Sete Dias com Ele escrita por Anabbey


Capítulo 4
Quarto Dia




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Acordou sem muita vontade de sair da cama. O dia estava chuvoso, e Lukas podia ouvir as gotas de chuva batendo na janela do quarto. Olhou no relógio, que marcava as sete horas e vinte minutos. Estava muito mais atrasado que o normal. Levantou, coçando as costas. Ajeitou a cama, os cobertores dobrados em um exato losango. Esqueceu-se das almofadas.

Bondevik tomou um banho rápido, vestindo-se na mesma velocidade. Desceu para a cozinha onde encontrou o café pronto e a mesa posta: Emil estava comendo cereais, e pareceu surpreso ao ver o irmão ali.

“Achei que já tivesse saído.”

“Estou atrasado... Mas você não tem escola?”

“Não. Hoje é o conselho de classe...”

Respondeu o mais novo, observando o irmão servir-se de uma generosa caneca de café. Continuou comendo em silêncio, até arriscar e perguntar.

“O que aconteceu?”

Lukas arqueou o sobrolho, tomando três goles da bebida escura.

“O quê?”

“Você está diferente... Parece mais distante que o normal. Também anda se atrasando. Pergunto-me se tem algo acontecendo no trabalho, ou... Sei lá.”

Emil se encolheu no pijama, brincando com a colher que detinha em mãos. Lukas se manteve em silêncio, refletindo sobre o que ouvira. Estava mesmo diferente? Entreabriu os lábios, tomando um novo gole da bebida fumegante. Suspirou.

“Não se preocupe comigo. Estou provavelmente cansado.”

Terminou o café em silêncio, despedindo-se do irmão e saindo de casa. Entrou no carro, e ficou por lá algum tempo, pensando em tudo, mas não conseguindo tirar nada proveitoso disso. Talvez estivesse mesmo estranho, mas não podia se culpar. Lógico que não.

Correu mais do que de costume pelas ruas de Oslo, para que pudesse chegar no seu horário de trabalho. Ele pelo menos estava aliviado, já que só precisaria cobrir o turno da manhã. Estacionou o carro, andando apressadamente até o hospital, e assim pelos seus corredores. Cumprimentou uma ou duas pessoas que passavam, vestiu seu uniforme em silêncio e se pôs a trabalhar. Hoje devia visitar o quarto 204.

Caminhou, arrumando os cabelos. Fora ajeitar os óculos, mas estava sem eles. Droga. Devia ter esquecido-os em casa, mas paciência. Suspirou e bateu na porta, adentrando o recinto. O paciente daquele momento, Senhor Solberg, estava com sua filha, conversando animadamente com ela, ao notar o médico se aproximar.

“Doutor Bondevik! Mas que honra vê-lo nesta manhã de quinta!”

A jovem sorriu, ajeitando uma mecha do cabelo ruivo para trás da orelha.

“Papai, estamos na quarta ainda!”

“Oh... Parece que eu perco mesmo a noção do tempo.”

Lukas soltou uma risada breve e nasalada, aproximando-se do mais velho para o check-up. Saudou a filha deste antes de qualquer coisa, para continuar seus afazeres.

“Vejo que o senhor era mais forte do que pensávamos.”

“Mas é claro! Eu posso ter meus cinqüenta, mas ainda sou jovem!”

“Você se recuperou muito bem da última cirurgia.“

Respondeu o doutor, analisando a ficha hospitalar de Solberg. Pelo menos aquelas eram ótimas notícias. Sentia-se tão bem quando um dos pacientes tomava alta. Vencer o câncer não era para qualquer um, afinal das contas.

“Você tomará alta em três dias.”

O rosto dos outros dois se iluminaram, e o senhor chegou mesmo a chorar. Disse que jamais teria conseguido sem Lukas, e aquilo o deixava tremendamente envergonhado.

“Foi o senhor que conseguiu... Eu apenas dei um empurrãozinho, ja?”

Passou a dar os cuidados finais que ele deveria tomar daqui em diante, e se despediu dele, desejando boa sorte. Depois da consulta, se dirigiu à cantina, para comer alguma coisa. No caminho, encontrou-se com um colega de faculdade, que fez questão de não deixar Lukas em paz, obviamente.

“Lukas! Você sumiu!”

O francês anunciou ao se aproximar, abraçando o norueguês, que desconfortável, afastou-o de si. O outro sorriu e voltou a tomar um gole do café que bebia. Lukas foi até a máquina, comprando uma garrafa d’água.

“De fato, já faz um tempo.”

Francis era o responsável pela ala infantil, e era muito mais alegre do que Lukas. Bom, ele precisava ser. Bonnefoy era mais baixo que o norueguês, e um pouco mais esguio. Tinha cabelos louros, compridos e olhos azuis. Sempre pintava o rosto com um sorriso divertido.

“E como vão os teus pacientes?”

“Na mesma. Apesar de que o Senhor Solberg ganhou alta esta manhã. E as crianças?”

“Bem... Você sabe que é mais fácil para elas se recuperarem, mas... há uma garotinha que anda muito mal esses dias. Mas, sabe, um cara estranho foi hoje, mais cedo, até lá, e contou umas histórias de marinheiros e vikings para as crianças. Jeanne ficou tão feliz!“

Lukas olhou-o, desconfiado. Tomou um gole da água, coçando a cabeça.

“Homem estranho?”

“Oui! No começo eu fiquei meio incerto se devia deixá-lo entrar, mas depois ele me contou que também era um paciente. Qual era o nome dele, mesmo...? Ma... Mathias!”

O norueguês olhou firmemente para o francês, sem crer no que o outro dizia. Deu a garrafa d’água para Francis, começando a correr em outra direção. O francês não entendera nada, e só ficou estático no mesmo lugar, olhando atônito na direção de onde Bondevik sumira. Mas estava tão irritado! Mathias não tinha condições de perambular pelo hospital! Não estava bem! Como puderam deixar isso acontecer?! Dobrou os corredores, e nem se deu o trabalho de esperar pelo elevador: Foi direto às escadas.

Em um sôfrego, chegou ao quarto 502, abrindo a porta sem bater, eufórico. Mathias tomou um susto, voltando os olhos azulados à porta, rapidamente abrindo um sorriso ao ver quem era.

“Lukas! Pensei que hoje eu não tinha consulta com você!”

O norueguês tentou recuperar o fôlego, andando até o mais jovem. Apoiou as mãos na cama, olhando furioso para o rosto daquele idiota. O dinamarquês percebeu que tinha feito coisa errada, mesmo não sabendo direito o que era.

“Como... Eu disse... Você devia ficar de cama!”

Respondeu o médico, apertando os lençóis da cama. Mathias entreabriu os lábios, levando as mãos até as do outro, acalmando-o. A expressão era de arrependimento, e de mais um sentimento que Lukas não soube identificar. Automaticamente, toda a sua raiva esvaíra, e a expressão norueguesa tornou-se suave.

“Eu só queria fazer alguma coisa. Tentei ajudar as crianças que estão em situação semelhante a minha... Me desculpe.”

Só quando Mathias apertou mais suas mãos é que Bondevik percebeu que de fato as apertava de volta. O rosto corou violentamente, ficando evidente em sua pele alva. Afastou-se do mais jovem, pigarreando e retomando a pose séria.

“Eu o aconselho a não fazer isso. Pelo menos não até depois da cirurgia.”

Mathias olhou de modo sério para o mais velho, voltando a apertar discretamente o lençol.

“Cirurgia...?”

“Sim. Uma vez que seu estágio não é dos melhores, não há tempo para um tratamento em longo prazo. Agendei a sua cirurgia para daqui uma semana. Quarta que vem. Eu planejava lhe avisar nessa quinta, na nossa consulta, mas...”

O dinamarquês baixou os olhos, sem conseguir revidar dessa vez. Passou a mão pelos cabelos, voltando o olhar para a janela. Odiava dias cinzentos como aquele. Lukas acompanhou o olhar dele, para depois voltá-lo ao quarto. Havia algo de diferente. Havia um desenho junto à flor, no criado-mudo. Mathias observou o médico, suspirando e forçou um sorriso.

“Jeanne fez para mim. Vê? O mar, o barco e o cara loiro... Esse sou eu.” Respondeu, apontando para a ilustração infantil. Dessa vez, ele ergueu a mão, pegando a rosa e levando-a ao nariz. De repente, o médico voltou a corar de leve, envergonhado. Aquela era a rosa que tinha deixado no dia anterior.

“E alguém me deixou isso na noite passada. Sabe? Eu costumava a trabalhar em um barco pesqueiro. Eu pescava bacalhau. Não é um trabalho legal como o seu, mas... Eu gosto muito do mar.”

Bondevik sentou-se novamente ao lado dele, prestando atenção no que ele falava. Era a primeira vez que Mathias decidia contar algo sobre sua vida misteriosa, e Lukas sentia-se ansioso, especial. Queria saber tudo daquele excêntrico paciente. O outro sorriu carinhosamente, deixando a flor novamente ao vaso.

“Lukas, eu...”

“Doutor Bondevik, por favor.”

“Oh, me desculpe. É que eu não me sinto confortável o chamando assim... Você parece ser mais novo do que eu.” O outro respondeu, envergonhado. Lukas apenas suspirou, bagunçando os cabelos.

“Na verdade eu tenho 28 anos.”

Mathias pareceu surpreso.

“Sério?! Mas são três anos a mais do que eu! Puxa!”

E o silêncio novamente se instalou entre eles. Lukas não era muito bom em manter conversas, mas havia tanta coisa que queria perguntar, porém não tinha a coragem. Mathias também parecia desconfortável com aquilo, e então abriu a boca, chamando atenção do médico:

“S-Seus olhos. Eles são muito bonitos!”

Respondeu, apontando na direção do rosto de Lukas. Ele, por assim dizer, piscou diversas vezes, confuso. E então caiu na gargalhada. Era a primeira vez que rira daquele jeito em anos... Mathias sentiu o rosto enrubescer, e se escondeu por entre os lençóis. Bondevik limpou as lágrimas dos olhos, suspirando alto. Observou o outro, sorrindo docemente. Não devia ter preferência por pacientes. Não devia quebrar a sua conduta profissional, só que...

“Obrigado.”

Ao ver aquele médico, que raramente demonstrava que era um ser humano, sorrir daquele jeito, só pôde devolver o gesto, abertamente. Ao olhar novamente para janela, conseguiu ver um pequeno raio de sol iluminando a superfície do oceano ao final de seu campo de visão, e aquilo fizera Mathias suspirar.

“Ei, Luk—D-Doutor Bondevik... Você quer ir até o mar comigo, no dia em que eu sair dessa cama? Eu prometo te levar para um passeio no meu barco!”

Lukas acompanhou novamente o olhar dele, abandonando o sorriso gradativamente. A inexpressão voltara a invadir o seu rosto, e a voz soou monocórdia, mas ainda carregada de gentileza.

“Eu adoraria.”


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