Contos em Miniatura escrita por Goldfield


Capítulo 9
O Sábio Eremita




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O Sábio Eremita

Num futuro próximo, uma terrível guerra nuclear devastou o planeta. Cidades foram reduzidas a pó. Dois terços da população mundial desapareceram, e os humanos que sobraram viviam com medo em abrigos nucleares sob áreas inabitadas e montanhas.

Um belo dia, sob uma cinzenta nuvem, quatro homens andavam pelos escombros de uma grande cidade. Um era norte-americano, o outro era russo, o terceiro era árabe e o último era um eremita, que não possuía nacionalidade.

Encontrando-se, resolveram armar uma tenda para passarem a noite. Mais tarde, em torno da fogueira, começaram logo a discutir:

– Vocês, russos, foram os culpados pela ruína da Terra! – gritou o americano. – Se não tivessem destruído nossas cidades sem piedade, poderíamos ter assinado um tratado de paz!

– Pois saiba que seu povo comia frango frito enquanto Moscou e São Petersburgo ardiam! – irritou-se o cossaco.

– Se vocês não tivessem apoiado os malditos israelenses, a guerra teria sido evitada! – interveio o árabe.

E a inflamada discussão seguiu noite afora. Por fim, o norte-americano, esgotado, propôs:

– Vamos fazer o que eu vou dizer. Discutir não levará a lugar algum. Nós quatro sairemos pelo mundo e, daqui a exatamente um ano, nos reuniremos aqui novamente, trazendo o que cada país possui de melhor. Aí poderemos provar qual nação é a mais desenvolvida.

Todos concordaram e saíram pelo mundo.

Um ano depois, se reuniram no mesmo lugar. Todos trouxeram grandes sacos, exceto o eremita. Em volta da fogueira, todos ouviram o americano, que disse:

– OK. Eis o primeiro requisito: alimentação. Eu começo.

E tirou um hambúrguer completo de dar água na boca de dentro do saco.

– Encontrei isto nos escombros de uma lanchonete fast-food – explicou. – É a melhor comida que tínhamos na América.

O russo, então, tirou uma garrafa de vodka de dentro do saco, explicando:

– É a melhor bebida da Rússia, eu garanto.

O árabe, então, tirou quibes, pães e muitos outros quitutes de dentro do saco.

– É o que o povo de Alá tem de melhor.

Chegou a vez do eremita. Este mostrou uma simples ervilha.

– Agora nós faremos um banquete com o que cada um trouxe! – exclamou o americano. – Mas como o eremita é muito preguiçoso, ficará de fora!

E fartaram-se. Mais tarde, o norte-americano disse:

– Agora, o segundo requisito: música e dança.

Tirando uma guitarra de dentro do saco, tocou “Come as You Are”, da antiga banda “Nirvana”.

– É o melhor que temos na América.

O russo levantou-se e, ligando uma antiga vitrola, começou a dançar uma tradicional dança cossaca, com os braços cruzados e esticando bem as pernas.

– É o melhor da Mãe Rússia, meus camaradas.

O árabe, então, começou a cantarolar uma canção em louvor a Alá, com muita fé e emoção.

– É assim que louvamos o criador do mundo.

Chegou a vez do eremita. Este começou a assoviar uma música bem sem graça, desafinado.

– Agora, nós faremos uma festa com nossas músicas e danças! – exclamou o russo. – Mas como o eremita é muito espírito de porco, vai ficar de fora!

Com alegria, festejaram. Mais tarde, o norte-americano disse, sorrindo:

– Eis o último requisito: cultura.

E tirou um belo busto em mármore de Abraham Lincoln de dentro do saco.

– Eis o que temos de melhor, meus caros.

O russo tirou um espelho de ouro incrustado de jóias de dentro do saco.

– Este espelho pertenceu ao czar. Não é muito belo?

O árabe tirou um belo exemplar do Alcorão de dentro do saco, todo cheio de ouro na capa e folheando as páginas.

– É a coisa mais bela que temos.

Por fim, o eremita mostrou um pedaço de barbante.

– Agora nós iremos compartilhar nossas culturas! – exclamou o árabe. – Mas como o eremita é muito ignorante, deve ficar de fora!

E fizeram tal coisa.

Os dias passaram e os quatro permaneceram ali. Não tinham nada para comer. Estavam com muita fome.

Numa cinzenta manhã, apareceu um rato. O eremita prendeu a ervilha na ponta do barbante e assoviou para que o animal se aproximasse. Os outros três aproveitaram a situação e pegaram o bichinho, que foi fritado na fogueira.

– Quem diria! – exclamou o norte-americano, lambendo gordura dos lábios enquanto comia. – As coisas mais simples acabaram sendo as mais úteis!

– Tudo graças ao eremita! – riu o russo. – E então, amigo? De onde você vem?

– Ah, amigos... Venho de um país que foi totalmente destruído pela guerra.

– E como era esse país?

– Era lindo, maravilhoso. Apesar dos problemas, todos viviam felizes.

– E como se chamava esse país? – indagou o árabe.

– Brasil.

Luiz Fabrício de Oliveira Mendes – “Goldfield”.


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