A Lenda da Lua escrita por Paola_B_B


Capítulo 23
I. Sereia


Notas iniciais do capítulo

Olá gente! Que saudades de postar por aqui *o* Espero que gostem desta nova temporada, ela terá um ritmo um pouco mais acelerado do que a primeira temporada, vocês notarão pelos acontecimentos deste primeiro cap ;)



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I. A Sereia

Sentia-se tão agitado que não conseguia se concentrar em suas atividades. Irritado consigo largou a rede que tecia e seguiu em direção ao trabalho de seu avô.

Fazia anos que vivia junto de sua família no planeta Terra. Moravam no alto de uma montanha isolada por um grande precipício mantendo os curiosos humanos longe de descobrir sobre a eterna e cobiçada juventude. Gostava de visitar de tempos em tempos as cidades e vilarejos nos arredores. Tirava seu sustento trabalhando para ferreiros, pescadores e tratadores de animais.

Eram poucos os humanos que o tratavam com gentileza, a maioria dos homens eram rudes demais e tentavam a todo custo arrumar briga. Louis ignorava as provocações, o sistema hierárquico dos humanos funcionava mais como uma permissão para humilhações do que o respeito mútuo como era com a sua espécie. O que não quer dizer que ele não tenha encontrado humanos decentes.

Fazia pouco mais de um ano que trabalhava com os pescadores do porto. Ali era um local de grande movimento e estrangeiros vindos de todos os lugares costumavam parar para trocar ou vender suas mercadorias, descansar e arrumar uma cama quente - com uma mulher de preferência. Louis incomodava-se com o desprezo com que os homens tratavam as mulheres, como se elas fossem obrigadas a lhes servir. Estranhava o jeito com que os humanos deitavam-se com diversos parceiros, muitas vezes sem ao menos sentir algo especial. Bem, as espécies eram muito diferentes. Então bastava que aceitasse e respeitasse seus diferentes costumes.

– Hey Louis! Vai abandonar o trabalho a essa hora?! - gritou irritado o pescador para o qual trabalhava.

O humano de quarenta e poucos anos era um homem corpulento que sempre usava a barba comprida e mal aparada. Ele agitava a grande faca espirrando escamas de peixe para todos os lados. Louis torceu o nariz ao observar o seu "chefe" fazendo um escândalo em meio às barracas dos mercadores.

– Preciso falar com meu irmão, volto daqui a pouco! - informou alto já caminhando em direção à ferraria no fim do grande corredor de comerciantes.

O homem a quem chamava de irmão era na verdade seu avô. Mantinham a hierarquia familiar escondida dos humanos, não queriam que os confundissem com Deuses ou os acusassem de feitiçaria por possuírem a eterna juventude. Não que tivessem medo dos animais pensadores, muito pelo contrário, na maior parte do tempo os achavam patéticos e irritantes. Então pela vontade mútua de viver em paz escondiam sua real natureza.

– Augusto? – adentrou a barraca afastando a lona de seu caminho.

Olhou sem qualquer interesse para as diversas armas encostadas e penduradas por todo o espaço. Desviou da grande mesa que ali estava e foi até os fundos onde escutava o forte martelar do martelo no ferro quente.

– Entre filho, estou sozinho.

Augusto parou o seu trabalho e colocou a espada recém-preparada em cima de uma mesa de madeira. Virou-se sorrindo para o neto. A semelhança entre eles era tamanha que facilmente passavam por irmãos. Obviamente o justiceiro tinha o rosto amadurecido com marcas de expressões e olhos sábios como o tempo de sua vida. Já Louis tinha a juventude estampada em sua feição mesmo que seus olhos transmitissem grande experiência vivida.

– Oi. – cumprimentou cabisbaixo.

– O que há de errado?

O jovem sentou-se em um pequeno toco de árvore e olhou distraidamente para o fogo que derretia o metal da próxima espada a ser construída.

– Louis?

– Os sonhos estão cada vez mais fortes, vovô. Mais reais... E tem momentos que eu posso jurar que a escuto me chamando. Acho que estou enlouquecendo.

Augusto suspirou e puxou um toco para sentar-se ao lado do neto. Pousou sua mão sobre as costas do rapaz antes de aconselhá-lo com sabedoria.

– Você não está enlouquecendo Louis. – tranquilizou-o. – A ligação entre vocês é poderosa, filho. Talvez esteja na hora de você procurá-la.

– Como? Não sei onde ela está. Sequer sei se ela nasceu! Sequer sei se ela se lembra de mim!

O elementar sorriu brevemente.

– Já lhe contei a minha história e da sua avó?

Louis piscou com curiosidade. As memórias de sua vida passada ainda lhe eram um tanto turvas. Porém a cada história, a cada rosto familiar as lembranças pareciam vir naturalmente. Lembrava-se perfeitamente de chamar seus avós de pai e mãe, algo que lhe parecia estranho nessa vida. Amava sua mãe e seu pai e por vezes achou que poderia magoá-los pela forte ligação que tinha com os mais velhos. Entretanto seus pais eram deveras complacentes e respeitavam a relação que tinha com Michaella e Augusto.

– Bem... Nosso romance não foi muito bem aceito por sua avó. Ela sentiu tanto medo que fugiu com nosso filho em seu ventre. Reencontramos-nos novamente quando ele já adulto resolveu correr atrás de seu passado.

– Eu os reaproximei? – perguntou sorrindo orgulhosamente.

Augusto gargalhou. A situação, a olhos exteriores, poderia parecer confusa, porém para ele e sua companheira tudo parecia natural, não havia dúvidas ou medo, apenas conforto e paz. Ele amava ver a alma de seu filho renovada pela nova vida de seu neto. O Louis que conheceu há tantos milênios era um homem maduro que carregava em sua bagagem grande experiência. Agora, em sua frente, seu neto mostrava-lhe toda a pureza de sua alma com a ingenuidade de uma nova vida. Era algo incrível de se ver e ele se sentia afortunado por ter esta oportunidade.

– Sim... Em outra vida você foi o grande motivo por eu e sua avó ficarmos juntos. Mas o que eu quero que você entenda é que nós ficamos afastados por quase dois milênios e mesmo com toda a tristeza, decepção e mágoa acumulada nós nos entendemos e estamos juntos até hoje. E garanto-lhe que continuaremos assim até mesmo após a morte de nossos corpos.

Alguns flashes invadiram a mente do jovem. Nada muito específico, nada que pudesse formar uma ordem cronológica, mas a memória de abraçar Augusto e chamá-lo pai veio forte e avassaladora.

Notando os olhos perdidos do neto o justiceiro aguardou com paciência até que a pequena memória chegasse ao fim. Quando tinha novamente sua atenção continuou.

– Você e Anna tiveram algo muito especial. Algo que nem mesmo eu e sua avó compreendemos totalmente. Mas não tenho dúvidas que a história de vocês ainda não terminou. Não posso lhe dizer que ela já renasceu e está tão perdida em suas memórias quanto você. Não posso lhe dizer que ela ainda não nasceu, mas quando isso acontecer ela correrá para você. Não posso lhe dizer quanto tempo demorará para que estejam juntos novamente. O único conselho que posso lhe dar é que não deixe de acreditar. Não perca a fé, meu filho, pois você será guiado até ela por uma força que nem mesmo nós elementares podemos dominar.

– Essa força está me impelindo a procurá-la. É quase sufocante vovô.

– Então vá!

– Mas...

– Louis... Nós viemos para a Terra para punir nossos semelhantes de subjulgar a humanidade. Nesses poucos anos conseguimos derrubar todos os pseudo Deuses que governavam no sul deste continente. Meus extintos me alertam que ainda existem muitos tentando escravizar a humanidade no norte e nos outros continentes. Eu, sua avó e seus pais lidaremos com isso. Não se preocupe.

– Em minhas veias também corre o sangue dos justiceiros, também é o meu dever lutar contra eles.

Augusto sorriu com a firmeza das palavras do neto.

– Sim, é verdade. Mas também é seu dever lutar pela sua felicidade. Vá atrás de sua companheira, se pelo caminho encontrar problemas cumpra o seu dever, então continue a sua viagem.

Louis engoliu em seco observando o olhar carinho de Augusto.

– Sinto que devo seguir para o norte, em direção ao portal.

– Ajeite suas coisas com calma, despeça-se de seus pais e sua avó e então siga o seu caminho. Creio que chegará ao norte com maior rapidez se for de navio com os humanos.

– Navio? Não seria mais fácil que eu fosse pelo continente? E de preferência longe dos olhos curiosos dos humanos? Assim eu poderia ir voando ou correndo.

– A corrida é demasiada longa Louis, ficará cansado e ainda mais ansioso. O mar lhe fará bem e a rapidez do navio é quase a mesma que um voo direto.

– Acho que o senhor tem razão. – pensativo o jovem levantou-se e despediu-se rapidamente do mais velho.

Seguiu em direção as docas e não demorou a encontrar um navio que zarparia em pouco tempo. Ofereceu seu trabalho e algumas moedas de ouro em troca da viagem. O capitão apesar de olhar desconfiado para o pescador aceitou a barganha e avisou que partiria ao por do Sol.

Foi tempo suficiente para Louis demitir-se, arrumar uma pequena bagagem e despedir-se de sua família. Quando subiu no navio sentiu a barriga gelar com a grandeza daquele passo. Sabia que dali adiante sua vida tomaria um rumo que sequer poderia imaginar.

***

O navio seguia em alta velocidade em direção ao norte, a noite trouxera uma refrescante brisa para os marinheiros que aproveitavam o descanso da madrugada. O assunto principal ainda era a reação inesperada do jovem pescador que se mostrara mais perigoso do que aparentava.

Louis tentou afastar seus ouvidos dos cochichos focando no som do mar batendo no casco do navio. Não foi de grande ajuda. Bufando irritado teve vontade de se jogar ao mar e continuar sua viagem a nado.

– Hey garoto! Se não vier logo o vinho acabará! – chamou Morgan.

O jovem ponderou por rápidos segundos até que decidiu ceder, afinal se ele estivesse junto os outros seriam obrigados a mudar de assunto. Assim ele esperava.

Pegou uma caneca de metal e a encheu de vinho para então juntar-se ao grupo.

– Seu amigo está tentando nos vender histórias de monstros marinhos. – zombou Hector, um homem que se aventurara poucas vezes pelo oceano, entretanto tinha todo o aspecto de um experiente pirata.

Louis segurou a careta ao fitar os dentes escuros de sujeira do marinheiro.

– Vocês são novos demais! Ainda não tiveram tempo para ver aquilo que eu já vi por esses mares! Quando o vento desaparece e tudo o que você enxerga ao redor é apenas água é quando os sussurros começam a invadir sua mente, a névoa aparece do nada e o frio gela até os seus ossos. – a voz de Morgan soava sombria e profunda. – Eu já estive em mar aberto por 15 dias e 15 noites sem qualquer brisa, a comida já estava acabando e o vinho tinha terminado no dia anterior quando de uma hora para a outra o mar agitou-se e dez tentáculos saíram das águas abraçando o navio.

Sério? De novo a história sobre o Kraken? Louis bufou em pensamento. Humanos eram tão tolos. Sequer conheciam a própria fauna e já inventavam histórias sobre monstros e Deuses.

– A força do monstro é tão grande que é capaz de partir um navio ao meio e sugá-lo para a sua enorme boca que tem tantos dentes que ninguém até hoje conseguiu terminar de contar, o bafo podre é tão forte que desnorteia e paralisa os homens. Ninguém sobrevive ao ataque do Kraken.

– É mesmo? Se não existem sobreviventes quem é que contou pela primeira vez a história? – zombou Hector com seu sorriso sujo.

Os homens riram enquanto Morgan resmungava contrariado. O elementar apenas balançou a cabeça de um lado para o outro com um leve sorriso em seus lábios. Bebeu seu vinho tranquilamente enquanto escutava as besteiras ditas pelos humanos.

O vento que trazia o familiar cheiro de maresia balançava os longos cabelos dos homens bem humorados.

– Se é para contar histórias, nos conte uma que nos faça ter uma bela visão em nossas mentes. Já viu alguma sereia meu velho? – incentivou Jones com o rosto já corado devido ao vinho.

– Ora! Não brinque com isso rapaz! Sereias são criaturas terríveis, conheço diversos marinheiros que já foram hipnotizados pelo canto de sereias e com um beijo levado para as profundezas do mar.

– Eu não me importaria em morrer sendo beijado por uma linda criatura. – opinou William, um jovem de pouco mais de 25 anos de rosto que aparentava ainda menos idade.

Antes que as risadas se espalhassem Louis levantou-se rapidamente. O rosto virado contra o vento, o cenho franzido e os olhos perigosamente sérios. Seu olfato já acostumado com o cheiro salgado do mar misturado ao suor dos marinheiros foi atingido por um aroma doce. O elementar não sabia dizer quem era o dono ou dona daquele perfume, mas sabia que era alguém de sua espécie.

Os marinheiros que por poucos segundos direcionaram seus olhares para o rapaz assustaram-se com a inesperada estagnada do navio.

O vento que até então estava forte simplesmente parou. O clima que antes era descontraído encheu-se de tensão, pois todos podiam sentir suas peles arrepiando com a queda da temperatura.

– Vocês não deveriam ter desdenhado... – murmurou Morgan apavorado.

Os oito marinheiros seguraram o cabo de suas espadas, preparados para puxá-las a qualquer sinal de perigo, exceto Louis que correu até a popa aguçando ao máximo sua visão. O luar estava escondido pelas nuvens dificultando sua busca.

Um canto suave iniciou-se ao longe.

– Só pode ser brincadeira. – sussurrou Hector, seus olhos captaram o que Louis procurava.

O marinheiro estava a bombordo praticamente pendurado na beira do navio, seus olhos presos na criatura que nadava graciosamente em sua direção.

Os outros homens que também ouviram o canto vindo daquela direção correram até o seu lado.

– Pelos Deuses! – Morgan deu um passo para trás, mas logo voltou ao mesmo lugar não tendo forças suficientes para ficar longe de tão bela criatura.

A suposta sereia deslizava suavemente pela água. Seu rosto era emoldurado por longos cabelos loiros e os olhos, que um dia foram azuis, tinham a cor violeta. O belo rosto escondia a real intenção da mulher. Ela ainda cantava com a vaidade transbordando pelos seus poros. Nada podia agradar-lhe mais do que olhares cobiçosos.

Quando chegou perto suficiente do navio movimentou suas mãos graciosamente fazendo a água envolver seu corpo e levantá-lo até conseguir olhar para os homens de um plano superior.

Os marinheiros prenderam a respiração ao observar o corpo da mulher praticamente nu. Os longos cabelos cobriam seus seios e a longa saia que cobria suas pernas confundia-se com uma calda de peixe.

Ela parou de cantar e sorriu vaidosa mostrando os dentes afiados e pontiagudos. Neste momento os marinheiros assustados deram um passo para trás. Ela apenas saltou para dentro do navio.

Os homens não puxaram suas espadas, estavam encantados demais com a beleza da mulher para notar o perigo.

Ela observou com atenção cada um dos homens, mas seus olhos pararam no único que não a olhava com cobiça. Curiosa farejou no ar o diferente perfume. Sorriu como uma criança que acabara de ganhar um presente. Entretanto ela não sabia que diante Louis, a ingênua seria ela.

– Você tem sangue real. Devo me curvar diante de ti? – gracejou.

Louis continuou sério apesar de surpreso por ela, tão facilmente, ter notado que ele era um elementar. Pela mais antiga lei que exigia pelo menos um elementar no poder, os elementares eram conhecidos como aqueles que possuíam sangue real e eram tratados com a devida importância e respeito.

– Não sou um rei. – respondeu com o olhar fixo nos olhos violeta.

Lembrou-se das palavras de seu avô sobre cumprir o seu dever e perguntou-se se o justiceiro sabia que existia uma sugadora de sangue humano bem em meio ao oceano para que insistisse para fazer aquela viagem junto aos humanos.

– Mas é um príncipe... Diga-me... A qual família pertence? – caminhou lentamente na direção de Louis que caminhava para trás sempre mantendo a distância da mulher que sorriu astuta. – Deve pertencer à família dos sábios, vocês se multiplicam como coelhos.

Louis deixou que um leve sorriso aparecesse em seu rosto. Era natural que a família de Davi fosse a que tivesse mais descendentes, afinal quando foram para a Lua ele já possuía três filhos e soube que anos mais tarde sua esposa Úrsula deu a luz a mais uma menina para então seu ventre fechar-se assim como o ventre de todas as mulheres que davam a luz após o exílio para a Lua.

– Você está errada.

– Deixe-me tentar novamente então... Pertence a família dos curandeiros?

O elementar puxou sua espada preparando-se para acabar logo com aquilo. A sereia notou as duas pedras incrustadas na lâmina e imediatamente desmanchou seu sorriso. Deu um passo para trás com os olhos arregalados.

– Qual é o seu nome sereia?

– Talvez um dia você descubra. – sorriu nervosa e correu para a proa do navio.

– Pertenço à família dos justos. – Louis sorriu, sabia que ela já tinha notado esse detalhe.

Não podia evitar, era um guerreiro e amava cumprir o seu dever. Talvez fosse errado sentir prazer em banhar a sua espada em sangue, mas puxou esta característica de seu avô e era inútil refutá-la.

A mulher parou de correr, apavorada puxou o marinheiro mais próximo de si, Hector, e o usou como escudo. Arreganhou seus dentes ameaçando a vida do humano. O rosnado levou os outros observadores a puxarem suas espadas.

– Se você correr ou fizer mal a este homem será pior. – avisou Louis com o tom ameno.

A suposta sereia teve seu orgulho ferido e furiosa jogou Hector para o lado para em seguida correr avançando no elementar. Louis apenas ergueu sua espada e esperou o momento certo para ceifar a cabeça da agressora.

A cabeça loira ainda rolava pelo chão quando ele murmurou ironicamente.

– Esqueci-me de avisar que se me atacasse seria ainda pior.

Louis rapidamente guardou sua espada e jogou o corpo da sereia no oceano. Voltando seu olhar para os marinheiros ordenou.

– O que aconteceu aqui, morre aqui. Sem lendas sobre sereias, sem histórias sobre essa viagem. Continuaremos navegando até o norte e não falaremos sobre isso quando atracarmos. – cravou seus olhos em cada rosto.

– Acho que todos aqui entenderam meu caro. – afirmou o capitão do navio, um homem que passou boa parte de sua vida em alto-mar. Era um homem reservado e antissocial, não gostava de conversar com a tripulação, gostava apenas de comandar o seu navio e navegar sem grandes problemas.

– Ótimo.

O elementar caminhou até a proa e ali ficou pelo resto da noite. O único a ter coragem para se aproximar foi Morgan.

– Então garoto, que história é essa de sangue real?

Louis apenas ergueu uma sobrancelha para o homem que deu de ombros.

– Você disse para não falarmos sobre isso apenas quando atracarmos.

O jovem revirou seus olhos. Morgan era um bom homem afinal.

– É uma longa história Morgan.

– Não tenho nenhum compromisso nos próximos vinte dias.

– Então espero que não enlouqueça com tudo o que vou lhe contar.

***

A música suave enchia o salão abafando o som das animadas conversas. Casais rodopiavam pela pista de dança em uma sincronia quase perfeita. O clima era festivo e a princesa que estivera melancólica fora contagiada pela animação dos convidados. Era puxada a cada nova música por um novo parceiro, cada um com seu jeito singular de ser fazendo-a sorrir alegremente.

Nunca estivera tão próxima de seus súditos, é claro que sempre conversava com aqueles que a abordavam na rua, entretanto geralmente lhe dirigiam as palavras para algum requerimento que deveria ser transmitido aos seus pais. O tratamento festivo lhe era novidade e estava adorando.

Encantou-se com o jeito apaixonado que Téo descrevia sua própria família, a esposa faladeira e a filha hiperativa que no momento corria com as outras crianças pelo salão. Gargalhou durante toda a música com as histórias do ranzinza Yuri que parecia irritado com quase tudo o que acontecia a sua volta, exceto a jovem princesa sendo guiada pelos seus braços. Conversou educadamente com o sisudo Jonathan que apesar de primeiramente ter tomado a decisão de convidá-la a dançar por pura obrigação acabou por deleitar o momento e cativou-se com tão educada jovem. Virou novamente uma criança quando se juntou aos pequenos para furtar os doces antes que o banquete fosse servido. E ganhou o coração das mulheres quando elogiou a criação de seus filhos.

Anna tinha uma aura que fascinava quase todos que se aproximavam. Com sua doçura e honestidade ganhou facilmente o amor de seu povo.

Agora nos braços de seu segurança e amigo de longa data, Isaac, ela se via perdida observando as pessoas a sua volta. Sem qualquer intenção de repente procurava entre tantos olhos justamente aqueles que vinham habitando os seus sonhos.

– Procurando alguém? – perguntou Isaac com um sorriso contido.

Anna tinha a sensação que ele sempre enxergava algo além dela, que sempre escondia um segredo. Não de uma maneira ruim, mas de uma maneira orgulhosa, como um pai que vê seu filho tomar uma bela atitude sem que perceba estar sendo observado. Sua consideração e confiança por ele eram imensuráveis, de tal modo que não conseguia ser desonesta com ele, nem mesmo na mais banal das ações.

– Não sei ao certo.

– Está procurando alguém que não sabe quem é?

– É, eu sei que não faz muito sentido, mas é isso mesmo.

– Faz mais sentido do que imagina princesa. – novamente o sorriso contido.

A princesa estreitou seus olhos para o velho amigo que apenas continuou sorrindo.

– Não, não faz sentido.

– Você sabe um nome pelo menos? – Isaac não se deixou abalar pelo olhar inquisidor, era experiente suficiente para tecer uma conversa da maneira como melhor lhe conviesse.

– Não. Apenas uma cor.

– Uma cor? – o homem a fez rodopiar graciosamente e quando estava novamente em seus braços ela resmungou.

– Venho tendo esses sonhos estranhos... Com esses... Esses olhos acinzentados. – suspirou. – Deve ser apenas um sonho.

Percebendo a angustia de sua protegida sentiu que deveria dar uma esperança para aquele coração. Ao contrário de sua esposa e dos outros anciões ele sempre soube quem era ela, sempre teve certeza. Mesmo que a cor dos olhos fosse diferente e que a pureza fosse desconcertante ele sabia que era ela. Conforme Anna crescia a aparência física começava a assustar os céticos, mas para Isaac a certeza só crescia. Por muitas vezes teve vontade de procurar o sobrinho para que conversassem sobre aquilo, mas na última vez que viu Max a rainha Ísis ainda estava grávida e ele partia com sua companheira para resolver problemas no planeta.

Quando via o olhar perdido da princesa tinha vontade de contar tudo o que sabia sobre o passado, mas após ponderar por alguns minutos ele sabia que deveria manter o segredo e manter seu papel de espectador daquela tão especial alma.

– Em suas veias também corre o sangue dos videntes, talvez seus sonhos não sejam apenas sonhos, talvez algo esteja para vir em seu futuro.

Um calafrio passou-se pela espinha da princesa.

– Eu espero que esteja errado Isaac, meus sonhos não são doces como imagina.

– Você já ouviu falar que quando as trevas são fortes demais elas acabam virando luz?

– Esse é algum provérbio da sua época de juventude? – perguntou confusa para então sorrir matreira. – Às vezes esqueço-me o quanto é velho.

– Tenha mais respeito menina. – resmungou contrariado antes de continuar seu raciocínio. – O que eu quero dizer é que quando estamos cercados de coisas ruins devemos nos apegar naquilo que há de bom, pois sempre há algo de bom, mesmo que seja difícil de enxergar.

Anna pensou por alguns segundos nas palavras do amigo e foi muito mais fácil do que imaginou encontrar “algo bom” em seus terríveis pesadelos. Seguindo o conselho fechou seus olhos e pensou com toda a sua força naqueles olhos gentis. Quando sentiu seu coração mais leve abriu seus olhos novamente sorrindo em agradecimento para Isaac.

Ao final da música os dois caminharam até a mesa em que Calixa, companheira de Isaac, e sua amiga Yasmin conversavam.

– Boa noite princesa. – cumprimentaram com uma leve reverência.

– Como vão? – Anna retribuiu o cumprimento com um leve sorriso para logo em seguida iniciarem uma conversa animada sobre a chuva de estrelas que estava prevista para dali alguns meses.

O principal salão do castelo era gigantesco e estava completamente enfeitado para o aniversário da princesa. Grandes mesas redondas formavam um grande círculo em volta da lotada pista de dança. Cada mesa era decorada com belíssimos arranjos de flores silvestres dando cor às toalhas brancas. Os músicos estavam perto da grande escadaria que levava ao corredor norte. Em frente a eles, do outro lado da pista, estavam grandes mesas repletas de quitutes.

Pela primeira vez em milênios as portas do castelo foram abertas para toda a população. Apesar do desconforto com os revoltosos, rei Argos não acreditava que eles pudessem causar algum tipo de confusão. A opinião divergia do chefe da Guarda Real, Mathias preferia a cautela e deixou seus homens a postos ao redor do castelo e em lugares estratégicos da cidade. Mesmo assim ainda sentia-se inseguro com os portões abertos.

Mathias descendia da família dos sábios e tanto Argos quanto Ísis tinham grande apresso por ele.

Os três conversavam amenidades quando um dos homens de Mathias adentrou o salão e caminhou discretamente até eles.

– Majestades. – cumprimentou antes de voltar-se para o chefe. – Senhor fortes boatos vindos das ruas da cidade dizem que os revoltosos pretendem criar problemas na festa da princesa.

– Que tipo de problemas? – inquiriu Ísis preocupada.

– Do tipo em que entram na festa como qualquer outro convidado, minha rainha.

Imediatamente os quatro voltaram seus olhares para a entrada principal buscando qualquer suspeito. Argos estremeceu ao notar sua filha perto demais da porta, o pressentimento foi quase como uma previsão, pois segundos depois três homens adentravam o salão, não foi difícil identificá-los como problema.

Os três pares de olhos eram vermelhos como sangue e seus sorrisos eram afetados.

Não era novidade que os líderes mais radicais usassem do pior crime para coagir as pessoas de bem à sua causa.

Com a respiração suspensa os governantes da Lua tentaram caminhar em direção a porta, entretanto não houve tempo, pois uma grande força azulada empurrou todos os convidados, inclusive eles, para longe da porta. Gritos e murmúrios assustados foram proferidos com a mudança brusca de suas ações e pensamentos.

Quando finalmente o rei e sua companheira conseguiram chegar a frente de todos foram atingidos por uma grande surpresa. A doce menina que sempre tratou a todos com gentileza e por muitas vezes era tratada como uma criatura extremamente frágil não mostrava mais a aura imaculada.

A postura firme e o rosto impassível demonstrava uma força de comando muito maior do que a realeza que a antecedia. O poder que protegia todos os convidados podia ser sentido até mesmo pelos menos sensíveis. Mas o que realmente surpreendeu foram os olhos azuis da princesa.

– Vocês não são bem vindos. – avisou Anna, sua voz tomando vibrações de uma mulher experiente.

Os três homens estagnaram em seus lugares, não esperavam que justamente ela fosse reagir. O plano era levá-la e assim obrigar o rei a ceder a suas convicções. Mas com um arco de fogo azul e flechas apontadas em suas direções fariam com que mudassem imediatamente de plano.

A princesa já tinha o amor de seu povo, agora ela conquistara seu respeito.


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Notas finais do capítulo

Alguém aí que lia ALL(fic) notou o "remake" da passagem em que homens invadem o castelo em meio a uma festa? Espero que tenham gostado ^^

Os caps desta temporada demorarão um pouquinho mais para serem postados, mas tentarei não passar de 20 dias :*



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