Sete Dias com Ele escrita por Anabbey


Capítulo 5
Quinto Dia




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Atendeu mais alguns pacientes antes de seu turno acabar, mais ou menos às dezesseis horas. Saiu do hospital, seguindo em direção a um pequeno restaurante, encomendando o jantar. Comprou peixe e batatas. Voltou a dirigir rumo à casa, demorando algum tempo para chegar ao seu destino. Estacionou o carro, e encolheu-se no casaco ao sair do automóvel. Pegou as compras e adentrou a casa.

“Lukas?”

Emil veio da sala, surpreso de ver o irmão ali, tão cedo. Lukas retirou alguns casacos, massageando o ombro esquerdo. O islandês, enquanto isso, pegou as sacolas das mãos do mais velho, levando-as para a cozinha. Lukas foi atrás, observando-o.

“Eu trouxe peixe e batatas. Você não comeu ainda, ja?”

Emil sorriu de canto, colocando a comida para esquentar.

“Não. Estava te esperando. Você pode ir tomar um banho. Eu arrumo a mesa!”

O norueguês tentou ajudar, mas o mais novo empurrou-o para fora da cozinha, alegando que Lukas fedia a hospital. O que não deixava de ser verdade. Entrou no banheiro então, retirando as roupas e ligando a água quente. Entrou no chuveiro, deixando a água bater nas costas e ombros cansados. De fato, aquela era a melhor das sensações. Apesar da deleitosa sensação, seu peito apertava-se em uma dor lenta e silenciosa, mas que sufocava mais do que qualquer tipo de silêncio. Lukas deixava a água banhar-lhe os cabelos, o rosto voltado para o chão, e os olhos azuis profundos fixos em algum ponto da parede.

Só conseguia pensar em um único alguém. Mais nada preenchia seus pensamentos nos últimos dias, e aquilo lhe frustrava. O frustrava porque sabia da condição dele. O frustrava porque ele era tão feliz e sorria mesmo quando estava prestes a desmoronar. O frustrava por causa de sua gentileza, e por ser o dono do sorriso mais impactante que já vira. Lukas queria-o bem. Queria que ele saísse daquele quarto mórbido, frio, solitário e taciturno. Queria vê-lo no mar, em um campo rodeado de girassóis. Deixou os punhos chocarem contra a parede molhada, causando um impacto abafado. Salvaria Mathias. Custe o que custar.

xxx

Secou-se e vestiu roupas limpas, descendo as escadas geladas. Foi em direção à cozinha, encontrando com um atrapalhado Emil, que tentava servir o jantar em uma travessa. Soltou um suspiro baixo ao ver a mesa posta, a toalha mais torta do que deveria, e ele havia se esquecido de colocar os pratos. Riu consigo mesmo, ajeitando a mesa e indo ajudar o mais novo a servir o jantar. Emil se desculpou baixo e envergonhado, mas Lukas balançou a cabeça em um sinal de que estava tudo bem.

De início, jantaram em silêncio, o único barulho ouvido provinha do tilintar dos talheres nos pratos. Até algo extremamente raro acontecer: Lukas cortar o silêncio.

“E como foi na escola?”

Emil piscou os olhos, terminando de engolir um pedaço do peixe.

“Foi tudo bem... Tivemos uma prova de inglês.”

“E você foi bem?”

“Sim... Estava relativamente fácil.”

Lukas sussurrou algo como um “parabéns”, mas Emil não conseguira ouvir direito. Ele apenas precisava continuar aquela conversa... Era tão raro de Lukas querer conversar consigo!

“E o trabalho?”

Lukas engoliu em seco, tentando controlar a inexpressão na face. Respirou fundo, tomando um gole de água.

“Tudo ocorreu tranquilamente bem.”

Emil observou o irmão, com vontade de perguntar o que havia de errado, pois sabia que havia algo. Mas... Não tinha a coragem. O silêncio voltou a impregnar o ambiente, e até mesmo Lukas se sentiu desconfortável. Apesar de serem irmãos, não tinham muito em comum, e o próprio norueguês não era muito bom em lidar com outra pessoa, ainda mais se esta fosse doze anos mais jovem. Tentava acabar logo com o jantar, mas a dor continuava impregnada em seu peito, sufocando-o. Ele simplesmente precisava desabafar com alguém. E Emil era a pessoa em que mais confiava...

“Ei, Emil...”

Murmurou o mais velho, voltando os olhos ao outro. O islandês voltou a se surpreender, prestando atenção ao que ele dizia. Balançou a cabeça, encorajando-o a dizer-lhe o que queria. Lukas suspirou.

“Se houvesse alguém, que apareceu na sua vida do nada, e que precisa muito de ajuda, mas sempre age como se estivesse bem, o que você faria? O que eu quero dizer é... Eu... Eu tenho um paciente que está muito doente, mas sempre sorri... A família desse paciente nunca o visita, e ele está sempre naquele quarto cinza... E eu me sinto tão mal em vê-lo daquele jeito... O que... O que você faria, Emil?”

O mais jovem estava estupefato com o que ouvira, e apenas piscava os olhos. Levou uma das mãos aos cabelos, bagunçando-os. Lukas estava lhe pedindo conselhos? E pelo o que parecia, aquele paciente era especial para seu irmão... Era a primeira vez que o norueguês comentava algo do gênero, e por isso Emil fora pego desprevenido. Mas precisava dar sua resposta. Respirou fundo, voltando os olhos ao irmão.

“Bem, se essa pessoa fosse especial para mim, e que necessitasse de ajuda, eu o faria sorrir de verdade, sem precisar fingir que está bem, sabe? Eu faria algo para essa pessoa, além de apenas ser seu médico. Algo além dos meus deveres éticos e profissionais. E eu acho que essa pessoa é especial para você, Lukas.”

A resposta de Emil viera direta, sem hesitação e em um tom de voz sério e maduro para a sua idade. Foi a vez de Lukas se surpreender com o mais jovem, e até mesmo com si próprio. Mathias era especial para si? Mais do que seus outros pacientes...? Sentiu o rosto esquentar, e ele precisou baixá-lo, escondendo o embaraço do mais novo.

O norueguês agradeceu pelo conselho, levando seu prato até a pia e indo em direção ao seu quarto, trancando-se lá. Jogou-se na cama, cobrindo-se inteiramente com as cobertas. As bochechas coravam cada vez mais, ao pegar-se ouvindo as últimas palavras de Emil. Essa pessoa é especial para você, Lukas. Ele é especial.Mathias é mais especial do que a maioria de seus pacientes. Ele faz seu coração doer, esquentar no peito, e te faz sorrir.E precisava fazer algo a respeito disso... Mas por ora, Lukas adormecera abraçado ao travesseiro.

xxx

Beep Beep Beep Beep Beep Beep Beep...

Lukas grunhiu, tateando o criado-mudo à procura do despertador. Quando o encontrou, desligou-o, quase deixando o aparelho cair no chão. Abriu os olhos, se remexendo na cama, para tentar sair das cobertas. Olhou para o teto, suspirando. Ele podia muito bem dormir mais se quisesse, já que só teria que cobrir o turno da tarde e da primeira parte noturna. Ele devia descansar, pois aquilo não era de se acontecer todo dia... Até ter uma ideia.

Ele levantou-se em um salto, arrumando a cama de uma forma apressada, sem ser cuidadoso. Dobrou os cobertores de qualquer jeito, jogando as almofadas por cima, para então ir se trocar. Vestiu uma roupa normal, e a pressa o fez vestir meias de pares distintos. Mal se importou. Correu para a cozinha, pensando em fazer um café... Deixou quieto. Pegou as chaves do carro e saiu de casa, dirigindo mais apressado que o normal pelas ruas.

Olhou em seu relógio de pulso, vendo que agora eram oito e meia da manhã. Estacionou em uma loja de diversidades, cumprimentando o dono e procurando por uma lata de tinta, pincéis e jornais velhos. Depois de comprar tudo, voltou ao carro, dirigindo ao caminho de todos os dias.

Ao chegar ao seu destino, ajeitou todas as suas coisas nos braços, adentrando o lugar. Cumprimentou quem encontrava na frente, acabando por esbarrar com alguém no caminho: Francis.

“Ei, cuidado por onde anda e-! Lukas! Mas... Achei que estivesse de folga essa manhã!”

“E estou... Mas estou com um pouco de pressa agora, Francis.”

Respondeu o norueguês, ofegante. O francês ajudou o outro com o que carregava, curioso. Ofereceu a ajuda para carregar, e Lukas agradeceu, aceitando a boa vontade do outro. Os dois caminharam rapidamente pelos corredores do hospital, até pararem em frente à porta do quarto 502. Francis olhou para o mais alto, com um sorriso discreto no rosto.

“O que está planejando, Lukas?”

O outro abriu a porta do cômodo, encontrando-o vazio. Ótimo. Mathias devia estar fazendo alguns exames; de sangue, talvez. Ele olhara no cronograma de ontem. Lukas deixou as coisas no chão, e Francis imitou seu gesto.

“Lukas, o que está fazendo?!”

Voltou a perguntar o outro, segurando-o pelo ombro. Lukas suspirou, irritado pelo atraso que Francis estava causando. Eles não tinham muito tempo! O norueguês arregaçou as mangas, entregando o jornal para o francês.

“Você quer agradecer o Mathias pelo o que ele fez com a Jeanne, não? Então trate de embrulhar os móveis com o jornal!”

Francis encarou-o por severos minutos, achando que ele enlouquecera. Porém, depois de fitar o norueguês por tanto tempo, viu que ele estava falando sério. Suspirou, coçando os cabelos. Ele tinha um turno vago mesmo... Acabou aceitando, tirando o jaleco e jogando-o em algum canto. Lukas sorriu com o canto do lábio, pegando o pincel (utilizado, obviamente, para pintura de interiores) e abriu a tinta. Escolhera um tom azul claro, que lembrava a cor do oceano em um dia ensolarado. Sabia que Mathias ia gostar.

Depois que Francis forrava o chão (apenas os cantos do quarto), os dois passaram a pintar as paredes cinzentas com o azul anil, cuidadosamente. Lukas pintou as áreas mais altas, enquanto Francis tratou de pintar próximo ao rodapé – uma vez que era mais cuidadoso – e trabalharam por duas horas. Lukas agradeceu pelo quarto não ser tão grande, e no final do trabalho, eles se sentaram no chão, ofegantes.

“Ficou muito bom, monsieur...”

Murmurou o francês, cutucando Lukas com o cotovelo. O norueguês afastou as mexas de cabelo dos olhos, concordando com o outro. O quarto estava muito mais alegre e aconchegante. Lukas levantou-se, abrindo totalmente a janela, deixando uma brisa gélida adentrar o cômodo, varrendo o cheiro incômodo da tinta. Mathias já devia estar voltando...

“Precisamos sair.”

O mais velho disse, levantando-se e limpando as mãos nas roupas. Estava completamente sujo com tinta azul. Francis acompanhou o gesto, buscando seu jaleco. Ele, por outro lado, estava praticamente limpo. Um ou dois pontos de suas roupas estavam sujos de azul. Eles então saíram do quarto, primeiro ajeitando a bagunça que fizeram. Francis se despediu do Lukas, exigindo que este lhe tratasse uma bebida outro dia, para agradecer a linda ajuda que dera. Lukas concordou, se despedindo dele. Precisava passar em casa para se limpar, antes de voltar para o hospital.

Foi então para casa, desejando desesperadamente que Mathias gostasse da surpresa.

xxx

Mathias voltava para o seu quarto, após uma cansativa bateria de testes. Fizera testes de sangue, urina, e tivera uma consulta com o psicólogo designado para si...Agora, uma enfermeira chamada Yakaterina empurrava sua cadeira de rodas, e contava uma animada história do último encontro que tivera. Mathias ouvia a história apenas por educação, mas não deixava de sorrir um minuto sequer. A ucraniana era extremamente engraçada!

“Então ele pediu uma simples salada para eu comer, no nosso jantar especial! E ele nem se importou que eu, na realidade, queria um bife bem gordo! Ele ainda disse que eu precisava emagrecer! E eu chorei tanto naquela noite, e até derramei o meu vinho na cara dele! Você acredita nisso, Mathias?!”

Contava a garota, enquanto eles viravam a esquina do corredor, parando em frente ao quarto 502. Mathias riu, dando de ombros.

“Ele não merece alguém tão doce quanto você, Yakaterina! Vai ver ele é gay, pra ficar tentando controlar o peso da namorada... Desencana! Você é ótima do jeito que é!”

O rosto da ucraniana corou, e ela começou a rir, para então abrir a porta. Quando Mathias viu o quarto, pintado de um azul claro, lembrou-se do mar... Seus olhos se arregalaram, e ele jurou estar no quarto errado. A enfermeira soltou um “Oh!”, impressionada com o que acontecera ali. O cheiro de tinta indicava que fora feito hoje mesmo, naquela manhã!

“Mas... O que será que aconteceu aqui?”

Murmurou a garota, olhando ao redor. Mas Mathias não escutou o que ela dissera. Estava ocupado demais, olhando para aquelas paredes. Não eram mais cinzas. O quarto estava muito mais alegre... E... Aquele azul! Sentia-se novamente em um dia ensolarado, no meio das ondas! Quase conseguia sentir o cheiro salgado da maresia em suas narinas, a brisa marítima bagunçando seus cabelos... Os olhos cerúleos do dinamarquês se encheram d’água, e ele se encolheu na cadeira.

Mathias sorriu para si mesmo. Sem esforços, sem facetas, sem obrigação. Sorriu porque estava feliz. Sorriu porque agora havia alguém especial para si.


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