Sete Dias com Ele escrita por Anabbey


Capítulo 6
Sexto Dia




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/455845/chapter/6

Lukas não conseguiria voltar para casa naquele dia. E ainda justo em um dia como aquele! Tinha ido até a cafeteria para ligar para o irmão, avisando-o que não poderia sair do hospital hoje. Emil dissera que tudo bem, e que iria para a casa de algum amigo por hoje. Aquilo deixou o norueguês mais tranquilo. Ele mesmo não tinha muito o que fazer, e desde ontem não tinha falado com o dinamarquês. Por um lado, estava ansioso por ver sua expressão, de vê-lo em um quarto mais alegre. Mas, pelo outro lado, estava com medo. Com medo de encará-lo, e admitir que Mathias fosse mais especial. Tinha medo de que seus antigos paradigmas tivessem sido quebrados pelo dinamarquês... Não queria.

Porém...

Sua vida era cheia de “poréms”.

Lukas acabou fazendo algo que nunca tivera vontade: Tomar coragem para ir ver alguém. Se bem que, desde que conhecera Mathias, Lukas havia feito diversas coisas que não costumava fazer. E correr em direção ao quarto de um paciente era uma delas. Talvez a segunda ou terceira coisa na lista de ações que não faria. Entretanto, lá estava ele, correndo pelas escadas, corredores e alas do hospital, abrindo a porta do quarto 502 sem nenhuma delicadeza, ou sem pedir licença.

Mathias estava dormindo, e não acordou depois do estrondo que Lukas fizera. O médico, então, se aproximou da cama, sentando-se na mesma cadeira de sempre. Tentou normalizar a respiração em silêncio, para não acordar o dinamarquês. Lukas o observou, mordendo o lábio inferior. Levou a mão, hesitantemente, aos cabelos louros do mais novo, novamente os acariciando. Ele emagrecera. Os lábios pareciam mais secos. A pele estava pálida, e as pequenas sardas de seu rosto continuavam adoráveis. Os cabelos estavam mais escassos do que antes, mais finos e quebradiços.

Mathias abriu lentamente os olhos, sem que Lukas percebesse. O norueguês estava tão ocupado fitando o rosto do mais novo, que mal percebera que este acordou. Mathias observou o rosto dele, envergonhado com o carinho que recebia, mas ainda sim sentindo uma felicidade tremenda. Acabou levando a mão até a do médico, apertando-a suavemente. Isso fora suficiente para fazer Lukas sair de seu transe, e perceber que o dinamarquês despertara. Mas não. Ele não afastou a mão de seus cabelos, tampouco da mão de Mathias. Apenas cessou o cafuné.

“Achei que não te veria mais por aqui... Você parou de me visitar, Doutor Bondevik.”

“Eu estou aqui, não estou?”

Respondeu o mais velho, retribuindo o aperto na mão do paciente. Mathias voltou a sorrir, e Lukas imediatamente percebeu que o sorriso deste estava mais fraco, sem a intensidade de antes. Engoliu em seco. Aquele sábado passara muito rápido. Lukas tivera duas cirurgias naquele dia, cada uma com quase oito horas. O sol se punha atrás do oceano, e o céu tornou-se uma mescla de cores quentes. Mathias pensou em perguntar sobre as paredes, mas algo lhe dizia que não devia... Que esta pergunta faria o médico ir embora. Suspirou, olhando novamente para o rosto alvo do norueguês.

“Você está bem?”

“Ja... Estou bem. Apenas cansado. Mas terei que ficar até tarde da noite, cobrindo o plantão até a meia noite.”

Respondeu, acariciando a mão do mais jovem com a ponta do dedão. Olhou fixamente nos olhos azuis dele, as olheiras fortes em ambos os nórdicos. Ah, não... O silêncio voltara.

“Alguém pintou as paredes desse quarto... De início eu fiquei surpreso, mas... Depois eu fiquei extremamente feliz. Primeiro a flor, e agora as paredes azuis. Bem, azul é a minha cor preferida. Ela me lembra...”

“... O mar.”

Completou Lukas, fazendo o dinamarquês sorrir. Não tinha mais dúvidas agora.

“Ninguém nunca teria feito isso por mim.”

“A sua... Sua família. Ela... Ela pode ter feito.”

Respondeu o médico, mordendo os lábios. O rosto enrubesceu discretamente, e o sorriso desapareceu no rosto do outro. Agora, ele fora substituído por uma face totalmente nova, que Lukas até então desconhecia: uma expressão dolorosa.

“Não. Isso é impossível. Eu não falo com meus pais há dez anos.”

O norueguês engoliu em seco, arregalando os olhos. Voltou a apertar a mão de Mathias, as pernas tornando-se trêmulas. Não devia ter perguntado.

“Me... Me desculpe, eu não queria me intrometer...”

“Não... Não tem problema. Se você quiser, eu posso te contar.”

O dinamarquês anunciou, voltando a suavizar a expressão adoecida. Lukas observou-o, juntando as sobrancelhas em uma careta aflita. Não queria causá-lo nenhuma dor, porém, ainda queria saber mais dele. Acabou confirmando com a cabeça, tímido, o que fez Mathias suspirar.

“Tudo bem... Mas não é uma história interessante, apesar de tudo. Minha família era humilde, e meu pai sempre trabalhou muito. Minha mãe casou-se com ele porque ficou grávida de mim, e ela era muito infeliz. Os dois estavam sempre brigando, e eu estava no meio. Minha mãe me odiava, e meu pai me tratava como um fardo.“

Lukas ouvia atentamente, e não deixou da mão de Mathias nem por um minuto sequer. Ele também não pareceu incomodado com isso.

“Quando eu tinha uns doze anos, minha mãe fugiu com outro homem, sumindo sem deixar um bilhete sequer. Apesar de ser grosso, meu pai amava muito a minha mãe, e entrou em uma depressão profunda. Ele passou a beber, e o pouco tempo que passava em casa sumiu, quando ele começou a usá-lo para frequentar bares. Eu fui deixado para outro plano. Mas minha vida não era de todo ruim. Quando eu me sentia sozinho ou triste, sempre ia para a praia que tinha na frente de casa, e começava a conversar com o oceano. Sei que isso... Parece meio idiota, mas ajudou muito. Até o dia em que meu pai também sumiu. Eu precisei abandonar a escola no ensino médio, e com quinze anos, encontrei um emprego em um velho barco pesqueiro. O capitão era gente boa, e a gente começou a se entender.”

Mathias fez uma pausa, o rosto sério e concentrado, como se tivesse voltado àqueles tempos.

“O dia estava cinzento naquela manhã. Saímos cedo, e fomos em direção ao mar aberto. Uma tempestade acabou nos pegando de surpresa, e o barco afundou. O capitão desapareceu naquela água escura, e eu fiquei novamente sozinho... Admito que tive vontade de desistir, mas o oceano me disse para continuar. Que um dia eu conheceria alguém por quem valeria à pena todo aquele sofrimento. Então eu fui parar em uma cidadezinha na Dinamarca, e lá eu reconstruí minha vida. Trabalhei feito um condenado, e comprei meu próprio barco. Desde então eu pesco, vivendo no mar. Até... Bem.. Até vir parar aqui, e você já sabe o resto.”

O silêncio que se instalara entre eles era pesado, como uma dor que pesa silenciosa na alma. Lukas não sabia o que dizer, e não tinha o direito de falar qualquer coisa. Simplesmente não tinha o direito. Mathias percebeu o silêncio do mais velho, e suspirou. Acabou rindo, chamando assim a atenção de Lukas. Ergueu a mão, fazendo esforço para que esta chegasse ao rosto do médico. Acariciou a pele macia dele, que contrastava com seus dedos ásperos.

“Não é uma história boa de se ouvir, eu sei...”

“Eu... Nasci em uma cidadezinha da Noruega. Tenho uma mãe, um pai e um irmão doze anos mais jovem do que eu.”

Começou Lukas, surpreendendo o outro. Bem, se Mathias contou-lhe sua história, nada mais justo do que ele próprio contar a dele. O dinamarquês pareceu entender, e permaneceu em silêncio.

“Meus pais sempre foram duros comigo, exigindo notas e comportamento perfeitos. Eu sempre me esforcei ao máximo, para estar à frente aos demais, e trazer orgulho à minha família. Minha mãe sempre se orgulhava, mas meu pai... É outra história. Por causa disso, acabei me tornando uma pessoa extremamente entediante, sem muitos amigos... Sou monótono, e escolhi medicina porque achei que isso traria a aprovação de meu pai. Nunca tive uma namorada, não consigo me sentir à vontade ao lado de outra pessoa, nem do meu próprio irmão. Sinto que ele se entristece comigo, mas... Eu não consigo mudar.”

Mathias respirava com certa dificuldade, e fora a vez dele apertar a mão do mais velho, confortando-o. Até mesmo ele, que parecia perfeito e inalcançável, tinha seus próprios problemas.

“Mas... Desde que eu te conheci, eu... Não sei... Eu sou considerado uma pessoa fria e sem interesse em outros seres humanos, mas... Com você eu... Mathias...”

Com certo esforço, Mathias ergueu o tronco, puxando o outro pelo braço, apertando-o em um abraço. Deixou a cabeça do médico em seu peito, e uma das mãos permaneceu em sua cabeça, fazendo cafuné na região. O coração acelerou seus batimentos, e o rosto sardento do dinamarquês passara do pálido ao avermelhado. Assim como o de Lukas.

“Você não deve ouvir nada do que os outros dizem. Você é uma pessoa maravilhosa, um profissional capacitado e isso tudo sem a ajuda do seu pai. Doutor Bondevik, você deve fazer as coisas por você, sem medo do que os outros podem pensar. Eu... Bem... Eu tenho certeza que seus pais te amam muito! E seu irmão, também! Se você está tão preocupado com ele, leve-o para um passeio no seu próximo dia de folga! Eu... E-Eu tenho certeza de que ele irá adorar!”

Mathias dizia tudo aquilo em um tom animado, afável e carinhoso. Lukas sentia-se tão confortável naqueles braços, como se nada de ruim pudesse acontecer.

“Você acha que isso pode funcionar...?”

O dinamarquês sorriu, apertando-o um pouco mais em seus braços. Uma pontada de dor aguda lhe atingiu, na região da cabeça. Mas ele ignorou aquilo.

“Claro! Eu aposto que ele vai gostar!”

Lukas suspirou, escondendo o rosto no peitoral dele. Ele não podia mais esconder o inevitável. Mathias era a sua pessoa especial.

xxx

Meia noite apontava no relógio de pulso, e Lukas suspirou aliviado. Podia ir finalmente para casa. Estava exausto, tanto física como psicologicamente. Os bairros de Oslo estavam desertos, e as casas de sua rua estavam completamente escuras. Menos uma. A residência Bondevik. Lukas suspirou, imaginando que Emil ainda estava acordado. Estacionou, saiu do carro e aliviou-se ao ver que a temperatura estava aumentando. Bem, era quase primavera, não?

O mais velho destrancou a porta, adentrando a casa. Retirou os casacos, bocejando. Procurou pelo adolescente, não o encontrando em lugar algum. Subiu as escadas, batendo na porta do quarto do islandês antes de entrar: Ele estava dormindo com um livro no rosto. Lukas riu da situação, aproximando-se e retirando o livro dali, guardando-o no lugar apropriado. Com a movimentação, o mais novo acordou, coçando os olhos.

“Lukas?”

O médico voltou a se aproximar dele, sentando-se na cama.

“Desculpe por acordá-lo...”

“Tudo bem, eu ainda preciso colocar um pijama. Teve um bom dia?”

“Ja. Só estou cansado. Vou comer, tomar um banho e ir dormir.”

“Certo...”

“Emil... Amanhã é meu dia de folga. A gente podia... Podia sair para fazer alguma coisa.”

O islandês encarou-o fixamente, descrente. Depois o rosto do mais novo se iluminou, e ele sorriu.

“É mesmo? Nós dois? Em um passeio?!”

Lukas sorriu discretamente, concordando com a cabeça.

“A gente decide amanhã o que fazer, certo? Agora vamos dormir.”

Emil concordou com animação, desejando uma boa noite ao irmão. Lukas saiu do quarto, descendo novamente as escadas. Foi para a cozinha, preparar algo para comer. Acabou optando por alguma comida instantânea, como de costume. Mathias tinha razão... Emil ficou feliz com o convite. Talvez aquilo ajeitasse as coisas entre eles. Respirou fundo, escondendo o rosto entre as mãos. Ao se lembrar do abraço, seu rosto tornou-se extremamente vermelho.

Resolveu levantar e tomar um banho. Precisava dormir. Mas tudo o que conseguia pensar era Mathias, Mathias e Mathias...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sete Dias com Ele" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.