedi para Yusuke. E para aquela velha também. Para se ter ideia, até para o idiota do Kuwabara eu já pedi ajuda. E já que eu tive que me humilhar para aquele imbecil, achei que não seria grande coisa ter que pedir para você me ajudar com essa porcaria de curativo, Onna. Nenhum daqueles malditos conseguiu me ajudar com isso.

Hiei sentia que tinha pronunciado o resto das palavras de toda a sua vida: nunca falara tantas frases seguidas. A guia espiritual escutou tudo atentamente, e abriu um sorriso cheio de ares maternos. O que deu a Hiei uma estranha vontade de virar a cabeça dela para o outro lado.

- Ah, então era isso! Eu nunca imaginei que algum dia você pediria minha ajuda, Hiei! Ainda mais para uma coisa dessas!

- Não me faça sentir pior do que eu já estou, Onna. - resmungou ele, entre os dentes. Ele puxou um enorme rolo de curativos do bolso e jogou no colo dela. - Aí está.

Qualquer outra pessoa que não fosse Botan provavelmente se assustaria com aquilo e não saberia o que fazer. Apesar de não aparentar, porém, a guia espiritual era muito segura de si; apanhou o curativo com uma animação digna de um final de semana ensolarado, e aproximou-se de Hiei, pedindo que ele estendesse o braço machucado com uma voz estranhamente musical.

- E não basta você enfaixar. Vai ter que me ensinar como se faz, Onna. Eu provavelmente vou precisar fazer isso mais vezes, então...

- Ah! Eu não me importo de ter que enfaixar sempre para você, Hiei! - respondeu Botan com gentileza, sorrindo para o colega. Ultimamente, o medo dela andava bem retraído, e ela já considerava todos como parte de sua família.

- Mas eu me importo. Não vou viver a minha vida inteira pregado em você, Onna.

Botan riu, uma risada alta e cristalina. O koorime remexeu-se, estendendo o braço para ela.

- Bom, talvez esse tenha sido um bom argumento mesmo, né? - brincou a guia espiritual. Ele não respondeu. - Está bem! Mas você vai ter que se comportar direitinho e prestar atenção.

Hiei ignorou as últimas palavras da guia, prestando atenção no que ela fazia. Os dedos ágeis e finos da garota puxaram a fita da atadura; antes de sequer encostar no braço ferido dele, ela estacou, mordendo os lábios.

- O que foi agora, Onna?

- Eu não posso simplesmente enfaixar! Espere aqui um instante, Hiei.

Botan largou o curativo no chão e saiu correndo, quase tropeçando nas próprias saias. O koorime olhou-a com azedume, perguntando-se quantos diabos de problemas aquela mulher tinha na cabeça. Ela voltou poucos minutos depois, saindo de dentro do hotel e carregando uma pilha de paninhos.

- Eu vou tentar lavar a queimadura, se você não se importa. Está muito estragada desse jeito! - ela pegou o primeiro dos paninhos, que estava levemente umedecido, e começou a passar com suavidade por toda a extensão do braço do koorime.

- Onna, isso não adianta de porcaria nenhuma, apenas enfaixe de uma vez - pediu ele numa voz seca. - Onna. Onna! Estou falando com você.

Ele segurou o pulso dela, afastando o pano úmido do braço.

- Hiei, eu disse para você se comportar! - disse Botan em voz manhosa, fazendo um pequeno bico. Ele bufou. - Deixe eu limpar, certo? Não vamos querer ver você com o braço todo infeccionado!

Ela lavou toda a extensão queimada. Apanhou, em seguida, um paninho seco, e começou a secar a queimadura.

- Droga, eu queria poder lavar uma segunda vez... mas não tem água... - murmurou Botan, quardando os panos.

- Tem um monte de água no mar, Onna.

Botan não pôde conter o riso. Hiei lhe lançou um olhar feroz.

- Você ri demais. O que foi engraçado dessa vez?

- Eu não posso lavar uma queimadura com água salgada, Hiei! Ia doer um monte.

- Eu não me importo com dor nenhuma, Onna. De qualquer forma, chega de lavar isso aí, apenas me diga como se enfaixa.

Botan resolveu atender as expectativas do colega. Puxou novamente a fita de curativo, e pressionou a ponta dela num ponto bem no início da região queimada.

- Bom, primeiro, você vai ter que prender essa ponta bem no comecinho da queimadura, está vendo? Agora, vamos enrolar bem, várias vezes, para assegurar que ela fique presa. E deixe essa pontinha de fora. - Botan girou o rolo de curativo em torno do braço do koorime, tirando o dedo rapidamente e dando várias voltas. - Quando você sentir que está bem seguro, passe para a frente, dando várias voltas também, para garantir que fique bem seguro. Agora é só fazer a mesma coisa, até o fim do braço! - ela concluiu com um sorriso alegre, enquanto continuava a enfaixar, ajoelhada na areia.

Hiei observava em silêncio, enquanto os dedos dela enrolavam o curativo em torno do braço machucado. Ela deu várias voltas, sem parar em nenhum momento, dando várias laçadas no mesmo ponto. Por fim, pegou a extremidade que sobrara do curativo e uniu-a a extremidade inicial com um pequeno nó.

- Pronto! Agora está bem seguro, e não vai sair do lugar!

- Hn.

- Você conseguiu entender direitinho como se faz?

- É claro.

- Bem, então vamos voltar para o hotel! - ela arreganhou um sorriso cheio de alegria, e puxou-o pelo braço que acabara de enfaixar. Em outra ocasião, ele poderia até mesmo ter rosnado qualquer coisa para ela lhe soltar, mas ele também sabia ter uma certa gratidão, por mínima que fosse. Deixou que ela o arrastasse para ficar de pé, e então falou:

- Eu não vou voltar agora, Onna, para ninguém desconfiar de nada. Vá na frente. E não conte a ninguém que você fez isso.

- Ahh! Por que você não vem também? A Keiko-chan fez uma comida realmente boa, acho que você vai gostar!

- Não, Onna, depois eu voltarei. E não conte para ninguém. - ele repetiu, indicando o braço.

- Eu não vou contar, não se preocupe tanto! - ela riu. - Vai ser o nosso segredo.

- Não fale como se este fosse o primeiro. - sussurrou Hiei, numa voz seca. Botan sentiu cócegas no estômago; era estranho falarem sobre aqueles segredos mudos que eles guardavam até de si mesmos.

O koorime ficou na praia, enquanto o vulto da guia espiritual se reduzia, até se tornar um nada e entrar no hotel. O cheiro dela ainda estava no braço dele, e ele quase podia sentir a pressão leve exercida pelos dedos de Botan.

Hiei se levantou da areia, mirando a espuma das ondas com olhos inexpressivos. Como gostava da noite mesclada ao mar.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!