Secrets escrita por Yukii


Capítulo 6
Secret 6 - Between Us


Notas iniciais do capítulo

~ Esse capítulo se passa entre os episódios 66 (fim da saga do Torneio das Trevas) e 67.



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O mar. O cheiro do mar noturno. Aquele cheiro acalmava e alegrava Botan; ela ria por dentro, e ria por fora também. Enquanto isso, o navio permanecia a navegar, indiferente a alegria de quaisquer um de seus ocupantes.

 

E, de fato, todos eles estavam muito alegres. Kuwabara usava latinhas vazias para fazer malabarismos para Yukina, que ria e elogiava. De um outro lado, onde a luz do luar chegava com mais intensidade, Keiko conversava alegremente com Shizuru e Kurama; Yusuke já deveria ter ido dormir por causa do cansaço provocado pelo torneio, foi o que supôs Botan. A velha Genkai também se recolhera, e a guia espiritual permanecia ali, na proa do navio, ouvindo a alegria de todos convertida em risos e conversas, enquanto seus olhos divagavam pelas águas escuras e mal-iluminadas.

 

De fato, todos tinham motivos para estarem contentes. Ao fim do torneio, tiveram a alegria de ver que Genkai não estava morta, e isso fora um consolo sem igual para Yusuke. Botan se sentia feliz não apenas por ele, mas por todos. E por si mesma também: era um alívio tão grande ver todos alegres outra vez que ela mesma não conseguia refrear a própria felicidade.

 

Bom, todos deveriam estar felizes, supostamente. Estavam? A imagem do koorime piscou na mente de Botan, e ela se perguntou onde ele poderia estar àquela hora da noite. Já teria ido dormir? Bem, Hiei não tinha cara de alguém que dormia. Devia dormir, mas não tão cedo assim. Estava cedo ou era só impressão? Botan gemeu, afastando todos aqueles pensamentos incômodos com certa fúria. Por alguma razão, pensar em Hiei era sempre mais confuso do que pensar em quem quer que fosse. E ela não sabia explicar o porquê disso.

 

A guia espiritual caminhou pela proa do navio, procurando por Hiei. Não sabia porque o procurava; eram raras as vezes em que ela o procurava, e ela só lembrava de ter sido procurada por ele quando ele lhe pediu para enfaixar-lhe o braço. A lembrança fez Botan sorrir consigo mesma. "Que coisa mais estranha", pensou ela.

 

Quando chegou onde Kuwabara e Yukina estavam, parou alguns momentos para assistir o ruivo, e riu e aplaudiu junto com a irmã de Hiei, mas não do mesmo jeito que ela. Havia algumas coisas misteriosas entre as pessoas que Botan fingia entender, mas, de fato, ela não entendia; Kuwabara era obviamente apaixonado por Yukina, mas por que ela parecia tão alegre quanto ele? A imagem de Keiko e Yusuke lhe veio a mente. Amor. Paixão. Todo mundo parecia ter um pouquinho disso, afinal de contas.

 

Botan saiu de perto do casal sem fazer barulho, apanhando uma lata ainda cheia de refrigerante e gelada, que estava um pouco atrás de Kuwabara. A guia espiritual caminhava pelo convés a longas passadas, pensativa, esquecida de quem estivera buscando há poucos minutos. E, justamente por não estar mais buscando Hiei, o encontrou. O koorime estava na parte traseira do barco, numa região especialmente escura do convés, por causa da grande cabine do navio a lhe fazer sombra. Hiei debruçava-se na grade do navio, os olhos frios mirando o mar e o céu de lua cheia com indiferença. Daquele jeito, ele parecia ainda mais imponente do que já era, desconsiderando-se sua baixa estatura. Os cabelos negros se deixavam curvear pelo vento, enquanto Hiei continuava enterrado no escuro. Botan não se aproximou de imediato do koorime; deu dois passos incertos na direção dele e hesitou. Ali estava uma coisa que ela não conhecia: algo que a tomava por inteiro, que lhe consumia e lhe inferiorizava. Mas não era o medo; este ela já apagara com a convivência entre ela e o koorime. Era algo estranho. De repente, aproximar-se dele parecia tão embaraçoso e difícil. Botan apertou a lata de refrigerante nas mãos, enquanto pensava seriamente em dar meia-volta e sumir em alguma parede.

 

- O que você está fazendo aí, Onna?

 

Botan sentiu-se engasgar com o próprio ar.

 

- Ah...! Hiei! Eu não vi você aí!

 

- Claro que viu. Estava olhando para mim.

 

- Não estava! - protestou a guia espiritual. Nem ela mesma sabia se tinha olhado para ele ou qualquer outra coisa. De repente, tudo tinha ficado confuso. - E o que você está fazendo aí sozinho no escuro, Hiei?

 

- Qual o seu problema com isso, Onna? - redarguiu ele friamente. O sorriso de Botan endureceu.

 

- Nenhum! Mas você poderia estar lá, com a gente. Está todo mundo muito feliz e comemorando! Por que você não vem?

 

- Comemorar? Só porque aquele torneio idiota acabou? - ele deu um sorriso de desdém; mesmo assim, Botan achou que era um sorriso bonito. - Não é algo que mereça alguma comemoração. Aquele torneio foi ridículo. Mas, de fato, estou feliz por ele ter acabado.

 

A guia espiritual riu.

 

- Você demonstra felicidade de uma forma bem estranha, hein?

 

- Hn.

 

Ficaram em silêncio. Botan sentou-se no convés de madeira, um pouco atrás de Hiei, e começou a concentrar seus esforços em abrir a latinha de refrigerante. O koorime continuava no mesmo lugar, porém seus olhos agora detinham-se no braço enfaixado. Era um olhar pensativo e morto. As pupilas rubras não pareciam ter fundo.

 

- Droga! Não consigo abrir isto!

 

A voz de Botan fez Hiei se virar.

 

- O que está fazendo, Onna?

 

- Tentando abrir este refrigerante. Já cortei meus dedos 3 vezes! - murmurou ela em tom manhoso.

 

O koorime não se deu ao trabalho de perguntar o que era refrigerante, apesar de não saber. Aproximando-se a passos lentos, ele tomou a lata das mãos da garota, os olhos esquadrinhando o refrigerante, como se esperasse encontrar na lata alguma tranca ou cadeado. Localizando o anel de metal, deu um sorriso sarcástico e puxou-o com desnecessária violência, abrindo, de fato, a lata.

 

- Lamentável, que coisa ridícula - disse o koorime, observando a lata aberta. - Só abriu isso? Não dá pra fazer nada só com esse buraquinho aberto. Onna, consegui abrir um pouco. Onna?

 

Botan ainda estava sentada no chão, sem prestar atenção na lata que Hiei lhe oferecia. A guia espiritual estava com as mãos enlaçadas uma na outra,  tocando-as. Era estranho. Hiei havia pegado ali, quando puxara o refrigerante de sua mão. Aquilo fazia ela sentir um pouco de... vergonha...?

 

- H-Hai! - Botan levantou-se de uma só vez, tão rápido, que acabou se desequilibrando e batendo a cabeça na parede da cabine detrás dela. - Ugh... Isso dói...!

 

- Baka Onna - murmurou Hiei, embora houvesse um ar de riso nos seus lábios inexpressivos. - Tome isso de uma vez. Seu rosto está com uma cor estranha.

 

- Está? - a guia espiritual apalpou o rosto, assustada, e apanhou o refrigerante que o koorime lhe oferecia, as mãos trêmulas. - Eu senti um calor estranho também - disse ela, com inocência.

 

- Hn.

 

Quando virou a lata por entre os lábios, Botan se sentiu um pouco melhor. Felizmente, o refrigerante ainda tinha gás e estava um pouco gelado ainda. Enquanto ela bebia, Hiei a olhou com as sobrancelhas erguidas, como se estivesse assitindo alguma coisa muito estranha. Os olhos dele fixos nela fizeram Botan sentir um pouco de vergonha de novo. "Tem alguma coisa muito séria acontecendo! Aguente firme, Botan!", pensou ela, um pouco desesperada. Resolveu distrair sua mente.

 

- Você gosta de refrigerante, Hiei?

 

- Hn. Não sei o que é isso, Onna.

 

- Como?! - Botan pareceu surpresa. - Você nunca provou refrigerante?

 

- É de comer? - ele deixou escapar. Botan riu alto, cobrindo a boca com a mão. Isso pareceu pertubar o koorime: - Não ria, baka Onna. Fiz uma pergunta para você. Apenas responda, droga!

 

- É uma bebida - respondeu a guia espiritual, limpando discretamente as lágrimas de riso. Em seguida, estendeu a lata ainda meio cheia para ele: - Se quiser, você pode provar. É bom!

 

- Hn. Ridículo. Não quero.

 

- Ahh, por que não? - Botan fez um bico. - É bom, Hiei! Ande, prove. Eu não vou contar pra ninguém - brincou ela.

 

Hiei mirou a lata, carrancudo. Apanhou-a das mãos de Botan, fazendo a guia espiritual sentir uma certa vergonha. De novo.

 

- Se for ruim, vou fazer você engolir isso, Onna. E se eu beber mesmo, me prometa que vai parar de me olhar com esses olhos.

 

- A-ah... certo - sem perceber, a guia espiritual torcia as mãos, um pouco nervosa. O que era todo aquele calor?!

 

Em outra ocasião, Hiei não saberia como tomar aquele bendito líquido enlatado. Há alguns minutos, porém, vira Botan fazer o mesmo, e tentou imitá-la, com um quê de orgulho. Ele era orgulhoso em tudo que fazia, até bebendo um refrigerante. Quando tirou a lata da boca, seu rosto demonstrava uma certa surpresa mesclada a frieza.

 

- Doce demais - murmurou ele, enquanto Botan o olhava cheia de ansiedade. - Doce demais... mas não é tão ruim assim. Vou ficar com isso pra mim, Onna. - ele bebeu o resto do refrigerante.

 

- Ahh! Eu sabia que você ia gostar! - exclamou Botan, confiante. - Ah, mas você podia ter deixado um pouco para mim!

 

- Tarde demais. - ele atirou a lata vazia no mar, sacudindo os ombros com indiferença, fazendo Botan o olhar indignada. - E você prometeu que ia parar de me olhar. Se não vai parar, é melhor sair daqui.

 

- Ah! Prometi? - ela piscou, confusa, e foi olhar para as estrelas. - Hiei, você é muito cismado! Nem olhar para você eu posso!

 

- Hn.

 

Apesar de tudo, Botan não queria sair dali. Não ouvia mais as vozes de Kuwabara, Yukina, Shizuru, Keiko e Kurama, o que significava que teria que andar sozinha pelo convés até o seu quarto. A ideia não lhe parecia muito agradável. O koorime e a guia espiritual ficaram em absoluto silêncio, lado a lado, partilhando a escuridão: a lua cheia estava do outro lado. O som do mar vinha manso e baixo, junto com o cheiro forte da maresia.

 

- Você tem uma casa, Hiei?

 

- Não.

 

- Então para onde você vai quando nós chegarmos?

 

- Para qualquer lugar.

 

- Ahh! Que estranho! Todo mundo tem uma casa para voltar, até eu.

 

- Hn.

 

Hiei observava o casco do navio cortar as águas enquanto as atravessava. Botan distraiu-se com um fiapo solto da manga de sua blusa, ouvindo o barulho distante da água chocando-se com os rochedos. Uma melancolia negra se abateu sobre ela.

 

- Vamos todos nos separar de novo... e voltar a viver, cada um na sua própria vida. Por um lado, isso é bom, mas... vou sentir falta. Vou sentir falta de todo mundo.

 

- Que idiota, Onna.

 

- Ha! Eu aposto que você sente falta de todos nós, Hiei! - replicou Botan. - Você apenas não admite.

 

- Hn. Eu não sinto falta de nenhum de vocês. Não via a hora desse torneio terminar.

 

Aquelas palavras feriram um pouco Botan; mas ela apenas sorriu. Tinha certeza que não eram palavras sinceras.

 

- Mas quando Koenma-sama passar uma nova missão, estaremos todos juntos de novo, né?

 

Hiei virou-se para olhá-la ao mesmo tempo que Botan se virava para ele. Não souberam dizer quanto tempo passaram se olhando. Os olhos inquietos dela tremiam, fixando-se nos cabelos, olhos, boca, tudo dele que ela pudesse olhar. Os olhos de Hiei eram mais seguros de si: conseguiam captar todo o conjunto sem precisarem dançar nas órbitas. Anos depois, ele ainda lembraria do cheiro de maresia e dos cabelos azuis que ondulavam com o vento, numa dança engraçada. Estavam próximos, e as respirações se misturavam no ar. Botan sequer sentia as mãos suarem; apenas olhava-o, sem piscar, os lábios entreabertos de surpresa. Hiei era mais baixo que ela. Mas parecia tão grande, ao mesmo tempo.

 

- Você está olhando para mim de novo, Onna - sussurrou o koorime, quebrando o silêncio. Botan quase sentiu sua alma dar um salto para trás. - Eu disse que não poderia olhar.

 

- Mas...! - ele não deixou-a terminar de falar, virando-se num floreio e saindo do convés escuro rapidamente. De repente, Botan se deu conta que estava parada no mesmo lugar já faziam mais de 5 minutos, e suas pernas tremiam. Respirou fundo, soltando o ar pela boca lentamente, sem entender o que acontecia com ela. Agarrando as mãos na grade do casco, sentiu o metal quente sob seus dedos. As mãos de Hiei estiveram ali há poucos minutos.

 

"O que... o que eu...?" Os pensamentos de Botan se perdiam na noite.


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